A verdade está… em algum lugar.

O Pentágono divulgou três novos vídeos de objetos voadores não identificados no final de abril. Quer dizer, novos em termos, já que os três já tinham sido vazados em 2007 e 2017. A justificativa dos americanos era tirar quaisquer dúvidas sobre a veracidade dos vídeos. Mas, a chancela do Pentágono quer dizer alguma coisa? Estariam os E.T.s confirmados?

Nas últimas décadas, começou um movimento de governos para liberar vídeos dessas aparições inexplicáveis, especialmente nos EUA. Não eram novidade alguma, afinal, milhares deles já eram trocados em fitas VHS pelos ufólogos, e com a chegada da internet de alta velocidade, a imensa maioria está disponível a um clique de distância no YouTube e outros sites de vídeos.

O elemento principal aqui é que governos vão ficando cada vez mais transparentes sobre o material que acumulam sobre o tema. No Brasil, basta ir até o Arquivo Nacional (ou visitar o site) para ter acesso a centenas de relatos diferentes sobre Ovnis, coletados desde 1952. É parte do “inconsciente coletivo” a ideia de que os governos estão escondendo o que sabem sobre Ovnis e por tabela, alienígenas, mas é bem mais provável que não estejam muito à frente de ufólogos particulares.

Certeza? Não, nenhuma. Pode ser que exista uma base secreta americana onde cientistas tomam café com homenzinhos verdes toda manhã, mas não é exatamente um cenário provável. O que começa a fazer muito mais sentido com o ritmo maior de liberação de conteúdo de Ovnis pelos governos é que mesmo os militares mais poderosos do mundo não conseguem achar uma boa resposta para esses vídeos, fotos e relatos.

Meu ponto é que boa parte da era onde as pessoas eram capazes de filmar e fotografar esses eventos aconteceu debaixo da Guerra Fria. Com EUA e URSS numa disputa constante por avanços tecnológicos militares, fazia sentido presumir que qualquer Ovni poderia ser tecnologia de ponta própria ou do adversário. Nesse contexto, o caminho mais seguro era controlar a informação o máximo possível, para proteger um projeto nacional de olhos curiosos ou para tentar entender o que o inimigo estava fazendo sem assustar a população.

Podia muito bem não ser um avião experimental próprio ou dos inimigos, mas era um risco que não queriam correr. E talvez essa minha insistência de falar de equipamentos próprios esteja te deixando estranhado: por questões de segurança e para reduzir a eficácia da espionagem, projetos secretos só eram conhecidos por aqueles que estavam trabalhando diretamente nele ou as mais altas autoridades do país. Todo mundo vivia muito mais no escuro naquela época. Então, qualquer Ovni era um risco nos dois sentidos.

No sentido oposto, era uma péssima ideia deixar as pessoas do seu país preocupadas com uma suposta tecnologia inimiga tão avançada. A Guerra Fria tinha um elemento psicológico poderoso: a tecnologia era sinônimo de sucesso da sua ideologia e propaganda importante para angariar aliados. Aliás, o psicológico era tão importante que nossa visão de alienígenas na ficção é altamente influenciada pela propaganda nacionalista da Guerra Fria. Seres estranhos vindo de fora para destruir o seu povo? É o tipo da mentalidade que americanos e soviéticos achavam interessante manter. Até por isso a ficção científica espacial depois do final desse período foi se modificando para algo menos bélico: o clima do mundo mudou.

Hoje em dia é mais fácil dizer que ninguém viajaria trilhões de quilômetros para vir atirar em macacos pelados que mal conseguem visitar sua lua. E que se alguma espécie alienígena realmente quisesse acabar com a humanidade, o simples fato de ter tecnologia para chegar até aqui quer dizer que não teríamos nenhuma chance de escapar. Eliminar a vida de um planeta é relativamente simples se você consegue viajar entre estrelas. Seja com um laser redirecionado de uma estrela ou mesmo com um monte de barras de metal denso aceleradas a velocidades relativísticas, pouco ou nada podemos fazer para escapar de um desejo genocida vindo de fora. A regra da guerra no espaço é clara: se você consegue chegar no planeta do inimigo e o inimigo não consegue chegar no seu, você sempre vence.

Todo esse papo é para estabelecer que qualquer mentalidade bélica que você tenha em relação a Ovnis, ela é pesadamente influenciada pela ficção de um tempo onde o mundo estava dividido ideologicamente entre dois países que se ameaçavam constantemente. E considerando que nenhuma das tecnologias supostamente presentes nos Ovnis chegou até o mercado nos dias atuais, é um bom sinal de que também não foram criados pelos nossos cientistas. Cada um dos avanços militares do último século deu um jeito de aparecer para o “mundo civil”. Tecnologias de transporte, materiais especiais, computação… não é como se algum segredo militar tecnológico disponível nos anos 50 ainda fosse segredo atualmente. Mesmo os segredos da bomba atômica acabaram vazando. Não ia ser um sistema de propulsão que escaparia, não?

