Vamos bater um papo sobre um assunto polêmico? Vocês vão entender exatamente a que me refiro, mas, para não trazer problemas, fã-clube e histéricos de toda a laia, não vou citar nomes.

Como todos devem saber, um famoso humorista faleceu de covid esta semana. Que ele esteja bem, que sua família possa encontrar algum conforto, que sua mãe e seu marido possam, de alguma forma, sobreviver a esta tragédia e voltar a sorrir um dia. Mas, não é sobre ele que quero falar, e sim sobre a lambança que fizeram em nome dele em redes sociais, em especial sua coleguinha humorista, sempre histérica no modo de falar e no gestual, e agora também no discurso.

“Nada é impossível para Deus, tenho CERTEZA de que ele vai se salvar”

“Imagina ficarem com esse pessimismo para cima dele o nível de energia. Os amigos próximos têm CERTEZA da cura”

“Eu tenho TOTAL CERTEZA de que o Fulano ficará bem. TOTAL. Vamos rezar. Não fiquem especulando nem com pensamentos negativos. Bora rezar para ele ficar bom logo. Pq ficar bom ele vai.”

“Amigos, o Fulano vai ficar bem. O bom dele ser amado por tanta gente é que são milhões de pessoas mandando energias positivas para ele. Por favor emane só energia de cura para ele. Não projete medo.”

Estes são alguns trechos tirados de redes sociais de pessoas com zilhões de seguidores, pessoas famosas, formadoras de opinião. E, pelo visto, muito burras e arrogantes também. Obviamente não foi só ela, isso é um modo de funcionar. Tem muita gente que se porta sistematicamente dessa forma odiosa e acaba recebendo aplausos por isso. Não hoje.

Antes de começar a passar o trator, quero esclarecer que eu acho muito importante e saudável ter algum tipo de espiritualidade. Espiritualidade não se confunde com religião. Espiritualidade é dedicar tempo e esforço para manter sua mente sã, em um bom lugar, para se conhecer e aprender a se respeitar, para evoluir em seus pensamentos e pontos de vista. É ter mais consciência, serenidade e senso de coletividade. Isso é bom, é importante e é desejável.

Mas, o que vimos aos borbotões não foi isso. Foi um povo que eu chamo pejorativamente de “Gratiluz” (pois ficam postando “gratidão” e “luz” de forma banalizada), uns xiitas do pensamento positivo, uma gente chata e até agressiva, que prega uma positividade tóxica, mentirosa e irreal quase que como obrigação, ofendendo e menosprezando quem não reza pela sua cartilha. Ou você se junta ao devaneio de fazer afirmações que sejam do agrado dessas pessoas ignorando completamente a realidade, ou você é um pessimista com energia negativa.

Como Deus e orações são muito citados pelos Gratiluz, vamos começar com uma pequena reflexão: em qualquer religião que não seja uma seita criminosa, Deus é tido como uma entidade sábia, que sabe o que é melhor para nós, que se ocupa de cuidar de nossos caminhos e nos guiar para onde temos que ir. Confiar em Deus é um dos mantras mais batidos que esse povo adora recitar… desde que Deus acabe fazendo o que eles querem. Ficam “instruindo” Deus feito um flanelinha que ajuda a estacionar um carro.

Ficar monotematicamente falando em redes sociais que tem CERTEZA (sempre em caixa alta, pois quem mente para si mesmo sente necessidade de se reafirmar) da cura de alguém não é confiar em Deus. Se o seu Deus é muito bom, se ele te ama, se você confia nele, você entrega qualquer situação nas mãos Dele e confia que ela será solucionada da melhor forma possível. Você não tem todos os elementos para saber qual é a melhor forma possível, pois tem uma visão limitada. Deus, até onde eu sei, é onisciente, onipresente e onipotente, ele tem a visão geral e, a menos que ele seja um sádico, vai fazer o que for melhor e vai acontecer o que era para acontecer.

Demandar um resultado X e convocar outras pessoas para focarem sua energia nisso é não confiar na decisão que Deus vai tomar. E, além de tudo, dentro das regras, me parece inútil, já que ninguém pode contra a vontade de Deus, ou estou enganada? Ainda dentro dessa ótica, só retardaram o sofrimento de uma pessoa que deveria ter partido faz tempo, mas acabou ficando presa aqui pela força que uma cambada de egoístas filhos da puta fizeram para que ele não vá, pois se acharam detentores do poder de decidir entre a vida e a morte de alguém.

