Saindo do armário.

Muito se fala em “sair do armário”. Um ato de bravura, de coragem e de superação que geralmente se entende como contar a entes queridos ou ao mundo que a pessoa é gay. Durante muitos anos, homossexuais foram execrados neste momento, que era praticamente um marco para que sua vida mude para pior: agressão, expulsão de casa e outras coisas igualmente tenebrosas eram as consequências mais comuns. Hoje, o gay que sai do armário é aplaudido socialmente por aqueles com a mente mais aberta. Pena que sejam só os gays.

A coerência diria que o ato de sair do armário em si, de qualquer armário, é um ato de coragem que merecem aplausos. Quando você cria coragem para peitar o status quo e se dizer diferente daquilo que a sociedade espera de você e entende como adequação, faz algo corajoso, pois se dispõe a encarar uma série de consequências negativas, a pagar um preço que, na mais barata das hipóteses, se resume a hostilidade. Pouco importa se isso diz respeito à forma como faz sexo, é a coragem de dizer ao mundo quem você é que merece aplausos.

Mas não no Brasil. Ser gay e sair do armário é cool entre as mentes supostamente modernas, mas muitas outras revelações que em nada tem a ver com caráter e integridade detonam sua vida, te fazem perder empregos e geram hostilidade, pasmem, daqueles que se dizem modernos e cabeça aberta e batem palma para gay que sai do armário. Na verdade, esses pseudo-moderninhos não batem palmas pela liberdade de expressão ou de ser quem você é, batem palmas para aquilo que é cool no momento. Vão de cabeça aberta a retrógrados em dez segundos.

Com isso, estamos cada vez mais em uma sociedade onde em vez de sair, entramos cada vez mais em armários. E existem vários armários, não apenas o da homossexualidade. Eu estou dentro de vários deles faz muitos anos. E você? Provavelmente também está, mesmo sem ter percebido. Eu estou dentro do armário e não conto com a compreensão social me pegando pela mão e me chamando de heroína quando tento sair, muito pelo contrário. Aparentemente, não é exemplo de força e coragem ser ateu, não querer ter filhos ou não beber. Muito pelo contrário, das vezes em que ameacei sair desses armários fui severamente cacetada.

Então, apesar de todo meu respeito pelo grupo GLBT (ou qualquer que seja a signa ou termo correto da vez), desculpa, mas por aqui, estamos todos no armário. E sofremos horrores se quisermos sair. Igualmente, sofremos por ficar e ter que nos sujeitar a uma série de atos para não chamar a atenção para aquilo que os fez entrar no armário. Gays sofrem muitíssimo, mas, na boa, tem um grande grupo heterogêneo que está no armário pelos mais diversos motivos que está sofrendo também. E em silêncio. E sem nenhuma ONG, movimento social ou hashtag para defender. Muito pelo contrário.

Vamos falar de ateísmo. Eu prefiro manter a questão fora de discussão na minha vida social, principalmente no trabalho. Não me sinto mal em apenas omitir minha opinião sobre religião e tocar minha vida. Porém, no maior país católico do mundo (e que ainda vem sendo devastado por outras religiões, como a evangélica), em algum momento a questão surge, direta ou indiretamente na vida social. Não dá para omitir por muito tempo.

A primeira vez que tive consciência disso foi ainda pequena, quando, reunida com outras crianças, decidimos fazer a “brincadeira do copo”, aquela para supostamente evocar espíritos. Eu fui a primeira a levantar a bola, queria fazer para provar que aquilo não existia. Para minha surpresa, parte do ritual para evocar o suposto espírito consistia em dar as mãos e rezar uma Ave Maria (ou um Pai Nosso, sempre confundo). Eu não sei rezar. Eu nunca soube rezar. Não por revolta, mas por nunca ter entrado em contato com religião. Família de ateus. Menor ideia de como começa uma Ave Maria ou um Pai Nosso.

Então, por mais que você não queira polemizar e tente passar debaixo do radar, quando você não tem ciência de meia dúzia de versinhos como a Ave Maira ou o Pai Nosso, que todo brasileiro invariavelmente parece ter, você declara ser ateu, mesmo sem querer. E com isso, vem os desdobramentos já contados em detalhes em um texto antigo sobre a visão que o brasileiro tem do ateu. Isso se repete várias vezes ao longo da vida, porque o brasileiro faz putaria onde pode, mas está sempre rezando, é impressionante. Você vai a um casamento e é aquele caralho de senta-levanta e todo mundo rezando junto. Vai ter algum momento com reza no meio que vai denunciar.

