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Mexeu com quem?

Mexeu com quem?

| Desfavor | | 29 comentários em Mexeu com quem?

+Na última sexta-feira, em um relato em primeira pessoa publicado no blog “#Agoraéquesãoelas”, do jornal “Folha de S. Paulo”, a figurinista Susllem Tonani acusava o ator José Mayer de assédio sexual. Em um longo texto, a funcionária da TV Globo narrou diversos episódios em que teria sido constrangida pelo ator da novela “A lei do amor”, das 21h.

E José Mayer sofreu um linchamento público. Mas será que focar só nele resolve algum problema? Desfavor da semana.

SALLY

Um episódio vergonhoso vem se desenrolando ao longo das semanas: uma funcionária da Globo acusou o ator José Mayer de assédio. Ele negou, disse que estavam confundindo com o personagem que ele interpreta na novela. A história ressurgiu com, cada vez mais, riqueza de detalhes. A coisa ficou tão feio, que a Globo providenciou para ele uma carta, como se fosse de próprio punho, com um pedido de desculpas muito do cagado, um misto de “na minha geração podia” com “era brincadeira”. O resultado final é uma histeria imensa se voltando contra os homens, no geral, tirando o foco dos limites do humor e colocando o foco nos limites do flerte.

José Mayer, imortalizado como pegador pela Globo, vai encerrar sua carreira execrado, como um criminoso vil por repetir um comportamento que mantem desde sempre. Como ele mesmo disse na sua tenebrosa carta-confissão, os tempos mudaram e ele não se adaptou. Nem a Globo, pelo visto, que redigiu um dos piores pedidos de desculpas que eu já vi em toda a minha vida, e olha que eu namorei com Tiago Somir. Se José Mayer sempre foi assim, houve espaço para que ele sempre seja assim. Será que a culpa é apenas dele?

Em questão de dias, um dos mais famosos galãs da Globo foi de sex symbol da terceira idade a assediador predador opressor. Jose Mayer vem sofrendo um linchamento público com um rigor que poucas vezes se viu. Já vi globais que estão atacando furiosamente o José Mayer defender que menores infratores que mataram pessoas fiquem em liberdade. Parece faltar coerência. Qualquer um dos dois lados é válidos: criminalizar tudo ou não criminalizar nada, o que eu não entendo é criminalizar histericamente os crimes que “poderiam ser comigo” e relativizar o resto.

O relato da funcionária é de arrepiar. Altíssimo grau de desrespeito que provavelmente se estendeu a outras mulheres por anos. Por qual motivo criminalizar apenas o José Mayer e não atacar a Globo, que foi quem forneceu ambiente propício para que ele faça isso sistematicamente? Na Globo ninguém bate. A Globo o acobertou, silenciou e desacreditou vítimas por anos e, agora, quando a coisa saiu do seu controle, está espancando o José Mayer, cortando a participação dele até de reprise de novela. Se um funcionário abusado tivesse sido punido na primeira cagada, nada disso teria acontecido. No mínimo a Globo fez vista grossa, foi conivente.

Será que tem valor a emissora explorar a notícia agora, que a coisa está mais do que vazada? Suspender o ator, não por discordar da sua conduta e sim porque se não o fizer pega muito mal? Sinceramente, não vejo mérito em fazer mais nada agora, pois qualquer ato me parece em causa própria, para desvincular a emissora de um escândalo.

Surgiram também as generalizações. Grupos colocando todos os homens como potenciais inimigos ou assediadores. Nas redes sociais surgiu uma camiseta que está virando modinha escrito “homens mortos não assediam”. Outros atores que ousaram relativizar ou questionar parte dos ataques foram igualmente trucidados, com uma fúria nunca antes destinada a pessoas que fizeram coisas, no mínimo, tão graves quanto. Criou-se uma horda furiosa que passa o rolo compressor do lacre em qualquer coisa que aparente ousar questionar o massacre do macho opressor.

Eu discordo totalmente do que José Mayer fez, mas não acho que o assunto não possa ser debatido. Também não acho que, por discordar do que ele fez eu tenha que automaticamente participar desse linchamento coletivo e da demonização da raça masculina como um todo, mas, aparentemente, parece que ou você está a favor, ou contra. Escolha um lado. E, obviamente, a maioria escolhe o lado que vai deixar uma impressão melhor, não importa o quão incoerente isso seja com seu histórico.

