Burrice contagiosa.

O presidente Jair Bolsonaro incluiu igrejas na lista de atividades consideradas essenciais que estão autorizadas a funcionar durante o estado de calamidade em vigor pela epidemia de coronavírus. A mudança, feita por alteração no decreto que trata dos serviços essenciais, foi publicada nesta quinta-feira, 26, no Diário Oficial da União. LINK


Importante: a Justiça Federal já derrubou esse decreto. Mas o simples fato dele existir nos ajuda a ilustrar como a burrice é sempre a pior das doenças. Desfavor da semana.

SALLY

Os idiotas, eles sempre estão presentes em na humanidade. Em cada cidade, em cada vila, em cada grupo. Em tempos normais eles são apenas um pequeno transtorno, muitas vezes motivo de piada. Mas, em tempos difíceis, os idiotas geram grandes problemas e atrasos para a humanidade, que se emburaca junto com eles.

Essa pandemia de Covid-19 está removendo todas as máscaras que, durante anos, as pessoas cultivaram com muito carinho. Tem empresário bondoso que fazia caridade mas está se revelando um belíssimo filho da puta disposto a trocar vidas humanas pela manutenção do seu lucro. Tem profissional da saúde que sempre trabalhou em condições precárias e mal remunerado está se mostrando um herói, atuando por mais de 24h seguidas, sem ter máscaras ou qualquer equipamento de proteção à sua disposição. Estamos vendo de tudo.

E, no meio dessas revelações, temos os idiotas, que estão saindo do armário em alto e bom tom. Não são maioria, mas são barulhentos. Vários tipos de idiotas. Os idiotas religiosos, que acreditam que para louvar seu Deus é preciso se deslocar fisicamente até um templo. Os idiotas políticos, que defendem seu político de estimação não importa a merda que ele diga. Os idiotas negadores, que acham que nada está acontecendo nem vai acontecer… tem idiota para todos os gostos.

Mas, a piada cruel é que esse vírus em específico, nos coloca nas mãos dos idiotas. Ao contrário do HIV e de outros, não dá para largar de mão e deixar os idiotas idiotarem, até que morram. Não. Agora não são os idiotas que se expõe ao vírus quem morre. Somos nós, grupo de risco (sim, eu estou entre o grupo de risco). São os pais dos idiotas. Os avós dos idiotas. Os vizinhos dos idiotas. Ou até as pessoas que, mesmo sem qualquer condição preexistente, dão azar ou não encontram atendimento médico.

Estamos diante de uma situação onde é necessária a colaboração de todos para minimizar os danos e, adivinhem? Os idiotas continuam sendo idiotas, e colocando a nossa vida em risco. Eu diria, inclusive, com prazer. Pela primeira vez, a humanidade precisa e depende deles. Eles estão em delírio com tamanha importância que nunca antes tiveram.

Já falamos sobre isso no texto sobre Terraplanismo: a ciência se elitizou de uma forma que excluiu parte da população em vez de incluí-la e compartilhar conhecimento. Esse erro da ciência, mais precisamente dos acadêmicos que representam, causou guetos de desempoderados que começaram a alimentar teorias obscurantistas para sentirem alguma pertinência e autoestima. Durante anos todos nós rimos deles, mas agora, precisamos deles para evitar mortes. Adivinha se eles vão nos ajudar?

Quando você segrega em vez de incluir, gera polaridade, gera dualidade, gera uma bipartição. Isso nunca, nunca, nunca causa nada de bom. Desfavor tentou fazer sua parte nesses onze anos, se esforçando para abordar alguns temas científicos de forma simples, na esperança de trazer mais gente para perto da ciência, porém, parece que essa não foi a regra. Os desempoderados ressentidos com a ciência estão vivenciando seu minuto de fama e tem a oportunidade de se vingar pela exclusão e escárnio que sofreram. Fizemos tudo errado.

