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Vida irreal.

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| Somir | | 23 comentários em Vida irreal.

Sábado passado falamos sobre o tiroteio na escola em Suzano, mas algo maior ainda aconteceu na Nova Zelândia logo na sequência do atentado brasileiro. Brenton Tarrant matou 50 pessoas em duas mesquitas, fazendo uma live dos assassinatos e deixando um manifesto sobre suas motivações para a internet. Além do óbvio da violência, foi chocante também a forma até debochada como ele tratou todo o assunto. Brenton queria matar muçulmanos, mas também queria criar uma meme.

Eu acompanhei tudo pela mídia internacional, porque a cobertura brasileira foi bem anêmica (até compreensível, o caso brasileiro chamava mais atenção). Não sei o grau de informações que a maioria de vocês tem do que aconteceu ali, mas pelo menos pra mim foi uma espécie de “sinal amarelo” sobre o que está acontecendo atualmente com a contracultura de direita, especialmente na internet. Sou péssimo para detalhes de citações, mas lembrei de uma que dizia algo do tipo: “qualquer grupo que se diverte fingindo ser idiota acaba invadido por verdadeiros idiotas acreditando que estão em boa companhia.”

Quando a cultura politicamente correta tornou-se norma, muitas pessoas com um pouco mais de propensão ao pensamento crítico começaram a se mobilizar contra os aspectos obviamente exagerados dela. Políticas de identidade criando divisões ainda maiores entre gêneros, raças, preferências sexuais e tendências políticas aumentaram consideravelmente o grau de confrontamento entre grupos humanos em questão de poucos anos. Um movimento no sentido oposto se fazia necessário: muita gente completamente ignorante do funcionamento da sociedade humana estava ganhando força e plataforma para impor suas vontades.

Movimentos muito válidos como os pelos direitos de mulheres, gays e negros começaram a ser infiltrados por pessoas malucas de pedra, e em pouco tempo, a gritaria tornou-se o padrão de comunicação deles. Escolheram um “judeu” na figura do homem branco e simplesmente repetiram as estratégias comprovadas historicamente para unir uma base de apoiadores em ódio comum pelo inimigo. Pois bem, como falamos há vários anos, uma hora a pressão fica muito grande, e não só o suposto inimigo começa a bater de volta, como a própria base deles começa a ruir em desavenças internas. Estamos vivendo este momento. Conservadores e nacionalistas vão se unindo para bater de volta, o cidadão médio começa a perder a paciência com a indústria do lacre e torna-la cada vez menos lucrativa, e se não bastasse, os grupos oprimidos que se juntaram com força há mais ou menos uma década já estão no limite da tolerância entre eles.

Movimentos mal planejados não duram. O politicamente incorreto está lutando de volta e tende a pelo menos reequilibrar o ambiente social nos próximos anos. O pêndulo virou, mas ainda não recuperou a velocidade no sentido oposto. É aqui que existe uma chance de correção de curso, depois disso, é muita inércia para enfrentar. O desfavor provavelmente vai comemorar seus 20 anos reclamando do excesso de conservadorismo do ambiente cultural. É aqui que eu volto para o tema do tiroteio na Nova Zelândia: cada virada no ambiente cultural ativa os piores expoentes de cada visão de mundo. A era do lacre tirou das sarjetas os tipos mais radicais dos movimentos de esquerda, e não há nenhuma garantia que o movimento contrário não vá fazer a mesma coisa com a direita.

Como ateu, eu tenho que engolir uma aliança “profana” com conservadores religiosos por hora. São os que tem números e poder suficiente para carregar uma guerra cultural (que por sinal, eu nem queria travar). Para enfrentar feministas malucas, a máquina de propaganda que tipinhos como os incels podem montar tem suas utilidades, para segurar excessos de movimentos contra pessoas brancas e nações europeias, racistas acabam entregando uma força extra… qualquer disputa nos limites de posicionamentos políticos trazem consigo alianças indesejáveis. E o simples fato de muitos de nós preocupados com os excessos de um lado ignorarmos momentaneamente o outro acaba sendo uma forma de endosso do comportamento. “Se não estão me batendo, é porque me aceitam”.

O atirador neozelandês usou e abusou de memes na sua performance. Repetiu muitos dos discursos encontrados online e espelhava sim muitas das preocupações e revoltas de uma maioria de homens brancos que frequentavam sites como as chans. Há de se considerar que embora não houvesse um pedido direto daquela ação por parte dos movimentos conservadores e nacionalistas (difícil explicar para quem está de fora a quantidade imensa de humor de mau gosto envolvido em boa parte das mensagens mais radicais e violentas), não houve nenhuma repressão. E muito embora eu acredite que ninguém é obrigado a ser babá de adulto, não podemos negar vistas grossas para pessoas como esse atirador. A internet conservadora não radicalizou o rapaz, mas deu toda a munição necessária para que ele racionalizasse o processo. Desde as músicas que ele tocou no carro até mesmo gritar “Subscribe to PewDiePie!” antes de começar a atirar denotam que esse imbecil acreditava estar em companhia de pessoas parecidas. Ele queria impressionar e entreter as pessoas com as quais conviveu virtualmente até ali.

É complicado andar nessa linha entre não acreditar que a internet radicalizou o atirador e ao mesmo tempo dizer que foi naquele ambiente que ele conseguiu transformar sua psicopatia em algo “romântico”. Não sugiro para ninguém ver o vídeo, mas quem viu percebeu como não era uma pessoa normal ali: parecia que estava jogando videogame. Calmo, controlado e extremamente eficaz nas execuções. Tudo bem planejado (para o nível de dificuldade de atirar em crianças, é claro) e executado sem maiores problemas. Só um soldado muito bem treinado com a CERTEZA de estar matando gente muito ruim ou um psicopata teriam capacidade de agir daquela forma.

Nessa guerra cultural – que reforçando: não queríamos ter – tem gente que não vai ter capacidade de entender o que está acontecendo. Gente que começa a perder a noção da realidade aos poucos e tratar a vida como uma simulação. Internet e videogames não tornam pessoas com algum lastro na vida real em assassinos, mas podem sim ajudar quem está perdido e isolado a se desconectar de vez da realidade e agir de forma parecida com o que vimos na Nova Zelândia. Ainda mais com acesso fácil às armas de fogo de alta capacidade, como as usadas no massacre de Christchurch. Então, não quero ser radical contra quem culpa todas essas coisas como contribuintes para a violência, existe sim uma lógica. Mas o perigo é achar que a coisa é simples como censurar e bloquear para evitar mais problemas.

Estamos vivendo num mundo que aliena uma quantidade cada vez maior de pessoas com poder real de causar problemas. Gente que não está ficando violenta por causa da internet e dos videogames, mas que DEPOIS de ser isolada e tratada como vilã por um movimento histérico de demonização por parte do politicamente correto, adere a outra cultura e “virtualiza” sua percepção da realidade, vendo pouca ou nenhuma diferença entre vida real e um mapa de um jogo de tiro. Se você expulsa um ser humano do grupo, ele vai começar a ver a humanidade de fora. O movimento dito de direita que está lutando de volta contra os lacradores vai trazer muita coisa ruim à tona, mas nesse meio tempo, é uma das poucas coisas segurando quem não é um psicopata dentro da vida real.

Isso vai piorar antes de melhorar.

Para dizer que vai para o inferno 10 vezes depois de ver as memes do tiroteio, para dizer que é sempre culpa do videogame porque seu namorado gasta muito tempo com ele, ou mesmo para dizer que isso deu muito menos repercussão do que deveria (eu fiquei meio assustado com isso também): somir@desfavor.com


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