
Sentindo na pele.
| Desfavor | Desfavor da Semana | 8 comentários em Sentindo na pele.
+A titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), Daniela Terra, fez uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira, 21, para falar sobre a Operação Gagliasso, que identificou os suspeitos de praticar crime de racismo na internet contra Titi, de 3 anos, filha dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. Os ataques rascistas aconteceram há pouco mais de um mês e os artistas prestaram queixa.
Espera, espera… leiam a continuação:
“Todas as pessoas suspeitas foram levadas para a delegacia e uma menor de 14 anos, moradora de uma comunidade de baixa renda e sem infraestrutura de Guarulhos (SP), confessou (o crime). Ela não se mostrou em nenhum momento arrependida, o que causou estranheza. Perguntamos qual cor ela achava que tinha e ela disse que era negra, que quis fazer isso. Outros suspeitos foram ouvidos, mas chegou-se a conclusão de que eles apenas dividiam a internet com a casa da jovem e não tinham relação com o caso”, disse Daniela.
Agora sim. Desfavor da semana.
SALLY
Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank (um casal de atores globais) postou uma foto em uma redes sociais com sua filha adotiva, que é negra. Surgiram alguns comentários racistas (de verdade, não foi brincadeira, não foi histeria, foi algo totalmente condenável). Ambos ficaram muito putos (cobertos de razão) e descambaram para aquela velha tendência de que gente assim é caso de polícia. Precisamos conversar sobre isso.
Não, não queremos defender liberdade de expressão a qualquer custo, pessoas que chegam no nível de ir até o perfil de uma mãe dizer que “lugar de preto é na África” e que a criança parece “Uma macaquinha” tem sim um forte desajuste social. Dentro da sua casa você diz o que quiser mas ir na casa do outro para falar desaforo sobre o filho dos outros indica que você quer briga. Ir até uma mãe e um pai para ofender sua filha faz acender uma luz de alerta sobre a pessoa. E, como era de se esperar, o casal ficou possesso com essa afronta desnecessária.
Abstraiam o mérito. Quando alguém vai até você detonar seu filho, está te chamando para briga. Quando você está quieto e alguém entra no seu perfil para cacetar seu filho, é um desrespeito duro de engolir. E eles não engoliram mas… decidiram colocar a polícia no meio e tratar a questão como um crime. Nem acho que se possa cobrar discernimento de pais emputecidos, pois pais emputecidos viram bicho mesmo e tá certo, tem mais é que virar. O que questiono é uma visão geral, da sociedade, de que se a pessoa tem razão em estar puta então a pessoa que emputeceu tem que ser presa como castigo e como forma de impedir que isso volte a acontecer. Infelizmente não funciona assim.
No Brasil tentar coibir um ato criminalizando-o não funciona. Tem toneladas de textos nossos explicando os motivos. Depois de 15 anos como advogada, eu posso afirmar: criminalizar não resolve nada, por mais merecida que seja punição. Pais emputecidos não terão essa visão, pois a raiva cega, mas seria de se esperar que o resto das pessoas, que não estão emocionalmente envolvidas no evento, tivessem. Só que não, aqui é Brasil, aqui acham que bandido bom é bandido morto e que furto de celular é motivo para amarrar em poste e linchar, imagina se conseguiriam ver uma sutileza dessas. E não digo isto pensando no criminoso e em seus direito, digo que o caminho deveria ser outro pois seria melhor para nós, sociedade.
No Brasil, injuria racial, por si só, (crime bem diferente de racismo) não leva, nunca levou e nunca vai levar ninguém para a cadeia, pois é permitido pagar com alguma pena alternativa como uma cesta básica ou prestação de serviços à comunidade. Então, cada vez que isso acontece, não adianta querer brigar para que a pessoa seja presa, bradando isso aos quatro cantos, pois ela não vai ser presa e você ainda vai sair desmoralizado. Ou muda a lei, ou muda a sua intenção, pois com essa lei você querer que alguém seja preso por um comentário racista… bem… não vai acontecer.
