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Mal não vai fazer…

Mal não vai fazer…

| Sally | | 50 comentários em Mal não vai fazer…

Sabe aquela pessoa que não é médica, mas palpita na saúde e no tratamento dos outros? Pois é, não seja essa pessoa.

Antigamente essa pessoa não tinha muito poder de interferência, pois, para nos banhar com sua sabedoria leiga, ela precisava se deslocar da sua casinha ou gastar dinheirinho telefonando. Mas hoje, com o advento o whatsapp, a maior concentração de desfavores do mundo digital (sim, ganha do Facebook), os pseudo-doutores, os cientistões conspiradors, os sabichões escondidos atrás do manto da boa vontade podem encher o saco o quanto quiserem. E não ouse você dar um fora, pois “aiiiinn, eu só queria ajudar”. Faz melhor: manda este texto para eles em resposta, assim eles ficam com raiva de mim, não de você.

Quem já ficou muito doente ou já teve um membro da família muito doente com certeza já recebeu uma excrescência dessas, provavelmente via whatsapp, a terra dos que tem muito tempo sobrando e pouca massa encefálica na cabeça: algum tratamento milagroso, desconhecido e caseiro para curar esta doença. Tem de tudo um pouco: bicarbonato cura diabetes, beber água com limão pela manhã cura HIV, graviola cura câncer e por aí vai. Farmácia é coisa do passado, basta ir à feira para se curar de tudo. Neguinho morre por aí porque é otário, é só dar uma passadinha no Hortifruti que seus problemas se acabaram! No dia em que eu foi Presidente do mundo, essas pessoas serão esterilizadas.

Veja bem, vocês acham que se houvesse algum tratamento eficaz contra o câncer alguém se submeteria a uma extenuante, sofrida e torturante quimioterapia? É sério mesmo que falta tanto bom senso assim aos seres humanos? Vocês acham que se existisse tratamento definitivo contra doenças até agora sem cura, como HIV, isso seria de domínio público?

“Ah Sally, é que a indústria farmacêutica esconde, pois não quer deixar de vender remédios!”. Retiro o que disse, quando eu for Presidente do Mundo essas pessoas não serão esterilizadas, serão deportadas. Lançadas em um foguete para Marte, com apenas uma barrinha se cereal e um saquinho para vômito.

Na década de 80, falar uma bosta dessa sem levar uma tijolada na boca até seria uma possibilidade, afinal, era mais fácil esconder as coisas. Porém, quem repete uma asneira dessas nos dias de hoje claramente não sabe como funciona o mundo. Se é idoso, dou um desconto e peço apenas que se atualize. Se é jovem, recomendo internação e Haldol, pois esta alma não está apta a viver em sociedade.

Com internet não há a menor possibilidade de que a cura do câncer já exista mas que isso se mantenha em segredo. E se houvesse, não seria Dona Maria, aposentada, dona de 3 gatos, lê Paulo Coelho nas horas livres, moradora de Valinhos, que teria acesso a essa cura que a indústria farmacêutica quer esconder, não é mesmo? É tão secreto que ninguém sabem mas circula pelo whatsapp!

Mas não. Como costumamos falar sempre, o desempoderado sente um complexo violentíssimo e incontrolável. Gente que não faz a menor diferença para o mundo, que não fez nada relevante, que não deixou sua marca, que leva uma vidinha medíocre, chata e sem reflexão, tenta o tempo todo, a todo custo, se sentir especial. A pessoa sabe algo que os outros oito bilhões não sabem. O desejo de ser especial, mesmo que por alguns segundos, faz a pessoa receber uma bosta dessa no whatsapp e, em vez de se perguntar se é verdade ou não, reenvia, em uma grande diarreia digital.

Apesar de existir gente constantemente vigiando e competindo com a indústria farmacêutica, órgãos de fiscalização, instituições científicas em paralelo que contestam cada premissa e amplo acesso a informação na internet, um grande segredo, os poderes ocultos do limão, vem sendo mantido guardado a sete chaves!

A indústria farmacêutica não permite que divulguem, eles calaram oito bilhões de pessoas, calou instituições inteiras, empresas, organizações científicas, assassinado e silenciando quem ousa fala a verdade sobre o miraculoso limão… exceto Renan, desempregado, leitor de Mangá, morador de Brotas. Ele a indústria farmacêutica não consegiu calar! Ah, vá… São terraplanistas da saúde. Merecem levar uma surra com um gato morto até o gato miar.

O que mais me irrita desses anencefálicos é o pensamento que, para mim, é o suprassumo da burrice nacional: “Vou mandar… mal não vai fazer, né?”. Faz sim, imbecil. Faz mal por tantas vertentes que eu precisaria de um texto inteiro só para explicar isso. Sua substância inofensiva pode até causar a morte da pessoa por interagir de forma danosa com os remédios que a pessoa está tomando.

