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Fingindo que faz.

Fingindo que faz.

| Sally | | 18 comentários em Fingindo que faz.

Olá, eu sou a Sally e hoje eu acordei disposta a te causar algum tipo de incômodo. Mas, não se engane, pode perguntar para qualquer pessoa que me conheça, é para o seu bem, para te fazer refletir. Afeto não é só concordar e passar a mão na cabeça, não é mesmo?

Hoje quero falar sobre gente que joga dinheiro fora para ficar em paz com sua consciência. Gente que paga mas não faz, mas diz que faz (ou vai fazer em breve) para limpar sua barra. Já viram gente assim? É comum, nós mesmos de vez em quando podemos nos pegar numa dessas. Quem nunca?

O clássico dos clássicos é a aquela pessoa que paga academia, mas não vai. Pagar academia não te emagrece, não reduz o seu colesterol, seus triglicerídeos, sua glicose. Um segredinho: além de pagar, você tem que ir. Além de ir, você deve ir regularmente. Além de ir regularmente, você deve respeitar a ordem dos exercícios, as cargas e o tempo de intervalo. Mais um segredinho: o fato de estar matriculado não te ajuda em nada a ir, você vai ter que tirar forças de dentro de você para ir, só fazer a matrícula não basta. Trabalhe isso dentro de você em vez de se matricular e achar que o problema está resolvido.

Mas a doação para academias é só um dos muitos exemplos de gente que se auto-tranquiliza com alguma coisa apenas pelo status, sem de fato coloca-la em prática. É uma modalidade perigosa de auto-enganação, pois aquela vozinha da (in)consciência que fica te alertando para algo que deve ser solucionado pode ser calada com esse artifício: se matricular na academia gera um pequeno “cala a boca” que te permite mais tempo de estagnação na merda, pois a mente sente que o dever foi cumprido. Pois é, nossa mente é boba, ela acredita nas nossas promessas, tadinha.

Vejam bem, nada contra quem não quer frequentar academia ou se exercitar. Discordo, mas respeito a escolha. O que eu não respeito é ficar fingindo que vai fazer só para desligar a sirene de alerta que nosso mal estar interno liga e se propiciar um período de acomodação extra impune. Isso é muito escroto, é usar jeitinho brasileiro consigo mesmo. É se auto-estelionatar. É o boicote mais preguiçoso que eu já vi. Se a sua verdade é bater no peito e dizer que não quer se exercitar, ciente dos risco que isso implica, super te respeito.

Mas, se você está se auto-enganando, pare agora. Não precisa ir à academia (ou fazer o que quer que seja), apenas viva uma verdade. Bata no peito e diga “não vou, não vou fazer e vou arcar com as consequências disso” e tenha real noção de quais serão as consequências disso a longo prazo. Este texto não é para te convencer a fazer nada além de se libertar de uma mentira. Viver em uma mentira é muito triste. Mas dificilmente as pessoas tem a coragem de admitir uma desistência, preferem postergar como se um dia fossem fazer. Inclusive no cemitério tá cheio de gente que achou que faria um monte de coisas que nunca fez, de gente que achou que tinha mais um dia para fazer algo. Sim, eu sou desagradável. Bem-vindo ao Desfavor.

Outro exemplo comum: pessoas que pagam terapia, chegam lá e mentem, mentem, mentem. Mentem para si mesmas e, como dano colateral, para terapeuta. Se você vai na terapia para contar uma versão maquiada que te favorece, onde você é o bacanão ou a vítima que é sacaneada por todos, eu te pergunto: pra que? Tá jogando dinheiro fora e perdendo seu tempo.

E daí eu mesma te respondo, na minha esquizofrenia funcional: pessoas fazem isso para obter suporte pago. Paga um X de consultas por mês para ter alguém avalizando seus atos, completamente equivocados e disfuncionais, mas, que da forma como são narrados, recebem apoio. Pronto, a pessoa consegue um Personal Apioator Tabajara e paga feliz por isso. E, adivinha? Não melhora nunca. Quão fodida da cabeça é uma pessoa que precisa de um Personal Apoiator Tabajara? E quão errada ela é para precisar pagar mais de cem reais por hora e distorcer tudo (consciente ou inconscientemente) para que alguém concorde com ela?

Ainda na linha “negação a qualquer custo”, temos os gênios que se inscrevem em cursinho para concurso e não estudam, ou não estudam nem de perto o que se precisa para passar. Ninguém passa em concurso só assistindo a aula de cursinho, eu sei disso, você sabe disso, todo mundo sabe disso. Mas a pessoa não tem o que precisa para sentar o rabo em uma cadeira e estudar e não consegue admitir isso, daí ela se engana, ela se acha o único floquinho de neve especial que pode dar sorte na prova e passar sem abrir um livro.

