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Violentas.

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| Somir | | 7 comentários em Violentas.

Notícias de violência contra mulheres são terrivelmente comuns, não passa um dia sem que uma seja tão terrível para até a mídia de massa achar suficientemente explorável. Não deveríamos ter nos acostumado, mas é o que acabou acontecendo. Só que de tempos em tempos surgem notícias que invertem essa lógica: mulheres atacando homens. E infelizmente, até mesmo para elas, essas agressões normalmente são vistas como justificadas e até engraçadas. Não existe igualdade assim.

O ser humano consegue fazer coisas tenebrosas um com o outro, com as mais diversas motivações. Aprendemos com o passar do tempo a considerar que só algumas dessas motivações são suficientemente válidas para abrandar a percepção de culpabilidade de uma pessoa. Todo mundo que faz algo de violento com outra pessoa tem algum motivo, mas entre pessoas que o fazem para se defender ou por honesta incapacidade de agir racionalmente há sim a presunção de falta de escolha. Porque se fica definido que havia uma escolha, é melhor nem tentar entender o que motivou aquele ato, aí entra uma subjetividade perigosa que torna a vida de todos nós menos segura.

Mas é claro, essa ideia não funciona exatamente assim na prática. Vira e mexe vemos as pessoas tentando justificar essas escolhas pelos seus valores pessoais, aplaudindo quem “mata bandido” ou seja lá o que considere uma vítima aceitável em sua visão de mundo. A questão que eu trago aqui é uma variação dessa ideia de “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei” no contexto da violência que mulheres cometem contra homens. Parece automática demais a noção que se uma mulher faz algo violento contra um homem, ele mereceu de alguma forma.

Vivemos numa sociedade que só está minimamente aceitável de se viver justamente porque não presume oficialmente que alguém mereça sofrer violência. Ninguém deve merecer violência alguma nesse mundo, é questão de entender se quem a comete não tinha outra escolha possível ao fazê-lo. Curioso como movimento feministas sempre mencionam o perigo da ideia de culpar a vítima, mas aparentemente não sabem nem a base ideológica do que estão defendendo. O Estado tem o monopólio da punição justamente para aplicar as mesmas regras para todos.

Então, quando surge uma notícia de mulher cortando fora o pênis do namorado ou algo do tipo, o correto do ponto de vista humano seria indignar-se com o crime da mesma forma que faríamos se ficássemos sabendo de um homem praticando o equivalente em sua parceira, mas… os comentários tendem a vir com piadas e sugestões de que aquilo foi bem feito. Bem feito para o homem, porque de alguma forma ele merecia aquilo.

E, da mesma forma que algumas pessoas vão analisar um caso de estupro dizendo que a mulher provavelmente se comportava de forma promíscua e provocou, outras vão dizer que o homem que teve sua genitália cortada fora provavelmente era infiel e/ou tratava mal a mulher. Mas aí entra a diferença principal: no caso da mulher culpada pelo crime cometido contra ela, muita gente vai se indignar com a mentalidade ridícula de quem culpa a vítima e muitas vezes até procurar meios de coibir o comportamento.

Ir tirar sarro do homem que sofreu a violência e dizer que ele merecia não gera consequência alguma. Pode-se destilar a estupidez que quiser ao comentar a informação e encontrar muito mais pessoas que reforçam essa sua visão das coisas. O que no fundo quer dizer que se a sociedade reduziu um pouco sua sanha de culpar mulheres por serem vítimas de crimes terríveis, não o fez entendendo o motivo. Foi só um acordo implícito de não se dizer o que pensa nesses casos.

Mas quem pensa “bem feito” num caso de violência de mulher contra homem tem exatamente a mesma mentalidade de quem pensa isso quando os gêneros estão invertidos. Eu entendo que o conceito de ninguém merecer sofrer violência seja lá quem for a pessoa é pouco intuitivo e confunde nossa “bússola moral”, mas ele não depende de facilidade de compreensão para ser funcional. É uma forma até abstrata de lidar com nossas interações, mas gera um resultado que nos iguala, sem ser benéfico demais para nenhum grupo. O que, no final das contas, é o melhor que conseguimos fazer.

Não enxergar a gravidade do ato violento de acordo com a configuração de vítima e perpetrador é um erro, seja lá a configuração que você estiver enxergando. Não é sobre as pessoas envolvidas, é sobre o ato violento! Zero de relevância para o fato da mulher ser costumeiramente mais fraca fisicamente (e até socialmente) que o homem. Se modificamos nossa percepção por causa desses fatores, é justamente pelo resultado que eles podem gerar: violência.

E outra, mulher pode ser terrível quando quer. Todas enchem a boca para falar dessa parte, dizendo para tomar cuidado com elas também, mas na hora de analisar uma violência cometida por uma delas, tendem a se aninhar na presunção de incapazes e dizer que é diferente quando elas fazem. Ou se é terrível e tem a capacidade de agir de forma violenta e/ou cruel por escolha, ou se é um bicho assustado que só age em autodefesa. E homens que agem de forma condescendente com esse comportamento só reforçam a ideia.

Tem mulher violenta, tem mulher fria e calculista, tem mulher nesse mundo com capacidade enorme para causar mal para outros seres humanos, mas isso só é levado em conta quando a vítima parece ainda mais vítima que elas. Voltando às tantas notícias de mutilação genital para as quais o povão bate palmas, não se pode imaginar que em todos os casos era legítima defesa. Se a mulher faz isso pra escapar de um estupro, é uma coisa. Se o faz para punir o marido infiel (e se ela estava certa sobre isso indefere), é um monstro tão monstro quanto um homem que joga ácido na cara da mulher infiel (novamente, faz diferença ele estar certo isso?).

Mulheres devem ter o direito de serem pessoas ruins que cometem crimes injustificáveis seja lá quem for a vítima. Porque tem até esse ponto: é mais uma forma de diminuir e infantilizar a mulher. A impressão que eu tenho é que quando surge uma notícia de mulher praticando violência contra homem, é quase como se a sociedade estivesse analisando um caso de pessoa entrando em jaula de animal selvagem e sendo atacada! Como se mulher fosse tão incapaz quando um animal irracional. O animal não tem culpa do que faz porque essa é sua natureza. Se eu fosse mulher, ficaria putíssima com essa presunção… como assim eu não posso nem escolher ser uma pessoa escrota?

Sem contar que apesar da quantidade assustadora de casos de homens que não pensam em nada disso, é outra ideia comum na sociedade que homens não podem revidar atos violentos praticados por mulheres. Mulher pode fazer várias coisas que homens nem sonham em fazer com outros homens sem assumir um risco real de levar uma surra ou coisa pior. Homens são muito mais visados pela lei nesses casos e frequentemente não encontram nada além de escárnio quando querem denunciar o caso.

Sim, não troco ser homem por nada no quesito segurança física, mas mesmo assim essa presunção de que mulher é incapaz de causar mal físico para homens (seja por potencial físico ou mesmo pela visão infantilizada que a sociedade passa para elas) reforça a oportunidade delas de fazerem coisas terríveis e não serem responsabilizadas por isso. E por tabela, mantém essa cultura de culpar a vítima que volta para lhes morder a bunda de tempos em tempos.

Pra violência e abusos, não somos homens ou mulheres, somos humanos. E só.

Para dizer para eu ir chorar na cama que é quentinho, para dizer que se a Sally me bater por esse texto é bem feito, ou mesmo para dizer que igualdade só é bacana com vantagens: somir@desfavor.com


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