Saindo um pouco da esfera religiosa, um terreno que eu não domino, querer que uma pessoa fique viva não é amor, dependendo da situação, é até egoísmo. Amor é algo muito acima, muito mais sublime, muito mais generoso. Amor é querer que aconteça o que for melhor para a pessoa. E você não sabe o que é melhor para a pessoa. Você não é Deus. Você não é vidente. Quem deseja o bem deseja que aconteça o que for melhor para a pessoa, sem a arrogância de se portar como se soubesse o que é melhor para a pessoa. O que estas pessoas querem é evitar o seu sofrimento pessoal ao lidar com essa perda, mas camuflam esse egoísmo escroto de amor.

Por outro lado, tem a crueldade de dizer ou insinuar que se a pessoa é muito amada, muito querida, muito boa ou tem muita fé ela vai se salvar. Ou seja, todos os outros 399.999 mil que morreram não eram amados o suficiente ou não tinham fé suficiente. Quem é você para dizer quem “merece” viver ou morrer? Quem é você para dizer que é melhor viver do que morrer? Quem te garante que a pessoa não está em um lugar melhor depois, e que inclusive não era o desejo dela sair desse sofrimento e ir para lá?

Em essência, o que quero é compartilhar uma experiência pessoal com vocês, para que vocês obtenham essa informação sem precisar passar pelo que eu passei: não cabe a você determinar se é melhor para alguém viver ou morrer. Você não ajuda a ninguém (nem a você mesmo) se ficar igual uma líder de torcida com transtorno de ansiedade gritando que a pessoa tem que viver, que vai dar tudo certo, que tem que ter fé, que com CERTEZA ela vai viver. Isso é comportamento de gente desequilibrada.

Quem tem fé está sereno. Quem tem fé confia e entrega, sabe que vai acontecer o que tiver que acontecer e nenhuma “energia positiva ou negativa” sua ou de terceiros é capaz de matar alguém ou de manter a pessoa viva. Quem tem fé sabe que não é Deus, que não tem esse poder e não tenta brincar de ser, só para evitar um sofrimento.

E quando eu falo de “fé”, não me refiro necessariamente a uma religião. Você pode ter fé em você, no outro, na ciência ou até em alguma força que você não entende, não explica, mas acredita que está lá. Não limitem a fé, não a tranquem numa caixinha de regras. Se você tem fé, confia que vai acontecer o melhor e entrega, não fica puxando mutirão de reza de madrugada no Twitter. Não intervém nessa força maior (Deus, destino, universo ou o que queira chamar), pois entende que ela sabe melhor do que você, reles humaninho com visão limitada, o que tem que acontecer.

Não estou dizendo que tem que negar tratamento médico a alguém e deixar o acaso decidir. Estou dizendo que é preciso ter a sabedoria de traçar uma linha: até aqui, existia algo que eu podia fazer, daqui pra frente está fora do meu controle. Mas ninguém gosta de pensar que algo está fora do controle, né? Por mais assustador que seja, é melhor reconhecer, admitir e aceitar do que viver nessa ilusão de controle histérica, que é muito, mas muito nociva.

Também não estou dizendo que é fácil nem que é indolor. A morte de uma pessoa amada é talvez a dor mais profunda e sofrida que experimentamos nessa vida. E é natural querer que ela não morra, tentar de tudo para que ela não morra. Somos humanos, somos tomados pelo desespero, ficamos irracionais.

O que sim estou dizendo é que se você tiver consciência de tudo isso, vai existir um momento, uma janela, um intervalo nesse seu sofrimento totalmente compreensível onde você vai poder respirar fundo e dizer: “o que eu estou fazendo? Será mesmo que o melhor para essa pessoa é continuar aqui? Evitar meu sofrimento não é o foco, o foco é que aconteça o melhor possível para essa pessoa”. Nesse momento, que é extremamente assustador, você deixa a pessoa ir dentro de você. E, não raro, é o momento em que a pessoa acaba falecendo, como se alguém tivesse cortado os grilhões que a acorrentavam.

“Ah mas o mundo fica melhor com o Fulano nele”. Você não tem a visão completa. Você não sabe se existem outros mundos onde o Fulano é mais necessário. Você não sabe se aconteceriam coisas horríveis com o Fulano se ele ficasse aqui. Você não sabe nada. Pare de querer controlar e dizer o que é melhor para o Fulano ou para o mundo. Recolha-se à sua insignificância, no bom sentido (todos somos insignificantes).

Quem controla com uma visão apenas parcial escolhe errado. Recolha-se à sua insignificância e solte o controle. Faça a sua parte nos cuidados com a pessoa, óbvio, mas sem essa obsessão pelo resultado: você controla a roupa que você veste, você controla o que você come, mas a morte você não controla. Tentar controlar o incontrolável é esperneio de criança na versão adulta.

