Resultado perigoso.

Recentemente uma matéria do jornal britânico The Guardian chamou a atenção para um problema no resultado da pesquisa “o Holocausto aconteceu?”: o primeiro resultado era da Stormfront (famoso fórum com inclinações nazistas), com o tópico “Top 10 razões pelas quais o Holocausto não aconteceu”. Depois de algum drama pela polêmica, o Google anunciou ontem mesmo que vai tomar medidas para retirar conteúdo “não confiável” dos resultados das pesquisas. O que, honestamente, parece bem mais perigoso que um bando de nazistas de internet…

A vantagem aqui do desfavor é que eu posso fazer perguntas que provavelmente não poderia fazer se tivesse os holofotes da mídia tradicional, então, eu vou fazer uma que me espanta que não tenha sido feita até agora nesse assunto: o que você acha que quem pesquisa se o Holocausto aconteceu quer achar? A confirmação que sim, aconteceu? Porque, pelo o que está se desenrolando dessa história, parece que essa pesquisa o resultado de uma pessoa aleatória acordando especialmente desmemoriada no dia, tentando lembrar se o Holocausto aconteceu, só para ser acalmada pelo Google que, sim, de fato ele aconteceu.

Qualquer pessoa capaz de reter a palavra “holocausto” na memória o tempo suficiente para transformar isso numa pesquisa do Google é perfeitamente capaz de já ter sido exposta e absorvido a informação do massacre nazista aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Em que contexto as pessoas costumam ouvir essa palavra? Eu até me gabo de ter um vocabulário extenso, mas realmente não é uma palavra que rola da língua numa conversa casual que não seja sobre as atrocidades nazistas. E, imagino que assim como eu, você também não tenha muitas conversas casuais sobre o tema…

Digo isso porque toda essa história está perdendo o ponto central da própria pesquisa: colocar em dúvida o Holocausto. Um ponto de vista que muita gente nesse mundo tem. E a não ser que você viva na Alemanha, não é crime ter essa opinião. Claro que não estou dizendo que só um nazista faria essa pesquisa, mas com certeza é alguém que ficou com a pulga atrás da orelha. Essa pessoa foi exposta a algum material ou conversa previamente que a deixou curiosa sobre isso. E pode ser desde uma pessoa chocada que tenha quem negue esse acontecimento até mesmo alguém que está muito empolgado para enxergar além de uma conspiração maligna judia, ou algo do gênero.

Seja lá o que deu na telha dessa pessoa depois de fazer a pesquisa, vamos concordar que uma resposta dizendo “sim, aconteceu” não é o que ela está esperando? O que o Google não teve coragem de explicar é que não tinha erro nenhum no sistema dele para colocar esse resultado em primeiro lugar, na verdade, era o Google funcionando perfeitamente! O algorítimo é baseado em relevância, e até parece que foi semana passada que pesquisaram isso pela primeira vez… o resultado da Stormfront e seus negadores do Holocausto estava em primeiro porque era o que as pessoas que pesquisavam aquilo queriam encontrar. Seja para concordar ou criticar, seja por mera curiosidade mórbida, mas era exatamente aquela informação que atiçava a curiosidade de quem fez a pesquisa.

Se estava em primeiro, é porque muita gente clicou ali. É porque, gostando ou não da resposta, era a página que mais fazia referências a colocar em dúvida o Holocausto. Alguém que pesquisa especificamente sobre o o Holocausto não precisa ser relembrado sobre o consenso moderno sobre sua veracidade! A pessoa já tem essa informação, evidente. Até porque se fossem verdadeiros incautos descobrindo sobre a Segunda Guerra Mundial naquele instante, não seria o tópico do fórum nazista em primeiro lugar… a negação do massacre judeu é informação composta sobre a visão vigente sobre o tema. Ok, admito que terem colocado “top 10” no título deixou bem mais atraente para imbecis, mas cada um faz sua propaganda como bem entender.

Mas numa sociedade cada vez mais dependente de polêmicas para gerar cliques, toda oportunidade de gerar indignação popular pode e será usada contra a liberdade de expressão. Não concordo com os negadores do Holocausto, embora realmente pesquisar sobre a Segunda Guerra Mundial te deixe com um gosto ainda mais amargo na boca do que você imaginaria inicialmente. Mas o fato de eu não concordar com eles não significa que eles não tenham o direito de… veja só, discordar de mim. Eu tendo a expulsar esses chatos quando aparecem por aqui por serem bem monotemáticos e terem uma tara incrível por serem mártires perseguidos na internet, mas não necessariamente pelo discurso.

Até porque normalmente nem se sustenta muito. Quem cai nessa de nazismo não é exatamente uma mente brilhante esperando informações mais “confiáveis” para largar disso. Eu sou curioso, principalmente sobre grupos marginalizados da mídia tradicional, então já fui ler e ver muita coisa sobre assuntos como negação do Holocausto. Garanto que esse discurso não seja tão perigoso assim para pessoas capazes de absorver a informação. Historinha muito mal contada, e que tenta puxar a sardinha para o outro lado (o nazista) ao invés de buscar uma verdade mais sóbria. Quem engolir isso não seria salvo por um primeiro resultado dizendo “sim, aconteceu”. A pessoa só ia fuçar mais fundo até achar a informação que buscava: um motivo “racional” para confirmar algo que já queria acreditar ou rejeitar antes mesmo de clicar no link. Sabemos que funciona assim, não sei por que tanto drama.