O choque que causa nas pessoas que eu, ainda hoje, não saiba rezar uma Ave Maria ou um Pai Nosso prova como isto é inconcebível. E não, não estou falando apenas de um estranhamento sem desdobramentos. Por causa do meu ateísmo (não alardeado, apenas descoberto por circunstâncias como a narrada no parágrafo anterior) já perdi oportunidades de emprego, possíveis relacionamentos e até mesmo amizades. Já me desejaram mal ou comemoraram quando coisas ruins me aconteceram, atribuindo ao “pecado” no qual vivo. Já tentaram inclusive me bater uma vez apenas por ser ateia. É ou não é o combo completo de quem sofre preconceito e tem que ficar no armário? Troque o protagonista deste parágrafo por um gay e veja a comoção social que causaria: processo, notícias, repulsa pelos autores da barbárie. Muita inveja dos gays. Eles tem ajuda e aplausos para sair do armário.

Eu poderia perder uma página argumentando sobre o que se pensa e como se trata a mulher que opta por não ter filhos, mas, somos poucos e nos conhecemos muito, seria repetitivo. Vocês sabem bem, até por já ter sido tema de muitos textos, o tratamento que é destinado por médicos, sociedade e principalmente pelas próprias mulheres às mulheres que não querem ter filhos. Melhor ficar no armário, a menos que tope ser socialmente trucidada e ver portas, vários tipos de portas, se fechando.

O mesmo acontece com quem afirma categoricamente que não bebe e que não gosta de beber (ou de gente bêbada). Acho que uma voz na cabeça do brasileiro médio começa a gritar: “NUM PODI CÊ! NUM PODI CÊ! COMOFAS?”. A pessoa que não bebe é excluída socialmente em muitos aspectos, inclusive com desdobramentos em sua carreira profissional se ela depender de social (e hoje em dia, qual não depende?). Claro que nada disso é dito às claras, o preconceito é velado, mas está lá, existe.

Como estes, eu estou em muitos outros armários. Contei alguns apenas para que vocês entendam o tema do texto. E vocês também estão dentro de algum armário, caso contrário, duvido muito que estariam aqui, acompanhando este tipo de blog. Você já parou para pensar em quantos armários está?

Sinceramente, viver no armário me parece, dos males, o menor. O que me emputece de verdade são essas pessoas ativistonas de uma causa só, autointituladas modernas, que pregam um discurso de inclusão e, eca, que nojo, a palavra da vez, “empoderamento”. Não aguento mais ouvir sobre empoderamento, desde “feminismo” que um termo não é tão mal usado. Tenho repulsa pelos ativistões que aderem a uma causa cool e depois tacam pedras em outras pessoas que se encontram em situações semelhantes, por não simpatizarem com a causa.

A causa é o de menos. Se você não está fazendo mal a ninguém nem cometendo crime, não deveria ser obrigado a ficar no armário. Mas, neste belo país cristão de famílias de bem, o passatempo parece ser controlar e julgar a vida e a escolha dos outros. É isso? Essa é a regra? Ok, justo. Mas então apenas parem de posar de empoderadores, de ativistões e de moderninhos. A cabecinha da coletividade é um belo lixo, pois julgam a liberdade de ser com base na causa. Dois pesos e duas medidas. Xingue um argentino de qualquer coisa e depois xingue um negro dessa mesma coisa e constate na prática o que estou dizendo.

Só são acolhidos socialmente aqueles grupos que se convencionou serem merecedores de aplausos por sair do armário e, desculpa a franqueza, o critério para esta escolha costuma ser o de quem grita mais alto. É a vitimização a chave desse armário. Não, obrigada, prefiro ficar do lado de dentro. E isso vindo de uma sociedade que, de tão caga-regras que é, todos estão em algum armário. Não entendo qual é a graça disso, a pessoa está dentro do armário e aponta e escrotiza outra que está em condições semelhantes.

Não se deixe enganar por gente que se acha mais vítima que você: estamos todos no armário e todos sofremos os dissabores disso, só não nos é socialmente permitido reclamar. Talvez boa parte da ansiedade, inquietação ou depressão dessa Geração Fluoxetina venha daí. Estão no armário mas não percebem que estão no armário, gerando um mal estar não identificado. Uma bosta não poder expressar quem você é, diga isso respeito a sexo ou não.

