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Chocalipse!

Chocalipse!

| Desfavor | | 24 comentários em Chocalipse!

+Chocalipse é o nome do fenômeno que indica a escassez iminente do chocolate. Estima-se que em 2020 a demanda mundial de cacau ultrapasse a produção (veja o gráfico abaixo). Se essa situação se concretizar, as barras de chocolate deverão encarecer 60% e os ovos de Páscoa, que já são muito mais caros que os tabletes, por causa do formato, deverão acompanhar a alta.

Sim, vamos falar da escassez iminente de chocolate. Lidem com isso. Desfavor da semana!

SALLY

O fenômeno tem nome: Chocalipse, o apocalipse do chocolate. Por causa de uma confluência de fatores que você pode facilmente encontrar no Google, que vão desde pragas que assolam as plantações até aumento no consumo mundial, o chocolate está entrando em extinção. E não estamos falando de décadas, e sim de anos. Estima-se que, nesse ritmo, tenhamos escassez de chocolate em quatro anos.

Olha, em oito anos de Desfavor, vocês nunca me viram preocupada com alarmismos futuros. Durante muitos anos massificaram a ideia de que faltaria água no planeta e eu nunca me preocupei, muito pelo contrário, em algumas ocasiões, até debochei do assunto. Pois bem, hoje eu estou preocupada. Foda-se água, mas se faltar chocolate… Não há razões para continuar se faltar chocolate. VEM PRA RUA!

Rica eu já sei que não vou ficar. Amor de verdade tá improvável. Trabalhar só fazendo o que gosta é difícil… e ainda vão me tirar o chocolate? Mas que caralho! Preparem-se, meu texto de hoje são duas páginas reclamando, do começo ao fim. O homem pisa na lua, o homem inventa carro que não precisa de motorista, mas não conseguem matar um inseto que devasta a plantação de chocolate?

Eu não bebo. Eu não fumo. Eu não uso nenhum tipo de drogas ou qualquer substância que cause entorpecimento. A única coisa que de fato sou viciada é a porra do chocolate, e vão tirar isso de mim? Se eu soubesse, começava a fumar com 14 anos, afinal, nenhuma praga assola a plantação de tabaco. Não há felicidade sem chocolate. Vou comer o que no meu sábado à noite? Banana? Maçã? Ou aquela coisa escrota, confusa e ardida chamada “canela”? Canela é tão escrota, mas tão escrota, que você oferece para cachorro e ele vira a cara!

Isso é um desaforo. Cientistas criam antibióticos, energia nuclear mas não podem assegurar a sobrevivência do chocolate? Tá errado, as prioridades estão erradas, Mermão. Bora deslocar uma equipe digna de Nobel e trancar todo mundo em um mega laboratório e só abrir quando a existência do chocolate esteja assegurada. É pelo bem da humanidade. Faz as contas de quantas mulheres no mundo entram em TPM por dia, faz! Isso vai te dar uma ideia do cenário devastador de dor e destruição que está por vir se o chocolate for extinto.

O pior vocês não sabem: existe uma suposta chance de reverter o quadro na base das plantações, tudo depende da… BAHIA. Isso mesmo, estima-se que pelo clima, pelo solo e por outros motivos, seja possível fazer um “backup” de cacau ali. HÁ! TÁ BOM! VEM LOGO METEORO, que eu não quero viver em um mundo sem chocolate! Alô alienígenas, se tiver chocolate em outros planetas, estou aberta a abduções!

Se essa desgraça de fato se concretizar, não quero nem saber, os homens vão ter que dar um jeito de ser menos filhos da puta irritantes e não aborrecer as mulheres, porque olha, caso contrário, o número de homicídios vai subir vertiginosamente. Sério mesmo, comecem a repensar a forma como tratam mulher, porque vai ficar feio para vocês. Cabeças (de baixo) vão rolar!

Aproveitem esta páscoa, em alguns anos pode ser que troquemos ovos de brócolis. Pior do que isso: Fruta vai ser sinônimo de sobremesa, não somente para a sua mãe, mas para toda a humanidade. A coisa mais apetitosa que teremos em matéria de sobremesa açucarada serão aqueles doces portugueses que são basicamente um combo de ovo e açúcar. Mas vocês não se importam, não é mesmo? Vocês gostam de Yakult e, aparentemente os lactobacilos estão mais vivos do que nunca, sem o menor risco de extinção. Tenho pena dessa próxima geração que vai crescer acreditando que essa porra de girafa é sobremesa!

