O Ministério Público Federal investiga possíveis irregularidades na aplicação da CoronaVac na cidade de Manaus. (…) Outros 11 estados e o Distrito Federal estão apurando se funcionários públicos, políticos e empresários estão “furando fila” e recebendo as doses da CoronaVac, mesmo não sendo parte dos grupos prioritários. LINK


“Brasileiro” deveria ser considerado comorbidade. Desfavor da Semana.

SALLY

Lembra quando a gente falava que a vacina, por si só, não resolveria esta pandemia? Pois é, estamos vendo isso na prática.

Sempre tem o Fator Brasil: a incompetência, a corrupção, a falta de vergonha na cara, o desastre logístico, a falta de seriedade, a impontualidade, a incapacidade de planejamento e de antever que algo vai falhar, a falta de senso de sacrifício, a audição seletiva e a arrogância de achar que sabe mais do que especialistas. E, na primeira semana de vacinação, o Fator Brasil já falou mais alto.

Mesmo diante de todo o caos, mortes por falta de oxigênio, mortes por falta de leitos em hospitais, doentes graves transferidos para outros estados, a população de Manaus continua indo às ruas e se aglomerando. Desta vez não vale colocar a culpa em político, pois foi publicado um decreto proibindo a circulação de pessoas. Mesmo assim, mais de 50 pessoas foram presas em uma única noite, espalhadas por bares vendo jogo de futebol, aglomeradas e sem máscara.

Isso transcende político, partido ou questões ideológicas. Quem insiste em sair de forma desnecessária mesmo vendo as cenas de horror que aconteceram na semana passada tem merda na cabeça e o faria fosse quem fosse o Presidente: Lula, Bolsonaro, Silvio Santos ou Jesus Cristo.

Quem viu gente morrer por falta de oxigênio, sufocada, e vai pra rua aglomerar para ver jogo de futebol não tem a menor consciência de nada e não há líder, campanha ou conscientização que o salve. Quem sabe que não vai ter leito hospitalar se adoecer e mesmo assim se arrisca para ir a bar está fora do alcance de qualquer discussão racional.

O Fator Brasil começa pelo povo. Com um povo desses, tanto faz quem está na presidência, se tem ou não campanha de vacinação, explicar como prevenir o contágio, divulgar informações sobre lotação hospitalar… TANTO FAZ. São pessoas incapazes de entender, de escutar ou de fazer um sacrifício e mudar sua vida para algo que as desagrada.

Quem chega nesse ponto de arriscar a vida na atual situação de Manaus para ver um jogo de futebol, está fora do alcance de qualquer um: político, cientista ou ator que faz campanha de conscientização. Essa pessoa é impermeável, não entra nada, nem para o bem, bem para o mal. Ela vai seguir sua vida como ela quiser, não importa o que aconteça.

Eu gosto de acreditar que essas pessoas que expressam o Fator Brasil são minoria. Talvez não sejam. Provavelmente não sejam. Mas não importa, quando falamos de uma pandemia, uma minoria pode comprometer a vida de toda uma maioria que se cuida. Bastou um infectado para que cheguemos aonde chegamos. Então, o “Fator Brasil”, algo que estamos acostumados a desprezar dizendo “se fode aí”, agora afeta a todos.

Isso, por si só, mina qualquer ação exemplar do governo, qualquer campanha didática, qualquer plano impecável de prevenção e vacinação. Um povo que sofre do Fator Brasil vai sabotar qualquer estratégia que se crie, de um jeito ou de outro. Não se pode lutar contra isso, ao menos não em um país democrático, respeitando a constituição e as liberdades individuais.

Então, como eu digo desde o começo, o problema não está nos políticos, a base do problema está no povo. Os políticos são apenas um reflexo do problema, não o problema em si. Os políticos são um sintoma, a doença, meus amigos, é o brasileiro. E é importante que se entenda isso, para parar de lutar contra moinhos de vento: combater político não adianta nada, sai um entra outro igual ou pior. O que tem que mudar é o povo, e quando ele mudar, isso vai se refletir em seus políticos.

Hoje, o brasileiro merece uma campanha muito bem elaborada de vacinação? Merece que se gaste tempo, dinheiro e mentes pensantes em elaborar planos de prevenção e combate à covid? Merece altos planejamentos e estratégias? NÃO MERECE, pois certamente vai cagar tudo. Seria dar pérolas aos porcos.