Faça uma autoanalise mental rápida: em quantos armários você está? Qual o custo para você de estar neles? E, mais importante, tenha em mente que você sofre tanto por estar no armário como qualquer minoria aclamada e encorajada a sair dele. Somos seres humanos e a rejeição, a pressão e a inadequação nos afeta por igual. Não tem grupo mais sofredor, como querem fazer parecer. Todo aquele obrigado a ficar em algum armário paga um preço por isso. Tenha essa consciência e fará escolhas melhores.

Tire o dia de hoje para refletir em quais armários você está e se o custo de estar neles é realmente melhor do que o de sair. Se for o caso, fique neles, como eu fico em vários, mas por escolha não por desconhecimento. Faz toda a diferença.

Para dizer que está decepcionado pois acho que eu me revelaria gay, para confirmar seu choque por eu não saber rezar ou ainda para me contar quais são seus armários: sally@desfavor.com

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Comments (42)

  • Gostei do seu texto. É um tema bem contundente pros dias de hoje em que as pessoas vivem falando de “tolerância”, “inclusão” e “diversidade”, mas quando veem alguém que discorda da “causa” deles, são os primeiros a apedrejarem quem quer que não esteja de acordo com a “cartilhazinha” que eles seguem.

    Eu não bebo. Detesto álcool. E é bem chato quando você fala isso pras pessoas e elas te olham com uma cara de cu. Você pode estar tendo uma conversa super agradável com alguém, mas quando você fala que não bebe, na hora o semblante dele muda. Do nada você se transformou numa espécie de “caretão (a)” pro outro e o diálogo morre ali. Sem contar naquelas piadinhas merdas que sempre fazem “Huurr duurr nunca fiz amigos bebendo leite”, “não confio em quem não bebe huurr duuur”.

    E eu não sou feminista (a nova modinha irritante da vez). O que já teve de mulherzinha dizendo que “mereço ser estuprada por macho” ou “apanhar de homem” só por eu ter discordado dela não tá no gibi. Pior ainda é quando amiga sua vem encher o seu saco só porque você não é “empoderada” (NOJO ETERNO dessa palavrinha escrota) ou não “tá com as mana na luta”.

    É complicado… Já tive altas discussões por aí só porque eu não tenho a opinião que “todo mundo tem”.

    • “Huurr duurr nunca fiz amigos bebendo leite”

      Pois é, esses mesmos (e só eles) já associam a esse “huurr duurr extremo oposto”…

      Seja bem-vinda !

  • Eu estou junto com o Charles no armário dos cachorros, não gosto deles! Não quero que eles morram, nem sofram, nem sejam torturados nem nada disso. Sinto dó quando vejam eles passando fome e tudo mais, só não quero ter, não quer ficar passando a mão nem que eles me lambam. Mas sempre que confesso isso sou tratada como a pior pessoa do mundo, como seu fosse a culpada de todo o mal que acontece com os bichinhos, por isso fico aqui trancadinha no meu armário, olhares de reprovação me incomodam!

  • Estou dentro de vários armários e já fui do tipo que causa treta e discute pra defender os próprios ideais mas hoje não tenho mais paciência pra isso e prefiro mentir mesmo eu já percebi que tem uma distância enorme entre o que você declara e o que brasileiro médio entende

    Por exemplo : se eu digo “sou bissexual” entendem “sou viado”, se eu digo “sou ateu” entendem “satanista, comunista comedor de criancinhas”, se eu digo “sou de direita” entendem “sou nazista/a favor da ditadura”.

    Eu cansei quanto mais você tenta explicar mais arrumam motivos pra te atacar ficarei nesses vários armários enquanto existir humanidade

  • Meu Deus, pensei que eu era a única que odiava essa maldita palavra “empoderamento”! Que raiva escutar essa merda! Sou a favor dos direitos da mulher, mas pq diabos usar uma palavra tão ridícula para incentivar esses direitos?

  • Esses armários são todos ligados a questão do controle social. E por trás de tudo, há uma disputa por poder.

  • Já fui hostilizada por ser ateia e, recentemente, sofri agressões verbais por criticar a minha cidade. é como dizem, brasileiro é patriota sem ter motivo. Estou dentro do armário e nāo saio mais. cansei de ser agredida por bobagem.

