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Inquirindo.

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| Desfavor | | 17 comentários em Inquirindo.

Semana Anta 2016: Ninguém espera a Inquisição Espanhola! Para comemorar esta data tão especial, o desfavor segue para mais uma semana histórica. Dessa vez, Tiagón de Somir e Sallyta estão no seio da Igreja Católica, em pleno século XV na Espanha.

A Espanha acaba de começar seu processo de unificação, os reinos de Aragão e Castela se juntam através do casamento de Fernando e Isabel, numa terra onde católicos, judeus e muçulmanos vivem em relativa paz. Até que isso começa a causar alguns problemas para negociantes locais. Tiagón de Somir é um frei, Sallyta é uma freira, mas ambos tem maiores ambições… os impopulares ajudam a escolher qual o melhor plano de ação que eles consigam o que desejam.

Tema de hoje: Inquisição na carne ou no bolso?

Frei Tiagón de Somir

Irmãos e irmãs, que alegria poder falar com vocês nesse belo dia abençoado pelo Senhor. Vocês sabem que Ele tem um plano, não? Um plano para cada um de nós. Do mais humilde camponês ao mais abastado monarca, todos veículos de Sua imensa sabedoria. Nada acontece à toa, não há coincidências. Há um plano.

Mas o homem, sábio quanto for, ainda é mera criança assustada diante de tamanha grandiosidade. Eu mesmo já tive meus momentos de fraqueza, de dúvida… meus pais me colocaram num mosteiro dominicano quando mal havia saído da infância. Diziam que minha índole precisava de controle, que minha alma seria corrompida caso não fosse curado imediatamente pela vida de renúncias e reflexão de servir ao Senhor. Eu os reneguei, eu tive raiva, eu culpei o homem, eu culpei o divino. Eu… culpei o divino. Jovem tolo, arrogante. Mas não para sempre.

Eu encontrei uma resposta. Uma compreensão que só poderia ter vindo de muitos anos de estudo das escrituras sagradas, de muita convivência com homens e mulheres de fé: a de que não importa o que você faça, é o plano divino. Se Deus não quisesse que eu vendesse ópio para os necessitados, já teria se feito ouvir. Eu rezo todos os dias, estou sempre de ouvidos abertos. E eu só ouço o som das moedas de ouro se acumulando. Eu estou sentado num mosteiro repleto de homens com muito tempo livre, que não despertam nenhuma suspeita onde vão, que tem tráfego livre por todas as camadas sociais e que, e Deus seja louvado, fizeram um voto de pobreza.

E antes que alguém me acuse de estar deturpando os significados da minha posição, garanto que só faço o que faço para enriquecer a Igreja. Para que a palavra do Senhor seja ouvida em todos os lugares. O que acontece é que tecnicamente eu não fiz nenhum dos votos que meus irmãos fizeram. Meus dedos estavam cruzados no momento. O bispo não viu, mas Deus com certeza. E se eu ainda estou aqui, é porque faço parte dos planos Dele. Eu me considero um ajudante independente da causa. Se eu acumulo riquezas, se eu tenho algumas concubinas, se eu eventualmente tenho que usar de alguma violência contra concorrentes, tudo parte de Seus planos.

A unificação dos reinos não foi de toda ruim, ainda mais sendo planejada pela Sua Santidade em pessoa. Mas isso causou alguns problemas. Irmão Tomás de Torquemada acabou assumindo o controle do meu… território. Homem santo aquele, sem dúvida, mas sem o tino comercial do antigo líder, com o qual eu tinha um arranjo mais… vantajoso. Começou a ficar bem complicado manter os negócios funcionando, e nem mesmo podemos mais trazer mulheres para o mosteiro. Digamos que meu negócio sofreu um certo impacto com isso. E os judeus, com os quais tinha excelentes acordos até então, começaram a ficar gananciosos. Sentiram minha fraqueza e expandiram seus territórios. Os muçulmanos não foram melhores: aumentaram os preços da matéria prima assustadoramente, sabendo que minha influência estava bem menor.

Isso vai contra os planos de Deus. Isso não pode continuar assim. E não vai, pois fui iluminado ao conhecer uma bela freira chamada Sallyta. Nos aproximamos quando eu tentei descobrir se ela tinha cruzado os dedos também durante seus votos de castidade, mas acabei achando algo ainda mais valioso: a confidente da Rainha Isabel. Sempre acreditei que era Tomás o verdadeiro confidente, mas é óbvio que uma mulher como a rainha jamais conseguiria se comunicar com aquele santo, porém extremamente perturbado homem de Deus. Sallyta virou a chave de tudo isso, com seu acesso especial à Isabel, convencendo a rainha eu convenço todo o reino. Sallyta foi colocada na Igreja contra sua vontade e quer muito sair. Eu posso ajudá-la, mas primeiro ela tem que me ajudar.