Mais um ponto para refletir: se vão fazer uma caça às bruxas, então, que cacem todas as bruxas e não a bola da vez. Será que no meio dessa podridão do meio artístico apenas José Mayer fez algo do tipo? Diretores, atores, produtores… mais ninguém fez nada parecido? Eu não tenho como saber, mas certamente as atrizes que tiraram foto com cartaz “mexeu com uma, mexeu com todas” sabem, porque nas internas, tudo se sabe.

Se são tão engajadonas nesta causa contra a covardia masculina que silencia mulheres vítimas, não seria hora de se mexer para dar voz a estas mulheres? É, se indispor com a emissora ninguém quer. Só se levantaram para bater em alguém quando foi socialmente aceitável bater nesta pessoa. Esse tipo de ativismo seletivo me enoja.

E se vamos falar de respeito com mulheres, tem uma longa fila de críticas a atores da Globo. José de Abreu cuspiu na cara de uma mulher e ganhou uma homenagem em um programa da Globo. Jô Soares disse que dependendo da maquiagem a mulher fica com cara de puta. Eu poderia ficar até amanhã listando. Por mais que assédio seja algo hediondo e traumático, existem diversas formas de violência contra a mulher. Mas não, só se pune o assédio, e apenas quando este assédio ganha uma repercussão estrondosa impossível de abafar. Complicado, né?

O caso do José Mayer foi um claro caso de assédio, criminoso, agressivo e inconveniente. Mas os desdobramentos deste caso, a histeria que levantou, a fúria com a qual se está partindo para quem não acata a ira feminista, está assustando os homens. Já não se pode falar mais sobre certos assuntos, já não se pode flertar sem medo, já não se sabe mais o que pode e o que não pode, quais são os limites do flerte. Ao menos tiraram um pouco o foco dos limites do humor.

O problema é que esta hipersensibilidade e reações exacerbadas apontam para um caminho muito ruim. Um caminho onde homens terão dificuldade, medo ou até falta de vontade de se aproximar de mulheres, um caminho onde todos perdem. É só se aproximar com respeito? Bem, parece simples, se respeito não fosse um conceito tão subjetivo. Quem traça essa linha, se respeito é um conceito tão pessoal? A mulher. E como descobrir que se cruzou a linha se não a cruzando? E quem vai se arriscar a cruzá-la, quando as consequências são tão violentas?

José Mayer é apenas um dos muitos vilões desta história, mas está apanhando sozinho e de pessoas que, em sua maioria, não tem qualquer moral para bater. Você, que chama a mulher da qual sente ciúmes de piranha, você que ameaça ou inferniza a atual do seu ex, você que detona a colega de trabalho por uma roupa curta… você não tem muita moral para vestir uma camisa de ocasião e defender o respeito pelas mulheres. Reflitam.

Para dizer que o próximo hit do Ei Voce vai ser Jose Mayer de Presidiário, para dizer que Mexeu com Uma Mexeu com Todas desde que a causa seja midiática ou ainda para me chamar de machista: sally@desfavor.com

SOMIR

Às vezes é difícil seguir um texto da Sally nesta coluna… como falar algo que ela já não disse? Concordo plenamente que o buraco está muito mais embaixo do que punir José Mayer, e embora seja um começo, não passa nem perto de indicar um caminho para tornar as coisas melhores para as mulheres. Porque quem faz o que foi relatado pela figurinista com certeza ganhou confiança para tal com anos de permissividade, não só da Globo como de tantas outras mulheres que foram vítimas ou mesmo cúmplices no silêncio.

Se eu tenho um ponto de vista que não estava no texto anterior, é o reflexo mental de não entender porque a moça não enfiou a mão na cara do garanhão geriátrico assim que ele pegou nela. Eu sei, eu sei… não é para ser difícil de entender porque uma mulher não tentaria a via da violência física na situação relatada, ainda mais com outras duas mulheres presentes desescalando a gravidade da situação ao acharem tudo engraçado. Mas aí que está… eu não entendo.

Eu, como homem, simplesmente não tenho exemplos suficientes na minha vida da sensação de impotência que mulheres costumam viver. Como assim alguém pega em mim sem eu querer? Como assim eu não conseguiria no mínimo assustar quem invadisse meu espaço pessoal? Como assim não se sentir minimamente seguro de ter como rechaçar um ataque de outra pessoa? Como assim alguém não respeita quando eu digo que não quero papo?

