Irrelevantes.

+A tecnologia e o avanço das redes sociais da internet criaram uma commodity bastante valiosa: o “like”. De olho nesse “capital”, começaram a surgir “fazendas de likes”. Nelas, milhares de smartphones ficam conectados à internet 24h por dia. Interessados em bombar com “likes” as suas redes sociais contratam o serviço de uma fazenda para que curtidas sejam disparadas em seu benefício.

Se já estávamos sofrendo para entender o que era notícia ou não na internet, agora temos que nos preocupar com o que é relevante de verdade ou não. Desfavor da semana.

SALLY

Lembro da época em que ocorreu uma explosão no uso do Photoshop. Em um breve primeiro momento, eu era enganada por fotos falsas, por desconhecer o mecanismo. Mas, depois de descoberto e popularizado, o uso em larga escala do Photoshop minou totalmente a credibilidade das fotos para mim: qualquer coisa que saísse do padrão eu já presumia que era Photoshop, fosse um cachorro um pouco maior do que o normal, um corpo mais perfeito do que eu cogitava ser possível ou um pôr do sol com cores mais peculiares.

Até hoje, quando me mostram uma foto impressionante, meu primeiro impulso é desmerecer, dizendo em tom de desprezo: “É Photoshop essa porra”. A presunção é sempre de embuste, de falsidade, de mentira, devido ao mau uso ostensivo que fizeram da ferramenta.

Sinto que o mesmo está acontecendo com o conteúdo online. Eu, que por minha vivência passei boa parte da minha vida acreditando que se algo foi escrito e publicado é confiável e respeitável, tive que reavaliar essa premissa. Em novos tempos onde todo mundo pode se publicar no principal meio de comunicação atual que é a internet e onde a velocidade das notícias é tamanha que nem os jornais mais confiáveis checam fontes com cuidado, precisamos sempre partir da desconfiança.

E coisa vai muito além das Fake News. Até nas redes sociais, onde, em tese, o objetivo é a interação humana, a indústria da mentira deu as caras, como mostra a notícia que escolhemos para ilustrar esse mecanismo cruel que pode desacreditar totalmente o conteúdo da internet, nossa fonte primária de informação.

As chamadas “Fazendas de Likes” vendem popularidade. É possível comprar curtidas em um perfil, em um vídeo ou em qualquer rede social. Um indexador criado para saber o quanto um conteúdo está agradando vem sendo monetizado e manipulado.

Assim, caminhamos para um mundo onde o que vai ser popular e tendência não é o que a maioria efetivamente gosta e sim o que uma minoria com dinheiro para pagar quer impulsionar. Com isso se perde a maior qualidade da internet até então: o quão democrática ela era, o quanto dava voz a todos. A tendência é que, como sempre, uma minoria se aproprie dela e nos diga o que ver, o que gostar, o que usar, o que comer. Ficaremos novamente sem voz, pois a voz da internet não será mais a nossa voz, será uma fraude devidamente remunerada.

Todo o lado bom do acesso amplo à informação pode acabar perdido, uma vez que será indispensável algum elitismo intelectual para, no meio de um mar de merda, peneirar algo que preste. A informação não estará mais ao alcance de todos (foi bom enquanto durou!), apenas daqueles que tiverem uma base sólida para diferenciar uma agulha em um palheiro. Assim como foi a televisão, a internet será comandada por quem detém privilégios financeiros e poderá ser usada para manipular massas.

Da mesma forma como é cruel com muitas meninas estampar na capa de uma revista um padrão de corpo irreal, que elas nunca irão alcançar, gerando frustração, não aceitação e baixa autoestima, é igualmente ruim criar um falso patamar de metas em popularidade ou audiência, pelos mesmos motivos. Não será possível alcançar sem “doping” o numero de seguidores, likes, curtidas, visualizadas ou o que for e isso vai gerar sensação de fracasso, frustração e rejeição. Com isso, conteúdo pago estará sempre em primeiro lugar e é o que vai aparecer nas primeiras páginas e ser mais consumido.

Não vai bombar quem cativou o público e sim quem pagou mais para isso. Uma pessoa muito boa, que efetivamente cative boa parte do público, vai morrer sem voz, pois mesmo que tenha uma boa repercussão, não será nada quando comparada aos pagantes. Talentos, descobertas e produtores de conteúdo inovadores passarão em brancas nuvens sufocados pelos pagantes.