Para começo de conversa, se tem uma pessoa doente, ela está fragilizada. Ela vai querer acreditar, ela vai se iludir e vai sofrer quando perceber que aquilo não é verdade. Causar um estresse ou um sofrimento para uma pessoa em tratamento de uma doença grave é contribuir para sua morte. Isso se a pessoa não se iludir tanto que larga o tratamento convencional e parte para imbecilidade que você mandou. “Mas Sally, a pessoa pode pesquisar se quiser”. Vou repetir: a pessoa doente está fragilizada. Não é ela que tem que ter discernimento, é você, babaca, que mesmo saudável propaga fake healing.

Empurrar para uma pessoa doente o ônus de pesquisar sobre a veracidade da informação é mais do que covardia, é canalhice. A pessoa vai querer acreditar naquilo. Você vai criar uma falsa ilusão na pessoa, a menos que ela seja muito esclarecida (e se ela fosse esclarecida, não suportaria ser amiga de uma pessoa que acha que bicarbonato cura câncer, não é mesmo?). Então, antes de enviar qualquer uma dessas merdas, pergunte a um médico sobre a veracidade, se o médico não atestar a veracidade daquilo, não mande.

“Ah, mas os médicos tem um conluio com a indústria farmacêutica, eles também escondem a verdade”. Ahãn, entendi. Então, tenho duas perguntas para você. A primeira é o que você sugere, digamos, para uma pessoa que está com câncer? Que ela abandone um tratamento convencional, que se prova efetivo na maior parte das vezes, migrando para um tratamento sem qualquer comprovação e funcione de cobaia ou que se arrisque com um tratamento em paralelo correndo o risco de comprometer o tratamento médico? A segunda pergunta é: você era o conselheiro do Marcelo Resende?

A verdade é que depois de conversar sobre o assunto com muitos médicos, houve um consenso: pode fazer mal sim. Dependendo do que se mande a pessoa tomar, pode intervir nos seus medicamentos, na sua quimioterapia, nos seus antirretrovirais, no seu pós-operatório. Substâncias que, sozinhas, não causam mal algum, combinadas com outras podem virar um veneno, ou até tirar a eficácia do remédio. Uma erva, um chá, qualquer coisa, por mais inofensiva que pareça, pode acabar causando a morte de alguém.

Então, a menos que você seja doutorado em química e tenho uma noção muito precisa do quanto cada substância afeta em cada medicamento, não coloque a vida da outra pessoa em risco nessa babaquice de “mal não vai fazer”. Você não sabe se vai fazer mal ou não. Tem chá que mata misturado com certos remédios, tem quantidade de bicarbonato que detona certos tratamentos, tem coisas que você e seu pequeno cérebro do tamanho de um caroço de uva, não consegue nem cogitar. Tem alimentos que os próprios médicos ainda não tem certeza de como interferem no tratamento, mas Gislaine, assistente social, acredita que a terra é plana, moradora de Feira de Santana, tem certeza absoluta de que mal não vai fazer.

É temerário presumir que “mal não vai fazer”. Faz. Psicologicamente, pois cria uma ilusão em uma pessoa já fragilizada e muitas vezes fisicamente também, interferindo no tratamento. “Mas Sally, se a pessoa não testar, ela nunca vai saber se é verdade ou não…”. Ah tá. Já tomou no cu hoje? Faz assim? Testa VOCÊ, com a sua mãe ou com o seu filho, quando eles estiverem doentes. Depois, se der certo, você espalha, beleza? Nem eu nem minha família seremos cobaias de teoria de whatsapp, enviada por uma pessoa que nem ao menos deve saber nomear os elementos da tabela periódica, mas se acha capaz de discernir o que serve como cura para qual doença.

O pior é que muitas pessoas caem nessas mentiras descaradas de whatsapp e se prejudicam muitíssimo por fazer esses “tratamentos” paralelos, algumas vezes sem sequer dizer ao médico que o estão fazendo, por ter essa convicção de “mal não vai fazer”. Pode fazer sim, pode dar merda. Você não é médico, você não tem como avaliar os riscos. Uma coisa que pode ser inofensiva para todo mundo, para você pode ser a ruína, por causa dos remédios que está tomando. Que o diga uma amiga minha que tá embuchada de gêmeos pois seguiu conselho de whatapp de tomar chazinho para emagrecer que cortou o efeito do seu anticoncepcional.

O me dá mais raiva nesses Testemunhas de Jeová das ervas medicinais é que existe uma camada mais profunda ai, que talvez nem eles mesmos percebam. Um misto de preguiça (sair repassando tudo que recebe sem exercer juízo de valor, pesquisar ou perguntar a um médico) com vaidade (ela vai ser A Pessoa que revelou uma verdade que poucos sabem). Tem que dar uma surra nessas pessoas com uma meia cheia de pilhas!