Não vou me prestar ao papel de refutar as coisas ditas pelo Presidente. Eu me recuso a explicar os motivos pelos quais um vidro de lotérica não impede o contágio do Coronavíris. Ele que fale sozinho, não seremos palco para as aberrações que ele propaga, não vou ser resistência a porra nenhuma. Ele está acelerando um fim necessário, de um país que não deu certo, de um povo que, em sua maioria, não merece o oxigênio que consome. Por vias tortas, ele está fazendo seu papel. Deixemos o Presidente quieto, pois quem é ruim se destrói sozinho.

O que sim acho necessário refletir é sobre a forma como tratamos os idiotas. Em vez de apontar o dedo para fora, apontar para nós mesmos. O aprendizado não vem de apontar o erro alheio, vem da reflexão da nossa parte nessa grande fodelança que a humanidade se meteu. Onde foi que cada um de nós errou. E, vejam bem, não vou dar lição de moral e mandar você abraçar um idiota, nós somos os primeiros a tripudiar deles.

Tá tudo bem apontar para um idiota, rir e dizer que ele é um idiota (vulgo “Ei, Você”), desde que você também ofereça ferramentas para que essa pessoa deixe de ser uma idiota se ela quiser. Apenas apontar e rir, usufruindo da condição do idiota para sentir uma superioridade intelectual, talvez tenha sido o grande erro dos poucos brasileiros pensantes. Para que uma pessoa seja “a inteligente” da sociedade, é preciso que exista outra, um contraponto, que seja “a burra”. Tem um ganho secundário em manter idiotas na sociedade.

Os idiotas são parcela integrante da população e, por mais que a gente tente excluí-los do nosso convívio no dia a dia, pode acontecer uma situação onde seja indispensável a colaboração destes macacos com navalhas, como de fato está acontecendo agora. O que vemos são idiotas ressentidos por anos de exclusão, sentindo o maior prazer por não colaborar, convictos, em seu obscurantismo, de que nada do que estamos falando é real. Hora de refletir e perceber que, da forma como fizemos, não deu certo.

A ciência tem sua parcela de culpa por ter fechado as portas para tanta gente e cultivado um clubinho dos inteligentes. E todos aqueles que nunca estenderam as mãos para os idiotas também tem. Não, você não é obrigado a educar ninguém, mas quanto mais idiotas a sociedade tiver, pior será sua vida. Só estaremos bem quanto todos estiverem bem. Ubuntu. Espero que agora, depois dessa pandemia, essa ficha caia de uma vez por todas.

Neste evento, infelizmente vamos ter que antagonizar com eles, pois não há tempo de reverter o quadro. Os idiotas estão polarizados e ressentidos, em uma linha de frente contra a ciência. Ou aplica a lei da forma mais dura e impiedosa, ou eles finalmente terão a relevância que tanto sonharam a vida toda, exercendo um papel ativo em um evento mundial importante, às custas da saúde das pessoas. Quando é indispensável a colaboração de todos, os idiotas ganham poder. Quando desempoderado ganha poder… bem, acontece isso aí que estamos vendo.

Nesta crise não existe outra solução a não ser neutralizar os idiotas, custe o que custar. Não tenho restrições aos meios empregados, considerado que estamos falando de salvar vidas humanas. Mas, antes da próxima crise chegar, façamos a nossa parte e entendamos que não dá para segregar por completo os idiotas da sociedade e do convívio, eles sempre farão parte da sociedade. É preciso estender-lhes a mão e, com paciência e amor, tratá-los como crianças e tentar dar as ferramentas necessárias para que eles saiam desse estado de imbecilidade.

Não adianta apontar para os erros dos outros agora. Olhe para si mesmo e perceba o seu. Corrija o seu. Assim você terá aprendido algo com esta grande tsunami de merda que estamos passando. E, daqui pra frente, ocupe-se de alguma forma de fornecer ferramentas para que idiotas deixem de ser idiotas, em vez de apenas apontar o dedo e chamá-los de idiotas. Assim, na próxima crise grave, saberemos que nós fizemos a nossa parte, demos as ferramentas necessárias, portanto, quem escolheu ficar no obscurantismo pode ser eliminado sem dó nem piedade, pelo bem da coletividade.

