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A Revolta da Máscara

A Revolta da Máscara

| Desfavor | | 34 comentários em A Revolta da Máscara

Fúria e descontrole tomou posse de um cliente dentro de uma lanchonete, quando é cobrado para cumprir as determinações de combate ao covid-19. Um funcionário da rede McDonald’s em Hong Kong (China) foi atacado na terça-feira por um cliente que pediu para ele cobrir a boca e o nariz com uma máscara. LINK


Uma agente da polícia norte-americana atingiu mortalmente a tiro o suspeito de esfaquear um cliente num supermercado, depois de uma discussão sobre o uso de máscaras de proteção. LINK


Um motorista de ônibus francês que foi agredido por passageiros depois de pedir que usassem a máscara para respeitar as normas de luta contra o coronavírus, faleceu na sexta-feira (10), informou a família. LINK


Casos do tipo começam a se acumular ao redor do mundo. Seria a insanidade normal do ser humano ou tem algo de novo aqui? Desfavor da semana.

SALLY

Por todo o mundo estão ocorrendo episódios lamentáveis de pessoas que se recusam a usar máscaras e se sentem no direito de agredir quem as adverte a esse respeito. É apenas mais uma face do negacionismo, mas nos levou a refletir sobre a Big Picture. Como foi que chegamos a este ponto de ignorância? Temos uma teoria, e ela é o Desfavor da Semana.

No período pré-internet, só tinha voz aquele que possuía uma qualificação inquestionável. Apenas os melhores de cada profissão detinham o privilégio de falar ao público. Havia meia dúzia de jornais, meia dúzia de emissoras de televisão e meia dúzia de emissoras de rádio com grande alcance. Quando eles convidavam algum especialista, só abriam o microfone para quem tinha conhecimento e destaque na sua área.

O Zé Cu Brasileirinho provavelmente falava suas merdas, seus achismos, suas teorias vergonhosas na mesa de bar, com outros Zé Cus, e a coisa morria ali. Essas pessoas não tinham voz, o que era extremamente saudável, pois poupava uma população que, em sua maioria, não tem discernimento para separar uma imbecilidade de uma informação confiável.

O sistema protegia os ignorantes. Seria a minha escolha? Não, eu acho mais enriquecedor viver em um mundo onde todos tenham voz, mas para isso, não podem ser símios retardados.

Em países civilizados, as pessoas foram educadas, capacitadas, conscientizadas e depois veio a internet, dando voz a todos. Quando a educação vem antes da democratização, é tudo lindo: muitas pessoas capazes passam a ter voz e somam esforços em uma rede que as une, criando coisas maravilhosas através da junção de suas ideias.

No Brasil, a democratização veio antes da educação, portanto o que vemos é uma enxurrada de chorume, de achismos irresponsáveis danosos à sociedade e, pior de tudo, uma forma dos Zé Cus Desempoderados se unirem contra aqueles que nunca lhes permitiram ter voz. Sim, tem um componente emocional muito forte aqui.

Quando você dá microfone a um idiota, permite que reverbere sua fala, atraindo mais e mais idiotas. E no Brasil, assim como em muitos países do mundo, eles são maioria. E agora estão unidos. E gritam alto, entrando na mente dos incautos. Isso, por si só já seria muito nocivo, mas calma, piora.

Não tem animal mais recalcado do que desempoderado. Seja pelo motivo que for: corpo que não atrai as mulheres, burrice, baixa renda ou qualquer outra condição que faça a pessoa se sentir inferior. Percebam que a pessoa não é inferior, mas ela se sente inferior. Isso acaba criando uma raiva, um rancor, um sentimento ruim, que faz nascer aquela conhecida vontade de passar de oprimido para opressor.

Assim surgiram os terraplanistas. Mas a coisa não vai parar por aí, não é um movimento pontual discutindo sobre o formato da Terra, está se mostrando um modo de funcionar. O terraplanismo pode ser aplicado a tudo: quando um achismo ignorante e já refutado é alçado à categoria de hipótese válida e encontra seguidores. Provavelmente vão criar uma palavra para isso em breve.

Estamos entrando na era do terraplanismo generalizado, por assim dizer, enquanto não criam um termo para a situação. Todas essas pessoas às quais a ciência elitista deu às costas, enquanto vivia de pompa, termos difíceis e títulos acadêmicos, está dando as costas à ciência, com muita mágoa e rancor. E, repito, eles são maioria. São capazes de fazer suas imbecilidades ecoarem para um público.

