+A Personal lançou nesta segunda-feira um novo produto: papel higiênico preto. Para o lançamento, a empresa decidiu usar como slogan a hashtag #Blackisbeautiful, termo usado para caracterizar um movimento criado na década de 1960 por artistas e intelectuais contra o racismo. Por conta disso, internautas brasileiros acusam a empresa de apropriação cultural e de fazer uma propaganda racista.

A ideia não é das melhores e a reação dos lacradores, mais uma vez, ridícula e desproporcional. Desfavor da semana.

SALLY

Semana passada, na postagem “A Semana Desfavor” citamos que uma marca lançaria um papel higiênico na cor preta. A inovação na cor seria uma busca por “sofisticação”. Desculpem o trocadilho, mas alguns dias depois, deu merda.

Quando vi o papel higiênico preto meu primeiro pensamento foi como o brasileiro saberia que seu cu está 100% limpo, já que, conforme constatei aqui, boa parte da higiene anal de vocês está vinculada à prática doentia de olhar o papel depois de se limpar, em uma conferência de gosto duvidoso acerca da eficiência da limpeza. Me pareceu um pequeno desfavor, pois prejudica a análise visual, ao que tudo indica, amplamente utilizada como parâmetro para decretar o cu limpo. Porém outras questões igualmente (des)relevantes foram levantadas e o tema dominou as redes sociais esta semana.

Como já dissemos, a marca vinculou a cor preta a beleza e sofisticação, declaradamente. Chegou a usar no seu slogan a frase “Black is beautiful”. Pronto. Choveu acusação de racismo. Sim, os negros brasileiros parecem se identificar e se enxergar em um papel higiênico. Em um primeiro momento achei que fosse brincadeira, deboche, mas quando a marca começou a se desculpar percebi que era sério.

Curioso que por décadas a referência à cor branca é usada em larga escala para vender produtos que “lavam mais branco”. Também é usada para ilustrar situações negativas como “deu branco”, quando esquecemos alguma coisa. Nunca me ocorreu me identificar com um sabão em pó ou me incomodar de ver minha pele de alguma forma vinculada com esquecimento. Mas isso sou eu, né? Eu tenho certeza do meu valor, influências externas não abalam minha autoestima. E, faça um favor, se vier vomitar esse discurso lastimável sobre anos de desigualdade justificando mimimi, leia primeiro este texto.

Aparentemente, os negros se chatearam. Engraçado, pois se você chamar de “preto” suuuuper se ofendem, não aceitam e te acusam de racismo. Mas se reconheceram na cor preta do papel higiênico. Um discurso chato, de gente que leva tudo a sério, alegando que foi uma utilização desrespeitosa da frase “Black is beautifil”, utilizada por ativistas negros.

Só para que vocês tenha uma ideia do naipe, vejam uma das primeiras críticas, feitas por um escritor, que gerou essa polêmica toda: “Numa atitude racista e irresponsável, consciente e deliberada, decidiram que essa expressão deve remeter a papel higiênico, cuja função qualquer pessoa conhece. É um dos mais graves ataques racistas praticados por uma empresa brasileira”. Cá entre nós, é muita vontade de se achar merda, né? Em breve vão obrigar a ciência a criar um comprimido que faça cagar branco, pois bosta marrom é apropriação cultural e/ou fere a dignidade do movimento negro.

Sejamos sinceros, quem nunca parodiou uma frase famosa ou um slogan de alguma causa nobre? De Andy Warhol e Che Guevara, frases famosas e emblemáticas vem sendo parodiadas e utilizadas de forma bem humorada em releituras e publicidade. Essa é a dinâmica da internet e que bom que dá para brincar, parodiar e fazer trocadilhos. Não gosta? Não compre o papel preto, que por sinal, é de péssimo gosto mesmo. Mas não… se a pessoa não gosta então a outra tem que ser proibida de dizer o que a chateia. Não basta ela não consumir, ela tem que poder calar as vozes com as quais discorda.

Para piorar o freak show, acharam que seria tão de bom gosto quanto a cor preta colocar uma atriz vestida com o papel higiênico. Aquela atriz ruiva com cara de foda-se que eu sempre esqueço o nome apareceu no anúncio sensualizando, com a mão na cintura, vestindo tiras do papel pelo corpo. Coitada, sobrou para ela também e ela teve que vir a público se desculpar. Li até alguns descontrolados dizendo que se queriam exaltar o preto como uma cor bonita a garota-propaganda deveria ser negra, algo que com certeza também daria problema: diriam que uma negra enrolada em um papel higiênico é clara comparação dela com uma merda.