Para dizer que idiotas são irreversíveis, para dizer que está sereno pois tem a convicção de que o brasileiro precisa ser extinto ou ainda para afirmar que Coronavírus é uma mentira e ninguém vai morrer disso: sally@desfavor.com

SOMIR

Como a Sally já lidou com o tema em linhas mais gerais, sinto-me livre para apontar para as religiões nesse momento de pandemia. Num misto de burrice e ganância, muitas estão tentando atrapalhar os esforços de contenção da transmissão do coronavírus.

Que empresários inescrupulosos e especuladores do mercado financeiro em geral estivessem forçando a barra para as pessoas voltarem às ruas não é uma surpresa. Como já havia mencionado no texto de sexta, a economia moderna incentiva que eles vivam no limite, se endividando sem parar. Muitas dessas pessoas vão perder dinheiro numa crise de resfriamento da atividade econômica mundial. Não é algo nobre do ponto de vista humanitário que estejam desesperados para todo mundo voltar às ruas, mas é compreensível dentro da realidade deles: estão nessa só pelo dinheiro, doa a quem doer.

Mas, igrejas? Bolsonaro foi eleito com um imenso suporte da parcela evangélica brasileira, o que na prática significa ter excelente relacionamento com os chefes das maiores “franquias” de igrejas brasileiras. E olha que eu quase não tive coragem de colocar aspas em franquias. O poderio econômico e por consequência político dessas empresas da fé é uma das suas bases de sustentação, e não demorou muito para o lobby conseguir enfiar os templos religiosos no rol de serviços essenciais para o país.

Se você parar para pensar nessa situação, vai entender que igrejas presumem aglomeração e fazem com que muitas pessoas viajem dentro da cidade para um local comum, dois elementos essenciais para a disseminação de um vírus em grandes escalas. Não há nenhuma defesa lógica para a manutenção de um serviço desses durante uma pandemia. Nem mesmo ilógica: a mitologia cristã diz explicitamente que sua divindade é onipresente, ou seja, está em todos os lugares ao mesmo tempo. Ninguém depende da igreja para manter relações com seu deus.

Agora, o fator econômico torna importantíssima a presença dos fiéis nos templos: para receber doações, o local físico permite que mesmo aqueles incapazes de lidar com transações bancárias digitais consigam trazer dinheiro. E faz diferença para o “cliente” ver o serviço pelo qual paga funcionando. Eu tenho certeza que a captação de recursos já é uma ciência para as igrejas evangélicas, devem ter encontrado uma relação forte entre presença física nos templos e arrecadação de doações. O lobby dos restaurantes não foi forte o suficiente para convencer o governo, mas o das igrejas foi. Mas como já sabemos, o decreto presidencial já foi derrubado pelo Judiciário: não havia como defender uma proteção econômica tão explícita para um só grupo de empresas.

Mas estamos falando de ganância e protecionismo econômico das empresas que ajudaram a eleger o presidente, não estamos falando de burrice, que deveria ser o tema destes textos… oras, se Silas Malafaia e cia. são capitalistas inescrupulosos arriscando a saúde de pessoas pelos seus lucros, isso não torna os fiéis que lotam suas igrejas mais inteligentes, não?

Eu já fui muito mais raivoso ao falar da fé alheia, considerando o simples fato de acreditar em amigos imaginários o pior problema do mundo, mas com o passar do tempo as coisas foram ficando mais claras: embora esse tipo de pensamento supersticioso já esteja fazendo hora extra na evolução humana, não vale a pena ter raiva de uma pessoa que busca salvação, especialmente se ela não tem quase mais nada para se agarrar na vida. Ser religioso não torna uma pessoa ruim, é só uma coisa que muita gente faz por incapacidade de fazer diferente.

E é aí que voltamos nossa artilharia para o problema de gente que explora essa fragilidade de boa parte da população humana para fazer lobby de suas lucrativas igrejas mesmo sabendo que está colocando a saúde pública em risco, e talvez até mais grave, a imensa burrice de muita gente que voluntariamente apoia essa ganância irresponsável, racionalizando essa mentalidade temerária da forma como consegue.

