Levando o golpe.

Os comandantes do Exército, Edson Pujol, da Marinha, Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Moretti Bermudez, pediram renúncia coletiva nesta terça-feira (30/3) por discordar do presidente da República, Jair Bolsonaro. O anúncio foi feito pelo Ministério da Defesa. A curta nota não aponta o motivo das renúncias. O texto diz apenas que os comandantes “serão substituídos” e que a decisão dos militares foi comunicada hoje. LINK


E o brasileiro passou algum tempo achando que vinha um golpe de Estado, a bravatocracia é o Desfavor da Semana.

SALLY

O brasileiro decepciona a cada semana que passa, e olha que as minhas expectativas em relação ao Brasil são as piores possíveis.

Esta semana chegou-se ao ridículo de cogitar (alguns tinham até certeza) que o Bolsonaro promoveria um golpe de estado, com o objetivo de tomar o poder sem ter qualquer subordinação ao Congresso ou ao STF. As pessoas ficaram genuinamente com medo de um sujeito que dedicou sua carreira a ir ao Superpop bater boca com travesti e com o Rafael Pilha.

Só dessa vez, eu não acredito que seja burrice do brasileiro (e olha que eu sempre credito tudo à burrice do brasileiro). O brasileiro quer, consciente ou inconscientemente, arrumar algo para se distrair, para tirar a mente das quase quatro mil mortes diárias pelo coronavírus, da falta de leito em hospital, da falta de oxigênio, da falta de anestésico.

O brasileiro não quer pensar que se ele tiver uma apendicite, ele morre por falta de centro cirúrgico. E para isso vale tudo, até acreditar que o fuckin’ Bolsonaro, que não consegue nem livrar a porra do filho de uma investigação criminal, vai dar um golpe. Haja saco.

O problema é que quanto mais as pessoas se distraem, menos elas fazem para sair da atual situação. A baixa autoestima do brasileiro certamente vai fazer com que muita gente diga “mas o que eu posso fazer?”. Muita coisa. A revolução francesa começou com uma pessoa emputecida. O povo pode se unir e fazer muita coisa, mas em vez disso, está caçando teoria da conspiração para se distrair, afinal, foi educado desde sempre a não ter iniciativa e receber aquilo que lhe é dado.

O governo atual vive de blefes. É uma máquina de blefar e, apesar das sucessivas mentiras desmascaradas, o povo continua comprando o blefe. O Ministro da Economia (Paulo Guedes, sempre bom citar o nome, pois trocam de Ministro mais do que trocam de cueca) garantiu que pelo menos quatro grandes privatizações seriam feitas e nada aconteceu. O Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (Marcos Pontes) garantiu que tinha um remédio com 95% de eficácia contra o coronavírus, o que obviamente não foi verdade. O Ministro da Saúde (Pazuello) afirmou que o Brasil teria uma avalanche de propostas de vacinas nos próximos meses e, na realidade, se não fosse a Coronavac, o Brasil não tinha vacinado nem 1% da população.

Percebem o blefe como modo de funcionar? Se é tão óbvio, descarado e repetido, por qual motivo o povo ainda compra? Para poder se distrair da pandemia, mas também por outros fatores: para se sentir esperto, para se sentir detentor de uma informação privilegiada, superior aos reles mortais que não sabem “a verdade” (terraplanismo social) ou para levar vantagem.

Cinto minutos de pensamento racional bastaria para que uma pessoa média perceba que está diante de um blefe, de uma mentira, de uma isca, de um embuste. Um exemplo que também aconteceu esta semana: empresários de Minas Gerais compraram a “vacina da Pfizer” por 600 reais a dose e chamaram uma enfermeira para aplicar neles. Era a vacina da Pfizer? Óbvio que não.

A vacina da Pfizer não é vendida no Brasil nem para o Brasil. A Pfizer já disse publicamente que não negocia com particulares, apenas com países. E, mesmo que as doses fossem roubadas, é uma vacina que precisa estar a -70° de temperatura e vir da outra ponta das Américas. Só o transporte dela sairia muitos zeros a mais do que 600 reais. E, ainda que pudessem fazer esse transporte, não poderiam armazená-la a essa temperatura, então, ela perderia suas propriedades.

