Prioridades, prioridades.

+Os saques do FGTS deram forte animo as vendas do varejo. Nas primeiras duas semanas, as vendas nas Casas Bahia e Ponto Frio subiram mais de 6%. O efeito foi particularmente alto nas vendas de celulares, que dispararam quase 30%.
+O Brasil deixou de avançar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 2015 (…) Em comparação ao ano anterior, o IDH brasileiro manteve o mesmo indicador (0,754) e a mesma posição no ranking global (79º), ficando ao lado da ilha caribenha de Granada e atrás de países como Azerbaijão, Líbano e Venezuela.

As duas notícias escolhidas nesta semana estão muito mais relacionadas do que parece numa primeira análise. Desfavor da semana.

SALLY

Ê Brasil, que semana vexaminosa! Quando um país que come carne de fuckin’ cachorro recusa sua carne, é hora de aceitar a vergonha e a humilhação. Não, o tema da semana não é esse (falamos sobre isso na semana passada), na verdade, a gente acha muito bem feito ver países sem nenhuma noção de higiene como a China com nojinho da carne brasileira. O Desfavor da Semana é a consequência desta cagação na qual o país se encontra: as escolhas do brasileiro e suas consequências.

Liberaram a retirada das contas inativas do FGTS. O que o brasileiro faz? Guarda dinheiro? Investe em sua educação, faz um curso e se aprimora para conseguir um trabalho melhor? Coloca o filho em um curso de inglês para que ele tenha mais chances no mercado de trabalho? Não! A prioridade do brasileiro é: comprar celular foda! ÊÊÊ Brasiiiiil!

O importante é ter, não ser. Brasileiro tá fodido, tá endividado, tá até desempregado mas tem que ter celular fodão, pois é assim que ele mede o respeito que supostamente merece: pelo celular. Celular é hoje o que já foi o carro no passado: quem tem celular bom é visto como fodão e quem tem celular ruim é um merda. Pode não ter nem dinheiro para pagar a conta, pode ser pré-pago e o filho da puta viver sem crédito, ligando a cobrar, mas tem que ter o celular da moda!

Usa para estudar? Para se informar? Para aprender? Não. Usa para postar foto tem rede social e escrever legenda “Sua inveja é a velocidade do meu sucesso”. Usa para fofocar, controlar a vida alheia e tirar foto na laje com copo de cerveja na mão. Não tem plano de saúde, quando o filho adoece faz fila em hospital público e muitas vezes nem consegue atendimento, mas tá com iphone whatever plus na mão, ainda por cima aquele “rose” , o mais brega de todos!

Brasileiro abre mão de investimentos sólidos como educação e saúde para aparentar o que ele acha status. Brasileiro não sabe pensar a longo prazo, vai gastar o FGTS em celular e bebida. São como crianças, imediatistas e sem capacidade de pensamento a longo prazo, que se você oferecer uma bala agora ou mil balas em 24h, ele aceita a uma bala, porque é na hora e ele acha que está se dando bem. É uma diarreia mental, um mix de imbecilidade com ansiedade e incapacidade de se frustrar por um bem maior.

O resultado disso é a segunda notícia que ilustra esta coluna: graças a essa mentalidade, que permeia todas as classes, inclusive aqueles que tomam decisões, o Brasil está com um IDH – Índice de Desenvolvimento Urbano ridículo, atrás de países como Azerbaijão, Líbano e fuckin’ Venezuela. Sim, estamos atrás de um país onde as pessoas não tem papel higiênico para limpar a bunda, mesmo sendo um país de proporções continentais, com uma infinidade de riquezas naturais.

É através do IDH que se classifica um país como desenvolvido, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Esse cálculo é feito pegando índices básicos de bem estar social, civilidade e produtividade, coisas como expectativa de vida, educação e renda dos moradores. O Brasil exporta pra cacete, tem uma indústria considerável, tem grandes metrópoles que movimentam fortunas mas, ainda assim, a péssima gestão do dinheiro, graças a essa mentalidade débil mental, faz com que o Brasil perca para países fodidos, em guerra ou em condições totalmente adversas. O Brasil, que gosta de se achar o mais bem sucedido e o reizão do Mercosul, a potência latina, o invejadão espionado, está em quinto lugar entre os membros da América Latina. Quinto. QUINTO.