O ator disse “Eu acho que, não só pra minha filha, mas pra qualquer outro caso. Isso é muito sério. Isso é crime. Eu acho que quem fez tem que pagar, não adianta. Os responsáveis vão ser punidos”. Um pai emputecido. Normal. Nenhuma crítica a fazer a ele. Mas punição com pagamento de cesta básica? Onde que isso pune alguém? É apenas desmoralizante. Isso quando acontece, pois na maior parte das vezes não dá em nada mesmo.
A grande reviravolta é que a polícia encontrou as pessoas que fizeram isso e… adivinha o que acharam? Uma menina menor de idade (14 anos) e negra. Ela mesma se diz negra. E aí? Vocês acham que é questão de cadeia ou de educação? Se for de educação, podem excluir a cadeia, pois no Brasil cadeia não educa, apenas piora a pessoa. Se você acha que é questão de cadeia, que, apesar de educadas, as pessoas não tem limites e por isso precisam de cadeia como forma de contenção, bem, terapia para você.
Vai fazer o que? Vai punir criminalmente uma criança de 14 anos negra por comentários racistas? Sério, essa é a resposta? A resposta vem muito antes e se chama “educação”. Quem não a tem, quem não tem noção do mínimo, do básico, do essencial que é “somos todos humanos, iguais e merecemos todos o mesmo respeito independente da cor da pele” não vai adquirir essa consciência ainda que fosse para a cadeia. Não resolve. No máximo, calaria a boca desta pessoa, que se tornaria uma hipócrita, não externando racismo mas sendo uma racista e agindo como tal. Isso, a meu ver, não resolve porra nenhuma. Para você resolve? Basta calar a boca das pessoas em vez de transformar seu pensamento?
Quando o objetivo é apenas calar e boca, e não mudar a mentalidade, você está fazendo isso errado. Claro, pais putos da vida querem poupar sua filha da dor, então, calar a boca tá ótimo. Provavelmente eu no lugar deles também me comportaria assim, novamente, julgamento zero sobre eles. Mas nós temos a obrigação de pensar além. Observem o combo: racismo vindo de uma menina negra, que se diz negra, diz saber que foi racista e diz não se arrepender. Acho que é hora de desfocar do caso e focar no que merdas está acontecendo com esta sociedade.
Essa menina de 14 anos fatalmente vai ser punida. Não com cadeia, mas muito pior. Ela será socialmente execrada, ameaçada e perseguida, pois mexeu com um casal de famosos. Será uma punição social que em nada tem a ver com direito e leis. Mas se tivesse feito isso com uma criança negra que mora em uma favela, sabemos que nada teria acontecido. Então, a falsa sensação de justiça de ver uma consequência acontecendo para cada um milhão de atos de racismo que passam impunes é um tremendo desfavor: faz a sociedade pensar que há justiça, que a coisa está melhorando ou vai melhorar por esse caminho. Não. Não vai. Quando o ator incentiva todos a denunciarem crimes de racismo tenho certeza que está com a melhor das intenções, mas lhe falta informação sobre a massiva frustração que é quando, em 99% dos casos, nunca dá em nada. Seria melhor incentivar outro caminho, mais eficiente inclusive.
No que iria contribuir para um país melhor pessoas racistas presas? Elas apenas vão parar de falar, mas continuarão racistas por dentro, agora hipócritas. Continuarão a se portar de forma racista, a não contratar negros, a presumir que são ladrões quando os encontrarem em uma esquina à noite e ficarão putos com seus filhos se começarem a namorar um negro, perpetrando esse racismo adiante por gerações. Só que em silêncio, com eufemismos. Na boa? Pior ainda, pois aí sim a coisa fica difícil de combater. Nada pior para se erradicar que um inimigo escondido.
Chega de querer apenas calar racistas. Sejamos mais. Vamos querer e fazer da nossa meta esclarecer, educar, iluminar a cabeça dessas pessoas. É assim que se muda e melhora o mundo, não com revanchismo de prisão. Um casal muito emputecido que viu sua filha se atacada não tem a menor obrigação de conseguir ver isso, (nenhum de nós veria se nossos filhos hipotéticos estivessem sendo atacados) mas nós temos a obrigação de perceber e combater esse pensamento pequeno e punitivo se quisermos um mundo melhor. Racismo não se combate denunciando, criminalizando e punindo. Se combate conscientizando e educando. Foquem suas energias nisso em vez de focar na punição e aí sim, talvez, quem sabe, a coisa melhore.