Não precisa pensar muito para saber que essas pessoas estavam comprando soro fisiológico, outra vacina, urina ou cuspe de lhama. Tinha qualquer coisa ali, menos a vacina da Pfizer. Não precisa ser doutor em infectologia para saber, a gente falou disso no FAQ da última terça. Se blogueiros sabem, qualquer retardado deveria saber. Mas os empresários espertões pagaram para ter sabe-se lá o que enfiado em seus braços. Não tinham condições de saber? Tinham. Mas a vontade de acreditar no que lhes é mais útil ou agradável falou mais alto, como sempre fala no Brasil. A melhor versão para seus egos é que eles eram os espertos que estavam tomando vacina da Pfizer.

O mais curioso é que, por mais que o erro de julgamento aconteça dia após dia, a pessoa faça previsões erradas, a pessoa aposte em coisas que não acontecem, ela nunca se corrige. Não tem a autocrítica de pensar “Mano, nada do que eu defendo realmente acontece, talvez tenha algo turvando meu discernimento que me impeça de ver a verdade”. Não. A pessoa emenda uma teoria conspiratória na outra e simplesmente apaga as previsões erradas que fez.

Isso não é burrice, é recurso. É recurso para se distrair, para aplacar uma baixa autoestima, para tentar se dar bem, para querer ser espertão. E nessa espalham medo, desinformação e dezenas de desfavores em uma sociedade que está repleta de pessoas fragilizadas, que, quando expostas a essas informações ridículas, acabam se deixando abalar por elas.

Então, por favor, por favorzinho, não acreditem nessas imbecilidades. Não vai ter golpe nenhum, a China malvada não soltou o vírus como arma biológica, a vacina não implanta um chip no seu cérebro, vacina comprada no mercado negro provavelmente é falsa, o governo não vai cuidar de você não existe tratamento precoce para covid, lockdown funciona para conter colapso no sistema de saúde, não tem advogado alemão que vai provar as mentiras da covid, Trump não está governando os EUA por debaixo dos panos e os hospitais estão realmente colapsados.

Se seu discernimento está turvado de alguma forma, tá tudo bem, ninguém é obrigado a estar em plena forma mental no meio do caos que está acontecendo no Brasil. Mas perceba que seu discernimento não tá muito bom e procure curadores de conteúdo de confiança, que de fato acertem quando falam, e beba dessas fontes. Resista à tentação de ouvir quem diz o que você gostaria de ouvir pois corrobora para as suas teorias.

Faça um exercício simples: anote suas projeções, as coisas que você acredita que vão acontecer, e releia todos os meses. Veja se de fato você está com discernimento para fazer uma leitura do que está acontecendo. O que você “previu” realmente aconteceu? Se não estiver, pare, você está fazendo mal a você e a todo o resto propagando imbecilidades, fazendo as pessoas perderem o tempo e o foco.

E se estiverem fazendo isso com você, se afaste, não perca seu tempo ouvindo imbecilidade alheia. Um dos grandes problemas do Brasil é a falta de limites colocados a imbecil. Coloque você os seus, não seja palco para imbecil.

Aos demais, eu peço encarecidamente: parem de cair na isca desse governo, eles vivem de soltar factóides para desviar a atenção de filho bandido, de pandemia que mata 4 mil pessoas por dia, de incompetência generalizada. Enquanto vocês comprarem esses baits, eles têm poder. Parem de acreditar, parem de divulgar, parem de reverberar essas merdas.

Vamos repetir isso o ano todo se for necessário: o foco agora é conter essa pandemia, conter os 4 mil mortos por dia, conter o colapso no sistema de saúde. Não dá para se distrair com mais nada.

Para dizer que não, obrigada, quer se distrair, para dizer que a Globo mente ou ainda para dizer que o Bolsonaro não consegue organizar nem um chá de bebê, quem dirá um golpe: sally@desfavor.com

SOMIR

Como o texto da Sally é bem explicativo, eu vou fazer um desvio para chegar no meu ponto. Nos últimos dias chegou à minha atenção uma explosão de interesse de brasileiros em criptomoedas. Como o assunto é interessante pra mim, fui fuçar melhor. Existe um universo cada vez maior de pessoas investindo nas moedas mais malucas possíveis, lançadas compulsivamente por gente que mal sabe conjugar um verbo.