Sim, em um país onde não há escolas públicas decentes, não há leito hospitalar, não há segurança pública, metade dos congressistas responde a processo por corrupção, um país onde está tudo errado, as pessoas tiraram a semana para problematizar papel higiênico. Pior: a sociedade dá ouvidos a essa bosta, os publicitários sem culhão se desculpam, a atriz pede desculpas, todo mundo prende a respiração, fica com medo e tolera a patrulha daqueles que, por se identificarem com um tolete, acabam vendo ofensa em qualquer lugar.

Queridos, se vocês viram vinculação de negros com merda ou com qualquer coisa pejorativa, então desculpem, vocês é que se acham uma merda (e devem ser!). Parem de encher o saco com essa projeção vira-lata e vão fazer terapia em vez de postar 500 fotos com legenda de empoderamento (mais um sintoma de autoestima baixa). Quem quer encontrar problema para se vitimizar é capaz de escavá-lo de qualquer lugar, a motivação é compulsão pela vitimização e pelo ganho secundário que ela gera e não o suposto motivo da ofensa.

Não importa o que se faça, não importa o cuidado que se tome, quando a pessoa está determinada a se ofender ela vai encontrar um caminho, um argumento para se ofender. É inevitável, nem todo o cuidado do mundo pode evitar esse tipo de ofensa. Enquanto a sociedade fizer a manutenção desse mecanismo, os ofendidos continuarão se ofendendo para obter os diversos ganhos secundários que desdobram desse evento. Isso só termina quando houver coragem e senso do ridículo de dar um basta na legitimação desses devaneios. A empresa que peitar o politicamente histérico perde clientes? Sim. Mas certamente também vai ganhar outros que estão de saco cheio dessa patrulha pau no cu.

Sinceramente, fica aqui meu recado para a marca: Black is ugly. Coisa mais horrorosa esse papel higiênico preto!

Para nos acusar de racismo, para confirmar que a escuridão do papel atrapalha a conferência da sua higiene anal ou ainda para dizer que não pode formar uma opinião sem antes ouvir o papelhigienólogo Pilha: sally@desfavor.com

SOMIR

A Era do Lacre finalmente conseguiu o que queria: desfazer os avanços sociais das últimas décadas e reacender com força as chamas do racismo, da misoginia e do preconceito em geral. Para quem não se lembra ou para quem não pesquisou muito sobre o tema nas últimas décadas, estávamos melhorando consideravelmente no quesito igualdade com uma sociedade mais educada e conectada. Longe do ideal, com certeza, mas num ritmo… sustentável… para utilizar uma das palavras que só entraram no vocabulário médio da humanidade nesse meio tempo.

O avanço rumo a uma sociedade mais conectada com valores humanistas estava baseado na ideia de que podemos ser melhores. E com certeza podemos. Podemos respeitar mais as diferenças, podemos botar a mão no coração e rever algumas formas de tratamento, podemos vencer preconceitos do passado e dar mais oportunidades para aqueles que estavam abandonados. Podemos tanto. Mas podemos somente se a sociedade estiver disposta a valorizar a mudança positiva e dar tempo ao tempo.

O que não podemos é lidar com essa gritaria irracional gerando histeria punitiva a cada passo. O movimento de evolução social foi sequestrado por pessoas extremamente problemáticas que parecem temer um mundo mais igualitário por motivos egoístas. Explico: quando não podemos culpar um fator externo pelos nossos problemas, ficamos apenas com a dolorosa e complexa tarefa de olhar para dentro e tentar melhorar. E a turma que enxerga racismo numa propaganda de papel higiênico preto parece estar gastando toda a energia que tem para manter o status quo opressivo.

Não pode ser só uma escolha questionável no desenvolvimento de um produto, tem que ser uma forma deliberada de opressão pelo homem branco. O desespero por encontrar motivos externos pelos problemas da vida é tamanho que basta a menção da cor preta para buscar mais uma dose da droga da vitimização. Vimos isso na campanha da Dove mencionada no último Top Des: a marca foi punida por colocar uma pessoa negra na peça, com os ofendidos profissionais aproveitando a oportunidade para inventar uma ideia racista que obviamente não tinha conexão alguma com o objetivo original.

A demonstração do racismo não é mais necessária, basta a imagem de uma pessoa negra ou mesmo a menção da cor preta para que essas pessoas inseguras e doentias inventem um problema. Aqui no mundo real isso passa uma mensagem bem perigosa: o mais seguro então é censurar tudo relacionado a esses temas para ter uma propaganda que não vai explodir na sua cara. Até porque se você não usar negros nas suas propagandas, vai ouvir a reclamação mais branda, a da falta de representatividade.

