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Algo está sobrando…

Algo está sobrando…

| Desfavor | | 23 comentários em Algo está sobrando…

Mikayla Holmgren, de 22 anos, competiu no concurso Miss Minnesota, nos Estados Unidos. Ela não ganhou o primeiro lugar, mas recebeu um prêmio especial pela iniciativa na noite do último domingo (26). LINK


Inclusão ou humilhação? Quando o lacre faz piadas não intencionais com a realidade, temos um desfavor da semana.

SALLY

Faço questão de repetir a manchete para explicar a notícia, pois nada que eu diga pode ser tão humilhante quando isso: “Mulher com síndrome de Down compete em concurso de Miss nos EUA e recebe prêmio especial”.

Qualquer pessoa que não esteja tomada de um medo profundo de julgamento social ou de uma vontade incrível de lacrar vai perceber o quão humilhante isso foi. Não se preocupem, vocês não estão no Instagram da Giovanna Ewbank, aqui você pode falar sobre quem acha feio ou bonito sem risco de um processo judicial.

Pena é um dos piores sentimentos, um dos mais humilhantes que existem. O que fizeram com essa mocinha foi muito humilhante, a usaram, foi baixo, foi feio. Não, não é uma conquista. Conquistas vem de baixo para cima, com a pessoa marginalizada batalhando e conseguindo sua igualdade. Quando a coisa vem de cima para baixo é populismo, oportunismo e jogada de marketing.

Neste contexto social do lacre, todo mundo está se esforçando para incluir minorias e aplaudi-las. Pelo bem estar das minorias? Claro que não, em causa própria. Inserindo uma minoria no seu evento você tem cliques, aprovação social e presunção de ser uma boa pessoa. É a maior prostituição intelectual/midiática que eu já vi na vida e me ofende que façam isso com essa mocinha.

Anos atrás teriam rido da cara dela se ela tentasse sonhar em se candidatar. Mudou o mundo? Mudou a cabeça de organizadores de um concurso que dá dinheiro a mulheres em troca de beleza? Não, o que mudou foi a política de recompensa social: hoje é aplaudido quem incluí, ainda que artificialmente, ainda que por interesse, ainda que em benefício próprio. Que merda, hein? Usar uma menina com uma deficiência mental para aparecer!

É incompatível com a premissa de um concurso que dá dinheiro ou prêmios em troca única e exclusivamente de beleza física, que alguma das participantes tenha traços ou características que destoem dos padrões de beleza. É claro, cristalino, nítido. Mas ninguém tem coragem de apontar que o rei está nu.

Um evento totalmente guiado pela futilidade e aparência premia com um “prêmio especial” (vulgo “de consolação”) uma participante que não se encaixa no padrões vigentes. Isso ofende demais a minha inteligência para acreditar que todos mudaram, são pessoas melhores e conseguem ver beleza fora dos padrões. Estão fazendo isso em proveito próprio e usando a coitada da menina.

Ninguém no mundo vai ter coragem de dizer abertamente que uma bela moça com Síndrome de Down não é tão bonita quanto uma bela moça normal (sim, o normal é não ter esse cromossomo a mais, sinto muito). Por sinal, se vocês repararem nas fotos que foram divulgadas da moça, são sempre em ângulos confusos, onde não se mostra seu rosto de forma padrão ou inteira. Se você tirar o photoshop, o ângulo favorável, a iluminação, o que vai encontrar?

Isto. Essa menina foi fabricada para atender a um propósito lacrador. Você pode dizer que toda Miss é um pouco fabricada, e eu concordo plenamente, pois nenhuma é realmente tão bonita ao natural. A diferença é: elas tem o discernimento para entender e aceitar essas regras do jogo. Parece cruel, covarde, colocar uma mocinha com deficiência mental nesse jogo. O pior é nem sequer poder levantar esse assunto que, em tese, é em defesa dela, por ter a certeza de que soará preconceituoso.

