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Casais felizes me irritam.

Casais felizes me irritam.

| Sally | | 56 comentários em Casais felizes me irritam.

O texto de hoje não é bonito. Muito pelo contrário, ele é muito equivocado, nos mais diversos aspectos. Mas é sincero, sincerão. Enquanto é tendência ostentar uma vertente politicamente correta ou ostentar felicidade em redes sociais, na contramão do socialmente aceito, eu venho falar justamente sobre o oposto. Uma espécie de síndrome que me acomete de tempos em tempos, conforme o momento da minha vida e acredito que ataque alguns de vocês também, que eu carinhosamente apelidei de “Casais felizes me irritam”. Feio, né? Muito feio. Mas é fase, fase passa. Pode ser um texto muito feio, mas eu resolvi fazer mesmo assim, pois prefiro coisas feias e sinceronas do que coisas bonitas artificiais.

Quando você não é um casal feliz e queria ser um casal feliz com alguém, casais felizes podem irritar. Não por inveja, não é se deseje que todas as pessoas do mundo sejam infelizes em seus relacionamentos. Não é essa a pegada. É que casais felizes lembram a quem não é um casal feliz que esta pessoa não é um casal feliz, só isso. É como comer uma comida que exala um odor muito agradável ao lado de quem está passando fome. Ninguém quer que ninguém passe fome, muito pelo contrário, o que a pessoa quer é poder comer também.

De forma alguma pretendo justificar este sentimento mesquinho, babaca e infantil, ok? Só quero esclarecer que existe e que é ok que exista, para, quando um dia uma pessoa putaça que esteja passando por isso busque no Google e talvez, quem sabe, encontre algum conforto no meu texto, ao menos sabendo que é comum se sentir assim. Olá pessoa que se irrita com casais felizes: acontece. Não se sinta mal por isso.

Como eu disse, casais felizes lembram a quem não tem essa felicidade que ela existe. Quando estamos em um relacionamento ruim ou até mesmo sozinhos, tendemos a nos consolar com várias mentiras do tipo “relacionamento é encheção de saco mesmo” ou “são felizes em público, mas de perto, na vida privada, ninguém está assim, bem o tempo todo” ou ainda “todo casamento acaba depois de algum tempo”. Não. Tem gente que está feliz. Tem casamento que dura uma vida feliz. Tem casal que está em perfeita sintonia e nunca briga. Casais felizes desconstroem esses argumentos que consolam de forma torta quem não é um casal feliz mas queria sê-lo.

Por isso, venho aqui, por este texto, libertar de culpa todas as pessoas que tem esse sentimento escroto, pequeno, cretino: se você está passando por uma fase amorosa difícil, saiba que você tem o direito de que casais felizes te irritem. Não tem o direito de fazer nada, absolutamente nada contra eles. Mas de sentir irritação? Sem dúvidas. O sentimento e o pensamento são livres.

Aqui, uma ressalva importante: tem que ficar apenas no pensamento. Dá vontade estar no fundo do poço com companhia? Dá vontade, pois pessoas emocionalmente pancadas da cabeça ficam com seu discernimento um pouquiiiinho comprometido. Dá vontade de bater no ombro da menina que tá trocando beijo apaixonado com o namorado faz quinze minutos na sua frente e dizer “Tá ligada que provavelmente ele te trai, né?”. Dá vontade. Baixa um demônio da discórdia em as pessoas que sentem isso. Mas a gente faz? Não faz. Não somos más pessoas, somos apenas seres humanos passando por uma fase difícil. Para que uma pessoa seja boa, não é necessário que ela tenha sentimentos e pensamentos bons 100% do tempo, todos nós temos um lado ruim, os bons são os que conseguem contê-lo.

Curiosamente, quanto maior a sua vontade de ser um casal feliz, mais a vida te humilha. Quando você descobre que a prima da sua amiga, que tem Síndrome de Down, vai casar e está em um relacionamento muito feliz, onde o futuro marido faz tudo por ela, dá aquela profunda indignação, não dá? Dá, dá sim. Você pensa coisas politicamente incorretas como “até a retardada é feliz no amor só eu que não sou”. Pensa sim. Mas não fala jamais. No fundo a gente sabe que é um surto, que é feio e que é errado. Só não podemos evitar de sentir. E é ok sentir, pessoas que odeiam casais felizes, eu os absolvo!

Nessa fase de querer ser um casal feliz e não conseguir acontece um estranho fenômeno: quanto mais mal sucedida está sua vida amorosa, mais casais felizes aparecem na sua frente. Parece que Satanás pensa “Hmmmm, vou testar a paciência desta pessoa!”. Aí você começa a presenciar todo tipo de declaração de amor fofa, criativa e cinematográfica. Geralmente envolvendo justamente os pontos nos quais você está mais carente. Parece que o Universo escolhe a dedo as situações que mais te darão um tapa na cara.