Então, o que são esses objetos voadores não identificados? Muita gente vai se animar para dar essa resposta, mas com certeza estão presumindo muito mais do que deveriam. Se o Pentágono está soltando esses vídeos, fica claro que lá dentro não conseguiram resolver o problema. Para uma entidade como essa, não é muito lisonjeira a ideia de que não sabem explicar alguma coisa, especialmente uma que voa ao lado de seus aviões militares fazendo-os parecerem brinquedos. Se um desses objetos fizer algo que o maior exército do mundo não gostar, os vídeos nos indicam que não haveria nada o que fazer em retaliação. E se eu pensei nisso agora, eles pensaram também.

Não faz sentido dar chancela oficial para esses vídeos de um ponto de vista puramente militar. Mas faz muito sentido se você esgotou suas capacidades de compreensão do acontecimento: gerar interesse num assunto significa adicionar milhares, talvez milhões de mentes ao problema. Isso não é transparência, isso é uma última alternativa. É melhor tentar saber o que está acontecendo do que morrer com um segredo. E com diversos governos ao redor do mundo chegando à mesma conclusão, posso prever que vamos ver mais e mais relatos aparecendo nos anos a seguir.

E aqui, é importante ressaltar algo: tem gente debruçada sobre essa informação há décadas. Mais ou menos o que eu estabeleci naquele texto sobre tempo da semana passada, a ideia de que você dificilmente vai pensar em algo que ninguém mais pensou. Não é para desencorajar, é só para dizer que tem muito material disponível na área e que ninguém precisa começar do zero.

A hipótese de ser tecnologia secreta de algum ou vários países pode ser colocada em baixa prioridade com alguma segurança: esse tipo de coisa não consegue ficar em segredo tanto tempo, e se quem tem espiões ao redor do mundo não consegue quebrar esse código, é bem provável que não seja mesmo algo desenvolvido por nenhum programa militar. Tem muita teoria da conspiração sobre o tema, inclusive gente dizendo que os nazistas tinham discos voadores e a base ficava na Antártida. Não sei se dá para perder uma guerra se você tem discos voadores… ainda mais considerando que a Alemanha nazista chegou no ponto sem retorno quando sua força aérea foi destruída. Russos e americanos com certeza não têm essa tecnologia. Fizeram alarde de coisas muito menores durante a Guerra Fria, e se com a queda da União Soviética esses segredos não vazaram, é porque não tinha segredo mesmo.

Claro, se você souber de algo que ninguém mais sabe nesse sentido, força para você, mas não é um caminho muito frutífero em geral. Lembrando que o Pentágono liberou e confirmou os vídeos… sempre importante ressaltar.

Alienígenas? Essa parece a teoria mais comum sobre Ovnis. Com certeza resolve todos os problemas sobre tecnologia e segredo. Faz sentido nos anos 50 do século passado e em 2020 também. Afinal, nenhuma obrigação dos aliens de depender do estado da tecnologia humana a cada momento. Por incrível que pareça, é até mais plausível que a hipótese de aviões experimentais terrestres. O problema dessa ideia é que depende de alguns saltos lógicos pra lá de complicados: para aceitar que Ovnis são de origem extraterrestre, você tem que acreditar em vida extraterrestre inteligente e extremamente avançada tecnologicamente. O que nem de longe é impossível, mas exige um pouco de… fé.

Eu já escrevi diversas vezes sobre um grau saudável de ceticismo sobre alienígenas, por isso vou manter bem resumido aqui: as evidências não são muito mais sólidas que as envolvendo fantasmas. A ideia por trás exige menos pensamento esotérico, com certeza, mas na prática, se eles existem sabem se esconder bem o suficiente para não virar certeza científica. E mesmo que você, assim como eu, duvide da probabilidade de só existir uma forma de vida inteligente no universo todo, ainda temos toda a questão de chegar até aqui. O universo é grande e a velocidade da luz lenta em comparação. Se existirem mais um milhão de espécies inteligentes no universo, ainda sim é bem complicado saber da existência de outras e ainda mais fazer uma visita.

Novamente: quer seguir essa linha de pensamento? Tomara que você ache muitas evidências sólidas, torço muito por você, mas… é um caminho complicado.