Passar adiante essas bostas que você recebe por whatsapp (ou informação de qualquer natureza que você não tenha certeza) é como passar diante uma doença venérea do intelecto. Por favor, vamos ter um mínimo de consciência e só repassar o que temos certeza que é verdade? Uma vez que você repassa, isso pode impactar centenas, milhares de pessoas. Tenha responsabilidade com o que você joga no mundo.

Não adianta reciclar, não jogar lixo no chão, se intelectualmente você está jogando toneladas de lixo por aí. Isso não vai parar nas pessoas que você enviou, elas podem enviar para outras 10 pessoas, e cada uma dessas dez enviarão para outras 10 pessoas. Isso pode chegar em uma pessoa humilde do interior que acreditará cegamente e vai fazer disso seu tratamento, e, como consequência, vai morrer. Já pensou nisso? Já pensou que cada bosta dessa que você mandou pode ter matado algumas pessoas?

Mas não, o desempoderadinho… ele não aguenta. Você liga para dizer que sofreu uma fratura exposta, você está lá, com o osso para fora da perna, o fêmur parecendo uma hashtag, artéria coxo-femural rasgada, sangrando feito um chafariz… e a pessoa vai dizer “Passa arnica, resolve tudo”. Sério, por qual motivo estas pessoas não estrão extintas? Elas devem só divulgar, né? Se colocassem em prática essa pseudo-medicina com elas mesmas já teriam morrido faz tempo.

Eu acho que ao dar entrada em Pronto Socorro os médicos deveriam fazer uma triagem, checando o celular: se a pessoa tivesse divulgado uma asneira, só poderiam trata-la com a substância que ela divulgou: se espalhou que graviola cura câncer, deveriam enfiar uma graviola no seu ferimento a bala. Se passou adiante que limão cura diabetes, deveriam usar apenas limão para curar sua apendicite. Se disse que bicarbonato cura HIV, teriam que estancar sua hemorragia com o pó do bicarbonato. Só assim para essa gente aprender.

Estas pessoas desconhecem senso do ridículo, bom senso ou vergonha na cara. Você pode ter amputado o braço, que vem um desses e te diz que se você pingar o floral de whatever, vai nascer um braço novo. Meu anjo, a menos que minha concepção seja fruto da minha mãe estuprada com uma salamandra, não vai acontecer. Mas qualquer argumento médico ou racional para refutar sua maravilhosa cura alternativa é imediatamente contestada com uma conspiração que esconde a verdade da população – e que só essa pessoa e um grupinho de privilegiados sabe.

“Mas Sally, não precisa ficar brava, é só não fazer o que te enviam…”. Não faz mal pra mim, meu anjo. Faz mal pro mundo. Como eu disse, quando você encaminha uma informação desse tipo, você joga ela no mundo. Você não sabe quem, além do seu amigo(a) vai ler. Seu amigo(a) pode enviar para outras pessoas, causando um dano irreparável se algum desavisado resolver seguir sua macumbinha natureba.

Mas, o mais grave e o que mais mal causa ao mundo: A longo prazo, a coisa pode acabar tão divulgada (afinal, a maioria das pessoas é desempoderada e carente, se sente muito bem divulgando “a descoberta” que ninguém sabe) que, por massificação, acaba sendo absorvida como verdadeira. Dá para ter uma noção do poder de um boato muito repetido país que acha que manga com leite faz mal, né?

É assim vocês trabalham para um mundo melhor? Não adianta ir para igrejinha, rezar ou fazer ritualzinho se na horas vagas você está massificando mentiras que podem danificar a saúde de alguém ou até matar, ok? Boa sorte na próxima encarnação, como besouro rola-bosta, terão bastante tempo para pensar no mal que fizeram.

Divulguem este texto para as pessoas sem noção que repassam informações achando que “mal não vai fazer”. Não mandem dos seus e-mails, abram um e-mail anônimo e enviem. Você estará fazendo a sua parte para conscientizar esta pessoa. Se ela fazia por não perceber, pode ser que ela pare.

Estes inconscientes só se permitem agir desta forma leviana por falta de predador, porque ninguém dá um corte violento. Contribua para um mundo melhor e seja você parte da vacina contra esse vírus da desinformação que está assolando a humanidade, quem sabe depois de ler este texto mesmo que os inconscientes não se conscientizam, ao menos se constrangem de mandar esse tipo de bosta pros outros por saber que serão recriminados.

Para dizer que coca-cola com mentos cura câncer, para dizer que suor de mula selvagem cura diabetes ou ainda para dizer que vai enviar isso com o seu nome sim, pois também está cansado do efeito “mal não vai fazer”: sally@desfavor.com


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