Fora a vergonha, né gente? Passar meses propagando aos quatro cantos que tem CERTEZA (sempre em caixa alta) de que a pessoa vai se curar e a pessoa morrer mostra o grau de desconexão com a realidade. O grau de arrogância de achar que se repetir isso ou se mandar energia tal, vai mudar o resultado final desse processo. Meus amores, nós não temos o poder de adiar ou reverter a morte. Quando ela vem, pode enviar a good vibe que for, que ela passa e leva. Tenhamos mais compostura e humildade.

E, como se tudo isso fosse pouco, ainda tem o enorme desfavor de polarizar a morte, algo que a civilização ocidental faz desde sempre e que contamina a todos nós (inclusive a mim). Viver é bom, morrer é ruim. Quem disse? Por acaso você já morreu e voltou para saber? E se viver for o grande inferno? E se a morte não existir? E se… E se… Falar do que não sabemos é pedir para passar vergonha, ainda mais se falamos com CERTEZA.

Não sabemos o que é a morte. Muitos de nós tem opiniões fortes sobre o que é, mas a verdade é que quem tem certeza deveria repensar, uma vez que só pode atestar quem esteve lá. O que pega é a dor, o sofrimento, a saudade de quem não está mais aqui. Sobre isso sim podemos falar. O apego. O apego nos faz passar por cada papel ridículo… e eu me incluo, pois como todos aqueles criados nessa cultura, a morte para mim é sinônimo de perda, sofrimento e dor.

A morte talvez seja a única certeza que temos nessa vida. Todo mundo vai morrer. Ainda assim, escolhemos vinculá-la com perda, sofrimento e dor. Somos bastante masoquistas, não? A gente nasce fadado a ter uns pit stops de extrema dor durante a vida, pois perdemos pessoas queridas no trajeto. Eu sei que não dá para desfazer isso do dia para a noite, mas podíamos começar, né? Que tal começar a repensar o significado que damos à morte? Que tal dar um primeiro passo para começar a desconstruir isso?

Aí pega no nervo. Se você não orou pelo humorista, se você apontou o fato de que ele fatalmente iria morrer, se você não mandou suas energias gratiluz, você é um babaca. Se bobear, ainda leva a culpa pela morte dele, pois contribuiu com “negatividade” ou o que mais se queira chamar. É dar muito poder para outro ser humano, não? Não podemos nem matar nem salvar ninguém além de nós mesmos. Chega dessa ilusão de controle de que se fizer tal reza, se fizer tal macumba, se enviar tal energia, se fizer tal simpatia, se fizer lei da atração, vai mudar o resultado final daquele cenário. Não vai. Você só muda a você e à sua vida, não tente o resto, pois é perda de tempo e energia.

Dói perceber que, para o que está fora, somos impotentes. E, cá entre nós, que bom que somos, caso contrário faríamos tanta bobagem pensando nos nossos desejos egoísticos, que causaríamos mais sofrimento do que no cenário original no qual decidimos intervir. Quando falamos de situações que não controlamos, vai acontecer o que tiver que acontecer, então, é melhor que você feche com a ideia de que se aquilo aconteceu, foi pra melhor, mesmo que hoje você não entenda os motivos.

“Para Deus nada é impossível”. É mesmo? Então, no caso, Deus não o salvou por não querer, é isso? Olha a mensagem horrível que estão propagando. Isso faz com que as pessoas desanimem, se sintam desamparadas, percam sua fé. Parem de fazer essa associação de que “se a pessoa morreu então deu tudo errado”. Quem disse? Deu errado para você, que vai ter que lidar com o sofrimento que a ausência dela te gera, mas quem disse que você, pequeno alecrim dourado, pauta a realidade? Talvez para a pessoa e para o mundo fosse a hora e, no final das contas, fosse o melhor para todos.

Humorista, vá em paz. Ignore os mal-entendidos que nós humanos criamos, nós não sabemos nada. Não resista, tudo aquilo ao que a gente resiste, persiste. O sofrimento vem da não aceitação. Não brigue contra o que é. Não sofra o nosso sofrimento, ele é apenas um equívoco gerado pela falta de consciência, e, um dia, ele vai passar. Não se preocupe conosco, vamos ficar bem.

Fique em paz. Nós vamos tentar ser melhores e agradecer pelo que tivemos em vez de lamentar pelo que perdemos. Eu achava seus filmes uma bosta e seu humor baseado em careta e palavrão, mas a maioria dos brasileiros gostava, então, que bom que você existiu, que bom que todo mundo riu com você (menos eu) e que bom que você deixou muito material para que todos continuem rindo (menos eu).