Para dizer que prefere o caminho da punição pois dá vazão às suas frustrações e raivas, para dizer que está cagando para um mundo melhor e apenas quer saciar suas necessidades imediatas ou ainda para dizer que somos racistas: deixe seu comentário.
SOMIR
Durante muito tempo eu acreditei que era inteligente demais para ser racista. Mas, usando essa suposta inteligência, começou a ficar claro que uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. Ninguém parece realmente acima disso. Até porque, vamos ser realistas: se você diz que não vê cores, deveria visitar um médico. Porque todos nós vemos. Penso na história de parentes meus que chegaram ao Brasil no começo do século passado e, pela primeira vez em suas vidas viram uma pessoa negra. Segundo os relatos, foi algo de explodir a cabeça: “Como uma pessoa fica dessa cor? Ela está bem? Nasce assim?” e perguntas realmente infantis do gênero.
Não há como enganar o olho. Somos diferentes, e algumas diferenças são bem evidentes. Não estou dizendo que notar que uma pessoa tem uma cor de pele diferente de você é base do racismo, apenas que todos nós somos equipados com o básico para agir dessa forma. Basta regar as diferenças com ignorância para que esse comportamento floresça. Tratar alguém de acordo com nossos preconceitos é basicamente a fundação da sociedade humana. Porque há de se entender que a palavra significa conceito prévio. Generalizações que fazemos a cada encontro com o que é novo.
No caso que eu mencionei dos meus antepassados, o reflexo não foi imputar nenhuma característica de comportamento àquelas pessoas de pele mais escura, e sim usar o preconceito sobre o que configurava uma pessoa “normal” e comparar com a diferença chocante que aquela pigmentação representada. Parecia algo que carecia de atenção imediata, quase como se fosse uma doença ou um acidente terrível. Com o passar do tempo e mais contato com o que era tão diferente, a pele negra se tornou mais um fato da vida. Porque, no fundo, é isso mesmo: um fato banal da vida. Pessoas nascem com as mais diversas cores.
Mas nossos olhos, eles não se enganam. E é aí que eu vou começar a amarrar todos os argumentos: quando as diferenças se juntam com a ignorância, ninguém fica imune a ser racista. Nem mesmo uma garota que se identifica como negra. No país onde inventam mil nomes diferentes para a cor da pele para não dizer negro, o preconceito é tão forte que a mera escada de tonalidades entre a pele muito branca e a muito negra é tratada como medida de superioridade. O branco critica o moreno, que se vinga contra o negro. Sim, é uma merda, mas estou falando alguma mentira?
E aí, vamos analisar o caso da garota Titi. O olho sabe que tem uma escala de diferença considerável entre as peles dos pais e da filha, e isso vai gerar algum resultado dentro da mente. O grande erro é querer fazer com que as pessoas finjam que não foram impactadas por esse contraste: seja pra achar lindo ou pra achar horrível, cada cabecinha vai ter alguma reação. Eu mesmo, que sou um ser humano amargo e sem luz, pensei se não era uma sacanagem usar uma criança como um acessório de moda para se mostrar mais tolerante. E depois, pensei que no final das contas, pra criança é melhor ser uma propaganda rica de pais querendo se promover como politicamente corretos do que viver num orfanato.
Viu? Não estou imune. E foi uma visão até que bem inteligente da situação. Só me faltou a percepção óbvia que o casal pode só ter se apaixonado pela criança e estava fazendo aquela breguice de ficar tirando mil fotos e entulhando as redes sociais com os registros orgulhosos de sua cria, como a maioria dos pais fazem. A diferença entre as cores do casal e da filha gera uma reação, e se você deixar sua parte mais estúpida assumir, pode mesmo deixar passar coisas óbvias em prol do seu lado mais podre. O meu, no caso, seria uma visão extramemente fria e cínica sobre o mundo, enxergando o pior nas pessoas. Por sorte, eu tenho material suficiente para combater isso. A educação não me torna imune ao preconceito, mas me permite revê-lo rapidamente.