    • A escolha cabe a você. O importante é que todos tenhamos a consciência de estar dentro do armário e dos motivos para isso.

  • Os aplausos aos gays saindo do armário são vazios. Tudo ok os artistas se assumirem, até apoiam amigos e colegas, mas se for o próprio filho, aí num pode, é falta de surra, má criação. Tem também um pessoal que aceita homossexuais e acham que mereciam ganhar um troféu por causa disso. Não discriminar pessoas é só o mínimo que as pessoas deveriam fazer e ninguém deveria esperar uma recompensa por isso.

    O tal do empoderamento feminino ficou só na festa de abertura do evento esportivo, já tem denúncias de estupros na vila olímpica. Lá o risco de sofrer um estupro é 15 vezes maior do que pegar zika, segundo um professor da USP.

    Assumir o ateísmo é mais fácil pra algumas categorias profissionaisNenhum armário funciona pra sempre, mas eles servem bem numa sociedade formada por cegos que não querem ver. Não dá pra esconder ateísmo pra sempre, mas tem gente que prefere não ver o ateísmo do outro. A maioria dos religiosos vivem exatamente como ateus vivem, fazem as mesmas coisas, trabalham, estudam, viajam, vão a festas, bebem, tem os mesmos valores, quase nunca pisam em uma igreja. A única diferença é que o ateu não tem uma religião pra chamar de sua.

    Casais não vão esconder a escolha de não ter filhos por muito tempo. Basta estarem felizes sem filhos, não dá pra esconder isso. O casal teria que se mostrar frustrado, vazio, infeliz, incompleto, bajulando crias alheias o tempo todo pra não levantar suspeitas.

    Me assumir atéia, casada sem filhos, me afasta de muitas pessoas, me faz perder muitas oportunidades mas eu prefiro ser autêntica na maioria das vezes. Não dá pra me assumir o tempo todo e pra todo mundo e ao mesmo tempo não é possível esconder quem eu sou pra sempre. Manter o equilíbrio entre essas situações é o desafio da minha vida. Não quero fingir ser o que não sou, forçando a amizade pra ser aceita. Melhor mesmo é me cercar de pessoas que não me discriminam e não expor minha opinião pra gente intolerante.

  • Acredito que isso faça parte do pacote de que o brasileiro não sabe lidar com o diferente, e com a divergência de opiniões. Com o plus, claro, da onipresente hipocrisia bm que todos conhecemos.

    E refletindo bem, você acha que o brasileiro aceita gays porque é o correto não ser pau no cu tentando regular a vida sexual alheia, ou porque a corrente social o leva pra lá? Eu apostava numa mudança social, mas esse texto me plantou a semente da dúvida…

  • (Muito) "Muralhado"

    E existem vários armários, não apenas o da homossexualidade. Eu estou dentro de vários deles faz muitos anos. E você? Provavelmente também está, mesmo sem ter percebido.

    Com certeza ! Já cheguei a ponto de tanto ter tido a depressão “em si” (ou “primeira e maior”) quanto de enumerar todos os meus armários e o quanto já eram motivos para eu “me migrar” um dia, trocar pelo menos de estado…

    Talvez boa parte da ansiedade, inquietação ou depressão dessa Geração Fluoxetina venha daí. Estão no armário mas não percebem que estão no armário, gerando um mal estar não identificado.

    Pois é, até parece que (salvo engano) houve uma antiga comentarista (sim, de outro texto) que relatou já ter reprimido um ateu mesmo sendo uma ateia…

  • O meu armário é político. Evito assumir posições políticas publicamente por que sei que o custo seria alto. Felizmente na carreira acadêmica não me enche(ra)m por causa de religião ou gostos pessoais, mas política é um problema sério. Tento ser um chefe legal, mas provavelmente minha equipe deve ter os seus armários também. Devem estar todos fingindo serem inteligentes e trabalhadores como eu.

    • Considerando a atual mão de obra, seja ela intelectual ou braçal, chefes acabam sendo como pais: de vez em quando tem que brigar para o bem deles, e quando isso acontece, eles ficam putíssimos, mas se você for minimamente justo e também der amor, acabam gostando de você no final das contas.