E você, maluca do caralho cheia de CERTEZAS, vai se tratar, pois você intoxica muita gente com essa postura péssima. Aproveita e faz uma fono também, para aprender a pronunciar as palavras, fuinha gratiluz!

Para dizer que não consegue decidir se é um texto doce ou azedo, para dizer que você também não achava a menor graça no humorista ou ainda para dizer que vai tentar, aos poucos, ir ressignificando a morte: sally@desfavor.com

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Comments (54)

  • O pessoal da família da minha namorada querendo que eu fosse assistir “Minha mãe é uma peça 3” como se eu já não tivesse uma boa noção de como é a qualidade do grosso dos filmes BR.
    Optei por ao invés disso assistir Frozen II no cinema (na época não tinha COVID pra cortar o barato nisso) e não me arrependo.
    Não que a animação da Disney seja um primor artístico, mas ao ouvir minha namorada pegando no paralelo tal filme do P**** G******, bem… É uma coisa tão caricatural é tão sem graça que não pude deixar de perder.

    • É grotesco. Baseado em barraco, em apelação, em palavrão, em careta. Essa pessoa virou uma caricatura de si mesma, inclusive quando estava longe das câmeras. Mas, sabe como é, no Brasil você não pode criticar quem morreu pois é visto como desumano e mal educado…

  • Não sei o que é pior, se não essas gratiluz da positividade tóxica ou se são aqueles religiosos babacas torcendo pra que o P**** G****** morresse.
    Acho lucro de não usarem “GRATITUDE” no lugar de “Gratidão”.

  • Desconfio que o maluco já tava morto há semanas e a família não largou o osso mantendo os aparelhos ligados até o último segundo permitido ou não queriam anunciar a morte

  • Quer diminuir um pouco da dor quando uma pessoa partir? Passe mais tempo com ela, evite segredos. Eu sei, é uma ideia meio batida, mas até hoje me serve de alívio quando penso em certos familiares que se foi há alguns anos. Você esteve presente, e isso não interfere nessa noção do que é melhor pra você ou pra pessoa. Você… Esteve lá, de qualquer forma.

    Um desses familiares em questão recebeu diagnóstico de doença incurável e, bem, era irresponsável e não se cuidava direito, mas todos já estavam cientes que o pior poderia acontecer mesmo com todos os cuidados. Um outro era um idoso com indícios de demência… Então era aquilo… Estar presente na vida da pessoa, respeitar sua dignidade, evitar pendências emocionais chatas que algumas pessoas parecem adorar, “nunca disse eu te amo ou dei um abraço na pessoa porquê devo ser frio”, “nunca vou me desculpar por erros com a pessoa porquê vão pensar que sou fraco” e merdas assim.

    Brasileiro também meio que prioriza eventos (formaturas, casamento, etc), viagens, presentes caros e chiques como demonstração de afeto, mas… E a presença como um todo? Sei lá, pra mim o dia a dia que constrói a vida, e não esses episódios, por mais bem sucedidos e legais que eles sejam. Depois a pessoa fica lá, chorando “ai, se eu tivesse feito isso ou aquilo”, ou forçando a pessoa a ficar mesmo quando ela mesma já aceitou o iminente desfecho, devido essas pendências e noções (pra mim) errôneas do que é presença/viver a vida.

  • Concluí recentemente no Netflix o excelente seriado Shtisel, a respeito das desventuras e desencontros de uma família hassídica (judeus ultraortodoxos) que vive em Geula, um dos redutos dessa gente em Jerusalém (outros bolsões de hassídicos na região são Mea Shearim e Bnei Brak). Num dado episódio, o patriarca, rebbe Shulem Shtisel, disse algo sobre o que eu nunca tinha pensado e que achei do caralho: “se você quiser fazer D’us rir, conte a Ele sobre seus planos”. Isso resume TUDO que a Sally disse de modo enfaticamente brutal (e essa crueza é absolutamente necessária!).

    É, sem tirar e nem pôr, a mesma campanha de orientação emocional promovida pela mídia quando morreu o tal de airton cena(*) e que encontrou ampla aceitação no meio BM, passional até o absurdo, irracional até o infinito e lacrador até a náusea. Nessas horas, só se desconectando e deixando passar aí duas, três semanas, pra ser pouco.

    (*) O termo “campanha de orientação emocional” foi usado num excelente texto do finado CocadaBoa sobre esse cara (pouco depois de sua morte) e em que, ao contrário da mega-comoção que tomou conta do “país” na época, o autor (também publicitário!) fazia certo deboche crítico à maneira pela qual o BM da época estava reagindo em relação ao ocorrido. Querendo ler esse texto de novo, fucei até a exaustão no Wayback Machine (o cemitério de sites antigos e descontinuados da Internerd) e não o encontrei, mesmo já o tendo lido numa outra ocasião anterior por lá mesmo. Censura?