Existe também a teoria que são humanos vindos do futuro, viajantes temporais. O que em tese explica muita coisa, assim como no caso dos aliens, mas coloca ainda mais presunções complexas no seu caminho. Viagem no tempo tem que ser possível, tem que ser independente da criação da primeira máquina (não temos uma atualmente), e o ser humano do futuro tem que ter um grau de autocontrole incrível em comparação com o atual. Se a gente hoje pudesse viajar no tempo para semana passada, milhões já teriam feito esse caminho e bagunçado tudo se revelando. Eu deixaria essa hipótese em menos destaque que as de alienígenas, por enquanto.

O que nos leva para as explicações mais prováveis atuais, e paradoxalmente, as que menos convencem o cidadão médio: Ovnis são fenômenos meteorológicos pouco estudados e/ou falhas nos sistemas de captação de imagem (e som às vezes). É bem complicado imaginar que todos sejam isso, não? Se eu te dissesse que pelo menos 10% deles eram fenômenos meteorológicos ou problemas nas câmeras, eu tenho certeza que você aceitaria numa boa, mas… 100%? Aí é forçar a amizade.

E eu concordo, em termos… é muito improvável que todos sejam isso. Tem que ser uma sequência inacreditável de coincidências para explicar todos os Ovnis com essas ideias mais mundanas. Mas, será que estamos enxergando a cena completa aqui? E se ao invés de você imaginar que 100% dos vídeos de Ovnis são fenômenos naturais ou falhas técnicas, você imaginar que captação de imagens de Ovnis são 0,000000000001% de todos os vídeos captados do céu?

Se você pegar uma câmera e apontar para o céu ou se você colocar uma câmera de bordo num avião, qual a chance de você captar um Ovni? Eu te garanto que na absoluta maioria das vezes você só vai filmar o céu, sem nada de estranho. É muito provável que você faça isso todos os dias da sua vida e nunca capte uma cena dessas.

Se você contar todos os vídeos feitos do céu, a parcela de Ovnis captados fica tão pequena que se eu te disser que podem ter sido algo natural desconhecido pela pessoa ou um problema da câmera fica bem mais fácil considerar, não? Importante ressaltar que eu não estou “resolvendo o mistério” aqui, não quer dizer que é certeza que Ovnis são fenômenos meteorológicos (vistos ao vivo ou na câmera) ou problemas de câmera, só quero te dizer que é a opção mais aceita pela comunidade científica por um motivo. Não é que estão querendo te esconder alguma coisa, é que faz sentido mesmo, muito mais do que você presumiria sem entender a lógica da probabilidade.

É a hipótese mais lógica atualmente. Mas não lógica o suficiente para desistir do estudo, tanto que para ter mais segurança mesmo, entidades governamentais vão soltando mais e mais desses materiais para o consumo público, na esperança que talvez tenha uma explicação melhor, ou no mínimo, aumentar a discussão sobre o assunto para que mais gente seja exposta à visão científica vigente sobre o tema.

Podem ser aliens? Sempre pode. Mas hoje em dia, ainda não é.

Para me chamar de chato, para dizer que os aliens criaram o coronavírus (fariam algo melhor), ou mesmo para dizer que a verdade está aqui óóóó!: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Isso pra mim é pra desviar a atenção a incompetência do governo americano da pandemia, e deixar as pessoas mais misticas e anticiência do que já vinham fazendo.

    • Sabe porque eu acho essa hipótese improvável? Pela incompetência. Precisa de muita gente capaz e bem organizada até mesmo para encobrir trabalho mal feito. Incompetente raiz faz merda e se orgulha disso.

  • Nem com as provas vc acredita na gente, menino mau? Vou arranhar a sua janela hoje de madrugada! Me aguarde…

    • Não é uma opinião, é um fato.

      Da minha parte, não acho que existam extraterrestres. Talvez alguns microrganismos, mas seres inteligentes de anatomia complexa semelhantes a humanos, não.

      • A probabilidade de “seres inteligentes de anatomia complexa semelhantes a humanos” é realmente ínfima, praticamente impossível, tendo em vista o descomunal número de variáveis do processo do desenvolvimento do Planeta e da evolução das espécies. Mas no campo da suposição e levando em conta a dimensão do Universo, “seres inteligentes de anatomia complexa” tem probabilidade um pouco maior. Acho que já foi discutida por aqui a tendência de assimilação anatômica de extraterrestres aos humanos.
        Apenas uma especulação, claro.
        E sim, é escapismo.

        • Estudar formigas é escapismo? Tentar descobrir se energia escura existe mesmo é escapismo? Baixa relevância para a vida cotidiana e/ou análise de meras hipóteses nem sempre é um desejo de não ter interações sociais.

          Eu acho importante separar quem vive fantasias cósmicas onde é especial ao ponto de ser visitado por homenzinhos verdes de gente que realmente tem interesse e pesquisa o tema. Não acho que seja o tema, e sim a pessoa.

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