Durante esta crise, vemos até mesmo o presidente caindo nessa armadilha. Bolsonaro não merece muita simpatia pela sua posição de poder, mas se você ainda não percebeu o tamanho da limitação intelectual do líder brasileiro, sinto te informar que provavelmente você não tem muito mais massa cinzenta que ele. Bolsonaro e quase toda essa turma que está batendo no isolamento e tentando forçar a população de volta à normalidade simplesmente não tem a capacidade mental de entender o que está acontecendo. É mesmo muito complicado entender algo que impacta bilhões de pessoas e pode ter consequências pelas próximas décadas.

Não é só sobre um vírus, não é só sobre algumas empresas quebrando, é como isso se integra com o funcionamento da sociedade humana no longo prazo. No século passado, deixávamos morrer todo mundo mesmo, e dava para continuar. Se fizermos isso agora, vamos continuar também. Mas a humanidade de 2020 não faz mais isso de deixar milhões morrerem por causa de uma doença. O mundo não deixa mais isso acontecer: se deixarmos o coronavirus correr seu rumo sem nenhuma ação poderosa de contenção, o grau de putez do ser humano médio vai ficar insustentável para todos os governos. Sabemos que dá para conter. Sabemos que dá para salvar muita gente. Em 1920, Bolsonaro e toda sua turma estariam certos. Em 2020, não é a mesma coisa.

Vou repetir: em 2020, a humanidade SABE que dá para conter uma doença dessas. Eu, você, os presidentes e os mais miseráveis. Entendem isso? Não é que a tática de deixar o vírus matar quem quiser vá destruir a humanidade, é que ninguém mais consegue achar que isso é inevitável e seguir sua vida calmamente. Bolsonaro é (era?) burro demais para entender isso, mas outros líderes que inicialmente estavam na mesma vibe de “gripezinha” como o britânico Boris Johnson e o americano Trump foram informados dessa peculiaridade do momento atual ou caíram em si.

E caso vocês não saibam ou não lembrem, eu sempre defino a diferença entre burrice e ignorância como a presença da informação correta antes da tomada da decisão estúpida. O ignorante nem sabe que vai fazer besteira, o burro acha que com ele vai ser diferente e se arrisca do mesmo jeito.

Estamos vivendo tempos que expõem burros.

Para dizer que eu bato em religião só por esporte mesmo, para dizer que daqui a pouco sai outra decisão judicial maluca liberando, ou mesmo para dizer que fé é doença: somir@desfavor.com

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Comments (7)

  • Dez anos como leitor habitual do desfavor, falo sem receio: esse é um dos melhores textos que vcs já escreveram. Concordo integralmente com ambos. O ponto sobre a elitização da ciência eu acho tbm muito pertinente.

    P.S. estou fazendo análises estatísticas sobre o Covid19 no Brasil todos os dias, e tentando verificar o tamanho da merda usando técnicas muito robustas. Os resultados eu tenho usado pra alertar amigos e familiares, e vcs podem acessar tudo aqui: https://hfgolino.github.io/covid19_brazil.html

      • Eu tinha visto esse video, muito bom! A qualidade do material que o cara produz é fantástico… Eu adoraria aprender a fazer divulgação científica assim (mas falta tempo). Sobre as análises que eu fiz, fique a vontade para mandar um email pedindo o paper. O paper original da técnica de identificação de fatores latentes/clusters baseado no rate of change eu fiz voltado pra analise de texto, mas pode ser aplicado para qualquer serie temporal multivariada.

  • Excelentes observações.

    Eu só mudaria um trecho do texto da Sally: a ciência não se elitizou, ela já nasceu elitizada e é assim até hoje. E falo isso como cientista.

  • sdfjyukijuygdcvgtnykimutjbhgt

    O coronavírus impulsionou o brasileiro fazer o que faz de melhor: OPINAR COM PROPRIEDADE SOBRE O QUE DESCONHECE.

  • Burrice
    Coronavírus
    Ignorância
    Religião
    Mandarei o e-mail falando q o ser humano precisa ser extinto. Pior q os idiotas atrapalham até nisso.

  • Bonoro já arregou e fechou os aeroportos pra voos internacionais, o Brasil tem esse lag em relação aos outros países, embora esse lag esteja cada vez mais curto…

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