Como se não tivesse desgraça suficiente no mundo… como se guerra, fome e religião já não tornassem a vida insuportável. Como se não bastasse viver no Brasil, com mais de 15 anos de PT no poder, com clima quente que faz o cu suar, com prestação de serviços públicos risível, ainda vou ter que encarar tudo sem chocolate? Fala sério, então ao menos libera alguma droga, qualquer uma. Legaliza alguma coisa aí, ficar sem chocolate demandará uma substituição.

Parabéns aos cientistões que estão aí focados em vacina contra Zica, vacina contra o câncer, vacina contra tudo. Eu lhes pergunto: adianta salvar vidas quando não há mais motivação para viver? Se eu adoecer em um mundo sem chocolate, vocês por favor me deixem ir, estamos combinados?

Gente, é preciso atitudes drásticas. Mesmo que o chocolate acabe, vamos estender isso para dar tempo de eu morrer antes de presenciar essa desgraça. Vamos abolir aquele chocolate escroto 70% cacau. É tempo de escassez, onde já se viu esbanjar? É hora de contenção de despesas, chocolate ao leite 20% de cacau tá ótimo, que é para render mais. E quem for visto dando chocolate para animais, recebe 50 chibatadas em praça pública. Se é para dar chocolate para qualquer criatura viva, que seja para mim!

A humanidade tem que fazer um pacto. O pouco chocolate que nos resta tem que ser usado com sabedoria e não para fazer atrocidades como o bombom Caribe. E se de fato chocolate acabar, não é possível que não consigam fazer um alimento com textura semelhante, artificialmente aromatizado. Se não sabem emular o sabor, fala com o pessoal da Victoria’s Secret que eles ensinam. Aproveita e tira a gordura e o açúcar, assim podemos comer o pseudo-chocolate sem engordar.

Fica aqui meu apelo: SALVEM O CACAU!

Para dizer que aconteceu coisa pior esta semana e ouvir um palavrão, para dizer que leva fé na competência da Bahia e ouvir uma gargalhada ou para usar este texto como desculpa para encher os cornos de chocolate nesta páscoa: sally@desfavor.com

SOMIR

Na verdade, o tema é quase que uma desculpa para deixar Sally surtando por duas páginas. É sempre divertido, isso é, pelo menos quando ela não está me xingando nesse processo. Mas ênfase no “quase”. Quase uma desculpa porque tem algo muito grande por trás dessa história toda: a cultura da abundância e do desperdício finalmente cobrando seu preço.

O cacau tinha toda cara de ser uma das primeiras vítimas dessa história, planta especialmente frágil, produção frequentemente em pequena escala, métodos antiquados… tudo isso somado à universalidade do chocolate. Até onde eu sei, nenhum povo ou cultura desse mundo rejeita a iguaria. Quanto mais gente tiver acesso, mais vai se consumir. Não querendo ser hipster, mas já sendo, eu já tinha lido sobre isso vários anos atrás. Era uma tragédia anunciada com países como a China descobrindo os prazeres do consumo desenfreado.

SE tivessem se preparado lá no começo para a situação atual, talvez não corrêssemos tanto risco como corremos agora, mas nada mais humano do que só se mexer quando a água começa a bater na bunda. E sem querer contemporizar demais: é compreensível que demore algum tempo até as pessoas entenderem processos complexos como esse. Até poucas décadas atrás, acreditava-se que o modelo de crescimento exponencial de consumo fosse sustentável. “Nunca vai acabar…”.

Mesmo que você não seja rico, saiba que vive numa era de abundância sem precedentes. Conversa com alguém mais velho pra perceber isso: principalmente na alimentação, temos à nossa disposição uma quantidade imensa de opções, por preços ridiculamente baratos. Claro que a maior parte da humanidade ainda não partilha dessas benesses da variedade e quantidade de alimentos, mas os que partilham consomem e desperdiçam por todos os outros, e ainda sobra.