  • Adriana Truffi

    Muito bom esse texto. Não sou ateia, mas não professo nenhuma religião. Digo que sou espiritualista, já que gosto da doutrina espírita. E olha que sou de uma família muito católica, tive duas tias freiras e vários tios que frequentaram o seminário… Fiz primeira comunhão porque na época não tinha muito discernimento, achava que tinha que fazer porque era o certo, e porque mataria minhas tias de desgosto! Mas não fiz a crisma. E não tive um casamento religioso. Casei no alto de uma montanha e meu primo foi o”celebrante”. A natureza e nossas famílias nos abençoou.
    Também não quis ter filhos. Opção minha e do meu marido. Ele já tem uma filha e um neto, então ganhei uma família completa. Pra quê mais? Mas não é fácil pras pessoas entenderem isso. Outro dia aproveitei aquele texto da Jennifer Aniston que dizia “Não precisamos ser casadas ou mães para ser completas. Nós que determinamos nosso próprio ‘felizes para sempre'” e o compartilhei. Foi o meu jeito de dizer: quem sabe da minha vida sou eu!!!
    Ah, e também não bebo. As pessoas não acreditam quando digo que nunca, em meus 40 anos de vida, tomei sequer uma gota de cerveja! Tomo de vez em quando uma caipirinha, mas não gosto da sensação de ficar bêbada, então quando sinto que estou ficando “alegrinha” já paro.
    Trabalho num órgão público federal, e apesar de ser concursada, prefiro na medida do possível guardar minhas posições políticas dentro do armário (no ambiente de trabalho). Na minha vida pessoal e social todos sabem das minhas posições, mas tenho ficado mais neutra nos últimos tempos, até porque está muito difícil levantar uma bandeira ou defender seu ponto de vista, com tanta sujeira que aparece diariamente.
    Enfim, tenho saído do armário, mas vira e mexe, dependendo da minha conveniência, volto pra dentro dele.

  • Grande texto, de grande lucidez. Sou cristão por convicção, não por imposição familiar e, por isso, discordo e questiono um monte de coisas da religião e respeito muito quem segue outras ou quem é ateu: cada um cuida da sua vida (isso pode parecer meio incoerente, mas explicar tornaria minha postagem enorme): olha eu aqui no Desfavor à toda hora, vendo o cristianismo levando porrada em tempo integral e eu nem aí pro pastel!

    Já que estamos falando de armários, o meu (dentre outros) é o dos cachorros: não gosto (ou, antes, sou indiferente a eles, embora não tenha asco mortal nem saia por aí matando-os ou maltratando-os), não tenho em casa (e jamais terei) e acho coisa de psicopata demente gente que chama sasporras de “ser humaninho” (sim, conheço MUITA gente que se refere aos bichos desse jeito) ou diz “preferir bicho que gente” (sic). Infelizmente sou obrigado a não externar minhas opiniões por medo de ser socialmente excluído. Como moro por obrigação profissional num cu de mundo isolado da civilização em que a maioria dos meus colegas de trabalho curtem sasmerdas, as têm aos montes (de três ou mesmo quatro) e demonstram por elas uma afeição irracional, fanática e doentia, fico quieto e aguento a pentelhação desses bichos quando vou às casas deles. Nem tanto por mim, porque solidão pra mim é de boa (tenho meus mecanismos psicológicos compensatórios), mas mais pela minha família, que não quero sacrificar ao isolamento fatal que nos atingiria caso eu resolvesse sair dizendo o que penso dessa imbecilidade que tem se revelado cada vez mais no brasileiro em geral (não apenas o médio), por causa do maldito politicamente correto.

  • Não tenho coragem de assumir que não quero filhos então digo que não posso engravidar. Se eu falar que não suporto crianças vão me julgar, falando que não posso ter ficam com pena e me paparicam. Sou muito errada fazendo isso?

  • Eu já desisti de sair dos meus armários. Sou tímida e fracote, brasileiro é agressivo e venenoso. No fundo, a maioria esmagadora não se importa com você e suas opiniões para abrir a mente/debater civilizadamente. Querem é arrumar um motivo para falar mal de você, te rotular de qualquer coisa “uncool” do momento, especialmente na internet.
    Felizmente eu trabalho em casa, então é menos um grupo social para encarar. Cansei de tentar dialogar, se eu quero ver outros pontos de vista simplesmente leio sites ou livros, no silêncio da minha casa. Sou o mais neutra e discreta possível em “campos minados sociais”. Prefiro ser aquela estranha do cantinho, de poucas palavras. Melhor que desperdiçar tempo e paciência com uma briga inútil que não vai acrescentar em nada na minha vida ou no mundo.
    Não sei se estou desenvolvendo fobia social, se eu estou sendo muito dramática, mas manterei meus armários até a morte, é a única maneira de levar uma vida sossegada. Que se dane.