Ninguém seguiria, ninguém respeitaria, todo mundo burlaria e reclamaria. Seria apenas perda de tempo. E não me refiro apenas a Manaus. As praias lotadas no Rio e no litoral de São Paulo, as festas lotadas em Santa Catarina e tantos outros exemplos do Fator Brasil mostram que o problema está na base e nada que se faça como medida de contenção vai resolver. Só resolve educando o povo.

Desapareceram 60.727 doses de vacinas enviadas a Manaus. Simplesmente desapareceram, ninguém sabe, ninguém viu. A gente já imaginava que isso iria acontecer, o que me choca é que o animal que desviou essas vacinas nem sequer sabe como elas funcionam: devem ser aplicadas em duas doses e o jumento desviou um número ímpar. Inception: é a incompetência dentro da incompetência. Um povo tão burro que nem sabe roubar.

Já começaram a sumir vacinas em outros estados também. Além de roubar vacina na mão grande, outras estratégias estão sendo utilizadas para burlar a prioridade na vacinação: carteirada, nomear funcionários fantasmas para cargos nas secretarias de saúde apenas para receberem a vacina, aplicação sem critérios imunizando médicos que não estão na linha de frente e deixando quem está na linha de frente desprotegido e muitas outras mutretas.

Como sempre, quem tiver contatos acaba conseguindo se vacinar primeiro e isso deixa descobertas as pessoas que estão na linha de frente, que realmente precisam da vacina. E nem digo isso para posar de boa samaritana, é de interesse da sociedade toda que as pessoas da linha de frente estejam saudáveis, assim a população tem médicos, enfermeiros e todo um staff para cuidar deles.

Não é tão difícil de entender: um médico morto ou fora de serviço é uma pessoa a menos para cuidar de você ou de sua família caso alguém adoeça. Preservar o pessoal da linha de frente é uma estratégia que convém a toda a sociedade. Mas o brasileiro médio parece ser incapaz de pensar no coletivo ou de pensar a longo prazo. Ele é aquela criança do experimento que prefere receber uma bala hoje do que cem balas amanhã. E tudo isso, meus amores, não depende de quem está no poder, é algo enraizado no povo brasileiro.

Enquanto isso, continua faltando oxigênio em Manaus, e essa falta de oxigênio está se espalhando. Já chegou ao Pará e ameaça afetar outros estados. Pelo visto, a comoção acabou, o brasileiro já se acostumou com gente morrendo sem leito e sufocada. O assunto da vez é o BBB. Essa conversa de brasileiro solidário e prestativo é mentira. O brasileiro é egoísta e vaidoso, só ajuda com as câmeras ligadas.

Repito: o problema principal é o povo. Com esse povo, não há nenhuma possibilidade de que qualquer estratégia dê certo. O que não quer dizer que o governo não esteja fazendo merdas homéricas e vergonhosas, está. Está fazendo o pior possível. Mas, se estivesse fazendo o melhor, não faria diferença. O Fator Brasil não permite que o país vá para frente, mesmo com o melhor dos governantes.

Ah, sim… a quem interessar possa, a Argentina, aquele país pintado como o mais fodido, está terminando de vacinar seus profissionais da saúde e, na próxima semana, começa a vacinar idosos e pessoas no grupo de risco. Não, a América Latina não é toda igual e os problemas que o Brasil tem não acontecem em todos os países.

Para dizer que não aguenta mais Desfavor da Semana sobre covid (nem a gente), para dizer que não aguenta mais o brasileiro (nem a gente) ou ainda para dizer que está cada vez mais propenso a começar a torcer pelo vírus: sally@desfavor.com

SOMIR

Uma forma comum dessa nova direita conspiratória lidar com as falhas óbvias de líderes como Trump e Bolsonaro é presumir que há um plano brilhante por trás de qualquer atitude, mesmo as mais desastradas. “Não foi burrice ou incapacidade, eles só queriam que as pessoas pensassem isso para poder avançar sua estratégia.”

Tem trumpista achando que o ex-presidente americano ainda está no controle e só deixou Biden assumir para distrair a elite satânica por tempo suficiente. Talvez por ser um tipo de pessoa muito propensa a ser religiosa, seja mais fácil se enganar dessa forma e enxergar uma espécie de plano divino que ninguém mais vê.