Em um país com uma boa educação pública, com mentes pensantes, essas pessoas apenas passariam vergonha ou seriam vistos como malucos (de verdade, na Alemanha internaram negacionista da pandemia em clínica psiquiátrica). Porém em países como o Brasil (e muitos outros) eles encontram uma grande massa de desempoderados igualmente ignorantes, aos quais a ciência não alcança e os quais preferem uma resposta simples, uma certeza absoluta agradável de escutar, que promove segurança e que é compreendida.

Então, temos um terreno fértil para que todas as teorias da conspiração, achismos e imbecilidades no geral prosperem. Idiotas com um microfone na mão + uma plateia crédula, carente, desempoderada, ávida por conseguir compreender e ter certezas.

Até aqui, muita gente pensava “azar o deles, que arquem com as consequências de sua burrice”. Só que existem muitas situações onde dependemos da colaboração de todos para um bom desfecho, como é o caso da pandemia. E aí? Azar o de todo mundo, principalmente de quem vive em um país se símios incapazes entender não apenas a necessidade, como também a forma correta de se usar uma máscara.

Essa coisa do MEU direito, do MEU querer, não existe em uma pandemia, nem em qualquer evento onde a conduta de um afete a coletividade. Essa semana vi um comediante americano ressaltar um ponto interessante: na 2ª Guerra Mundial, pessoas que viviam em cidades que estavam sob risco de bombardeio tinham que apagar todas as luzes à noite, para dificultar a visão dos pilotos dos aviões que jogavam as bombas. Se estivesse tudo escuro, frequentemente eles erravam o alvo ou sequer bombardeavam.

Na época ninguém disse “é MEU direito deixar a luz acesa, nem o Estado nem meus vizinhos podem me obrigar a apagar a luz” (se fosse no Brasil, certamente veríamos uns abençoados fazendo isso). Segundo o comediante, o mesmo valeria para máscaras: não é seu direito não usar quando o seu não usar pode matar outras pessoas ou colocar outras pessoas em risco. Assim como não é seu direito beber e dirigir ou qualquer outra conduta que coloque em risco a coletividade.

E se você não compreende o que causa e o que não causa risco de vida à sociedade, bem, desculpe, mas você tem que ser afastado do convívio social, pois é um perigo para si mesmo e para terceiros. Se amanhã surgir uma pessoa dizendo que beber e dirigir não promove qualquer risco, que vai fazer sim, que dirige tão bem bêbada quanto sóbria, duvido que ela não seja responsabilidade por esse discurso.

Nos tempos atuais, não são apenas atos que ceifam vidas. Quando se tem uma audiência de Tonhos da Lua que compram qualquer bosta que escutem, também é uma forma de ceifar vidas falar merda: pilhar as pessoas para não tomarem uma vacina se ela vier da China, dizer que mastigar alho previne covid-19, dizer que Cloroquina funciona, que o vírus não existe… tudo isso, para uma audiência incauta, gera danos sociais gravíssimos, podendo gerar, inclusive, mortes.

No caso, a parte das mortes já está acontecendo. Pessoas que participam de grupos, fóruns ou qualquer outro meio onde é difundido que máscara não funciona, que covid-19 não existe e que o Estado não pode te obrigar a usar máscaras já estão gerando mortes, por omissão ou por ação.

Por omissão quando saem às ruas sem máscara e contaminam alguém, por ação, quando fazem valer seu “direito de não usar máscaras” na base da violência. Já vimos funcionário que apenas estavam cumprindo seu papel apanhando até ter morte cerebral por tentar exigir que o outro faça a coisa decente para preservar a vida de todos. Já vimos um senhor de 77 anos ser morto a facadas por pedir que pessoa no mesmo estabelecimento comercial que ele use máscara.

Percebem o componente emocional que há nessa reação? Matar a facadas um senhor de 77 anos que te pediu para usar máscara não é uma reação normal. Tem uma fúria muito represada aí, típica dos rejeitados. Um rejeitado, quando sente uma nova rejeição, surta.

A gente vê isso em menor escala aqui nos comentários o tempo todo. Pessoas bem resolvidas, com autoestima, com uma família estruturada, com cultura e que receberam o devido estímulo intelectual desde a primeira infância vem aqui de boas discordar. E a conversa flui. Você percebe que não é uma pessoa da sarjeta, desempoderada, insegura. Mas, quando os desempoderados deixam comentário… rapaz, é típico. Parece até um corta-cola um do outro de tão similar.

As certezas, a raiva, a agressividade, o confronto… parece escrito sempre pela mesma pessoa, e quando você vai verificar, não é. Dá pena por um lado, pois você imagina quão merda é a vida da pessoa para ela perder seu tempo e vir destilar toda sua insegurança e ressentimento em dois estranhos, mas também chama a atenção o grau de fodelança mental, o tanto de dor e rejeição que tem represada nessa pessoa, que faz ela ter que ir no quintal alheio jogar seu lixo.