Não passa, e como concurso é um projeto a longo prazo, demora bastante tempo, anos, até que as pessoas à sua volta (e a própria pessoa) perceba a armadilha na qual está se colocando. Não é apenas a doação para os cursinhos preparatórios, é a estagnação por não investir na carreira com a esperança de resolver sua vida em um concurso.

Assim como pagar academia não emagrece e pagar terapia não te deixa emocionalmente saudável, pagar cursinho não te faz passar em concurso. Mas acontece, tanto que todos nós conhecemos esta figura peculiar do “eterno concurseiro” ou pessoas que não cuidam de sua carreira pois “o que eu quero é concurso” e não se mexem para fazer por onde passar.

Acredito que isso aconteça em qualquer lugar do mundo, porém apenas no Brasil é socialmente aceito, em um pacto perverso, onde todo mundo faz e fica implícito que se eu não acusar o teu golpe, você não acusa o meu e vamos fingindo que somos raladores, que estamos nos esforçando para ficar saudáveis, que estamos nos esforçando na terapia, que estamos nos esforçando para passar em concurso, assim se aplaca um pouco o próprio mal estar. Quando convém a todos pactuar desta forma, a pessoa acaba perdendo a noção do que está fazendo, pois sabe que está acobertada. Vira um mecanismo quase que automático, que requer muita observação para ser detectado.

E antes que comece a agressão nos comentários, não necessariamente é um processo consciente. A pessoa não acorda e pensa “já sei, vou dar uma de esperto e pagar academia para não ir pois isso vai fazer com que eu me sinta melhor”. Inconsciente existe, acreditando você ou não, entendendo você ou não. Recomendo que aprendam a identificar e a ouvir o que o seu inconsciente está falando, vive-se melhor.

E gente que vai ao supermercado ou loja de suplementos e compra uma tonelada de comida saudável para fazer dieta, que acaba estragando na geladeira depois de uma semana, pois a pessoa não consegue mudar os hábitos alimentares?

Novamente: nada contra quem come junkie por escolha, se é sua escolha e você topa pagar o preço, quem sou eu para te demover da ideia? O foda é a pessoa desejar melhorar e, apesar de sucessivos esforços, não conseguir. Isso (querer melhorar e não conseguir) não é a regra, não deveria ser. Isso é sintoma e você pode vencer se começar a ser verdadeiro com você mesmo e admitir que não consegue, pois só aí, percebendo e assumindo que tem uma dificuldade, pode criar mecanismo para mudar hábitos e conseguir chegar onde quer.

“Mas Sally, o que você tem com isso?”. De verdade? Nada. Mas eu tenho essa mania feia e chata de não conseguir deixar de apontar algo que me parece incorreto, prejudicial ou mentiroso. Queria não ter, é péssimo e provavelmente vou morrer sozinha por causa disso. Mas, veja o lado bom, você não convive comigo, basta fechar este texto agora e você cala a minha boca.

Para aqueles que preferem desapegar do ego para tentar começar a pactuar com a verdade, bora seguir que tem mais texto…

Não importa com o que você tenha pactuado, se você se propõe a fazer algo e não faz, cedo ou tarde vai nascer um incômodo dentro de você. Normalmente dois caminhos podem ser adotados: 1) você assume que não vai fazer e que vai arcar com todas as consequências, ciente de quais são ou 2) tira forças do seu cu e faz. Mas no Brasil tem a versão 1 ½ ) Não faz mas faz algo para embromar e indicar que faz ou vai fazer, de forma a aplacar o mal estar por não fazer. Parabéns aos envolvidos.

O que se consegue com isso é o efeito mais nocivo possível: desligar o alarme, um alarme que, apesar de incômodo (ninguém gosta dessa sensação de mal estar e débito) é muito necessário. É como se tocasse uma sirene no quartel de bombeiros, eles acordassem, desligassem a sirene e voltassem a dormir. Em algum lugar, o incêndio vai continuar e o fato de ninguém lutar contra ele vai trazer consequências cada vez mais graves, que não serão vistas ou sentidas em um primeiro momento, pois os bombeiros estão bem longe do lugar do incêndio, mas quando estas consequências chegarem, serão um soco no estômago.

Em um primeiro momento, essa opção 1 ½ aplaca a sensação de desamparo, de angústia, mas, com tempo (às vezes muito tempo), a pessoa (consciente ou inconscientemente) se dá conta de que está se enganando e a sensação de débito vem redobrada. Para mais dor, é necessária mais anestesia, geralmente é o que acontece com quem não resolve os problemas que tem. Daí a coisa vai ladeira abaixo.