Eu lembro que nem tanto tempo atrás, a preocupação com representatividade nem era tão forte assim, mas dentro das agências tínhamos um público mais liberal que sempre tentava empurrar artes menos predominantemente brancas para os clientes, e por um bom motivo: aquele bando de loiros de olhos azuis nas fotos não era realista, e os donos das empresas não tinham muita vergonha de ser racistas na hora da aprovação. Então, fomos empurrando lentamente as coisas no sentido da diversidade, antes mesmo da gritaria ofendida popular nas redes sociais de hoje.

E pode apostar que o grosso dos criativos em agências de publicidade hoje em dia não tem nada de conservadores. É um ecossistema conectado com o politicamente correto que frequentemente acaba preso sob os desígnios de diretores e clientes. Mas tivemos sim uma evolução nesses últimos tempos: quem barrava artes mais diversas antes não se sente mais confortável em ser abertamente racista. Os publicitários ganharam um poder maior nesse sentido e agora enfrentam menos resistência. Existia um movimento nesse sentido, estava funcionando… mas agora eu temo que as coisas estejam saindo de controle.

Se o ofendido profissional de rede social vai ficar esperando qualquer oportunidade de chamar a empresa de racista, mesmo que tenha que inventar na hora, não é muito mais seguro evitar dar munição para eles? Quando a simples utilização de pessoas negras ou a menção da cor preta vira um campo minado, dá muita força para aqueles que bloqueavam os criativos rejeitarem peças mais diversas novamente. E se é pra tomar pedrada de qualquer jeito, que seja a pedrada da falta de diversidade. Porque aí basta tratar negros como enfeites em propagandas novamente e tudo fica bem. As propagandas que provocam e chamam atenção você faz com brancos, que não te pentelham por isso, e as propagandas seguras e sem potencial de viralizar você faz com um ou dois negros só pra falar que tem eles nas suas peças.

O que não deixa de ser uma ode à irrelevância de qualquer raça que não a branca. Enquanto o assunto for um tabu, ninguém vai arriscar sua imagem falando dele. Enquanto se ofender for mais valioso do que igualdade, o mundo continua na mesma, e aí todos os problemas viram opressão.

O que é confortável, não? Humanos serão humanos.

Para me chamar de racista, para me chamar de opressor ou mesmo para dizer que é uma polêmica bem bunda: somir@desfavor.com

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Comments (15)

  • Pessoal, lá vou eu de novo ser “a do contra aqui”, será que realmente existem negros nas agências de publicidade? Por que, sinceramente ninguém pensou que esse tipo de comparação ia dar merda? Não tem ninguém que possa dar um toque e dizer:” Ei pessoas, vamos procurar o significado do slogan Black is Beautiful no google”, uma busca rápida já daria o resultado, aí poderiam ter usado sei lá, tanto slogan, black is cool, sei lá, não sou publicitária, eu sou branca, então para mim é difícil saber o que um negro passa, acho complicado dizer o que ofende ou não o outro, só quem passa para saber. O que está faltando é alguém para fazer uma pesquisa rápida na internet antes de lançar uma campanha, para mim , associar um produto como papel higiênico a um slogan que significou tanto para um determinado grupo de pessoas, é ofensivo sim. É o que eu acho.

    • Que ia dar merda, era bem previsível e acredito até que a agência sabia e o fez para causar esse escândalo mesmo (puta marketing).

      O ponto é: este é um escândalo válido?

    • ah, peraí, né… óbvio que foi intencional para chamar atenção. Eu acho bem feito que tenha dado confusão, para ver se assim param de chamar pessoas da globo para os anúncios.

      • Se foi feito por ignorância ou intencional achei de extremo mau gosto. Sinceramente, até entendo o uso de um slogan importante como jogada publicitária como foi falado pelo Somir, mas não sei se eu, caso pertencesse a um grupo étnico que sofre preconceito diariamente, me sentiria vendo essa referência num produto tão tosco quanto papel higiênico preto (que é horrendo).

        • Aí é que está: o slogan não pertence a ninguém. Esse pensamento de propriedade intelectual simplesmente não encaixa com a nova era em que vivemos. Não há razoabilidade em querer monopolizar isso em tempos de internet, essas são as regras do jogo, tudo tem um ônus e um bônus. Na hora do bônus, todo mundo quer acesso fácil e rápido à comunicação e informação, mas na hora do ônus, todo mundo reclama.

          • É verdade, amo o desfavor porque sempre consigo ter acesso a um ponto de vista fora do bem x mal que existe na internet. As pessoas andam tão histéricas que acabam depondo contra si mesmo. E se você tentar falar qualquer coisa ainda leva grito.