    • Concordo com você. As vezes, no saldo final, melhor não sair. Mas que seja por opçao e não por nem perceber que está no armário.

    • Concordo integralmente com você, Saga. Também faço isso. Não é questão de drama não, é de sobrevivência!

      • Tão perfeitas palavras !

        Sou tímida e fracote, brasileiro é agressivo e venenoso.

        (…) Cansei de tentar dialogar, se eu quero ver outros pontos de vista simplesmente leio sites ou livros, no silêncio da minha casa. Sou o mais neutra e discreta possível em “campos minados sociais”. (…)

  • Ficar em vários armários é bem melhor pra mim. Quando alguém pergunta algo que eu não quero dizer, eu repondo que prefiro falar da vida alheia do que da minha e garal ri achando piadinha. Pra que eu vou arrumar treta com 99% de quem eu conheço falando que sou ateu pra me tratarem com antipatia? Se eu falar que sou gay e ateu perco emprego 2x. Meu chefe fala sempre que odeia e não contrata ateus nem lgbt. Brasileiro é uma merda. Não adianta nada muitos se assumirem porque nunca nada vai mudar.

  • Gostei muito do texto de hoje, Sally. Muito mesmo. Imaginava mesmo que, pelas opiniões que você manifesta aqui, acabaria escrevendo algo assim um dia. Apesar de nunca ter parado pra refletir muito sobre o assunto, sinto que suas idéias batem com as minhas.

    Tive um colega de faculdade que só fui saber que era gay muito tempo depois. Não que ele disfarçasse, mas era desses que não “dão pinta”. Ele era vocalista de uma banda de rock de garagem, tinha voz bem grossa, freqüentava estádios de futebol – onde xingava juízes e adversários mais que nós – e estava sempre junto com uma mesma menina muito amiga dele de forma que, quem olhasse sem conhecer, podia até pensar que fossem um casal. Quando soube, no entanto, isso não me incomodou nem um pouco, mas teve gente que ficou inconformada. Tanto que, longe do rapaz em questão, ficava o tempo todo nas rodinhas de conversa dizendo coisas como “Não acredito! Com tanto ‘pastelzinho de pêlo’ por aí e esse cara vai me gostar de lingüiça? Como pode?”.

    Claro que também estou dentro de alguns armários, mas nunca cheguei a passar por coisas como as que você contou. Custei a acreditar quando li “Já tentaram inclusive me bater uma vez apenas por ser ateia”. Ninguém ainda tentou me bater, mas, quando mais novo, contei algumas vezes na maior inocência que não fiz nem primeira comunhão e nem crisma e recebi olhares tortos, inclusive dos pais de uma paquera de colegial que dava aulinhas em escola dominical da igreja. Com aquelas expressões, acho que os dois pensaram: “Esse rapaz aí com a minha filha… Não sei não, viu?”

    Quanto a beber, já me arrastaram várias vezes para “chopadas” na época da faculdade – das quais saí tão “invicto” quanto entrei – e insistiram muitas vezes pra eu ir de forma bem impertinente, puxando pelo braço tipo o Quico, do Chaves: “Ah, vai. Diz que sim, vai. Só dessa vessa vez, vai. Não seja assim, vai… Siiiiiiiimmm?” Hoje em dia, por freqüentar academia – levando a coisa minimamente a sério -, ainda posso usar uma máscara de “hardcore” e usar isso como desculpa pra não beber. Afinal, quem malha não bebe, né?

    Também me mantenho dentro de outros armários, mas quase sempre voluntariamente. Isso porque, a essa altura da vida eu já não tenho mais saco pra agüentar certos dissabores como olhares atravessados, dedos acusadores e futricas feitas pelas minhas costas. Nem ligo muito, mas detesto ter que “dar satisfação” da minha pros outros. Quem sabe de mim sou eu!

    • Eu acho válida a decisão de ficar no armário. Cada im sabe o que é mais custoso para si. Porem, que seja de forma totalmente consciente e que essa decisão seja repensada de tempos em tempos. Não é legal viver no piloto automático.