Aí eu chego na menina culpada pelas ofensas. Que se declarou como negra e disse não ter arrependimento algum. Já garanto que no mínimo ela acha que “pelo menos” não é tão negra quanto a criança que atacou estupidamente, e que carrega consigo um auto-preconceito enorme. Dificilmente seria diferente disso. E como essa adolescente, existem milhões. Diferenças vistas pela ótica da ignorância e falta de compreensão do mundo geram essa mentalidade. Tenho certeza que pra cada um que falou, mil pensaram. Esse é o Brasil, terra de um povo que se odeia, mas pelos motivos errados.
E como Sally bem disse, inútil querer tratar isso com histeria punitiva. Falta o mínimo de estrutura para que as pessoas tenham como sair desse buraco e tratarem seus preconceitos, se não antes do fato, mas pelo menos depois. Ninguém está imune a notar diferenças e pensar ou agir de forma estúpida por causa disso, mas todo mundo deveria ter pelo menos as ferramentas para ser menos estúpido depois. Pode prender quantos quiserem, enquanto a ignorância for a norma, vai continuar acontecendo.
Para dizer que meu texto vai soar racista, para dizer que eu estou confessando um crime, ou mesmo para dizer que também vê o mundo dessa forma amarga: somir@desfavor.com
É, ao contrário do que um colega (alienado) me disse, racismo ainda existe. E, infelizmente, enquanto houver o desvio de foco de ação, mencionado pela Sally, ainda continuará a existir racismo. Muitos confundem justiça com vingança. Nesse caso, trocariamos a palavra “justiça” por “educação”.
“Se combate conscientizando e educando.”… por exemplo, com as seguintes ações:
1)………………………….
2)…………………………
3)…………………………
4)………………………..
Favor alguém complete os pontinhos. Caso contrário é blá, blá, blá.
Em um texto sobre estas medidas certamente podemos completar 4 páginas de pontinhos. Enquanto isso você pode estudar sozinha, sem precisar que ninguém complete para você, pesquisando sobre educação em países com noruega e finlândia.
Desculpa, mas esses dois são bem sem noção se achavam que isso não ia acontecer. Já havia ocorrido com outras pessoas da Globo mesmo, desnecessário expor a menina assim. E eu nem acredito que nos outros casos tenha sido racismo, acho que foi para provocar.
Óbvio que ia ser impossível esconder, um casal de olhos azuis com uma menina negra é algo que chama a atenção. Mesmo que eles não pussessem fotos dela na internet, não tardaria que alguém o fizesse. Apesar de haver muitas crianças negras por aqui precisando de um lar, se eu fosse adotar uma buscaria na África também. Entretanto penso que eles pegaram essa menina por lá pois aqui há várias regras para a adoção e eles não conseguiram burlá-las. Além disso eu acho que estão todos querendo dar uma de Angelina Jolie.
Vocês vão me xingar, mas eu penso que no fundo essa adolescente estava com inveja da criança. Porque ambas são negras mas uma vai ter boas condições de vida e conseguirá superar muitos preconceitos.
Eu nem acho que essa adolescente seja capaz de se dar conta das diferentes realidades e sentir inveja. Acho que é imbecilidade não pensada, falta de educação mesmo.
Pois é, Sally, ainda (também) muito longe de alcançarem que não é inveja, nem “haterismo”…
Não há exemplo melhor do que fez Nelson Mandela. Passou quase 30 anos preso numa cela de merda sequer com direito a visita íntima (quem um dia for viajar para a África do Sul, visite a prisão na Robben Island), viu seus companheiros de luta e de cela sucumbirem a torturas e seu povo sofrendo todo o tipo de violência por conta do apartheid…
Aí virou presidente e teria tudo para exortar seu povo à desforra…E o que fez em termos dessa desforra? Nada…Pelo contrário, começou por instituir um programa de reconciliação entre vítimas e algozes…O país pode ainda não estar grande coisa, mas nem dá para pensar o que seria do país se ele tivesse adotado outra postura…
No caso concreto, talvez a alternativa fosse encontrar essa menina e indagar de seus motivos para suscitar o debate, em vez de partir para um remédio efêmero e inócuo para combater essa mentalidade…Até porque, se o intuito mesmo era fazer a menina pelo menos se constranger, não há nada melhor do que começar por um encontro…
Punir só sacia um desejo primitivo, não resolve o problema. Mas, o brasileiro ainda é muito primitivo, não dava para esperar mais do que isso…