  • Me pareceu que ele nao podia morrer porque ele teria a obrigacao de fazer as pessoas rirem!! Os histericos culpando o Bolso mas se ele tivesse nascido na Australia ou Nova Zelandia teria morrido sem vacina tambem.

  • Penso que a contaminação do PG pelo vírus colocou muito negacionista em alerta total.
    Ele se cuidava, fez vários vídeos pedindo que nós cuidássemos, (ele era asmático) e morria de medo de se contaminar.
    400.000 pessoas morreram contaminadas pelo vírus, mas apenas um PG estava entre eles.
    Um cara bonito, famoso, rico, bem tratado e admirado por milhares de pessoas, se contaminou e foi internado em um bom hospital tendo todos os cuidados necessários (pulmão artificial a 30 mil por dia!!! Tá louco!) e NÃO RESISTIU, partindo dessa vida para nunca mais voltar.
    Que sirva de lição aos bestalhões que não sossegam o cu no sofá da sala, que saem para bater perna só pra dar uma moral para a vida social.
    O vírus deveria vir com o nome por hospedeiro anterior pra gente saber de quem cobrar a conta do contágio.

  • Já passei por uma situação assim com um familiar direto e, por pensar da mesma forma que a Sally, optei – com a concordância dos outros familiares diretos – em não autorizar medidas extremas e manter apenas os cuidados paliativos.

    Nunca me arrependi, mas mesmo assim eventualmente volta uma lembrança da situação e um rápido questionamento de “será que fiz a coisa certa?”, mesmo racionalmente sabendo que sim.

    Sem contar o imenso estranhamento sentido entre o momento da decisão e a ocorrência da morte, porque você fica lá, esperando, e é uma espera cheia de sentimentos conflitantes. É uma sensação bizarra “esperar” alguém morrer.

    Não é fácil, é difícil pra caramba, mas ainda assim acho menos desgastante do que o sofrimento que o paciente e a família passam nessa ilusão de falsas esperanças.

    • A vida tem dessas escolhas trágicas: não importa o que a gente decida, vai ser uma merda. A gente tenta decidir qual vai ser a merda menos merda. Que droga que você teve que passar por isso, sinto muito. Ninguém merece passar por isso.

  • Muito bom o texto, Sally. Hoje mesmo estava lendo sobre a Susan Sontag e como o fato dela não aceitar a própria finitude tornou a partida dela muito mais difícil…

    Acho até um pouco preocupante essa postura de que se a pessoa está “”com Deus”” ela sempre vai/precisa ser curada. Digo isso pq sou de família evangélica e a postura é sempre essa de negar a morte, de praticamente ordenar a cura pra Deus.

    No fim das contas, a entrega e a certeza da nossa própria pequeneza trazem uma serenidade que ajuda muito nesses momentos difíceis.

    • Se o Deus no qual se acredita é bom, é amor, é justo e é sábio, tem que entregar para ele. Mas soltar o controle não é fácil. Ser religioso não é fácil. Se dizer religioso sim, é muito fácil, mas se portar com total entrega e confiança a Deus é para poucos.

  • Pois é, a vida de muita gente é uma negação (surreal) da morte tbm.
    É irracional não conversar ou pensar sobre isso, mas o assunto ainda é um tabu.

    Pra muitas pessoas a morte é tratada como uma superstição, acham que apenas de falar sobre o assunto, podem “materializar a desgraça”, e sob esse mesmo ponto de vista míope, quem fala sobre morte são os que estão torcendo contra ou jogando praga….é insano, chega a ser imoral até.
    Enfim, a morte é tão natural quanto a vida, não tem como dissociar.

    • Quando eu li a palavra “desgraça”, me veio à cabeça a ideia: “pior do que isso aqui?”

      Talvez a desgraça seja estar vivo e nós, por desconhecimento, atribuímos à morte algo negativo que ela não tem

  • A morte não é um mistério, mistério mesmo é como uma pessoa tão sem noção, sem saber pronunciar uma palavra direito, ser ridícula e histérica e ainda se dizer melhor amiga do humorista consegue tantos seguidores e fama… Sério mesmo.
    Outra coisa que eu ainda me questiono é como que o Fulano se contaminou? Eu sei que ele tomava todos os cuidados e se preocupava bastante com o covid mas como? Foi acidental?
    Enfim, as pessoas deviam ficar felizes por ele de certa forma, ele teve uma boa vida, foi feliz, e fez muita gente feliz também. Viveu bem e com dignidade. Eu ficaria triste por uma pessoa que não teve uma vida digna, teve uma vida bosta e morreu. Isso sim é triste. Ele deixou sua marca, isso que importa.