E como era previsto, quase todas essas moedas lançadas eram golpes. A pessoa investe, quem investiu antes (ou o próprio criador) tira o dinheiro correndo e deixa a pessoa de mãos abanando. Talvez eu me aprofunde na parte técnica num texto futuro, mas agora é importante frisar que eu vi gente perdendo dinheiro sem parar nesse meio tempo.

E quase todos num ciclo de teimosia de tentar se adiantar aos golpistas e ser aquele que tira o dinheiro na hora certa. É um jogo arriscado, uma espécie de cassino digital bem longe dos olhos das autoridades. A maioria perde, mas a maioria acha que vai ficar milionária da noite para o dia. Esperteza de apostador… que nunca é esperteza de verdade.

O brasileiro, assim como outros povos presos em países subdesenvolvidos, vive cercado de esquemas, golpes e todo tipo de baixaria para arrancar dinheiro de otários. Isso gera uma sensação de segurança, como se o costume com esse ambiente fosse uma forma de aprendizado como o mundo realmente funciona. Mas é uma falsa sensação de segurança.

Porque na prática, a pessoa continua pensando no curto prazo. Viver num país de gente golpista acelera seus reflexos, é claro, mas não te ensina a evitar os próximos problemas. Se a pessoa não entende o contexto, não consegue prever de verdade de onde vem o próximo golpe.

No caso das criptomoedas, as pessoas não entendem que elas precisam ter uma utilização prática, que virtualmente todas as novas criadas são cópias umas das outras que nunca vão ser utilizadas fora daquele contexto. E se você não entende isso, não adianta conhecer o golpe da moda, porque logo surge outro… e a pessoa fica presa nesse ciclo, tentando ser mais esperta que as outras, mas sem nunca entender onde as coisas estão dando errado de verdade.

O que me traz de volta para o tema de hoje: Bolsonaro é o brasileiro perfeito. Forjado pela esperteza sem ter noção do longo prazo. Ele sabe que basta bravatear de tempos em tempos para chacoalhar a nação e mudar o assunto do momento. Seus ministros vão jogando palavras e mais palavras ao vento, torcendo para alguma coisa colar. Por mais que o brasileiro médio já esteja acostumado com mentiras de políticos, ele só entende uma parte dessa história.

Muita gente começou a se assustar com um golpe, outros estavam esperando animados por uma ditadura, mas todos ignoraram o contexto: se tivesse gente minimamente inteligente no poder federal, não estaríamos colocando corpos de mortos pela Covid em caminhões frigoríficos… não estou dizendo que todos são burros, mas a média puxa pra baixo a capacidade de realizar qualquer movimento coordenado sério.

Sim, tem corrupção e interesses escusos no processo, mas essa sequência de mentiras deslavadas é resultado de estupidez também: não estudam sobre o que estão falando, só confiam na “esperteza” do povo que só enxerga o que está diretamente na sua frente. E isso vai dando sobrevida ao governo, que “espertamente” negocia com quem puxou o tapete dos dois últimos presidentes, vendendo o almoço para comprar o jantar.

E esse ciclo míope vai se reforçando. A gente sabe qual é a polêmica da semana, mas não sabe qual é o plano dos próximos anos. Spoiler: não tem plano. Vai ser essa bagunça até 2022, e se colar uma reeleição, colou. É possível que ainda estejamos vendo gente morrer de Covid daqui um ano e o povo ache que ficou tudo bem. É essa visão curta que privilegia quem quer tirar vantagem.

País que vai pra frente deixa a esperteza pra trás. Deixa de viver em ciclos de bravatas e promessas vazias. Essa esperteza do brasileiro é meio como o cachorro que sabe correr para pegar a ração antes que os outros. Serve só para uma vantagem rápida, mas não se traduz numa vida melhor. O problema real é que falta capacitação em praticamente todas as áreas do serviço público, espelhando a falta de capacitação média da população.

E é isso que estamos vendo com a crise da pandemia: o custo dessa incapacidade. Quem em tese deveria controlar essa situação não sabe nem o que está acontecendo se durar mais de uma semana. E quase todo mundo continua apostando nessa loteria… a maioria vai perder, o jogo é viciado.

Para me perguntar onde você pode ficar rico (desisto!), para dizer que golpe no Brasil é todo dia, ou mesmo para insistir em saber onde você pode ir para perder dinheiro: somir@desfavor.com

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Comments (8)

    • Somar é meu alterego Day Trader.

