No caminho errado.

A performance ‘Um Estuprador no Seu Caminho’, que se tornou um fenômeno mundial, foi criada como parte de uma peça de teatro que não chegou a ser lançada. (…) Em questão de dias, a performance viralizou e se tornou um fenômeno internacional, sendo interpretada em dezenas de cidades ao redor do mundo. Acima de tudo, se transformou em um poderoso hino feminista, ao denunciar a violência contra as mulheres e expor teses feministas. LINK


Então a tese feminista é que mulheres são retardadas? A gente faz questão de discordar. Desfavor da semana.

SALLY

Letra original (caso você queira usar de alguma forma)
“O patriarcado é um juiz/ que nos julga apenas por ter nascido/ e nosso castigo / é a violência que você vê/ É feminicídio/ Impunidade para o assassino/ É desaparecer/ É ser estuprada/ E a culpa não era minha, nem de onde eu estava nem de como estava vestida/ O estuprador é você/ São os policiais/ Os juízes/ O Estado/ O presidente/ O Estado opressor é um macho estuprador/O estuprador é você”

Final de ano é comum ter que engolir musiquinhas e coreografias ridúculas e constrangedoras…se você tem um filho pequeno que faz aquelas apresentações horripilantes na escola. Mas, parece que agora adultinhos também se expressam com musiquinha e dancinha, e pior, querem ser levados a sério com isso.

Não é uma crítica específica contra as feministas, quando qualquer grupo usa desse artifício a gente critica, tal como fizemos com a palhaçada que virou a parada gay (só o He-Man pode pedir respeito usando sunga e bota, francamente). É contra algo ineficiente e degradante para as mulheres. Esse tipo de iniciativa é um misto de ego com vingança social. A pessoa quer dar showzinho, sentir que tem alguma importância e, ao mesmo tempo, sentir algum poder ao “chocar a sociedade”.

Essa Lambaeróbica da Vitimização começou no Chile. Mulheres combinaram, por redes sociais, de se encontrarem vestindo roupas que usam para sair à noite (“curtas, decotadas e com muita transparência”) para gravar essa… performance. Muita coisa pode ser dita dos vídeos que pipocam em redes sociais, mas eu não resisto à tentação de abrir o assunto dizendo: é preciso um certo nível de corpo para usar esse tipo de roupa. Tá escroto. Tá escroto pra caralho.

Depois de desabafar sobre a agressão estética, estou mais aliviada e consigo aprofundar. Já cansamos de bater nessa tecla aqui no blog: essa estratégia de antagonizar para “chocar a sociedade” (o patriarcado ou o que quer que seja) é uma furada. Não se muda o mundo combatendo, confrontando, agredindo, antagonizando, só se atrai mais do lado contrário. Taí o Bolsonaro para mostrar o que acontece quando se coloca esse tipo de macaquice em prática.

Não, não sou a favor de machismo, estou ciente de todas as mazelas que uma mulher sofre e sei que tem muita coisa que deve mudar e melhorar. O que eu questiono aqui é a estratégia. E sim, é possível discordar da estratégia sem discordar da causa, mesmo que adeptos radicais da estratégia digam que não.

Dizer que essa dancinha e musiquinha são ridículas, que parecem uma apresentação de colégio de criança com Síndrome de Down e que só depõe contra o movimento comprovando que só tem gente feia e com Daddy Issues não é ser machista. Não é ir contra as mulheres. É isso que as mocinhas com bigode e muita flacidez tentarão imputar se lerem este texto, mas, sinto muito, não é. Eu sou mulher, essa palhaçada cobre de merda a minha credibilidade, eu tenho o direito de criticar sem virar automaticamente machista.

Justamente por ser a favor de que todos os direitos das mulheres sejam plenamente respeitados, a favor de que a mulher seja respeitada, sou contra esse tipo de manifestação: isso contribuí para que se respeite cada vez menos. Não se consegue respeito cantando uma música merda vitimista acompanhada de uma coreografia que parece executada por pessoas com paralisia cerebral. Quem realmente quer que mulheres sejam respeitadas vai ser contra essa cena desagradável e ridícula.