Com o tempo, pode se tornar realmente trabalhoso encontrar bom conteúdo ou conteúdo inovador na internet. O sistema de rankeamento que um dia te fez cair aqui provavelmente será outro: quem pagar mais. Nesse novo mundo, você jamais teria descoberto o Desfavor. Será necessário que todos tenhamos “provedores de conteúdo”, pessoas que acompanharemos tal qual um fã acompanha o trabalho de uma banda de rock que curte. Seguiremos seu trabalho, por saber que gostamos do seu estilo e confiamos na sua produção de conteúdo. Prepare-se para escolher os seus.

É como estar em um lugar com um mar de calorias vazias que vão te engordar mas não tem os nutrientes necessários para você se alimentar, misturadas com comida estragada que vai te fazer mal se você comer e, apenas 1% de comida efetivamente nutritiva. Você, sozinho, vai precisar de muito tempo e tentativa e erro para encontrar o que realmente te alimenta. Por isso, fica meu conselho: cerque-se de pessoas nutritivas que produzam conteúdo de forma regular agora, mais tarde pode ser mais difícil identifica-los ou encontra-los.

A Fazenda de Likes vai muito além de uma falsa popularidade em redes sociais. É uma pequena amostra de um macro sistema que está sendo implementado gradualmente: visibilidade monetizada, porém não de forma declarada, como uma publicidade na televisão, e sim de forma canalha, criada para te induzir a erro e você pensar que ela nunca esteve lá. Não importa para onde este pêndulo tombe, o saldo final parece ruim: pessoas enganadas cegamente ou pessoas totalmente desacreditadas da internet, que precisarão achar outro meio principal de comunicação e fonte de conhecimento.

A Fazenda de Likes é um exemplo emblemático da decadência social em que vivemos, onde vale mais o aparentar ser do que o ser, a ponto de gerar uma monetização rentável. No mundo da internet, cliques são determinantes para o grau de exposição que um conteúdo vai ter, goste você ou não. Por isso, com essa monetização em larga escala, deixa de ser a opinião da maioria e passa a ser a de uma minoria pagante.

Essa Fazenda de Likes Representa de forma muito clara como, entre a verdade e um mundo paralelo (e falso) nosso, pelo qual pagamos, estamos tendendo para o segundo. Aproveitem a internet como a conhecem hoje, em breve ela pode deixar de ser tão democrática.

Para dizer que o drama foi over, para dizer que já é assim só que ninguém percebe ainda ou para dizer que foda-se a big picture o que importa é que finalmente você vai ser popular: sally@desfavor.com

SOMIR

Muitos anos atrás, estávamos todos deslumbrados com o poder das redes sociais, dizia para os meus clientes que eles tinham que abrir páginas no Facebook e fazer sucesso por lá, pois a internet seria a mídia dominante no mundo através desse tipo de serviço e quanto mais tempo demorasse para entrar lá, mais caro ficaria. Nisso eu estava certo. A profissionalização da divulgação online era uma tendência inescapável.

Mas sempre existem percalços no processo, naquele tempo o serviço de comprar curtidas na página era muito forte. A lógica era que as pessoas tenderiam a se importar mais com páginas com muitas curtidas e procurar mais pelos seus conteúdos. Era um preço a se pagar pela relevância. Um dos clientes fez isso, comprou dez mil curtidas na sua página. O número ali era realmente impressionante, e todos ficamos felizes com isso.

Até que… o método se fez claro. Não eram pessoas curtindo aquilo, eram perfis falsos criados em profusão com esse único objetivo. Que todos sabíamos que não estávamos comprando o interesse de dez mil pessoas, sabíamos, mas o lado negativo disso foi um excelente aprendizado: essa curtidas a mais não só não tinham impacto real sobre os negócios da empresa, ainda criava uma bagunça tão grande na análise dos resultados das pessoas realmente importantes – as que realmente curtiram aquilo por interesse – que no final das contas estávamos todos arrependidos de ter comprado curtidas.

Sorte que era ridiculamente barato. Aliás, mais um reforço de aprendizado: se é muito barato e muito fácil, provavelmente é inútil. Essa experiência serve para situar vocês do lado que eu vejo essa questão: do lado quem já tentou distorcer o que é relevante de verdade para vender mais. Isso até virava um Publiciotários numa análise mais completa, mas de forma resumida, aprendi que existe um enorme mercado de “resultados falsos” na internet, e boa parte da história que se conta de sucesso das grandes empresas ligadas ao meio digital está seriamente manipulada. O sucesso não é tão grande assim quando pensamos em elementos mais reais que curtidas.