      Eu invisto mixaria para entender a tecnologia e as possibilidades. Blockchain é um conceito fascinante. Meu conselho para quem quer investir continua sendo o mesmo: só coloque o que você pode perder.

      • Parte de mim é loucura e a outra também é

        Eu ganho uma mixaria toda semana na Mega-Sena: nunca aposto, o$$ que ia perder apostando, eh um ganho para mim.
        O povo brasileiro é de uma putaria fenomenal em vários aspectos. ODEIO! ODEIO! ODEIO os bandidos nas ruas, o governo que come o nosso $$ em forma de impostos e leis e decretos a toneladas (cada decretinho fajuto é uma bolada pra quem bolou a merda que já existia com outras palavras) ODEIO os trotes pelo telefone que sequestraram meu filho ou filha ( quando sei que estão em segurança ainda trollo o puto do bandido e dou corda pra ele gastar bastante crédito de celular, depois digo que nem filho eu tenho), mas na minha alma isso me deixou com uma violenta gana de pegar o desgraçando e cortar a língua dele fora, ODEIO ver o pedinte no semáforo a quem eu tenho vontade de dar um dinheiro pois ele pode mesmo estar necessitado mas pelas tantas vezes que dei e o cara foi lá no bueiro comprar maconha me deixou puta e acabo recusando. Não é o Brasil que não presta, é uma boa parte desse povo malandro onde me sinto uma otaria.
        ODEIO ser mais informada, afinal, a ignorância é, com certeza, uma benção.
        Lembrem-se: não se deve cobrar de quem nada sabe.
        Você nao cobra de um bebê ou de um homem que passou sua vida inteira no meio do mato noção de nada abstrato, ou como se constrói um avião ou uma simples noção de trigonometria, não cobra porque sabe que eles nem fazem ideia do que existe além do seu limitado campo de visão, assim como nao cobra de um cego a definição de qualquer cor, ou a aparência do céu.

        • Desculpa, não pude deixar de imaginar a seguinte trollagem:

          “estamos com o seu filho!”
          Na verdade, eu tenho uma filha.
          “ok então, estamos com a sua filha!”
          Posso falar com ela um minutinho?
          (Os bandidos logo se apressam em arrumar uma voz feminina)
          “Mãe, socorro mãe, me salva!”
          (a “mãe” logo entoa algo parecido com a voz do Bolsonaro)
          ISA-DORA PINTO, FILHA DE JA-CINTO PINTO E IRMÃ DE CAI-O PINTO, O QUE TU APRONTOU DESSA VEZ?

  • (orwelli)Ana(de)94

    Legal é que esses empresários que tomaram essa panaceia desconhecida depois podem vir a adoecer e a população desacreditar mais ainda nas vacinas. “Ah lá, tá vendo? Os caras tomaram a vacina, e era a da Pfizer, e adoeceram assim mesmo! Tá vendo como essas vacinas não prestam, como era tudo água/soro comunista/elixir gay?”

  • Antes era pirâmide, agora é trader, a cada geração é um golpe novo em quem acha que é possível ganhar muito dinheiro rápido de forma lícita. Nem youtuber fica rico do dia pra noite.

    “Isso gera uma sensação de segurança, como se o costume com esse ambiente fosse uma forma de aprendizado como o mundo realmente funciona. Mas é uma falsa sensação de segurança.”

    Coping mechanism de gente de lugar fodido. Queria eu ter nascido “gringo trouxa” mas poder jogar papel higiênico no vaso e ver meus impostos retornando. Já deu dessa mentalidade “sofrimento = pessoa melhor”

  • “País que vai pra frente deixa a esperteza pra trás. Deixa de viver em ciclos de bravatas e promessas vazias. Essa esperteza do brasileiro é meio como o cachorro que sabe correr para pegar a ração antes que os outros. Serve só para uma vantagem rápida, mas não se traduz numa vida melhor. O problema real é que falta capacitação em praticamente todas as áreas do serviço público, espelhando a falta de capacitação média da população.”

    O Somir foi certeiro nesse parágrafo, especialmente nos dois trechos que destaquei em negrito. Não importa o que aconteça, o brasileiro não perde a mania de se achar mais esperto que os outros. Mesmo que, na prática, todos os outros realmente estejam sendo mais espertos do que o brasileiro…

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