    • Eu via ele declarando que tomava todos os cuidados, mas, será que tomava mesmo? Vi fotos de festinha de aniversário dos filhos dele com convidados durante a pandemia “com todos os protocolos de segurança”. Na boa? Não pode receber nem a mão em casa, muito menos fazer festinha pros filhos, mesmo que seja só com gente da família.

      • Sally, isolar-se somente é fácil quando se está sozinho, com a companhia do computador e de seus amigos virtuais. O mundo real é composto de pais nervosos com filhos dependentes da TV, idosos com saudades de sua parentela, adolescentes com cada vez mais paranoias – e uma minoria, que pode se meter na bolha, e não sair de lá enquanto não existir vacina para todo mundo (alternativa cada vez mais remota).

        Com o tempo aqueles que não saem de casa por nada sucumbem à paranoia – ou se arriscam. Não é negacionismo, é simplesmente admitir que há um mundo lá fora, e que é preciso viver, apesar de tudo.

        • Eu não disse que é fácil. É bem difícil. Mas é possível.

          Vale à pena fazer festinha para bebês que não vão nem lembrar disso quando crescerem e arriscar a vida de todo mundo? Não é algo inevitável, é uma escolha. E bem burra, por sinal. Não sei se foi assim que ele se contaminou, mas diz muito sobre suas prioridades.

      • Quem sou eu pra falar merda da vida dos outros, mas já falando: essas pessoas ricas falam que se cuidam, estão isoladas e tomando todos os cuidados, mas e a empregada? 14 meses depois ainda estão sem e pagando o salário?
        Pelo menos o marido do PG não deu uma de marido da Ivete, que bosteou pela boca em rede nacional. Ainnn a cozinheira mimimi. Ele que não perde uma oportunidade de aparecer em portal de noticia e revista falando que ele é nutricionista e prepara todas as refeições da família.

      • Pois é Sally, eu pensava que era tipo o caso da Nicette Bruno, que ele tinha recebido uma visitinha e pego por acidente. Uma pena realmente, não tem medida de segurança com esse corona.

  • Vontade soberana… vontade permissiva de Deus. “Deus deu, Deus tirou”.

    Dificilmente alguém explicaria o que é um poder superior sem acreditar nele, e sem tripudiar dele, da forma que você fez, Sally. Confesso, estou surpreso com isso – mas não tanto.

    Só acrescentaria, talvez, que a confiança num ser superior é fundamental para que aceitemos as perdas como elas são. Crer que a Glória é melhor do que aqui ajuda quando tragédias como essa aparecem.

    • Não sei se confiança em um ser superior é fundamental… eu conheço pessoas que estão muito em paz com a ideia de não existir um Deus e que a vida é um ciclo que acaba e ponto final. Eu ainda sou partidária do não saber e aceitar humildemente que não sei nada.

  • Ótimo texto, concordo em quase todos os aspectos. Quando nova fui criada na religião católica, depois cresci e descobri que não me identificava, pois não conseguia acreditar no Deus imposto. Não conseguia me subjugar aos dogmas estabelecidos. Depois passei pra espirita. Também não deu muito certo.
    Depois de ler bastante, consegui encontrar minha espiritualidade como a Sally citou.
    E olha, muitas pessoas se assustam.
    Não acreditar em Deus, não esperar que ele vá fazer tudo por mim, ou subjugar minhas vitorias e conquistas, derrotas e fracassos, a vontade Dele, é absurdo para muitos.
    Sempre admirei a parte da cultura mexicana que exalta a morte como uma festa, uma passagem compreendendo a dor e aceitando que, como dito no texto, a morte não está sob nosso domínio.
    Queria muito imprimir este texto e entregar para alguns parentes. (E esperar a treta!!)

    • Entrega, talvez tenha treta no começo, mas é uma sementinha que se planta. Pode ser que depois de ler isso fique na cabeça deles, eles reflitam e comece uma mudança de pensamento.

  • Paulo Gustavo tinha tudo e nada impediu a morte dele. Dinheiro, acesso aos melhores tratamentos, influência, amigos importantes. Infelizmente, quando a doença progride da pior forma, não se pode fazer muita coisa. Muitas vezes, essa tentativa de manter a pessoa a qualquer custo acaba ofuscando o tratamento paliativo, que poderia permitir uma partida digna e o máximo de qualidade de vida possível nos últimos momentos. Todos deviam ter direito a vida e morte digna.