Gente rejeitada, gente inferiorizada, gente que não recebeu amor suficiente é um perigo: geralmente atacam só a si mesmos, mas quando alguém as faz reviver a rejeição (ex: pede para colocar máscaras, deixando claro que não é um bom garoto), aquele trauma todo emerge e a reação fica doentia.

Estão fabricando esses maluquinhos americanos que surtam depois de muita exclusão. E o pior: eles têm voz, portanto, podem cooptar mais maluquinhos rejeitados e ficar remoendo essa rejeição. É hora de o Brasil pensar com muito carinho em desligar o microfone desses retardadinhos, assim como a gente faz por aqui.

Não, não estamos falando de censura. Desfavor é um ambiente privado, a gente puxa o plug do microfone mesmo, mas enquanto Estado, isso é mais complicado. Se desliga o microfone de forma democrática responsabilizando civil e criminalmente por cada fala nociva.

Sei que parece complicado, mas não é, basta ter coragem. Dedica um ano a isso, a caçar com afinco, prender e não soltar quem, por qualquer fala, causa tal dano social de tal porte que possa ser enquadrado como crime. Em poucos meses os desempoderados se calam, eu prometo. São covardes, são medrosinhos, quando você chega neles ao vivo, se cagam nas calças. Na cadeia a trajetória deles não vai ser muito… feliz.

Não sei se isso vai acontecer ou não, mas te convido a você fazer a sua parte para tentar reduzir esse desfavor: não dê voz a maluco. Não conteste, não replique (mesmo que seja para jogar na fogueira), não dê voz. Os desempoderados vão espernear, vão dizer que você não tem argumentos, que você não teve coragem, que é censura e outras respostas prontas. Deixem que esperneiem, com o plug do microfone desligado, ninguém vai escutar.

Para dizer que prefere colocar limites deitando na porrada, para dizer que vai fazer sua parte e não dar microfone para os terraplanistas generalizados ou ainda para dizer que que viver em países decentes como a Alemanha, onde internam em clínica psiquiátrica negacionista da pandemia: sally@desfavor.com

SOMIR

A era de internet veio jogar luz em coisas que simplesmente não víamos antes. E não era a necessidade de atenção e validação pessoal pela opinião alheia, isso todo mundo já sabia que fazia parte do pacote humano. Nem mesmo toda essa raiva que é cuspida em redes sociais todos os dias, duvido que alguém acreditasse que éramos bonzinhos antes dessas plataformas digitais. Na verdade, a maior revelação da internet foi a profundidade abissal da ignorância do cidadão médio.

Nem estou falando de burrice agora, é ignorância pura mesmo: não é como se a pessoa tivesse a informação e a usasse de forma errada, é que não tinha nada lá para começo de conversa em diversas áreas do conhecimento humano. Há uns 20 anos atrás, qualquer cientista te diria que provavelmente a maioria da humanidade entendia que a Terra era redonda. Talvez alguns pobres coitados que nunca tiveram acesso à educação ou fanáticos religiosos, mas não a maioria. Todo mundo viu as fotos, os desenhos, era parte da cultura compartilhada humana.

Imagine só a surpresa dessa gente quando o terraplanismo começa a ganhar mais e mais adeptos. E entre eles, gente que não se encaixava na categoria de miseráveis abandonados pela sociedade ou pessoas que sofreram lavagem cerebral religiosa. Tem terraplanista com curso superior completo, com dinheiro e acesso à informação e que não é necessariamente um fanático religioso. O que aconteceu? Como isso era possível?

Mas antes mesmo que pudéssemos lidar com esse tema em específico, o movimento antivacina começou a ganhar força. Logo depois, conspirações corriam soltas, o nazismo foi voltando, o comunismo também… alguém abriu a Caixa de Pandora da insanidade humana, e a cada dia que passa mais e mais pessoas começaram a se assumir defensoras de ideias que pareciam erradicadas há muitos anos. Ideias que podiam ser facilmente provadas como falsas, mas que não paravam de ganhar adeptos. Aposto que tem muita gente muito confusa sobre o que diabos aconteceu nessas últimas décadas, culpando a internet em linhas gerais, mas sem saber onde as coisas deram tão errado.

E pior, sem saber como controlar esse movimento. Eu acredito que consegui ligar os pontos, e tenho muito a agradecer à Sally por isso: durante muitos anos, nós discutimos sobre um ponto que nos dividia, o elitismo intelectual. Embora eu tenha chegado sozinho à conclusão que ficar procurando pedestais para me colocar não tornava minha vida mais feliz, quem plantou a semente da subversão ao culto do intelectualismo na minha cabeça foi ela. Mesmo não sendo um processo consciente, eu fazia questão de me isolar do resto das pessoas com um senso de superioridade intelectual que respondia qualquer dúvida com um “você é burro!”. Era usar conhecimento como um muro, o meu momento “cidadão não, engenheiro civil!”.