Para ser ouvida, não é preciso gritar. Não é preciso chocar. Não é preciso se vitimizar. Não é preciso fazer barulho. Se na sua casa era assim, desculpa, você nasceu em um ambiente merda, não reproduza essa dinâmica merda no mundo. Para ser ouvida é preciso saber falar, ter postura, ter competência. Quem grita já perdeu. Quem apela já perdeu. “Ah, mas eu falo e não adianta”. Então, meu anjo, desculpa, mas você não sabe falar. Gritar e fazer performance lixo só vai te afundar ainda mais.

Quem faz um vídeo desse tipo visivelmente fala desde um lugar de medo, de raiva e de rancor – e nada de bom vem daí. Quando se faz qualquer coisa partindo desse tipo de sentimento, só se atrai mais merda. Nada tira mais a dignidade de uma vítima do que se portar como uma vítima. É a sua atitude quem faz de você uma vítima ou não, é uma escolha.

Mais importante do que aquilo que se fala é o lugar de onde se fala. Explico melhor: qual sentimento, qual crença, qual é o motor para que saia aquela fala. Duas pessoas podem falar exatamente a mesma frase e em uma vir de um lugar bacana, produtivo, proativo e na outra ser um completo desfavor, por vir de um lugar de raiva, de medo, de revanchismo. Basta pegar o histórico desse movimento para perceber que estão na segunda opção.

A bolha aplaude? Aplaude. Mas, o mundo não é a sua bolha. O mundo não aplaude, posso assegurar. O mundo ridiculariza isso, desacredita das mulheres e cria uma presunção de que somos todas histéricas, vitimizadas e sem noção. Isso me afeta. Isso afeta negativamente todas as mulheres do mundo. E pior: não resolve o problema, apenas gera consequências negativas.

Alguém aqui acha que o machismo vai diminuir por causa desse povo fazendo essa Lambaeróbica do Pai Ausente? Alguém aqui acha que um estuprador vai deixar de estuprar alguém por causa dessa palhaçada? Bem, talvez se ele lembrar das cenas na hora, quem sabe broxe e realmente deixe de cometer o ato…

O ponto é: esse circo só tem consequências negativas. Há mais de uma década que o feminismo se transformou nessa palhaçada com palco e a violência contra a mulher só piora (ao menos no Brasil), mulher continua ganhando menos do que homem e sendo menos respeitada. Quanto tempo vão dar murro em ponta de faca até perceber que esse caminho não leva ao destino desejado?

Para sempre, pois fazer esses showzinhos sacia um ego carente, dá uma sensação de pertinência e acolhimento em um grupo e retira dessas mulheres a responsabilidade por terem se envolvido com um sujeito abusador.

Todo macho é estuprador? Todo homem é escroto? Não, meu anjo, só os que você escolhe. Talvez se você parar de focar na violência, no medo, na raiva, apareçam umas pessoas um pouco melhores na sua vida. A gente recebe o que a gente emana, ou, em uma versão mais grosseira, quem planta merda colhe bosta.

Ser a favor desse tipo de iniciativa é ser contra as mulheres. Isso é coisa de gente descontrolada, gente que está com a mente em um lugar ruim, sem maturidade emocional para abordar questões de frente e de forma adulta. Não sou eu criticando aquela que prejudica as mulheres, são as palhaças que fazem isso que nos desacreditam.

Mudar o mundo qualquer idiota quer, mas apenas uma minoria competente é capaz de executá-lo.

Ah, sim: aprendam a dançar, parece que estão segurando uma moedinha com o cu!

Para dizer que estava com saudade desse tipo de texto grosseiro, para dizer que elas não precisam ter medo de estupro ou ainda para fazer qualquer outra piada machista por saber que Desfavor é um lugar onde mulheres não são frágeis a ponto de se transtornar por isso: sally@desfavor.com

SOMIR

Estou ficando velho. O mundo já começa a fazer menos sentido quanto mais eu olho para as gerações seguintes. Segundo a mentalidade na qual eu fui criado, era óbvio que deveríamos respeitar as mulheres. Respeitar como seres humanos, o que na prática quer dizer que se parte do princípio de não fazer com os outros o que não gostaria que fizessem com você e não deixar preconceitos atrapalharem seu julgamento sobre um indivíduo. Basta ser humano para merecer o tratamento humano. Somos falhos, erramos, mas sempre me pareceu uma excelente linha-guia para o comportamento. Faça o melhor que puder, e se fizer algo errado, pelo menos aprenda para não repetir o erro. Razoável, não?