No que diz respeito a desigualdade social, um dos principais medidores, o Brasil é o décimo pior país do mundo em distribuição de renda. Vou repetir: de todos os países que existem no mundo, a concentração de renda do Brasil está na lista dos dez piores. Dinheiro há, o que não há é um uso eficiente dele, algo que, em última instância, beneficiaria a todos. Pergunte a quem é podre de rico mas perdeu o filho baleado por um bandido. É essa mentalidade de se preocupar mais com a aparência do que com a essência contaminando a forma de gerir um país.

Brasileiro tupiniquim, louco por aceitação, louco por pertinência, elege brasileiro tupiniquim, louco por aceitação, louco por pertinência. Quem é capaz de comprar Iphone enquanto o filho está em escola pública ou sem plano se saúde tem que ser esterilizado como camelo, batendo um tijolo em cada saco. Brasileiro quer, brasileiro faz, não sabem lidar com a frustração e se privar de algo, a menos que não tenham outra saída. Por senso de sacrifício voluntário, pensando em um futuro melhor? Jamais. Se a pessoa não pode comprar um iphone, ela vive com isso. Mas, se dispõe de um dinheiro e apenas não deve comprar, ele compra.

Pessoas dementes, inconsequentes, imaturas que vivem de se gratificar para conseguir levar a vida insuportável que levam, graças às péssimas escolhas que fazem. Infeliz no casamento? Vai ao shopping e compra roupa. Humilhado no trabalho? Compra telefone ostentação. De saco cheio dos filhos? Bebe para relaxar. Foda-se que a longo prazo é destrutivo e faz mal. Quase ninguém faz o que é melhor a longo prazo, pois geralmente isso implica em privações imediatas e recompensa a longo prazo. Brasileiro quer recompensa imediata, não importa se isso gerar uma fodeção a longo prazo.

Aí vem as derivações do problema. O país está todo cagado, e as Femilacre estão fazendo escândalo pela desigualdade entre homens e mulheres. Estamos atrás de países onde as pessoas não tem o que comer, é meio óbvio que nesse pacote vem junto todo tipo de desigualdade: de cor, de gênero e de tudo mais que existir. Brasil é um país atrasado. Querer pinçar uma das desigualdades e corrigi-la isoladamente, fora do contexto, é de uma burrice cavalar. É preciso corrigir o todo. E como ter uma infecção se espalhando por todos os órgãos e colocar antibióticos apenas naquele que você acha mais importante.

É de um egoísmo e de uma limitação mental destacar uma causa que te incomoda mais por questões pessoais (trauminha ou daddy issues) que chega a dar pena. Aí o mal não é combatido como um todo e, obviamente se espalha cada vez mais e contamina cada vez mais o país. Enquanto isso, ativistona acha que está fazendo um bem à sociedade, que sua luta é um ato de coragem. Coragem, meus queridos, é peidar de fone de ouvido. Isso é travestir seus problemas pessoais de causa social.

Assim estamos, um potencial enorme, recursos vastos, muito dinheiro circulando, mas focados em comprar celular em vez de investir no que realmente vai fazer diferença. O Brasil não deu certo, melhor devolver para os índios.

Para dizer que é corajoso e peida de fone de ouvido, para dizer que a culpa disso é do macho opressor ou ainda para dizer que está preocupado com a terceirização: deixe seu comentário.

SOMIR

O brasileiro vive numa sociedade cagada porque prefere comprar celular ou prefere comprar celular porque vive numa sociedade cagada? O “ovo ou a galinha” que trazemos hoje com as notícias escolhidas deve ser capaz de explicar o porquê deste país ser como é, mas não a ordem em que isso acontece. Até porque provavelmente elas façam parte de um ciclo sem começo definido.