O plano? Modéstia à parte, eu aprendi com O melhor. Já ouviram falar de algo chamado Inquisição? É como se fizéssemos uma Cruzada sem sair de casa. Tomás é louco por isso! Seus olhos brilham e sua boca saliva com o prospecto de atacar todos que não seguem os ensinamentos da Igreja Católica. Minha ideia é reinstituí-la, e mais poderosa do que nunca. E com Tomás no controle de tudo, pelo menos na visão dele. Assim, o frade deixa meu mosteiro em paz, usamos toda a força da monarquia para atacar judeus e muçulmanos que ferem meus negócios e veja só, eu posso ficar com o cargo antigo dele. Ah, sim, e eu dou meu jeito de fazer Sallyta “desaparecer” para levar a vida que deseja. Estamos na mesma ordem, afinal.

Mas o meu trunfo também é meu problema. Sallyta insiste que uma Inquisição clássica não serviria bem, que deveríamos atacar os cofres de judeus e muçulmanos ao invés de espancá-los e queimá-los. Vejam bem, se a coroa aumentar impostos e confiscar bens, eu não vou mais ter acesso a eles quando retomar meus territórios. Isso não é bom para os negócios. Mas eu tenho mais motivos para defender a via mais sangrenta: funciona. Funciona divinamente. O medo resolve problemas mais rápido. Não me faz feliz que alguns inocentes acabem torturados e mortos, mas conhecendo Torquemada, ele vai perder a mão tão rápido que ninguém mais vai ter coragem de defender a Inquisição. Vai durar só o que precisa, eu vou denunciar meus concorrentes, meus irmãos vão tirá-los do mercado, e logo depois Tomás será expulso por um reino escandalizado.

É a opção mais humana. Esvaziar os bolsos de judeus e muçulmanos só vai deixá-los mais raivosos e propensos a me atacar. Quer dizer, atacar as pessoas de bem. E no longo prazo, vai ser ainda melhor: com um exemplo grandioso de perseguição a judeus e muçulmanos, o mundo vai pensar mil vezes antes de fazer mal a eles novamente.

Preciso de apoio para convencê-la dos planos de Deus. Não se faz uma Inquisição sem quebrar uns ossos.

Para dizer que só pode dar tudo muito certo, para dizer que é certeza que não vai dar merda, ou mesmo para dizer que concorda muito comigo: tiagon@opioabencoado.es

Freira Sallyta

Não serei hipócrita, meu desejo final é apenas um: minha liberdade. Não ficar enclausurada, não ter que me vestir como um pinguim e não ter que aturar mais aquela quantidade de mulheres histéricas. Não quero ser freira, nunca quis ser freira. Mas para ser livre, preciso de ajuda de alguém poderoso.

A rainha certamente não vai me ajudar, sou útil por perto, ela jamais me libertaria das minhas obrigações religiosas por medo que eu siga meus próprios caminhos e ela perca sua conselheira. Minha única esperança é o nada confiável Tiagón de Somir, oficialmente um Frei Dominicano e extraoficialmente um traficante de ópio.

Seu negócio vinha crescendo, mas judeus e muçulmanos começaram a atrapalhar. Os judeus, muito mais hábeis que o resto da humanidade nos negócios, conseguem comprar pelos menores preços e fazer um lucro grande na venda. Desconfio que misturem outros componentes, para fazer com que o produto renda mais. Os muçulmanos, por sua vez, estão cobrando muito caro para entregar o produto. Os malditos sabem ter o domínio da matéria prima e fazem as exigências mais absurdas na hora de negociar.

Assim, os negócios de Tiagón estão decaindo, e com eles, minha esperança de me livrar destas vestes ridículas e desta vida miserável. A solução parece bastante óbvia: neutralizar judeus e muçulmanos com um único golpe. A questão é como fazê-lo.

Tiagón insiste em amedrontá-los para que eles desistam e se afastem, mas algo me diz que judeus não se afastam do seu patrimônio nem mesmo se um louco começar a executá-los de forma coletiva. Essas criaturas são muito apegadas a bens materiais, nem mesmo com intervenção cirúrgica largam seus bens ou a possibilidade de explorar um mercado crescente como o atual. Não vejo intimidação possível para que eles abram mão de lucro. Tiagón acha que se instigar e der poderes a Tomás de Torquemada, ele é sádico e lunático o bastante para colocar os judeus para correr. Afastando os judeus, a demanda de compra dos muçulmanos vai diminuir e eles terão que ser mais humildes ao negociar seu produto.