Mas o tempo passa e um novo paradigma começa a valer: uma estrutura de privilégios e deveres baseados em decisões de nossos antepassados. Razoabilidade sai de moda, e é esperado de você que reduza seus padrões de merecimento de respeito com base no sexo, cor ou grupo social da pessoa com a qual lida. É aí que as coisas ficam confusas. Segundo a visão de mundo que eu aprendi, essas mulheres fazendo uma dancinha enquanto chamam homens de estupradores fizeram uma escolha clara de se expor e poderiam ser analisadas a partir dessa escolha.

Nessa visão de mundo, eu posso observar o comportamento e dizer que é na melhor das hipóteses um pedido de atenção infantil que não ajuda em nada a causa supostamente defendida, muito pelo contrário. Agora, na nova visão de mundo, eu devo considerar primeiro a minha genitália, minha preferência sexual e a cor da minha pele antes de fazer um senso de julgamento. Se eu sou um homem branco heterossexual, é “educado” fingir que não estou vendo os problemas óbvios com essa performance, e pior, demonstrar publicamente minha concordância para não ser acusado de fazer apologia ao estupro.

Mais ou menos como um adulto brinca de esconde-esconde com uma criança, e a ideia da criança de se esconder é tapar os próprios olhos e ficar imóvel. Como adulto, pelo menos por um tempo, é esperado de você entreter o engano óbvio da lógica da criança e fingir que não a está enxergando. Se ela faz isso aos 3 anos de idade, é bonitinho, afinal, a criança ainda não teve chance de entender que o mundo não gira ao seu redor. Agora, se ela faz isso aos 10 anos de idade, os adultos não tem muitos motivos para sorrir… com essa idade já deveria estar bem claro para ela que o mundo é composto de múltiplos pontos de vista.

Não me diverte especialmente apontar e rir para esse tipo de feminista que se esconde com as mãos sobre os próprios olhos, mas eu fui criado para pelo menos tentar tratar as pessoas com igualdade, presumindo que elas tenham uma capacidade parecida com a minha de compreensão das coisas. Esse tipo de performance de teatro escolar é uma vergonha para as participantes. Não só é absolutamente inútil para a causa defendida, como possivelmente danosa: reforça um dos piores preconceitos contra as mulheres, que é a presunção de infantilidade.

Dançar e fazer performances não é infantil por si só, mas a ideia de se juntar para fazer uma apresentação lúdica para passar uma mensagem social é o tipo da coisa que só vemos crianças fazendo, até porque frequentemente elas mal têm escolha senão participar dessas furadas. Crianças não tem poder, e por isso precisam sempre chamar a atenção dos adultos quando precisam de alguma coisa. Eu entendo que as estruturas de poder vigentes na sociedade não são muito favoráveis às mulheres, mas esse tipo de showzinho não é muito diferente de chorar para ganhar um sorvete do papai, ou mesmo aumentar o decote para ganhar um aumento do chefe.

Continua sendo subserviente e colocando o poder todo na mão dos homens. São mulheres fazendo um show de dança ridículo para pedir para não serem estupradas. Percebem a falha estrutural na apresentação da proposta? São corpos de adultas agindo da mesma forma como uma criança agiria. E da forma como eu vejo o mundo, crianças merecem menos respeito nas suas vontades, por isso sempre trato com mais gravidade a palavra de adultos. Ver esse ato dantesco gera o desrespeito por essas mulheres, porque não só demonstra incapacidade de lidar com o mundo dos adultos como também banaliza o sofrimento. Uma mulher que foi estuprada tem gravidade na sua dor, não uma dança ridícula feita para ganhar 15 minutos de fama virtual. Por que essas ativistas estão tirando sarro de algo tão sério? Ou… não é tão sério assim? Na minha visão de mundo é, mas nessa nova, onde abrir a perna no metrô “tecnicamente” é estupro, podemos estar relativizando as coisas.