Foi uma discussão longa que eu finalmente perdi. E fiquei muito feliz em perder: essa realização rapidamente me gerou frutos. Não só a relação com outras pessoas melhorou como eu percebi que derrubar esse muro acelerava o processo de desenvolvimento intelectual de todo mundo ao meu redor. E, juro, numa velocidade que eu nem julgava possível. E, evidente, é uma via de mão dupla: abrir essa via de comunicação e estender a mão para quem não tem o mesmo grau de conhecimento sobre qualquer assunto que você tem vai cobrindo diversas lacunas na capacidade intelectual.

E pelo visto, isso aconteceu em escala global, há muito mais tempo do que eu estou nesse mundo: formou-se uma presunção de que as pessoas deveriam saber algumas coisas ou seriam burras. E antes da internet, essa maioria que só tinha decorado que a Terra era redonda e que vacinas funcionavam jogavam junto com essa arrogância intelectualista. Nem entravam no assunto, porque na vida real, só quem dava atenção para elas eram pessoas próximas que provavelmente tinham o mesmo grau de conhecimento sobre as coisas.

A bomba que a internet jogou na sociedade e que vamos ter que lidar por décadas ou séculos ainda é que adultos precisam continuar estudando. A partir do momento que a maior parte da população humana é chamada para participar de algo, ela tem que ser preparada para isso. O adulto pré-internet tinha um impacto limitado, não muito diferente de uma criança. Quem detinha o conhecimento falava, quem não fingia que escutava. Hoje a lógica mudou: todo mundo fala. E se todo mundo fala, a lacuna de conhecimento fica explícita. Tão explícita que esse povo ignorante finalmente percebe que é a maioria.

Prestem atenção no mundo: esquerda e direita parecem concordar num só tema, o de destruir o que já existe para colocar outra coisa no lugar. As explicações de antes – que aparentemente nunca entenderam – não servem mais. Estamos vendo a revolução dos “descamisados intelectuais”. É gente burra que quer acabar com universidades para evitar doutrinação ideológica, é gente burra que vai derrubar estátuas em praças. Gente que não entende como o mundo funciona agora, que foi menosprezada por séculos pela sua incapacidade de compreender a ciência e as estruturas sociais que montamos a duras penas. Quando a internet deu voz para elas, o processo começou. O terraplanismo foi o aviso. Eu posso até considerar que as teorias do 11 de Setembro foram o primeiro movimento dessa ignorância coletiva ganhando voz, mas a internet ainda era pequena demais.

O que nos traz até aqui: adultos que foram abandonados intelectualmente tendo a plataforma criada pela internet e finalmente insurgindo numa revolta contra o conhecimento estabelecido. Nesses casos, não é exatamente sobre o tema que gera a fúria desse povo, é sobre a ideia geral de não serem mais taxados de imbecis ou inúteis por quem tem a capacidade de ensinar, mas não se esforça por isso.

A máscara é uma alegoria perfeita para esse sentimento: algo que eles não conseguem entender por que é importante, mas que é imposta pela sociedade. E como tem mais gente confusa berrando nas redes sociais com explicações absurdas, mas muito mais palatáveis sobre dominação global ou algo do tipo, o simples fato de pedir para essa pessoa usar máscara acorda anos, talvez décadas de raiva reprimida por ninguém ter se dado ao trabalho de ensiná-la sobre ciência e funcionamento da sociedade até aqui.

Adultos são intelectualmente abandonados há muito tempo. A internet veio cobrar essa conta. Não adianta querer lutar no mesmo campo dos conspiradores e dos negacionistas, eles usam palavras menores e apelam para o emocional de gente negligenciada intelectualmente. Eles se juntam em bandos e berram, assim como a turma da lacração. Essa gente precisa ser responsabilizada pelas merdas que fala, censura nunca, pagar pelo o que escolhe fazer, sempre.

Mas, se você tem uma pessoa querida por perto que parece muito confusa sobre o tema, gaste um tempinho da sua vida para explicar as coisas para ela, com calma. Sempre que puder, tire uma pessoa próxima de um buraco de ignorância, até porque uma dia desses é certeza que você vai precisar do favor de volta. Quando eu precisei, ainda bem que a Sally estava lá. Ninguém é inteligente sozinho.

E use a máscara. É um hábito comum em países asiáticos há sabe-se lá quanto tempo, não é novidade nenhuma no mundo.

Para dizer que eu não consigo não soar pedante, para dizer que agora nada faz sentido, ou mesmo para dizer que malucos serão malucos: somir@desfavor.com


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