Não gosto de blefes, nunca gostei. Cedo ou tarde, blefes são descobertos. Acho que a melhor solução é a lei. Nada de encarceramento, devemos começar a cobrar taxas, impostos altos de todos eles. Assim, mesmo que decidam ficar, não terão condições de competir em igualdade com Tiagón, pois serão onerados por um alto valor a ser pago para a Rainha. Isabel, é claro, vai adorar a ideia de ter mais dinheiro entrando no seu reino. Se é para usar o lunático do Tomás, que seja na hora de cobrar um imposto.

Apenas por precaução, já plantei uma sementinha na cabeça da rainha. Inventei que existem terras inexploradas do outro lado do oceano, repletas de riquezas naturais como ouro e prata, e que o primeiro a chegar nestas terras dobraria sua fortuna. Isabel pareceu animada com a ideia, já que o os cofres do reino andam falidos, e me pediu para pensar em meios para financiar uma expedição. Tenho pena dos coitados que chegarão à ponta do oceano e cairão em um precipício sem fim, mas as atuais circunstâncias me obrigam a pensar em mim em primeiro lugar. Vou continuar alimentando essa mentira.

Se meu plano for levado adiante, vou sugerir que se cobrem impostos altos de todos aqueles que não forem católicos, fechando o cerco cada vez mais, impondo cada vez mais sanções aos de outras religiões, para financiar esta expedição fictícia que enriquecerá a Espanha. Isabel confia em mim muito mais do que naquele idiota do Tomás, que apenas é o conselheiro oficial por ter nascido homem. Certamente ela vai me ouvir. Convencendo a Rainha, o resto será fácil: Tomás tem ódio legítimo de todos aqueles que não são católicos, organizará a cobrança com o maior prazer. E certamente acabara muito desgastado no processo. Já tentou cobrar dinheiro de um judeu? Pois é, sua queda é inevitável.

Com judeus e muçulmanos neutralizados e Tomás morto ou desgastado pelo processo, Tiagón terá o monopólio do mercado de ópio e, como sempre ocorreu na história, com o dinheiro, virá o poder. Com o poder, ele poderá requisitar minha presença a seus serviços e me libertar desta vida medíocre.

O principal obstáculo é o próprio Tiagón. Ele acha que meu plano vai falhar, pois judeus são ardilosos e muçulmanos são rebeldes. Ele acredita que enquanto os judeus esconderão seus bens, se fazendo de pobres coitados, burlando Tomás sem sequer enfraquecê-lo, enquanto os muçulmanos se recusarão a pagar, obrigando a Espanha a uma atitude drástica (e cara) para não ficar desmoralizada.

Por mais que eu insista que judeus podem ser fiscalizados, ele contou diversas histórias assustadoras de judeus que esconderam pertences de valor em seus próprios ânus e coisas piores. Mas eu ainda confio na determinação e fanatismo de Tomás. Tiagón, por sua vez, acredita que a insanidade de Tomás combina melhor com intimidação e medo.

Contudo, Tiagón está amarrado a mim. Apenas eu tenho acesso à Rainha. Ele tem a liberdade e os contatos para traficar ópio, mas quem consegue viabilizar o negócio internamente sou eu. Sozinhos fracassaremos. Mas, para prosseguir juntos, um de nós tem que ceder. Em uma coisa concordamos: para o plano funcionar, devemos soltar nosso cão raivoso da coleira. Tomás fará o trabalho sujo. Mas é apenas um idiota, certamente teremos pleno controle dele e quando não servir mais a nossos propósitos, o neutralizamos novamente. É a mim que Isabel escuta, não a ele.

Não acredito que o medo seja mais eficiente que a lei. Temos a Rainha nas mãos, certamente conseguiremos fazer cumprir qualquer lei. O povo está acostumado com impostos e com cobranças. Não seria nada novo. Com sorte, estes impostos fariam com que judeus migrem para regiões economicamente mais favoráveis e, com azar, eles estariam fora do mercado, pois o custo do seu produto seria onerado a ponto de não ser mais competitivo. Um plano limpo, certeiro, matemático.

Bem, enquanto vocês nos ajudam a decidir o melhor plano, eu vou preparar a cabeça da Rainha para dar mais poderes a Tomás, pois de uma forma ou de outra, vamos precisar dele…

Para dizer que pior cagada de todas foi dar a ideia da exploração de novas terras, para opinar sobre o melhor plano ou para lamentar a semana temática e voltar aqui só no sábado: sallyta@conventodascarmelitas.com


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