  • eu vivo em cima do armário religioso….. sou meio ateu, meio umbandista…. quando estou no terreiro, acredito na energia que acontece la, nas coisas que sinto, na incorporação e tal…. mas basta alguém colocar argumentos racionais em cima do negocio que ja começo a ficar na duvida de novo…. não sou catolico, mas admiro jesus cristo e sua filosofia e só rezo pai nosso e ave maria para manter a tradição de abertura do trabalho, em locais publicos ou sociais, não faço essa coisa mecanica e sem graça….
    eu nunca tive poblemas sociais em ser assim, já que no meio meio de trabalho, todo mundo é meio perdido nessa parte religiosa. é muito raro ver um jornalista/cineasta/profissional de midia bem relacionado com alguma religião, a maioria prefere viver pulando de galho em galho.

    também fico em cima do armário político. ja fui de direita e ja fui de esquerda. hoje não sei mais quem me representa. defendi o pensamento neoliberal, de que o estado tem que dar apenas o basico, o resto que o povo se vire (ué, o brasileiro paga pau pros eua e pra europa, não???). porém, também apoiei o pensamento de estado paternalista e social, dando oportunidade para os pobres melhorarem de vida. porém, esse sistema se mostra inutil quando se ve que apos 10 anos, a única melhora foi alguma coisinha material, sem nenhum desenvolvimento humano racional de fato. já zoei pela volta da ditadura, mas como ja servi o exercito, sei que isso seria uma besteira gigantesca. não há nada mais degradante que as forças armadas no poder.

    beber e fumar, apoio quem não o faz. eu bebo e fumo, mas vivo parando de beber e ou fumar. quando volto, o faço longe de meus filhos, que é pra não dar exemplo. interessante que quando estou na fase sem fumar, todos acham bonito e legal, mas quando estou na fase sem beber, ficam com cara de indagacao, como se fosse impossivel algo assim acontecer. além de que ficam zoando ou insistindo falando que é besteira parar de beber ou só da um golinho ai pra nao ficar com vontade. pessoalmente nao fico ofendido, mas que é bem chato, isso é.

    no final das contas, me sinto na sorte de não ser tao social quanto a sally precisa ser. teve epoca que precisei fazer muito networking, na tentativa de alavancar alguns negocios pessoais. apesar de nunca ter precisado entrar em assuntos delicados, sabia que eu devia manter uma imagem bem neutra. nesses momentos eu concordava com tudo o que falavam, mesmo que eu não fosse a favor. porém, é difícil manter neutralidade com pessoas que trabalham com vc.

    Certa vez, fizemos a produção e filmagem de um grupo de turistas em uma viagem ao Canadá/EUA. O cinegrafista que acompanhava a viagem era negro e em varios momentos foi agredido verbalmente pelo cliente com piadinhas racistas. A reporter que estava lá tambem sofreu na mao do mesmo cliente, que fazia piadinhas de cunho sexual. Os dois quiseram processar o cliente, mas foram barrados pela diretoria do canal que trabalhamos porque poderia acabar o bom relacionamento do cliente com a emissora. esse foi um sapo que todos precisaram engolir, ainda mais em época de crise.

    enfim, eu evito levantar bandeiras, mas odeio quando alguma injustiça acontece. ficar em cima do armario ou dentro dele pode dar algum tipo de proteção para nós, avessos ao que socialmente aceitavel. porem em algum momento essa porta precisa ser aberta e precisamos tomar partido, mesmo que isso nos coloque em risco.

      • não sei se é bem entrar no armário…. nas raras vezes que me aporrinharam por causa de religião, simplesmente ignorava a pessoa e a olhava com desprezo….. porém, sempre fui aberto à discussão saudavel e sempre visitava igrejas e templos quando alguem me convidava, mesmo que eu acabasse odiando a experiencia….

        não ser catolico ate o momento não me atrapalhou socialmente ou economicamente…. nunca sofri nenhum tipo de violencia ou repressão, nem por parte da família….. pode ser sorte, pode ser minha maneira porta de ser (de não me importar com a opinião dos outros)…..

        enfim, evito ficar dentro de armarios, mas como disse anteriormente, tambem não levanto bandeiras e nem tento ficar convertendo ninguem pro meu lado. ficar em cima do muro (ou do armario) ainda é o meu lugar preferido…..

        • Nem digo encherem o saco, mas sim voce ter que omitir em ambientes profissionais ou mais formais pelo temor que isso deponha contra voce

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