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Papo furado.

Papo furado.

| Desfavor | | 26 comentários em Papo furado.

As condenações de Lula foram anuladas durante a semana mais mortal da pandemia que o Brasil enfrenta há mais de um ano. Com certeza a notícia ficou em segundo plano, não?

Não. Desfavor da Semana.

SALLY

Antes de mais nada, vamos esclarecer uma coisa: Lula não foi “inocentado de todas as acusações”, como andam dizendo por aí. Simplificando de forma bem grosseira, pois não é o tema de hoje, o que foi dito é: “as formalidades necessárias não foram adotadas da forma correta nesses processos nos quais Lula foi condenado, portanto, vamos ter que recomeçar o julgamento”. Não tem nada a ver com ele ser inocente ou culpado.

Tanto é que ele será julgado novamente, não em um, mas em diversos processos, e pode ser condenado novamente, inclusive a uma pena maior. Além disso ele responde a mais 4 processos que não foram anulados onde há provas mais do que suficientes para mais quatro condenações. Provavelmente não vai acontecer, pois o que estamos vendo é um grande acordo onde não tem inocentes: todos estão envolvidos, até mesmo os que se dizem oposição ao PT.

Como estamos falando da Banânia, aqui vai meu chute do que deve acontecer: em um grande acordo com Bolsonaro (não mexe nos filhos dele que ele livra a cara de Lula), os novos julgamentos vão demorar o suficiente para expirar o tempo que o Estado tem para punir o Molusco e ele não poderá mais ser julgado (papo técnico: prescrição). Os outros 4 processos vão ficar esquecidos, ninguém vai condenar Lula agora. Esse parece ser o preço para que os Bolso-Filhos não sejam investigados.

É aviltante? É. Tinha fundamento para anular essa porra toda? Não. Depõe contra o Brasil ter essa insegurança jurídica de uma hora a pessoa estar condenada na porra toda e na outra, com uma canetada, desfazer todos os julgamentos? Sim. Mas infelizmente tem coisa mais grave acontecendo, que precisa ser olhada, que precisa da atenção de todo mundo. E se você está pensando “Mas Sally, o que eu posso fazer sobre essa pandemia?”, você é parte do problema.

Em qualquer lugar do mundo, até em republiquetas mais fodidas que o Brasil, em tempos extremos de crise surgem lideranças naturais, que se unem e combatem o que quer que esteja oprimindo o povo. No Brasil não, na Banânia as pessoas querem jogar os filhos no colégio por estarem de saco cheio, querem bares abertos para encher a cara e flertar, querem que futebol continue para se alienar. Vocês têm a ferramenta mais poderosa de mobilização que alguém pode sonhar: a internet. E a usam para postar selfie.

O sistema de saúde do país está colapsando. Pessoas que você ama podem morrer. Eu não conheço uma motivação mais forte do que a morte de alguém que a gente ama para levantar a bunda e tomar uma atitude. Em vez de fazer isso, o brasileiro médio parece ter encontrado uma escapatória para continuar na inércia: ficar brigando entre si por dois políticos que acabaram de fazer um acordão de impunidade. Sim, meus queridos, tem gado em ambos os lados da cerca.

A semana foi basicamente de discussão e briga Lula x Bolsonaro. Isso é futurologia, a gente nem sabe se ambos estarão vivos para disputar as próximas eleições. Como pode um povo que se preocupa tanto com algo com um ano e meio de antecedência não se preocupar na mesma intensidade com uma grande onda de desgraça que está varrendo o país e ceifando vidas agora, neste exato momento? Qual é o problema do brasileiro?

Não sabemos o que vai acontecer em um ano e meio. Não sabemos se Lula e Bolsonaro serão candidatos. Não sabemos que outro tipo de coisa está sendo costurada por debaixo dos panos. É simplesmente patético ficar brigando por causa de político de estimação, não importa quem seja o político, mas é afrontoso colocar isso como prioridade quando há um risco de vida real pairando em torno das pessoas que você ama.

Não me interessa o que vai acontecer com os processos do Lula e eu tenho a humildade de saber que 1) não tenho controle sobre isso; 2) não vai ser feita justiça, como nunca foi feita justiça no Brasil e sim um grande acordo que fique bom para quem tem poder e 3) tem coisa mais importante para se pensar e fazer no momento.

Se o brasileiro usasse o tempo e a energia que usou esta semana para encontrar uma saída para evitar a tsunami de mortes por covid que está chegando, quem sabe, poderia ter surgido uma ideia produtiva. Essa mentalidade de “não sou eu que vou resolver isso” é um atestado de baixa autoestima. Não dá para escolher quem vai se candidatar em 2022, mas dá para ter boas ideias que ajudem no combate à covid.