Ela é linda, ela mereceu ganhar. Nada além disso será tolerado, ainda que seja supostamente para o bem dela. Esse é o discurso vigente e todos tem que se adaptar. Aquele que não aderir ao discurso vigente será marretado, cacetado, processado e silenciado. Se você não acha esta mocinha bonita, é por ser preconceituoso e não pela assimetria de sua face. Ponto final.

Todos nós temos uma Cartilha do Lacre a seguir e, se discursarmos fora desse padrão, seremos punidos. O curioso é: a turma do Lacre é minoria, e, ainda assim, estão conseguindo impor um discurso obrigatório a uma maioria. Não me admira que, em determinado momento, a maioria se revolte a qualquer preço e coloque um Trump ou um Bolsonaro no poder, é muito chato viver sendo patrulhado desta forma.

Não me entendam mal, eu acho que seria maravilhoso um mundo onde não se meça beleza por simetria, magreza e outros padrões hoje instituídos. Tomara que um dia cheguemos lá. Mas esse caminho se dá pela informação, conscientização, pela conversa e reflexão, não obrigando as pessoas a dizer o que não pensam para emular que estamos em um mundo melhor. Não estamos não. E fingir que estamos só adia essa evolução. É preciso deixar o problema aparecer para que ele seja combatido.

Não se combate preconceito dizendo que a menina é linda, seja ela uma Miss ou uma filha de um famoso, se ela, para os padrões sociais, é feia. É um vexame fazer isso, é falsidade, é busca desesperada por aceitação. “Ah mas eu acho ela bonita de verdade”. Que bom, diga que você acha ela bonita então, de coração. Mas não obrigue outros a pensar assim, não puna quem não pensa assim, não acuse que não pensa assim. Todos temos o direito a achar pessoas feias e bonitas conforme nossas preferência.

Excluir um grupo da prerrogativa de ser achado ou chamado de feio é uma imbecilidade. Querer que um grupo que está em desvantagem física ou biológica compita por igual com um grupo normal, justamente no quesito onde estão em desvantagem é, além de imbecilidade, crueldade. E querer que a gente finja que nada está acontecendo, sorria e aplauda enquanto tudo isso acontece, é uma afronta.

Quem quer achar essa menina bonita e merecedora do “prêmio especial” apenas por sua beleza, que ache. Bacana. Mas, por gentileza, será que me dão licença de não achar sem fazer disso um motivo para me trucidar socialmente?

Para dizer que não me dá licença, para dizer que quem discorda de você é preconceituoso ou ainda para dizer que concorda comigo desde que seu anonimato seja mantido: sally@desfavor.com

SOMIR

Bom, eu sempre achei concursos de miss retardados… mas tem algo aí que torna tudo um pouco mais feio do que precisaria ser. Não tenho nada contra a garota, afinal, ela não passa de uma criança brincando de algo que julga divertido. Como sempre, são os adultos ao redor que fazem da situação algo problemático.

Partindo da premissa do que é o concurso, a garota com Síndrome de Down visivelmente não atende aos requisitos básicos de beleza estabelecidos ali. Concordo que é mais saudável para os portadores da síndrome e para os que existem ao seu redor que a pessoa seja exposta ao mundo e até que tenha alguns momentos de “ilusão de normalidade” para tornar suas vidas menos sofridas, mas nesse caso não pareceu isso: pareceu uma piada involuntária com a menina.

Ninguém tem a prerrogativa de ser tudo o que quiser, não importa quantos cromossomos tenha. Não é assim que o mundo funciona e francamente, a gama de coisas que podemos ser e fazer é grande o suficiente para até criticarmos quem teima demais em algo que não o compete fisicamente ou intelectualmente. Uma baranga “normal” seria ridicularizada ao tentar entrar no mundo das misses, não é mesmo? Sim, não custa muito alimentar um pouco os sonhos de quem tem Down, mas existe um limite de bom senso que já está em vigor no resto da população mundial. Faltou essa integração.