Não apostaria em truques novos para este cachorro velho, eu vou continuar achando que estupro não é questão de dancinha e curtida na rede social, mas por pelo menos algumas décadas, ainda vou fazer parte desse mundo. Normalmente é saudável deixar o mundo evoluir como as novas gerações desejam, mas quando vemos um problema sério, talvez ajude avisar, para que essas gerações possam se corrigir um pouco antes do estritamente necessário. A turma da dancinha do estupro vai bater numa parede chamada vida adulta em pouco tempo, e não vai ser agradável para ninguém. Mesmo que a vida adulta delas comece aos 50, sozinhas e indesejáveis por viver numa bolha de aceitação de mentirinha. Pouca gente vai falar as coisas dessa forma bem intencionada como estamos falando aqui: ou vão receber palmas para continuar um teatrinho infantil que estuprador nenhum desse mundo vai se importar, ou vão ser criticadas por outras criançonas que confundem desajuste pessoal com conspiração das mulheres…

E quem aprendeu sobre o mundo quando a gente ainda tinha direito de ser igual vai continuar olhando, cada vez mais confuso. Mas um dia a gente vai morrer, e boa sorte… de verdade… para todos esses órfãos da realidade.

Para dizer que o texto está atrasado (eu tive que arrumar o banco de dados do site), para dizer que quem não elogia odeia, ou mesmo para dizer que vai contar para sua mãe que eu te critiquei: somir@desfavor.com

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Comments (18)

  • É por esse tipo de coisa que nunca vou me aliar a nenhum “coletivo feminista” qlq palavra de discordância é vista como uma ofensa.
    Digo sempre que faço minha parte informando os homens e mulheres próximos a mim, pequenas conversas do cotidiano que fazem as pessoas refletirem. As pessoas mudam quando estão prontas para isso.

    • Sim, e tendem a ficar prontas para isso mais cedo se é feito através do caminho do amor, do respeito, da informação. Caso contrário, só se retraem e ficam em maior resistência.

  • É exatamente este tipo de pessoa que depois chega em casa e pesquisa no Google “como fazer com que as pessoas gostem de mim”

    • Sim, mas é gente que vive na mentira: em público posa de fodona, que não precisa de ninguém. Em casa, chora no banho. Alguém precisa contar que todo mundo percebe essa dinâmica…

  • A pessoa usa argumento baseado na própria futilidade estética e postula superioridade em relação a coreografias esdrúxulas. Parabéns pela contradição.
    No mais, seria engraçado se não fosse patético defender diálogo para persuasão se neste mesmo site se faz questão de afirmar que “brasileiro médio” é burro e desinformado. De mais a mais, não há diálogo possível com fundamentalistas cristãos e com os reacionários que pretendem afundar o país em seus sonhos hipócritas de controle da liberdade de expressão.

      • Pelo visto, sempre procuram uma maneira de ofender quem se digna a não se submeter às falácias exaradas aqui: a referência a “fundamentalistas cristãos” foi uma forma de demonstrar que a técnica da conversa simplesmente não funciona. Mais que isso, implica em conceder terreno a estupidez reacionária.

  • “Para dizer que o texto está atrasado” Quão cara de pau uma pessoa precisa ser pra fazer cobranças num blog gratuito?

  • Estuprador Pedófilo Satanista Nazifascista

    Então o circo começou no Chile, onde teve uma Amarilda que era atriz e performancer que foi estuprada e morta por uma trupe de gendarmarias lá? Isso explica muita coisa.
    Mas esse cirquinho não vai dar em nada, pois como todos sabem, o grosso dos abusos nesse campo é varrido para debaixo do tapete por questão de vulnerabilidade, em especial do ponto de vista socioeconômico.

  • 23h59: “O Estado opressor é um macho estuprador”
    00h00: “O Estado tem que fazer leis pra proteger as muié dos omi abusivo”

    Choose one.

    • Não é preciso: provavelmente se pretende uma reforma do Estado e suá-lo como instrumento para tolher a disseminação da cultura do estupro. Muito embora isso obviamente seja impossível no Brasil, já que muita gente (que se acha) inteligente celebra e apóia a presença de um apologista do estupro na Presidência da República.

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