  • Resumo da história: uma idéia cretina, que gerou uma reação tão cretina quanto e, enquanto todo mundo perdia tempo com essa besteira, ninguém deu a mínima atenção pra outras coisas realmente mais importantes. Ah, e eu adorei ver a Sally chamar o Pilha de “papelhigienólogo”…

  • Poxa, que felicidade os textos de vcs, parabéns! É isso mesmo, esta cultura do lacre mais uma vez mostra o quanto é danosa para a verdadeira e real luta pela igualdade entre seres humanos. Causas humanas viraram este circo de ofensas, o que me entristece e revolta bastante. Isso me traz na recordação aqueles exemplos do passado, de gente que sofreu MUITO MAIS preconceito do que se sofre hoje, mas que enfrentou tudo de cabeça erguida, sem essa de se vitimizar (que é um papel inferior, diga-se). Foram pessoas que enfrentaram os tabus e preconceitos de peito aberto e com uma atitude guerreira e altiva e tiveram sucesso. Gente como o escritor francês Alexandre Dumas filho, Martin Luther King, Rosa Parks, Carneiro Ribeiro (educador baiano, de primeira linha, filho de escravos libertos, vale a pena ler sobre ele), e tantos outros negros, mulheres, pobres, etc, que enfrentaram tudo (e inclusive receberam apoio de boa parte daqueles que hj se chamariam “homens/brancos opressores”, é bom lembrar). Mas infelizmente a força da luta destas pessoas infelizmente foi esquecida pelas novas gerações de militantes lacradores que só sabem choramingar ofensa ao invés de tocar o foda-se e realizar o que querem com as próprias mãos, como estes e outros personagens históricos da humanidade fizeram. Pra mim, fico com o exemplo destes e de outros verdadeiros lutadores de causas justas, nunca me entregarei ao mimimi barato deste bando de chorão de calça borrada que se ofende e massacra os outros sem dó por causa de bobagem. Que medo de uma gente que usa do próprio sentimento de ofensa pra oprimir os outros e impôr aos outros suas idéias na base da manipulação e da chantagem emocional. Quando disse uma vez que quando o politicamente correto batesse no Brasil o estrago seria feio (justamente por causa dos BMs) teve gente que não acreditou. Pois eis o resultado. E vai piorar, pois juntou politicamente corretice com ignorância, o desastre tá feito, infelizmente.

    É preciso que os lacradores entendam de uma vez: Se responde a problemas como preconceito com atitude guerreira e forte, não com essa atitude frouxa e chorona que não leva a nada. Se Rosa Parks tivesse sentado e se vitimizado ao invés de uma atitude corajosa, ela não teria sido bem sucedida em dizer não à ordem de ceder o lugar ao branco e causar assim um mudança de atitude na sociedade, nas leis. E vejos hj gente que se ofende com cor de papel higiênico, numa época bem diferente daquela de Rosa Parks, com muito mais liberdade, liberdade esta que, ironicamente, está ameaçada justamente por aqueles que se dizem lutadores militantes da justiça social. Calar os outros nunca foi forma de justiça, mesmo que este calar os outros seja por propósitos supostamente nobres. Toda vez que fizeram isso acabou em ditaduras e tragédia. Que estes militantes e lacradores aprendam as lições da história e se curem deste mal já, pro bem de todos nós.

    • Esse tipo de militância idiota depõe contra a causa, uma pena que isso ainda não seja jogado no ventilador e debatido abertamente pela sociedade!

  • A questão é: se lacradores são, em tese, só uma minoria barulhenta e eternamente insatisfeita, por que damos atenção a eles? Por que atendemos as suas frescuras e neuras infinitas? Por que se preocupar com quem nem consome ou consome ilegalmente, sem lucro? Se a maioria está bem ou não está nem aí, por que essa fixação numa panelinha de fracassados/preguiçosos que, em vez de buscarem melhorar, querem que todos rebaixem o nível?

    O que aconteceu com a arte de ignorar?

    • Minha opinião, que está longe de ser uma verdade absoluta: pessoas aderem a essas ideias para parecerem boas pessoas, com medo do julgamento. Mesmo sendo minoria, são uma minoria ruidosa e destrutiva. Hoje ninguém parece ter estrutura para ter o dedo apontado e ser esculhambado, as pessoas tem pavor de passar por isso.

  • Se coloca, é racista. Se não coloca, é falta de representatividade (e portanto, racista). Não tem como ganhar esse jogo. A solução é peitar e responder à altura, mas são um bando de cuzões que tem medo de perder os 4 clientes que estão gritando

    • É que se você peita, esse povinho favelado se volta contra você e você apanha um monte. Nem todas as empresas estão dispostas a passar por isso.

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