Claro, um dos subprodutos de viver num país relativamente livre como o Brasil é que as pessoas podem fazer o que bem entenderem com seu dinheiro. Ninguém está imune a tomar uma decisão “fútil” como priorizar o status que vem de se ter um celular de última geração, eu já gastei dinheiro com muitas bobagens nessa vida, e honestamente, nada de mais em se presentear às vezes, traz alguma felicidade. O problema aqui é quando essa felicidade é uma das únicas disponíveis para uma população.

E com o feito de ficar atrás da Venezuela na lista do IDH, é de se considerar quanta opção o brasileiro que gastou seu FGTS num celular realmente tinha naquele momento. O índice de desenvolvimento humano tenta explicar a sociedade de um país como um todo, usando diversos indicadores de qualidade de vida para dizer se quem mora lá está coberto em suas necessidades mais básicas. Saúde, segurança, educação, liberdade… o tipo de coisa que permite que o ser humano viva com alguma dignidade e tenha condições de continuar evoluindo geração a geração.

Das vezes que falei sobre a indústria da aspiração, falei também sobre como a pessoa que vive em situações mais precárias é mais suscetível à publicidade: não tem muito como escapar, as pessoas tem expectativas de felicidade e pertencimento social que vão ser preenchidas de uma forma ou de outra. Quando a mídia mostra um padrão de beleza ou mesmo modo “ideal” de curtir a vida, está tentando cutucar algum senso de inadequação na base da psique humana, dando uma solução simples: comprar para fazer parte. O ter para ser. Pessoas que se sentem completas e bem inseridas no seu contexto social são muito mais resistentes à sugestão de consumo por comparação negativa.

Mas, quando você está no Brasil e em média não tem sequer condições de viver uma vida digna, com os elementos básicos definidos pelo IDH, existem muitos buracos em sua percepção de felicidade que podem ser explorados por paliativos como carros e celulares, por exemplo. Não estou dizendo que os povos de países no topo da lista não são consumistas, longe disso, mas por lá o grau de manipulação é mais avançado: em países ricos a ilusão empurrada pela indústria da aspiração é a da felicidade constante. Como se isso fosse realista.

Aqui em baixo as leis são diferentes: quem vive numa situação tão de merda quanto o brasileiro médio não precisa acreditar que a felicidade eterna é seu objetivo, na verdade, basta achar que o produto vai trazer algum alento para a vida que ele já se torna desejável. Um celular moderno, no contexto atual, significa adequação e status, duas coisas que cativam praticamente qualquer ser humano, mas especialmente aqueles que não conseguem encontrar isso em outros lugares.

Porque apesar de ser muito mais inteligente investir em algo no longo prazo, em buscar estabilidade e evolução pessoal, há algo de torto num país cujo IDH seja tão baixo que mina essa estratégia: adianta ser inteligente no Brasil? Adianta ser honesto? Adianta fazer as coisas direito? Complicado prezar por estar limpo quando se vive num lamaçal. Com certeza continua sendo errado não tentar melhorar os próprios padrões de existência para viver numa sociedade mais evoluída, mas… entre fazer um curso e comprar um celular… o que vai ser mais bem visto entre seus pares aqui no Brasil, em média?

É aquela lógica do chão limpo de novo: quando você encontra um lugar imaculadamente limpo, sente-se mal em jogar um papelzinho que seja no chão. Mas, quando tudo já está sujo, seu lixo já não faz mais tanta diferença. Para quem acha que IDH é bobagem de gringo preconceituoso, comece a entender a situação como um chão limpo. Como uma defesa contra receber o FGTS e gastar num celular. Porque vejam só: o governo faz uma medida para girar a economia local, e o dinheiro acaba indo para as fabricantes estrangeiras. Não é nem uma crítica baseada em protecionismo econômico, e sim o conceito de que por aqui não se cria valor suficiente para aplacar a vontade de viver uma vida melhor. E novamente, isso tem tudo a ver com o IDH.

O meu texto e o da Sally se complementam nesse ciclo maldito de atraso e más escolhas. Nenhum de nós está dizendo exatamente o que aconteceu, mas ao mesmo tempo, ambos estamos. Escolhas melhores reduzem o atraso, menos atraso cria escolhas melhores. Se o Brasil tem jeito, ele está na decisão do que vamos fazer primeiro… pelo menos temos os exemplos de outros países que já passaram por essa fase: reduzir o atraso e aumentar a dignidade do povo parece ser o começo do caminho. Resta a nós fazer nossa parte, colocando no poder quem está preocupado com isso.