E é aí que dá um trabalho enorme sentir empatia pelas mulheres. Eu sei que está errado considerar que ela tinha obrigação de pelo menos montar uma defesa agressiva ao invés de pensar primeiro que o homem estava errado ao fazer essa escrotice com ela… mas, a ideia é outra. Ela precisa ser desmontada antes de dar espaço para qualquer outra análise. Desculpa aí, mulherada, mas pelo menos eu – reflexo imediato – acho vocês fracas e até coniventes quando leio esse tipo de relato. Se não queria, que desse um basta na hora!

Eu acabei de escrever um parágrafo que se tirado de contexto muda completamente o sentido do texto… se a gente fosse mais famoso aqui, certeza que ele seria colado isolado para dar outra impressão. Mas, como temos um contexto, posso explicar melhor: eu reajo assim mas acho completamente errado. Antes eu só sabia que tinha algo torto ali, mas não sabia apontar aonde, aquele texto “Marido” da Sally finalmente conseguiu colocar as peças no lugar pra mim. Essa falsa noção que mulheres tem o mesmo poder que homens para se defender de abusos, ou mesmo que todas as mulheres tem algum homem próximo para protegê-las como faríamos com nossas mulheres mais queridas… isso deixa a empatia manca.

E inclusive reforça comportamentos abusivos: não duvidem que muitos homens forçam a barra com a “desculpa interna” que se a mulher quiser parar, vai ter como. Ou, que se não for incisiva ao ponto de enfiar uma porrada ou chamar alguém pra enfiar a porrada, está só fazendo charme. Sim, é errado pensar assim, mas dá trabalho remontar a percepção do outro dessa forma. São os “como assim” que eu descrevi anteriormente. E, mesmo sabendo que é vespeiro, fico livre por estar acompanhando a relatora do texto acima: insistência e uma certa inconveniência fazem parte do processo de aproximação entre homens e mulheres. E a linha onde a insistência sedutora acaba e a assustadora começa não está clara para quem está vendo de fora.

Pessoas diferentes reagem de formas diferentes, e nem homens nem mulheres tem bola de cristal para descobrir as medidas ideais do outro. Historicamente o homem arrisca a puxar a linha para frente e as mulheres a mantém um pouco abaixo do que realmente aceitariam, ambos pela segurança de chegar no ponto certo. E mexer nessa dinâmica pode demorar gerações! Eu me considero um homem muito menos abusado que a média, mas mesmo assim tenho o reflexo de ficar confuso com a falta de reação agressiva da mulher no caso. É uma questão de empatia, e empatia é complicada quando as pessoas tem coisas muito diferentes a perder (essa semana eu estou conectando todos os textos…).

Por isso, quem deveria ter mediado essas relações, desde o começo, são aqueles que não estão contaminados pela confusão interna: a Globo, a empresa que pode definir diretrizes e impedir a continuação dos comportamentos abusivos, outros homens que tinham o poder de defender mulheres injustiçadas nem que fosse na base da imposição física, e até mesmo outras mulheres, que ao invés de só ficaram aliviadas por serem outras sofrendo daquela vez, tenham a força necessária para agir em conjunto mesmo quando não tem uma hashtag bombando no Twitter!

Podem me xingar, mas num ponto eu entendo o José Mayer: se ele passou a vida assediando mulheres que não tinham defesa e ninguém de fora se mexeu para dar um basta nele, ele é mesmo fruto de uma geração machista que simplesmente não entende, num grau ainda mais poderoso que a minha, por exemplo. Não ir simplesmente pegar qualquer mulher que te interesse é um exercício constante de autocontrole para homens. É o que nos separa dos bichos. E quando não há pressão para exercer essa restrição do impulso, é justamente o que vai vazar. Num mundo ideal os homens se controlam por quererem viver numa sociedade justa e igualitária, mas ainda não estamos nem perto de um mundo ideal.

Tem que ter mais empatia nesse mundo. Não mais leis e campanhas de rede social, mas mais capacidade de entender o outro e suas fraquezas. Mulher precisa de segurança, homem precisa de limite. Se os dois se ajudarem, o mundo melhora consideravelmente. A minha sensação é que nesse caso, só afastamos mais as pessoas. Mulheres mais inseguras e homens mais confusos sobre até onde podem ir. Ninguém se comunica, ninguém se entende.

Para dizer que o texto todo é um prato cheio para tirar de contexto, para dizer que não sabe que lado eu estou defendendo, ou mesmo para dizer que se um viado lutador de UFC quiser me comer eu vou entender: somir@desfavor.com


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