Agora, por que eu digo que os preços são ridiculamente baratos se cada ida no supermercado é um golpe dolorido no bolso atualmente? Porque mesmo que um ovo de páscoa, por exemplo, esteja um absurdo de caro, ainda sim pode apostar que ele está incrivelmente mais barato do que deveria se vivêssemos numa sociedade igualitária e consciente de suas responsabilidades sociais e ambientais. Uma das forças que mais derruba preços nesse mundo é a força do trabalho escravo e/ou infantil. O dinheiro economizado ao explorar trabalhadores acaba sim aliviando o nosso orçamento no final do mês. É uma verdade que ninguém gosta de encarar, mas com certeza gosta de se aproveitar.

Descaso com o meio ambiente também deixa os produtos que compramos com um preço muito menor do que deveriam ter. Se o Brasil começasse a levar a sério a fiscalização ambiental, pode ter certeza que tudo o que leva carne e soja, por exemplo, seria bem mais caro. Mas BEM mais caro mesmo. Produtores não são santos, mas também estão amarrados com todos nós com os preços esperados por seus produtos. Você pagaria o dobro por um alimento que não causou males ao meio ambiente e que não teve exploração de trabalho humano em nenhuma etapa do processo? Talvez se você ganhasse o dobro, não?

E como isso volta ao tema do cacau? Pois bem: colocamo-nos nessa situação. O gosto do ser humano pelo chocolate gerou um mercado gigantesco, e o produto foi se adaptando para ficar cada vez mais acessível. Agora que estamos vendo o chocolate com mais do que traços de cacau ter alguma popularidade, mas historicamente o processo foi colocar cada vez menos cacau no produto para manter os preços baixos o suficiente para vender para muita gente. Bola de neve: quanto mais o chocolate ficava acessível, mais gente “viciava” e passava o gosto pra frente. E as expectativas do preço do chocolate foram solidificando-se na cabeça das pessoas.

E quando o produtor tem uma meta de valor para alcançar, ele vai se esfolar todo pra conseguir, fazendo alguém pagar o preço. A maior parte da produção mundial de cacau vem da África, comprada a preços ridículos que só são possíveis por descaso ambiental (o que vai enfraquecendo a matéria prima) e abuso de trabalho escravo e infantil. O simples passo de modernizar o processo e até mesmo trabalhar na genética do produto encareceria o processo de tal forma que não se poderia manter os preços praticados. E nós aceitaríamos isso? Claro que não. Queremos mais chocolate!

Quando os chineses e indianos entram na cultura do consumo desenfreado, é muita boca pra pouco chocolate. E olha o problema: quando a demanda estraçalhar a oferta, o preço vai subir vertiginosamente sem nenhuma melhora no processo produtivo. Quem ganha dinheiro com isso vai ter o crime perfeito na mão! Continuar pagando mixaria para quem produz e cobrar muito mais caro do consumidor final. O incentivo de produção moderna e eficiente vai continuar atrasado por um bom tempo.

A globalização dos hábitos de consumo foi muito mais rápida que a dos processos de cultivo de produtos como o cacau. E isso tende a ser um padrão que vai se repetir várias vezes com o passar dos anos. Até 2050, seremos dez bilhões, cada vez mais de nós com dinheiro e sanha consumista suficiente para querer fazer parte da era da abundância. Mas a era da abundância acabou. Males da progressão populacional humana. Nossas gerações escaparam da bala do colapso da produção de petróleo, mas não dá pra contar sempre com alguma solução mágica no futuro. Teria que se planejar como manter o cacau abundante há décadas atrás, mas isso não foi feito. Vamos ver cada vez mais disso. Bem vindos ao futuro!

Ah, e só pra não perder a viagem: a banana está indo pro mesmo caminho. Se por um acaso você gosta de banana split com calda de chocolate, aproveite enquanto é barato. Logo logo não vai ser mais.

Para dizer que eu tirei leite de chocolate hoje, para dizer que o verdadeiro desfavor vai ser a mulherada toda que nem a Sally agora, ou mesmo para dizer que as pessoas nem gostam de chocolate (verdade, comem leite com açúcar): somir@desfavor.com


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