    • Se ao menos isso servisse como um alerta para o brasileiro, se caísse a ficha de que é grave e mata… mas acho que nem isso assustou esse povo.

  • Jhonata Lima Barros

    É bem isso… às vezes me pergunto se eu deveria ficar impressionado com o fato de que muitas vezes não reconhecemos que há coisas dentro e fora de nosso alcance. É algo tão simples e me parece (não só a mim, claro) tão evidente.

    Para mim, o que mais me impressiona é que, partindo da noção de que não existir é muito mais provável que existir (afinal, há praticamente infinitas possibilidades que poderiam estar em nosso lugar agora), a existência é quase que um milagre. E AINDA ASSIM nós, humanos agimos de formas bem ruins e idiotas com nós mesmos.

    Quanto ao que vai além do que podemos saber (se existe um Deus, ou se a morte não é o fim, etc etc etc), suspendo o juízo e apenas sigo vivendo. Há mais o que viver do que me perder pensando nessas questões.

    • Que bom que você consegue manter a mente aberta e não precisa de certezas e respostas para tudo. A falta de respostas deixa a maior parte das pessoas assustadas e elas precisam preencher essa lacuna, se apegando a religiões, rituais ou o que mais for para tentar explicar o que acontece quando morremos, quem é Deus, etc.

      Uma grande prova de maturidade e saúde mental é conseguir conviver em paz com questões em aberto e fazer as pazes com o não saber, sem tentar encontrar respostas.

  • Eu acredito piamente que a morte pode ser até o melhor para uma pessoa. Por exemplo, digamos que você tem um amigo muito querido que desenvolveu um problema de saúde muito grave. É uma enfermidade com uma grande chance de ser letal e que, mesmo tratada, irá ter consequências que se seguirão pela vida inteira, tanto físicas quanto mentais. Por acaso vale a pena que essa pessoa continue vivendo? É a mesma coisa com o caso do humorista; caso ele sobrevivesse, ia sair com danos irreversíveis e talvez nunca voltasse a atuar. É uma dor enorme para os familiares e fãs, mas não seria ainda pior ver uma pessoa querida debilitada por toda a vida?

    Off-topic, mas a temática do texto me lembrou de um escritor que eu ouvi falar. O cara tentou se matar por anos a fio, normalmente com uma amante, e na maioria das vezes a moça morria e ele sobrevivia de algum modo. Quando finalmente conseguiu morrer, a reação geral foi “ah, já era esperado”

    • Eu acredito que a família optou por desligar os aparelhos. Ele estava com um quadro irreversível de morte cerebral, a família foi chamada, ficou no hospital um tempo, ele morreu e a família foi embora. Bato palmas para eles, que não deixaram uma pessoa amada presa a tubos e máquinas para o resto da vida.

      • Acredito ser uma das decisões mais difíceis que alguém pode ser obrigado a tomar, pois neste momento a dor da perda pode ser tão intensa a ponto da pessoa não discernir sobre o fato logicamente.
        Compartilho do seu sentimento em admiração pela decisão tomada.

        • Sem dúvida, é muito difícil mesmo e eu compreendo totalmente quem está cego pelo sofrimento e não consegue tomar a melhor decisão.

  • Aplaudindo de pé, Sally – exceto que ele era sem graça. E você gostou da peça 220 sim! Rs.
    Tomará que esse texto chegue aos envolvidos! No percurso da tragédia, cada certeza que ela afirmava ter, me causava uma mistura de raiva com dúvida. Afinal, se tinha tanta certeza assim, deveria estar recebendo alguma informação confidencial do hospital.
    O pior é que, agindo assim, encheu milhares de pessoas de esperança. Nem a mãe dele agiu de forma tão irracional.

    Você sabe por que diminuíram a sedação dele no domingo? Desconfio que foi para uma despedida, pois foi muita coincidência ele ter piorado logo depois.

    Achei vc mais espiritualizada, Sally. Não conhecia esse lado seu.

    Texto perfeito. Você consegue ser ainda melhor a cada dia. Um beijo

    • Sim, ele fez algumas coisas boas, mas no geral eu não gostava do tipo de humor dele. “Minha mãe é uma peça” é sofrível, tanto no teatro como no cinema. Mas, pouco importa, ele fez milhões de pessoas rirem.

      Não sei por qual motivo diminuíram a sedação dele, mas faz sentido que fosse uma despedida sim. Ele estava muito debilitado e quando o corpo começa a descompensar, é um caminho sem volta: você remenda uma coisa, aí estraga outra. Infelizmente, há um grau de estrago onde se forma um ponto de não retorno.