Mas, talvez demore muito ainda. Enquanto isso, torcendo para não passar a Venezuela só pela incapacidade deles.

Para dizer que detesta quando não tem solução, para dizer que pelo menos os vídeos do Whats devem ficar melhores, ou mesmo para me mandar voltar pra União Soviética: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (15)

  • Estava eu numa loja da Cacau Show, e o vendedor todo feliz, atendendo uma família de umas 4 ou 5 pessoas, gente simples e uma das moças em gravidez adiantada. Estavam comprando vários ovos de páscoa, e eu ouvi uma dessas pessoas dizer que estavam aproveitando o FGTS inativo!
    Fala sério!!! Pior que ostentar celular é ostentar ovo de páscoa! Caro pra cacete, até a semana santa já vai ter caído de preço pela metade, e de consumo praticamente imediato. É muita pobreza de espírito!

  • O Cunhado e o Sogro tinham o costume de fazer boleto e pedir para o meu Marido pagar, pois eles não tinham o dinheiro no dia “mas a promoção tá boa”. Pagavam quando recebiam o salário, 10, 15 dias depois…

  • É triste e é foda; o BM não tem nem noção do porque escolhe o que escolhe… Não sei se fico com raiva ou dó, porque para que se possa escolher bem, você tem que vir de láááááá detrás com uma série inputs que te possibilitem isso: educação dada pela família, leitura, educação formal. É a vida girando no automático. Não há esperança disso mudar, infelizmente. Se tivessem uma mínima consciência do quanto se pode crescer sozinho através da internet, poderiam suprir isso. Hoje você aprende qualquer coisa estando conectado, não tem a desculpa do ‘não tenho acesso’. Mas autodidatismo não é pra qualquer um não.

  • Lembrei da Sally absolutamente pistola da vida com aquele relatório que mostrou que no Bostil, tinha mais pessoas com TV do que pessoas com geladeira em casa.

    Lembro-me como se fosse hoje, nove anos atrás, de quando trabalhei por um tempo em um Centro de Referência de Assistência Social. Cansei de ver gente que dava calote na conta de luz e água (sendo que pagavam a tal da Tarifa Social, coisa de uns oito reais por mês), mas tinham o famigerado Motorola V3 Black, celular da moda do momento. Estamos falando de gente que morava em favelas e dependiam de Bolsa pra dar comida para os filhos.
    Uns anos depois vejo uma cena que não me esqueço: estava eu num banco resolvendo um problema com a minha conta e enquanto espero na fila, uma mulher conversava com uma amiga, esperançosa porque já estava devendo em não sei quantos bancos mas que precisava de um empréstimo para reformar o banheiro.

    E no trabalho canso de ver gente que vive enforcada em financiamentos porque não ganha nem 3 mil por mês mas se não trocar de carro pelo menos uma vez a cada dois anos não está satisfeito. Tem também aqueles que ficam contando os dias para fechar a fatura do cartão porque já estavam com a conta zerada e não era nem dia 20.

    • É uma necessidade de gratificação imediata alarmante. A vida dessas pessoas deve ser uma bosta, para que elas tenham essa compulsão por comprar coisas para si mesmas o tempo todo. Deve ser o único investimento que sabem fazer em si mesmas: jogar bens.

    • (…) Cansei de ver gente que dava calote na conta de luz e água (sendo que pagavam a tal da Tarifa Social, coisa de uns oito reais por mês), mas tinham o famigerado Motorola V3 Black, celular da moda do momento. (…)

      Pqp…

      Porém é impossível eu me sentir surpreso : conheço uns dois municípios que mais paracem involuídos que estagnadíssimos, e isso porque – além de CRAS – tem CREAS e fundação local para as assistências…

  • Isso não acontece só com celulares.
    Certa vez um cara que trabalhava comigo me pediu dinheiro emprestado para pagar o Ipva atrasado do carro dele… Um Fusion zero.

Deixe um comentário para Ivo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: