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Sem pai nem mãe.

Sem pai nem mãe.

| Desfavor | | 35 comentários em Sem pai nem mãe.

A grande repercussão da campanha de Dia dos Pais da Natura nas redes sociais, incluindo muitas críticas, não atrapalhou o entusiasmo do mercado em relação à companhia. (…) As ações ordinárias da fabricante de cosméticos operaram em alta durante toda a quarta-feira, 29, e terminaram o pregão com avanço de 6,73%, o maior do Ibovespa, enquanto o principal índice do mercado brasileiro subiu 1,44%. LINK


Enquanto todo mundo se mata, a Natura ri. A profissionalização da polêmica já é uma realidade. Desfavor da semana.

SALLY

Guardem uma coisa para a vida: empresa alguma quer um mundo melhor, empresa quer lucro e faz o que for preciso para conseguir lucro. Inclusive fingir que quer um mundo melhor.

Dá para fazer muita canalhice revestida de boas ações ou de inclusão. Só um olhar mais atento acaba percebendo o saldo final de uma publicidade, principalmente quando ela se torna um verdadeiro esmerdeio, como foi o caso da Natura. O que muita gente vê como uma luta por um mundo melhor, a gente vê como uma baita palhaçada que faz mal à publicidade e ao país.

Pela forma como fez e conduziu a campanha, a Natura provocou, de forma premeditada, calculada e coreografada um grande rebosteio que respingou em todo mundo, menos na Natura. Nada é por acaso em publicidade, essas coisas são planejadas. Senta-se em uma mesa de reunião se pergunta qual minoria é para jogar na fogueira naquela semana, para que apanhem de bolsonarista, avaliando seus pontos fracos, para pintar um alvo, de modo a que os conservadores batam. Não é inclusão, é aumentar sua visibilidade jogando pessoas aos leões.

Acho muito legal que Thammy tenha voz para falar de paternidade, mas a forma como a Natura o fez chega a ser caricata. Pega uma pessoa que sabe que vai ser alvo de hate, a expõe da forma que mais convém à empresa e depois assiste ao circo pegar fogo emitindo notinha do quanto a empresa quis ser inclusiva. SEU CU. Seu cu quis ser inclusivo. Isso é uma manipulação barata e o que mais me espanta é que os envolvidos não percebam que, apesar deles acharem que saem ganhando e construindo um mundo melhor, saem perdendo e desgastando sua imagem. Só a empresa ganha.

Assim que a Natura postou a ação com Thammy, uma chuva de hate invadiu a vida não apenas dela, mas como de sua parceira e até do seu belíssimo filho, um bebê que mais mainstream impossível: loiro, de olho claro e vestindo azul. Vocês tem noção de que estava hateando um bebê? Um bebê que não teve a escolha de estar ali? Será que alguma causa vale expor sua família e seu filho?

Evidentemente a mãe da Thammy, Gretchen, se meteu, afinal, deve ser enlouquecedor ver meio mundo detonando sua família de forma agressiva. A mesma Gretchen que, nas palavras da própria Thammy, deu uma surra na filha quando ela se assumiu lésbica, deveria saber que as pessoas têm tempos diferentes para aceitar algumas coisas. Mas, é compreensível ver o instinto de uma mãe/avó falar mais alto. Lá foi ela brigar também, assim como o pai de Thammy. Obviamente respingou na esposa/parceira de Thammy também.

Aí começaram a entrar terceiros. Por exemplo, o pastor Silas Malafaia obviamente foi lá tentar dar uma lacradinha para sua bolha e dizer suas habituais asneiras, pedindo boicote à marca. Podia morrer na escuridão e ninguém replicar as besteiras que ele falou? Podia.

Mas aí chegou o Rei do Biscoito para replicar bastante as falas do Pastor: Felipe Neto. Em 2017, Silas Malafaia falou alguma besteira habitual só que envolvendo a Disney. Felipe Neto se ofendeu, em nome da Disney. Ficou com tanta raivinha que disse que seria garoto-propaganda sem cobrar um centavo de qualquer marca que Malafaia boicote. A cara do Felipe Neto dar um piti desses pela Disney e não pela metade do país que não tem rede de esgoto.

Felipe Neto, que deveria estar desde 2017 apertando F5 nas redes sociais do Malafaia, quando viu o pedido de boicote, imediatamente se meteu na treta. Até se ofereceu para ser garoto-propaganda da Natura de graça (com essa pele, deporia contra a marca). O rebosteio continuou, e ainda continua. Cada vez mais pessoas entram no meio da pancadaria. Fala-se de tudo, menos dos produtos da Natura, e é essa a estratégia mesmo, pois são uma bela bosta.

Vocês acham que a vida de alguma dessas pessoas ficou melhor depois desse barraco, dessa pancadaria, dessa baixaria online? “Eu luto contra o prenconceito bla bla bla”. Não. Você luta em causa própria. Não se sobrepõe ao preconceito brigando, afrontando, esculhambando o outro. Já fizemos um texto sobre isso, não vou me repetir. Cada um ali estava fazendo seu personagem padrão, que conquistou a sua bolha. Parecem uma caricatura de si mesmos.

A publicidade brasileira se tornou uma Escolinha do Professor Raimundo, onde tem uma dúzia de tipinhos diferentes, caricaturas de pessoas, que sempre fazem e dizem as mesmas coisas: tem a gostosa que vive do corpo, tem o do contra, tem o religioso… Medíocre e ridículo. Por mais que cada um desses personagens ache que ganha alguma coisa (spoiler: mitar na sua bolha não é ganhar, é reforçar a bolha, a separação, e fazer do país um país pior e mais dividido), no final das contas todos são usados pela empresa.

Um aplauso da sua bolha vale tanto quanto dinheiro do Banco Imobiliário. O mundo não é uma bolha, o mundo não é composto por levantadores de bandeiras, eles são minoria. A maioria, que está preocupada em pagar as contas no fim do mês, não está nem aí para esse circo, muito pelo contrário, está de saco bem cheio. Assim, os caricatos vão performando achando que estão lacrando mas na verdade estão desgastando sua imagem e a empresa está enchendo o rabo de dinheiro.

Em troca de alimentar esses eguinhos frágeis que precisam estar o tempo todo levantando bandeiras e “lutando” por algo publicamente para receber aplausos de seus pares, a pessoa se queima, se desgasta e queima junto uma causa que era legítima, mas passa a ser vista como algo muito chato. Ainda aumentam a divisão, a polaridade, a rinha social que só ferra com o país. Além de ser uma tremenda palhaçada que não gera nada de bom, pois não se muda mentalidades antagonizando, ainda gera muita coisa nociva para os envolvidos e para o Brasil. Mas para a Natura, só gera lucro. E ainda surfa na onda de empresa inclusivona.

A culpa disso? É de todo mundo que dá palco, que incentiva, que comenta em redes sociais, gerando engajamento para uma marca merda como a Natura. Uma marca com preço de MAC mas com qualidade de Jequiti, que só consegue projeção assim, explorando deliberadamente polêmicas planejadas, fabricadas, programadas, mesmo que para isso tenham que meter no meio do esmerdeio um bebê que não teve o direito de escolher se queria estar lá. Não me admiraria se quem começou a polêmica fossem bots pagos pela própria Natura.

A culpa é inclusive de quem repete discurso inclusivo feito um papagaio quando lhe convém, mas quando não, o ignora. Chamar Thammy para campanha de dia dos pais? Super ok. Desde que se mantenha uma linha de coerência. Thammy é um homem trans, ou seja, nasceu em um corpo de mulher, mas se sente homem e, por isso, deve ser tratado como tal. Só que pau que dá em Chico dá em Francisco, então, se na campanha pelo dia da consciência negra botarem uma loira de olhos azuis que se sente negra, ninguém vai poder dar um pio, inclusive movimentos sociais. Experimenta fazer isso e dizer a movimentos negros que a pessoa tem que ser tratada conforme o que ela se sente.

A Natura já tentou posar de boa samaritana com apelo ecológico e não deu certo. A Natura teve que se sujeitar ao vexame de se fundir com a Avon (um degrau abaixo de Jequiti, batom que parece cera de vela colorida). Agora vai por essa linha da diversidade. Curioso como ao longo da jornada levantou bandeiras e as abandonou quando elas não se mostravam rentáveis.

Dica de quem trabalha na área: se uma empresa tentar te vender um produto com qualquer argumento que não seja o produto em si, corra. É sinal de que o produto não é bom o bastante para te fazer tirar dinheiro do bolso e gastar com ele.

Aos envolvidos em um rebosteio que expôs um bebê de colo, sejam ou autores, seja quem reverberou, meus mais sinceros pêsames se vocês acham que de alguma forma tornaram o mundo melhor.

Para dizer que pegou nojinho de mais uma empresa, para dizer que essa criança tinha zero chances de ter sua privacidade respeitada ou ainda para dizer que no dia dos animais as empresas deveriam celebrar com uma foto nossa: sally@desfavor.com

SOMIR

O ser humano é uma criatura de hábitos. O cérebro gosta de padrões, tanto que nossos neurônios naturalmente otimizam caminhos para os impulsos mais utilizados. Eventualmente, fica mais fácil pensar de um jeito do que de qualquer outro. E não precisamos reclamar disso: é excelente para reforçar boas estratégias de sobrevivência e economizar energia; mas não vem sem seus efeitos colaterais. Um deles é a estranha facilidade que temos para nos acostumar até mesmo com situações bizarras.

Se eu dissesse para alguém meros vinte anos atrás que existiria um mercado inteiro funcionando ao redor de polêmicas sobre gênero e orientação sexual girando bilhões por ano, a pessoa me acharia um maluco. Ainda mais se eu dissesse que progressistas e conservadores estariam bem alinhados no processo, cada um executando precisamente os passos de uma coreografia bem específica que serve aos interesses de ambos.

Marca lança uma peça de publicidade inclusiva, a crentolândia se ofende, a lacrolândia defende. Um, dois, três, vira… a dança já está decorada nos seus mínimos movimentos. As pessoas já sabem onde tem que posicionar, e talvez mais importante: sabem quando é hora de trocar a música. A polêmica envolvendo Thammy Miranda fatalmente vai terminar para dar lugar à próxima música nessa lista de reprodução. Descansar, talvez, parar de dançar, nunca.

Até porque onde se forma um mercado, pessoas começam a depender financeiramente de seu sucesso. Ninguém merece ouvir os impropérios que Thammy ouviu, muito menos sua família, mas é um reflexo de sua jornada como ser humano que eventualmente se tornou em profissão: de cantora seminua à atriz pornô à lésbica profissional à homem de polêmicas. Talvez você considere coragem aceitar se expor dessa forma para dar visibilidade à causa trans, mas mesmo que isso possa fazer parte do processo decisório, é importante lembrar que a profissão de Thammy é ser famoso. Profissão complicada, essa. A pessoa não é reconhecida por nada que faz, mas por ser quem é. E isso, como qualquer outra profissão, exige algum esforço para a manutenção.

Existe algo de nefasto na ideia de que Thammy provavelmente sabia que seria atacado junto com a família por gente muito escrota, mas mesmo assim não tinha uma alternativa viável para tocar a vida a não ser colocar mais combustível nessa chama. A Natura sabia disso, e tinha a desculpa perfeita para fingir que não estava pagando o cachê de uma polêmica para nos relembrar da sua marca: inclusividade. Pessoas tem caráter e limites, empresas nem tanto. Um comitê executivo vai cancelando as objeções éticas um do outro com racionalizações e desculpas até conseguir tomar a atitude mais lucrativa para os acionistas.

Com a decisão tomada, basta tornar sua campanha pública e esperar pelo resto dos participantes se juntarem à dança. Silas Malafaia, que apesar de parasitar os fiéis para ter uma fonte de renda, precisa se manter relevante e consistente para seus números não caírem com o passar do tempo, não perdeu tempo e executou seu passo na coreografia com perfeição, exigindo o boicote. Quem paga suas contas esperava isso dele. Felipe Neto, que apesar de parasitar as crianças para ter uma fonte de renda, precisa se manter relevante e consistente para seus números não caírem com o passar do tempo, entrou na batida exata da música defendendo a Natura.

Não deixa de ser impressionante a sincronia. Os envolvidos vão dançar enquanto o público prestar atenção, e vão sair do palco sob as palmas de seus fãs. Podem até não receber nada pela performance agora, mas ao manter seus espectadores fiéis entretidos, garantem a venda de ingressos de seus próximos shows. Thammy recebe o cachê para ficar no meio do palco, mas assim que as cortinas se fecham, já tem que começar a mandar currículo para uma próxima apresentação de polêmica. Não tá fácil pra ninguém.

A Natura, que organizou o espetáculo, começa a contabilizar os lucros. Se essa causa render bem, o comitê vai dar sinal verde para tentar mais vezes. Se for só um ganho momentâneo, bom… existem muitas causas para chamar de sua hoje em dia. Uma hora ou outra acertam, e se não acertarem, é só falir espetacularmente e deixar as dívidas para o governo. Depois de um certo tamanho, toda empresa é privada nos lucros e pública nos prejuízos.

Mas tem um problema nessa dança toda. Boa parte do público não aplaudiu nem vaiou, na verdade, estava distraído olhando para o celular. E quando levantavam os olhos, viam os mesmos passos de sempre tendo as mesmas reações de sempre. Um grupinho aplaudia, outro vaiava, e a maioria começa a ficar realmente de saco cheio de ver o mesmo show com caras diferentes, ano após ano. Talvez se eles entrarem para os fã-clubes, aquele povo parece realmente se empolgar com essa chatice.

Eu duvido que qualquer um dos envolvidos em mais uma apresentação de polêmica coreografada tenha a profundidade necessária para entender isso, mas no final das contas estão incentivando a sociedade a parar de prestar atenção ou se tornar radical para aproveitar mais o show. Ou você os deixa continuar radicalizando as pessoas sem consequências ou você se torna radical. Em ambos os casos, o doce dinheiro da polêmica continua fluindo, e azar de quem seja queimado no processo. Eu não caio mais nessa conversa de inclusividade: tolerância é péssima para os negócios de quem vive de polêmica. A Natura queria o público da lacração e não importava quem se queimasse nesse processo. Thammy aceitou apanhar no lugar da empresa pelo seu cachê, ele e todo mundo ao seu redor. Espero que tenha compensado.

Para me chamar de algofóbico, para dizer que Thammy é um nome muito gay, ou mesmo para dizer que aprendeu a nem ligar mais pra isso: somir@desfavor.com


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