Se você tem um namorado pão duro e esta infeliz no relacionamento por isso, pode apostar que o namorado da sua melhor amiga vai dar um carro para ela de presente. Se o infeliz que está com você não te trata como prioridade, o namorado da sua prima vai doar um rim para ela como prova de amor, ainda por cima dizendo que daria o coração se preciso. Se você está sozinha e não consegue conhecer ninguém interessante ou que preste, sua irmã vai esbarrar no amor da vida dela na fila do mercado. Minha Amiga, Meu Amigo, o Universo é troll, é quando a vítima é você, nada mais normal do que se irritar.

É um efeito dominó que não há autoestima que sobreviva. Coisas maravilhosas começam a acontecer com todos os casais que estão no raio de 5km à sua volta. Todo tipo de demonstração pública de afeto te cerca. Você toma conhecimento das maiores provas de amor possíveis que conhecidos receberam. Com todo mundo. Com todo mundo no mundo, menos com você, pois você é uma merda, você não merece, você está tomando uma sacaneada do Universo e, pior, tem que aguentar em silêncio. E ela vai durar o bastante para que você passe por todos os estágios da humilhação social: pena, ter sua vida pessoal debatida, com direito a sugestões que não foram pedidas, perguntas inconvenientes e até aquela clássica presunção de que o problema está em você.

Para piorar, parece que desce um Exu Romântico em todos os homens comprometidos das redondezas, que resolvem fazer grandes gestos como prova de amor para seus pares. Resta ficar ali, fazendo cara de paisagem, disfarçando um incomodo que não é socialmente aceitável. E, sinceramente, não entendo por qual motivo não é aceitável. Se tem uma amiga sua fazendo dieta e você come um hambúrguer na frente dela, narrando em detalhes o quanto está delicioso, grandes chances dela reclamar e da sociedade achar que foi falta de consideração. Mas tudo bem, coerência nunca foi o forte da nossa sociedade.

Mas a sacanagem do Universo não para por aí. Nos cinemas próximos a você só passarão filmes românticos. Seus amigos estarão todos comprometidos e só farão programas de casal. Datas ou eventos se aproximarão, de modo a expor de forma clara e cristalina para amigos, colegas e família que você queria ser um casal feliz mas não é. Durante algum tempo, tudo dará certo para todo mundo em matéria de relacionamento, menos para você.

E as pessoas cutucarão a ferida. Se o seu namoro está mal, desmoronando, vão perguntar por qual motivo seu par não foi com você a um evento. Vão ficar perguntando pela pessoa, como estão as coisas, porque né, não teria graça deixar criar uma casquinha e cicatrizar, bom mesmo é cutucar e fazer sangrar. Se você estiver sem ninguém, vão ficar perguntando “e o namoro?”, vão te dizer que você é muito exigente por isso não encontra alguém e, pode ser que algum débil mental inclusive te sugira usar algum aplicativo estilo Tinder. Ato contínuo vão contar sobre alguém que conheceu alguém muito maravilhoso e engatou um relacionamento perfeito.

E não adianta tentar uma proatividade e se empenhar em arregaçar as mangas e resolver: pessoas nessa fase só atraem coisa ruim. Vai atrair merda. Para atrair pessoas boas, temos que estar inteiros. Ou seja, não há saída, não há felicidade, não há luz no fim do túnel (e se houver, pode ter certeza que é um trem, para atropelar). Tem que amargar esta fase de bosta e, ainda por cima com um sorriso no rosto, pois não é bacana se irritar com casais felizes. Só quando ela passar e a pessoa estiver inteira novamente ela estará apta a atrair e se relacionar de forma saudável.

Ver um casal feliz esfrega na cara que outras pessoas tiveram mais sorte/competência, lembra que uma longa e árdua busca continua para achar uma agulha em um palheiro, levanta o questionamento de que, talvez, o erro esteja em quem está sozinho, afinal, todo mundo está bem resolvido e feliz, até mesmo uma pessoa de 1,30m com Síndrome de Down. É normal se emputecer, é normal se chatear, é perfeitamente aceitável se irritar. Estranho seria é estar ok com tudo isso.

Da mesma forma que não se conta dinheiro na frente de mendigo e que não se come uma refeição na frente de quem está passando fome, também não se ostenta uma vida em casal feliz perto de quem está na merda. Não espero esse cuidado vindo de ninguém, duvido que alguém concorde comigo ou se dê ao trabalho de pensar no próximo, mas porra, então que seja dado o sagrado direito de que as pessoas se irritem com casais felizes.

E, sim, no momento, casais felizes me irritam.

Para me mandar uma foto sua bem feliz com seu namorado, para confessar que casais felizes também te irritam ou ainda para não comentar nada por estar com bastante medo do meu destempero emocional: sally@desfavor.com


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