A minha realização sobre a mídia internet é que o sucesso criado nela é essencialmente virtual. Você precisa basicamente criar um esquema de pirâmide para ganhar dinheiro rápido na internet: o Facebook, o Google e de certa forma até a Apple se baseiam nesse tipo de calorias vazias para conseguirem seus lucros. Basicamente, criaram uma moeda paralela, o “like”. Embora a moeda gere valor para muita gente, a conversão dela para valores reais é no mínimo confusa.

Temos uma considerável discussão no mercado publicitário sobre como medir e julgar os resultados desse admirável novo mundo da internet. Conseguir curtidas para os seus clientes funciona até que ponto? Porque pode ser direto ou indireto: os que mais se beneficiaram com a profissionalização da divulgação na internet foram indivíduos que conseguiram se posicionar como influenciadores. Quando as notícias parecem tão confusas e conflitantes, o ser humano tende a buscar outros seres humanos para depositar sua confiança. Os “blogueiros” de hoje, aqueles que nem sabem mais escrever, tendem a ser os maiores compradores desses serviços de likes como o que a notícia de hoje descreve.

Afinal, é pra eles que ter um monte de curtidas significa ganhar mais dinheiro. As empresas que os contratam ainda precisam vender seus serviços e produtos, esses influenciadores nem tanto. Na verdade, basta pegar a moeda criada pelas redes sociais e especular com ela em outros mercados. A blogueira de moda com um milhão de seguidores vende sua opinião mais caro que a que com vinte mil, na imensa maioria dos casos. E é aí que vemos o modelo de relevância de opinião e conteúdo ruir sob a mercantilização do interesse. O esquema de pirâmide que eu mencionei.

Facebook e afins criam a moeda “like”, que as pessoas querem de alguma forma, intermediários sequestram a relevância das informações no meio do caminho manipulando o real interesse no que produzem, e o mercado de consumo financia esse ciclo trocando dinheiro real pela moeda imaginária. E como, spoiler, a maioria do mercado não sabe quantificar o quanto recebe em troca pelos seus investimentos em divulgação, tem muita sujeira acontecendo aqui. Recentemente o Facebook soltou um “desculpa aí” por ter contabilizado as visualizações em vídeos de uma forma absurda e tecnicamente enganado quem achava que estava bombando com seu material na rede. Os grandes sistemas de entrega de propaganda online estão sob escrutínio severo dos maiores anunciantes por entregarem resultados falsos vindos de fazendas de cliques.

O dinheiro está circulando loucamente, mas não são necessariamente aqueles que produzem o material mais relevante para seus públicos que estão sendo sustentados por ele. Hoje em dia, até para fazer conteúdo de qualidade e tentar entregar informação bem pesquisada e apresentada, precisa entrar nesse esquema “Telex-Like” de simular interesse enquanto ele não existe.

O problema com esse modelo é que assim como naquele caso antigo do Facebook que eu mencionei no começo do texto, a tendência é que o modelo todo desabe sob o próprio peso quando finalmente descobrirem que a única coisa que estão comprando são os likes mesmo. E só eles. Até esse colapso acontecer (vai ser a próxima grande crise da internet, anota aí), continuamos reféns dessa falta de propósito claro das informações em circulação na internet. Se vira aí para filtrar o que presta, porque até segunda ordem, estamos sozinhos nessa…

Para dizer que adora quando eu fico técnico, para dizer que curtiu meu texto irrelevante, ou mesmo para perguntar porque não fazemos propaganda: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • É a primeira vez que leio sobre isso! Fazenda de likes?! A realidade cada vez mais lembra um episódio do Black Mirror…

  • Um evidente plagio. Eles roubaram essa ideia de Francisco, pai da famosa dupla sertaneja, que estourou graças à esperteza do pai:

    Ele convocou conhecidos e desconhecidos para que telefonassem para uma rádio, onde Zezé e Luciano eram entrevistados, e pedissem pra tocar a música de trabalho deles.

    Esta história e o resultado todos nós sabemos.

    Plágio. Sabe de nada, inocente…

  • Esse é aquele efeito das coisas que “estão na moda” mas a gente nunca viu ou ouviu falar a não ser numa manchete do Estadão?

  • Twitter, Facebook e Instagram já passaram pra próxima página. A de mercantilizar em cima do alcance das páginas. No YouTube, o castelo de cartas já tá caindo…

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