Mas Sally já falou boa parte do que eu queria sobre o elefante na sala. Sem nenhuma raiva da moça, ainda podemos achar tudo ridículo. O que me deixou pensando mais sobre esse caso foi outra coisa, contanto: se estamos vivendo num mundo onde muitos querem “democratizar” a beleza das pessoas, parece esquizofrênico tentar mudar isso através de estandartes da visão contrária.

Explico: tempos atrás, concursos de misses eram muito mais poderosos. Escolher a mulher mais bonita do mundo gerava discussões e torcidas, e os elementos definidos para se fazer essa escolha foram sendo definidos. Padrões de beleza comparados às competidoras, e a que mais se encaixasse, era vencedora. Eu acho todo o processo um desperdício de tempo, mas na prática era meio como um jogo para os interessados. Na imensa maioria do tempo, estamos fazendo bobagens mesmo, cada um faz a sua. E dentro desse conjunto de regras, havia uma lógica lá dentro. Eram pessoas que queriam jogar e vencer.

Mas até por uma conjuntura de elementos sociais, pessoas que não jogavam o jogo de premiar a pessoa dita mais bonita de tal região começaram a achar aquele modelo problemático para a sociedade, forçando padrões de beleza de dentro do concurso para o resto da sociedade. Hoje em dia concursos de misses não tem mais tanto poder, e talvez muito pelas críticas das feministas que não podiam entrar no clubinho nem se quisessem.

Só que como eu disse, passamos muito tempo fazendo bobagens inúteis. As feministas resolveram jogar o jogo de derrubar esses concursos. Não acho o fim do mundo, novamente: se elas acham importante, que se esbaldem. Mas aí estabelecemos uma nova regra. A de que não é bacana para a sociedade que fiquemos isolando pessoas e comparando-as com padrões de beleza que segundo elas eram machistas, racistas e tudo mais…

Ok, dito isso: onde está a inclusão em forçar pessoas fora desse padrão dentro do modelo considerado errado? Ao invés de mudar as estruturas ditas opressivas, colocar um ou outro oprimido dentro delas para tornar as coisas melhores? Não faz sentido essa dissonância cognitiva entre o que deve ser considerado beleza pelos lacradores e as plataformas de exibição que o modelo contrário utilizava. Ou colocam uma garota com Síndrome de Down num concurso de miss para sacanear o concurso (uma crueldade com ela), ou estão glorificando padrões de beleza do mesmo jeito (e fazendo-a de piada sozinha).

Isso é um excelente indicador do que realmente está por trás da “indústria do lacre”: não é derrubar um sistema injusto, é simplesmente se colocar nos lugares mais vantajosos deles sem fazer o trabalho necessário para tal. É um golpe: a pessoa se mede pelos padrões de beleza, não gosta do resultado, e quer que os padrões mudem para incluir ela. Padrão de beleza está de bom tamanho se as barangas ofendidas chorarem até caber dentro dele.

De uma certa forma, eu até respeito quem quer ver os padrões caírem de vez e todo mundo ser “igual” em beleza. É uma ideia infantilóide, mas pelo menos não tem todo esse fator de inveja e desespero para se colocar numa posição superior aos outros no processo. Talvez só num concurso de miss baseado em sorteio aleatório uma garota com Síndrome de Down pudesse ganhar um prêmio sem ser uma palhaçada óbvia. Mas fazer algo assim quebra as estruturas e evita que exista relação de poder clara, o que não interessa boa parte dos defensores da “justiça social” modernos.

É gente que não quer igualdade, quer vantagem pessoal às custas de quem já tinha vantagens antes. É embaixo desse véu de interesse pelo bem estar das pessoas que eu estou enxergando: não tem nada de humanista aí. São pessoas doentes da cabeça querendo que mulheres relaxadas e preguiçosas magicamente virem padrão de beleza por ser mais fácil, e nesse processo, estão cagando e andando se humilham uma garota como a da notícia de hoje.

Para me chamar de retardado, para dizer que padrão de beleza se resolve com mais dinheiro na sociedade, ou mesmo para dizer que apontar falta de lógica é agressão machista: somir@desfavor.com


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