Uma pessoa que está decepcionada consigo mesma, que sente uma culpa ou um débito inconsciente, fica com a autoestima no chão e não se acha merecedora de nada bom. Ela pode inclusive se punir das formas mais sutis e irresgatáveis: come muito ou errado até fazer mal ao próprio corpo, boicota seus relacionamentos afastando as pessoas que a amam (só aceitamos o amor que julgamos ser merecedores), bebe, usa drogas ou sei lá mais quantas sacanagens a pessoa faz com ela mesma, convicta de que não está fazendo nada, sem perceber. Ah… o inconsciente, esse danadinho!

Então, meus amores, não há fuga, não há atalho: banquem a verdade. É muito difícil ver essa verdade, demora, demanda um exercício profundo de olhar para dentro, se observar, se conhecer. Mas as coisas não vêm para quem fica no piloto automático, a vida requer esforço e trabalho. Não é moralismo ou discurso maniqueísta, enquanto você não sair da mentira, só vai conseguir se relacionar com pessoas que também estejam na mentira, pois quem está na verdade não vai conseguir assistir, ver a pessoa se enganar, se destruir, se anestesiar, atrasar sua evolução, perder tempo na vida.

Pessoas que estão nesse estado, pactuando com a mentira, dão seu jeito de se afastar de pessoas que tentam buscar pela verdade: se irritam com o que elas falam, se ofendem por tudo, boicotam a relação, ofendem, atacam, se descontrolam. Fazem malabarismos argumentativos para estar sempre com a razão. E nunca, jamais, em tempo algum, percebem o que estão fazendo. Então, fica um segundo conselho pra vocês: não fiquem na mentira e não fiquem com quem está na mentira, pois vocês vão pagar o preço junto. Fique na sua verdade e fique com pessoas que banquem suas respectivas verdades.

Fora que, o fim costuma ser muito triste. É questão de tempo, estas pessoas precisam de cada vez mais artifícios para esconder essa verdade e isso começa a aparecer na sua vida de diversas formas: doenças por não cuidar bem do corpo, aumento de peso, dificuldade em manter relacionamentos familiares, com amigos e até amorosos, estagnação na carreira e outros. O destino de quem vive de se enganar não é nada bom. Não tentem resgatar, ou você vai junto. Apenas se afaste de quem não está pronto para bancar suas verdades.

A vida avisa? Avisa. Mas avisos não costumam ser ouvidos, até acontecer uma coisa extrema. Antes do “despertar” da pessoa, a culpa é sempre do outro, do chefe que é um incompetente, da namorada que é injusta, do amigo que é um sem noção, da mãe que é chata, da criação que recebeu, etc. A culpa está sempre fora. Sempre. Sempre há uma justificativa perfeitamente aceitável para a pessoa agir como age. Até que um dia a vida cansa e dá um tapão na cara da pessoa e, se for algo muito extremo, a pessoa acorda, pois se torna impossível continuar negando. Mas o tempo que se perdeu, ah… esse tempo não volta.

Então, prazer, Vida. Hoje estou tentando dar um tapão na sua cara. Serviu? Ótimo, pega para você e melhora. Não serviu? É bem simples: joga fora sem se ofender, sem se incomodar, sem se irritar, afinal, se não temos nenhuma conexão com aquilo, se está tudo bem resolvido internamente, se não nos identificamos em nada com o que está sendo dito, não dói ou incomoda, certo?

Não se incomodar com algo que não te pertence não é um “mundo cor de rosa”, como alguns gostam de desvalorizar ou debochar, é a realidade de pessoas adultas e emocionalmente inteiras. Se você está vivendo na mentira, se ajude e saia. Olhe para dentro, não tenha medo, nada pode ser pior e mais aterrorizante do que as crenças falsas que a nossa cabeça cria. Duvido que tenha algo realmente tão feio quanto você imagina. Se você não está vivendo uma mentira, poxa, que bom que você não precisou deste texto! Estou muito feliz por você!

E, se os consola, eu não sou fodona nem infalível, nem dona da razão, inclusive acabei de merdar gostoso. A babaca aqui faz isso também, por exemplo, pagando com muita antecedência por uma viagem de carnaval que, no final das contas, não vai poder fazer, mas gostou de acreditar (erradamente) que poderia. Tamo junto.

Tapa dado, quem levou, levou, quem não levou só leva em março, pois em fevereiro não vou poder escolher os temas dos textos.

Para ficar agressivo e irritado comprovando meu ponto, para chorar em posição fetal dizendo que não sabe nem por onde começar ou ainda para dizer que essa minha mania de tirar o escudo de quem ainda precisa dele ainda vai me fazer perder os dentes: sally@desfavor.com


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