E aí entra o meu medo: o do Google começar a responder as pesquisas. O que não é nem um pouco saudável. Quando a ferramenta de pesquisa faz um juízo de valor sobre a melhor resposta para uma pergunta usando fatores políticos ao invés de relevância decidida pelos próprios usuários, entra um intermediário entre a divisão de conhecimento entre as pessoas. Ok, não é bacana que as pessoas achem que os nazistas foram bonzinhos com os judeus e tudo não passa de uma farsa, mas, não é o papel do Google decidir isso! Principalmente não na pesquisa que é feita por pessoas que estão desconfiadas de alguma coisa sobre o tema. Tiro no pé.

Quando aparece um primeiro resultado basicamente te dizendo “não olhe o resto, a resposta é essa”, o ser humano vai reagir como? Não só me incomoda que um algorítimo tenha opinião sobre o que devemos acreditar ou não, como está na cara que só vai botar mais lenha nessa fogueira. Tentar demover uma pessoa curiosa de buscar uma informação é basicamente chancelar a relevância dela. As pessoas vão se perguntar por que o Google não deixa o resultado dos negadores do Holocausto continuar na frente. Vai parecer que tem algo mal contado mesmo! E não vai ser a história mal contada da turma da Stormfront. Eles não vão nem ter a chance de se afundarem sozinhos.

Essa história toda é de uma burrice ímpar. Burrice forçada por ninguém estar apontando o óbvio sobre a pesquisa e as pessoas que a fazem. Porque eu posso escrever isso aqui sabendo que quem vai ler consegue, mesmo que rudimentarmente, entender o meu ponto. Mas, a mídia e o próprio Google não. Eles tem que fingir que não tem esse elefante na sala para não serem chamados de racistas e facilitadores de ódio por histéricos e histéricas profissionais. E o interessante é que quando o adversário é um dos “permitidos”, não há sofrimento algum em pregar atitudes análogas à censura, porque tirar o primeiro resultado conquistado organicamente pela Stormfront nessa pesquisa é censura. E azar de quem não gostar do que está escrito ali.

Porque, não podemos esquecer… é o RESULTADO de uma pesquisa. Ninguém veio esfregar isso na cara de pessoas que simplesmente não sabiam sobre a história da Segunda Guerra, ele só aparece para quem coloca em dúvida uma informação que todos recebemos como verdade absoluta. E se é isso que a pessoa quer ler, deixa ela ler. Não estamos perdendo cérebros iluminados para a causa nazista por causa disso.

“O Google deve mudar seus algorítimos para privilegiar informações consideradas politicamente corretas?”

Você quis dizer “fazer uma merda sem volta”?

Para dizer que sempre soube que eu era nazista, para dizer que se está na internet é verdade, ou mesmo para dizer que fica feliz por eu não ser famoso: somir@desfavor.com

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Comments (3)

  • Holocausto significa “queimar inteiro” (holos kaustos). Se você esquecer um bolo no forno, pode ocorrer um holocausto. Se não fosse em câmaras de gás, seria um genocídio por outro meio.

  • Somir, entendo seu ponto perfeitamente, mas discordo.

    O Holocausto não é uma opinião “politicamente correta”. É… um fato histórico. E o Google está dando um tiro no próprio pé assim.

    Você deve estar acompanhando as ondas de matérias, medidas e soluções para os problemas das notícias falsas no Facebook e Google. O problema dessas algoritmos é que eles são burláveis. A notícia de que o Papa tinha apoiado o Trump foi muito mais vista do que as matérias desmentindo isso (e essa mentira TEM um efeito sim, mesmo as pessoas sendo “burras”).

    Então, esses sistemas ficam numa cilada: ser “neutro” e deixar a mentira ser divulgada ou ser “parcial”, mas dificultar o acesso a informações falsas?

    O que acaba entrando em jogo é a VERACIDADE desses sistemas. Na realidade, esse caso só mostra que o que a maioria quer nem sempre é a verdade. E se o Google (e por consequência outros sistemas parecidos) passam a entregar informação que não é confiável, o sistema deles perde valor de mercado.

    Eu trabalho com isso (imagino que você também) e sei que o valor do Google para as pessoas é a certeza de encontrar a informação confiável (se tá na Internet, é verdade). Para as empresas, o valor é o fato de muita gente estar lá. Se o Google começa a ser visto como inconfiável, o Yahoo passa a ter mais usuários e por assim vai.

    É importante que o Google não aplique a sua doutrina ideológica nos resultados que ele oferece. Mas é mais importante que eles adaptem o algoritmo para entregar páginas que confirmam que 1 +1 = 2 quando alguém perguntar quanto é 1 +1.

  • O mais irônico disso é que o termo HOLOCAUSTO na Bíblia diz respeito ao sacrifício ritual nos livros da Tanakh, incluindo-se ai os da Torah.

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