O brasileiro precisa deixar de ser um “achador” (acha isso, acha aquilo e fica só na teoria) e se tornar um executor. Sim, uma pessoa leiga pode contribuir, pode ter uma ideia genial, pode colaborar para reduzir os estragos. O inventor do WhatsApp era faxineiro: tudo que você precisa para criar algo grande é ser um bom executor, ideia bacana todo mundo tem.

Mas o brasileiro é o elefante preso no toco. Já viram aqueles filhotes de elefante de circo que, quando pequenos, são amarrados a um toco no chão para não fugir e, depois de adultos ficam ali, condicionados? O bicho cresceu, ele tem força, ele poderia arrancar a corda que o prende ao toco se quisesse, mas não tem consciência disso.

Da mesma forma que não tem consciência do seu poder, também não tem consciência da sua responsabilidade: a culpa da pandemia estar assim é do Bolsonaro ou de quem votou no Bolsonaro, não de cada filho da puta que saiu de casa “por sua saúde mental”, por achar melhor “pegar logo” coronavírus ou por achar que “a vida é muito curta para ficar trancado dentro de casa”. Assim, o brasileiro nunca tem culpa de nada (a culpa é sempre dos outros) e, em contrapartida, nunca tem poder para mudar ou resolver nada.

Não vem nenhum salvador para vocês. Ou vocês se organizam e mudam essa realidade, ou vão morrer feito moscas até 2022. Neste exato momento, vocês estão na base da base da pirâmide de Maslow: lutando pela sobrevivência. Querer focar em qualquer outra coisa agora é investir tempo e energia em algo não prioritário.

O brasileiro foi tão maltratado, tão negligenciado, tão preterido, que não se acha capaz de mudar a própria realidade. O brasileiro espera que tudo lhe seja dado de cima para baixo. O brasileiro e sua eterna inércia contemplativa: contanto que tenham alguém para culpar, cruzam os braços. Ser vítima realente deve ter um ganho secundário fabuloso, pois as pessoas estão arriscando a vida de seus pais e seus filhos para ficar nesse papel.

MEXAM-SE. FAÇAM ALGUMA COISA. Não pode ser que vocês fiquem de braços cruzados assistindo a quase 2.500 mortes por dia! Não bastasse o gado bolsonarista e o gado lulista, vamos ter que assistir ao gado inerte, indo para o matadouro conformado?

Na hora de se emputecer com BBB, o povo se une em redes sociais e faz mutirão para tirar participante. Na hora quem que a vida está em risco, perde tempo debatendo uma eleição que ainda nem sabemos como vai ser ou se vai acontecer. Por favor, uma vez na vida, acertem a prioridade.

Em tempo: vamos deixar muito claro nosso posicionamento, não vamos alimentar essa dualidade, essa polarização, essa distração que é Lula x Bolsonaro. Queremos que ambos tomem no cu e não vamos dar palco para essa perda de tempo.

Para dizer que Lula ou Bolsonaro são favorecidos pela Globo, para dizer que um dos dois está com câncer ou ainda para lamentar quão errados foram seus chutes no Bolão: sally@desfavor.com

SOMIR

É claro que podemos falar de mais coisas que a pandemia. Aqui mesmo fazemos isso. Mas tem um senso de prioridade: a Sally está produzindo conteúdo informativo de alta qualidade praticamente toda semana sobre a parte mais técnica da coisa, e eu garanto que não está deixando passar nada importante: eu sou um viciado em informação e estou acompanhando também, faz tempo. Se não me sobra muita coisa para dizer sem repetir os textos dela, é porque está bem completo. Melhor que isso só um especialista formado na área mesmo, e olha lá… porque o que tem de médico defendendo absurdos como cloroquina…

Sabe-se lá quanto tempo ainda vamos ter que lidar com a parte mais séria dessa pandemia, mas quando ela deixar de ser prioridade, poderemos dormir tranquilos sabendo que enquanto pudemos, usamos a nossa pequena plataforma para dividir informação importante. O Desfavor não salvou o Brasil, mas eu tenho certeza que pelo menos ajudou uma parte do seu público a entender a gravidade do que acontecia, e talvez melhor: ajudou a dar um pouco mais de segurança para quem já estava se sentindo meio maluco por ser um dos poucos a levar isso a sério desde o começo.

Existe um fator psicológico importante em não se sentir sozinho(a) na percepção do mundo ao seu redor. Existe uma linha tênue entre ter o senso crítico bem afiado e estar alucinando quando você percebe alguma coisa que quase ninguém mais parece perceber. Às vezes basta um blog que fala sobre baixaria e faz piadas de mau gosto concordando com você para acalmar e dar mais confiança para continuar fazendo as coisas da forma que acha correta.