      Sobre ser espiritualizada, eu tento cuidar da mente com o mesmo empenho que cuido do corpo, não há sanidade se não houver esse equilíbrio, cuidando de ambos. Mas é uma longa jornada, me falta muito a aprender.

      Fico feliz que você tenha gostado do texto. Um beijo para você também!

      • Ortotanásia: mais comum do que se imagina. E, em tempo: ele podia ser bom no que fazia, mas tinha uma boa assessoria de marketing – e muito dinheiro para manter uma vida (e imagem) de comercial de margarina.

  • Puta merda, como eu queria que eutanásia fosse legalizada e socialmente normalizada. Cansei dessa vida dopada de sertralina, acho que vou juntar um dinheiro e ir pra Holanda acabar com isso de uma vez.

    • Eutanásia é para casos onde a pessoa tem uma doença terminal, incurável e que lhe provoque extremos sofrimento. Esse é o seu caso?

  • Discurso do George Carlin que vem de encontro a pelo menos parte do que foi dito no texto de hoje:

    “Deus criou o Plano Divino, colocou-o em prática e, por bilhões e bilhões de anos, o Plano Divino estava indo muito bem. Agora você vem e reza por algo. Suponhamos que o que você quer não está no Plano. O que quer que Deus faça? Mude o Plano? Só por sua causa? Não acha que é meio arrogante de sua parte? E suponhamos que as suas preces não sejam atendidas, o que você diz? ”Oh, é desejo de Deus. Assim seja”. Tá bom, mas se é desejo de Deus e se de qualquer modo Ele só vai fazer o que for de Sua vontade, pra quê diabos serve rezar?”

  • “Para dizer que não consegue decidir se é um texto doce ou azedo (…)”. A bem da verdade, Sally, o seu texto de hoje não é nem doce nem azedo – e tampouco amargo – , mas sim bem difícil de “digerir” para algumas pessoas, principalmente pelas verdades que contém. E eu concordo 100% com suas críticas aos propagadores dessa tal de “positividade tóxica”. Conseguir entender que nós não controlamos tudo e que a realidade não dá a mínima para os nossos desejos não é para qualquer um. Exige um grau de maturidade que não é todo mundo que tem. Perder alguém que amamos sempre nos causa uma dor indizível, mas o melhor a se fazer, ainda que à primeira vista não pareça, é aprender a conviver com a saudade – não é fácil, eu sei – e aceitar que “a hora” de quem se foi tinha chegado.

    • Não é fácil deixar ir quem se ama, em nenhuma de suas formas (morte é apenas uma delas). Mas, a bem da verdade, no final das contas é mais difícil forçar a pessoa a ficar. Pena que muita gente demore para descobrir isso.

  • Essa semana uma tia e uma prima morreram de covid, acho que dois dias de diferença. A primeira coisa que minha mãe falou depois de me dar a notícia é que controlamos muito pouco nessa vida e a única certeza que temos é da morte, pra orar pela alma delas, ajudar a família e pronto. Pra mim foi uma postura muito digna.
    Eu acredito que temos que ter fé e esperar o melhor, mas sempre nos preparando e tendo consciência que o pior pode sim acontecer.
    Quando saiu a notícia que o estado do Paulo Gustavo era irreversível eu pensei que era somente uma questão de tempo até a notícia da morte sair. Mas tinha pessoas (muitas) dizendo que pra Deus nada é impossível, que iria acontecer um milagre, sabe, isso é se enganar num nível master.
    Na nossa família já tivemos que desligar os aparelhos de uma pessoa quando não dava mais pra fazer nada. É uma dor insuportável, mas é uma dor somente nossa, a pessoa que está ali conectada deixa de sofrer. Dói sim, mas deixar uma pessoa ir é uma lição de se libertar do egoísmo.
    As pessoas conversam pouco sobre a morte, apesar de ser algo natural.
    É difícil de encarar, difícil pra quem fica, mas ainda sim inevitável. E uma parte que realmente temos certeza que vai chegar um dia.
    É sempre “vira essa boca pra lá” “para de jogar praga”
    Acho que conversar sobre a morte e aceitar as coisas como são, como algo natural, não é pessimismo ou desejar que o pior aconteça. E sim nos fortalecer para enfrentar a perda de alguém querido.

    • Sinto muitíssimo pelas suas perdas, que você e sua família consigam encontrar algum conforto e que, com o tempo, a dor se transforme em saudades e boas lembranças.

      Concordo com tudo que você falou, especialmente a parte de conversar mais sobre morte. Aquilo que não é falado gera fantasmas, não é normalizado, vira tabu. Precisamos perder o medo da morte e começar a falar dela com naturalidade.

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