Se eu tivesse que seguir essa lógica para o Brasil, diria que Bolsonaro armou o plano perfeito: sabia que o brasileiro não ia responder aos pedidos do governo e que ia desconfiar da vacina, por isso deixou a situação ficar muito grave e impediu que o país tivesse um estoque muito grande dela no começo: assim que o brasileiro visse que a vacina seria um recurso escasso, o ímpeto de levar vantagem venceria qualquer negacionismo e o povo correria atrás das suas doses.

E nem seria complicado achar exemplos que corroborassem: das pessoas que já foram acusadas de furar fila, muitas negavam a doença, negavam a vacina ou não deram a mínima para as medidas de segurança esse tempo todo. Mas na hora que apareceu a oportunidade de furar uma fila, correram para se imunizar! O brasileiro parece ter orgulho de fazer coisa errada: nem precisou de investigação em muitos desses casos, a pessoa se deixou filmar ou registrou o momento para colocar na sua rede social, sorrindo feliz da vida.

É claro que eu não acredito que tenha tudo sido um plano do presidente para burlar a rebeldia desse povo a pensar no coletivo, mas não deixa de ser um comportamento previsível: negar a doença, criticar a vacina, não tomar cuidado nenhum por quase um ano e depois arrumar um esquema para tomar vacina antes de pessoas que precisam muito mais dela é um combo perfeito de satisfação pessoal egoísta de curto prazo.

A pessoa transforma o medo (que não tinha estrutura emocional para sentir) naquilo que for mais conveniente na hora. Quando é para se achar mais inteligente que os outros, a única pessoa sã numa multidão de malucos, dizem que a doença é uma bobagem ou uma armação de inimigos poderosos. Quando é para manter seu lazer e evitar qualquer sacrifício pessoal pelo bem coletivo, dizem que “estão tomando todos os cuidados” ao frequentar uma festa lotada ou se aglomerar na praia, tudo sem máscara.

E quando enxergam que a vacina está próxima, finalmente se permitem pensar na pandemia em termos mais realistas, afinal, existe uma salvação disponível. Não sei se vocês perceberam, mas desde que a vacina chegou e começou a ser aplicada, o grau de negacionismo do povo foi ficando cada vez menor. O que sobrou foi gente dizendo que a vacina é perigosa e fazendo campanha contra, e é bem provável que sejam pessoas que ainda não tem como furar uma fila para tomar sua dose.

Foram ondas: primeiro a doença não existia, depois não era perigosa, aí as vacinas não eram seguras… todos mecanismos para lidar com as incapacidades momentâneas. A pessoa não queria ter medo da doença, depois não queria fazer sacrifícios, e aí “nem queria mesmo tomar essa vacina que vai ser difícil de conseguir”. Com o começo da vacinação, começa uma quarta fase, a de tentar achar algum esquema para ser vacinado, até porque quem é desonesto sempre acha que os outros vão ser também e quer passar na frente.

Enquanto a pessoa não tiver seu esquema para furar a fila ou não estiver perto da sua hora legal de ser vacinada, vai continuar se rebelando de alguma forma contra o senso coletivo. É a única ferramenta para lidar com o sistema que muita gente tem no Brasil: achar uma forma de acreditar que não está sendo sacaneada. E como sempre, de uma forma tosca, que nem uma criança que acha que está se escondendo quando coloca as mãos na frente dos próprios olhos.

Deve ter tido gente furando fila em outros países? Certeza. Políticos poderosos, gente rica… é quase impossível impedir que gente com tantos recursos passe na frente do cidadão médio, mas pelo menos é feito com um mínimo de discrição. Não é um orgulho como muitos dos brasileiros que fizeram o mesmo e postaram felizes da vida na rede social. Isso faz muita diferença, porque passa a mensagem que fazer a coisa errada não só é seguro como é louvável. O resto do povo começa a ficar ansioso, achando que a única coisa entre eles e um alívio dessa pandemia é sua capacidade de armar algum esquema.

E aí, dá-lhe brasileiro usando sua criatividade para minar o processo: para deixar o parente ou o filho ser vacinado primeiro, colocam um grupo com pouco risco na frente de um com muito, começam a nomear funcionários de saúde só para tomar vacina, pedem para guardar umas doses para a turma do prefeito… o esquema vai se desenvolvendo até virar a regra. Parece que muita gente só estava esperando a vacina ser um item de status para correr atrás dela. Vira o certificado de vitória contra o sistema brasileiro.