No Brasil, anda especialmente complicado tratar a pandemia da forma como se deve. O governo federal tentou descobrir o que aconteceria se não fizesse nada, os governos estaduais e municipais colocaram popularidade na frente de segurança quando puderam… e o povo… ah, o povo… o brasileiro médio teve um dos piores comportamentos do mundo diante da doença. Demorou vários meses para os grupos de risco levarem isso a sério, e os que não eram forçaram a barra para se aglomerar em sua grande maioria.

Muitos de nós aqui ficamos sozinhos. Ou, na melhor das hipóteses, com poucos aliados na vida real quando o assunto era isolamento social e medidas de proteção básicas. Sem coordenação do Estado e com baixa adesão da população, eu até entendo o lado de quem deixou o instinto de grupo assumir o controle e se arriscou nas ruas sem necessidade. Não eximo de culpa pela quantidade absurda de mortes que ajudou a causar, mas compreendo de onde isso veio.

E toda essa introdução é para validar o ponto deste texto: sim, era um assunto da semana. Eu mesmo saí do meu caminho para falar sobre uma ideia geral de imparcialidade, mas dando ao assunto a gravidade merecida: atualmente, quase nenhuma. Talvez tenha mudado a proporção do gado de cada lado da cerca, mas a quantidade de gado se mantém estável. Isso é, não contabilizando os que a pandemia está tirando do nosso grande pasto nacional.

Sim, a gente passou a maior parte dos anos do Desfavor batendo no Lula, putos da vida com as besteiras que o governo dele fazia e com os escândalos de corrupção que se acumulavam; sim, a gente não gosta da ideia dele estando livre para concorrer na próxima eleição, continuando a corrida pela “Venezuelização”. Se vai ser Venezuela de direita ou esquerda, não faz muita diferença no final. Lula e Bolsonaro são ególatras que vão destruir tudo o que puderem para se tornar figuras mitológicas na visão da massa ignorante brasileira.

Bolsonaro é literalmente o pior presidente do mundo durante a pandemia, mas isso não torna o Lula algo bom. O PT ainda estaria destruindo a economia com medidas populistas para assegurar mais votos, mas provavelmente compraria a vacina bem antes. É mais ou menos como dizer que é melhor ser atacado por uma pitbull do que por um leão. Claro, sua chance de sobreviver é maior, mas ainda é uma situação horrível na qual você não deveria ter se colocado para começo de conversa.

O Brasil não avançou ou regrediu muito com essa notícia. Mas enquanto as pessoas perdiam a cabeça com ela, muitos perdiam a vida com uma doença que pode ser evitada em hospitais que talvez pudessem tê-los salvado caso não estivessem em situação de colapso pelo excesso de pacientes. É por isso que falamos de prioridades: só podemos sair pela tangente um pouco para tocar nesse tema porque o resto está bem coberto. O Desfavor não baixou o grau de atenção da pandemia para isso.

E você também não deveria baixar. O que me leva ao segundo ponto da introdução do texto: se não sabe o que fazer, compartilhe informação e mantenha as pessoas ao seu redor cientes de que você continua levando a pandemia a sério. Que continua evitando sair de casa, que continua preocupado em higienizar mãos e objetos, que continua dando muita importância para o uso de máscaras. Pode parecer pouco, mas é um sopro de alívio para a mente de outras pessoas confusas com a dificuldade do brasileiro médio de fazer o básico.

Como eu disse semana passada naquele texto sobre entender os instintos humanos, é mais fácil se cuidar quando você vê outras pessoas se cuidando. É difícil fazer dieta em casa de gente gorda. O ser humano tem diversas partes do cérebro focadas em espelhar o comportamento alheio. Não é ser cabeça fraca ter o impulso de fazer o mesmo que o bando faz, foi o que te fez conseguir sobreviver desde a infância, mas quando o bando está cometendo um erro e você tem as informações necessárias para perceber esse erro, o simples fato de você ficar seguro(a) sobre o que faz e demonstrar para o resto do mundo já tem o potencial de te ajudar e ajudar muitas outras pessoas.

Não se perca na negação alheia. Você que não deixa a pandemia ir para o segundo plano e continua se cuidando está fazendo a coisa certa. Muita gente vai te “tentar” para o lado do perigo colocando assuntos como esse do Lula na frente do que realmente importa, mas só de resistir já está fazendo muita coisa. Não podemos deixar que coloquem esse assunto em segundo plano.

Para dizer que tem que fazer lockdown dos políticos primeiro, para dizer que assim que estiver vacinado vai cagar para toda essa gente, ou mesmo para dizer que só pode ter sido praga: somir@desfavor.com


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