Quando, na verdade, só torna o sistema mais forte. A corrupção é o sistema, quando você se corrompe, vira seu defensor. A solução não é uma onda moralizadora, afinal, o brasileiro votou contra os corruptos em 2017, mas continuou basicamente igual. Direita ou esquerda não resolvem corrupção, escolhas pessoais sim. Enquanto as escolhas forem essas, do indivíduo contra o grupo… só vão mudar as moscas.

Para dizer que estamos com Enveja da esperteza desse povo, para dizer continua negando tudo, ou mesmo para dizer que se não fossem os EUA estarem ainda piores a ONU já teria invadido o país: somir@desfavor.com

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Comments (24)

  • Que ia ter gente furando a fila não me surpreende nem um pouco.
    Mas tem outra bosta acontecendo: agora qurem que negros e pobres passem na frente.
    https://extra.globo.com/noticias/coronavirus/pobres-negros-deveriam-ter-prioridade-na-vacinacao-afirmam-cientistas-24852709.html

    Quero ver como vão aferir quem é negro. E pobre, vai ser quem? Quem recebeu auxílio emergencial? Porque todo mundo sabe que teve gente que não precisava e recebeu.
    Estavam querendo que presidiários tivessem prioridade também. A pessoa comete crime, causa um mal a sociedade e depois ainda vai passar na frente de todo mundo que não fez nada errado.

  • Capitão Impressionante

    O Brasil tá ficando pra trás até em relação a seus vizinhos, que também são latino-americanos e terceiro-mundistas.

  • Me surpreende, no meio disso tudo, a hipocrisia do brasileiro. Antes era anti vacina, agora é pró vacina e ainda fura fila! Oras oras…
    Li uma fake news outro dia, inclusive, dizendo que antes a “vachina” tinha sim um chip dentro, mas que agora Bolsonaro mandou que colocasse cloroquina dentro da vacina e tá tudo bem. Isso a mídia não mostra bla bla bla. Vai vendo? É muita criatividade mesmo pra “emplacar” um enredo a qualquer custo, viu?

    • “a “vachina” tinha sim um chip dentro, mas que agora Bolsonaro mandou que colocasse cloroquina dentro da vacina e tá tudo bem”

      Na verdade, você virará o incrível cloroquinaman. Metade humano e jacaré, com DNA modificado pelas partículas messiânicas de Bolsonaro, que substituirá os nanoagentes iluminatis do Dória, dos fetos sacrificados e do comunismo chinês, de quebra te garantindo físico de atleta e poder cloroquiner: ficar estocado, causar infartos e ser maioria dos casos, inútil. Seu sidekick vai ser ozonyo-no-rainboru, cujo principal poder é, bom, deixa pra lá. Já tá virando gayzismo satânico.

      (Desculpa bicho, tem que tirar sarro, pra não chorar).

    • “a “vachina” tinha sim um chip dentro, mas que agora Bolsonaro mandou que colocasse cloroquina dentro da vacina e tá tudo bem”

      Tem gente por aí dizendo isso mesmo? Pela madrugada…

    • Não poderia ter colocado melhor. E os dois textos de hoje me deixaram mais desanimado e desgostoso com a vida do que eu já estava… É chocante, para dizer o mínimo, o tamanho das calhordices de que esse povinho de merda é capaz. Mas o pior de tudo mesmo é a triste constatação de que, devido ao tal “Fator Brasil”, tudo isso não só era previsível como já era até esperado!

      • O problema é que esse Fator Brasil afeta quem vive no país. Por mais que você seja correto, se esforce e dê o seu melhor, sempre tem o Fator Brasil que estraga tudo. É um modo de funcionar de um país inteiro, uma pessoa não consegue mudar isso.

      • Pra quem conhece bem esse modus operandi, a surpresa está em alguém se surpreender com isso. Esqueceram da época da copa e das olimpíadas aqui? Não foi muito diferente, ainda que aquela não tenha sido uma época exatamente calamitosa.

  • “Não, a América Latina não é toda igual e os problemas que o Brasil tem não acontecem em todos os países.”

    Equador usa dólares, fica a dica.

    E o Paraguai é muito subestimado, acham que só tem índio e erva-mate lá (os índios foram quase exterminados na Guerra e teve imigração de vários países, é um país diverso), mas é uma das economias com maior crescimento na região. Só faltava ter praia…

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