FAQ: Coronavírus – 35

Recebi um e-mail me oferecendo desconto para realizar um exame que mede a quantidade de anticorpos que eu vou ter depois da vacina, para ver se a vacina pegou. Vale a pena fazer esse exame?

NÃO. Não faça esse exame, é perda de tempo e de dinheiro e é uma vergonha que isso não esteja sendo esclarecido exaustivamente à população (e não deve estar, pois a gente recebe várias perguntas como essa).

Nenhum exame desse tipo de testagem de anticorpos é capaz de dizer se a imunização da vacina funcionou ou o quanto ela funcionou. Vamos pensar nos dois cenários possíveis e entender o motivo pelo qual esse teste só serve para tomar dinheiro das pessoas:

1) O teste acusa que seu organismo não formou anticorpos suficientes. Isso quer dizer que você não tem anticorpos? Não. Isso pode querer dizer várias coisas, inclusive que o teste pode não ter a sensibilidade suficiente para medir a real quantidade de anticorpos. E, mesmo que seu corpo tenha uma quantidade de anticorpos considerada insatisfatória, isso também não é sinônimo de estar desprotegido. Como vamos explicar mais para frente, a imunidade não se baseia apenas em quantidade.

2) Se o resultado der muitos anticorpos formados, isso não significa que esses anticorpos vão, necessariamente funcionar contra o vírus. Existe um teste mais preciso (Teste de Anticorpos Neutralizantes) que até é capaz de dizer, entre todos os anticorpos, quais teriam condições de bloquear uma infecção por covid, mas, novamente, continua inútil, pois até hoje, a ciência não conseguiu estipular qual é a quantidade de anticorpos neutralizantes que se associa com proteção clínica. Então, não adianta saber quantos você tem, se não se sabe ao certo quantos são necessários.

Uma coisa que deve ser entendida de uma vez por todas: sistema imunológico não é sinônimo de anticorpos, assim como Exército não é sinônimo de soldados. O sistema imunológico é uma estrutura complexa com vários recursos para defender o corpo.

É como se você medisse a eficiência das forças armadas de um país pelo número de soldados. Ninguém sabe quantos soldados serão necessários para vencer uma guerra até a guerra acontecer. Além disso, ter milhões de soldados não garante nada, se o inimigo tem tanques ou uma bomba atômica. Assim como ter poucos soldados não significa derrota, se você tem tanques ou uma bomba atômica.

Então, sinto muito, a única forma de saber como seu corpo vai reagir à covid após a vacina, é se contaminando – e não vale o risco. Quem achou que ia se vacinar, se testar e ter a total certeza de imunidade absoluta para poder sair à vontade, se iludiu com uma mentira.

Por isso, mesmo vacinadas as pessoas devem seguir tomando cuidados básicos para não se contaminar e para não contaminar os outros, já que mesmo que esteja protegida dos efeitos da covid, ela pode transmitir o vírus para terceiros.


Existe alguma chance das vacinas causarem efeitos colaterais no longo prazo?

O mundo já passou de três bilhões de doses de vacinas aplicadas e, até aqui, os efeitos colaterais foram muito, mas muito poucos. Menores do que os de muitas outras vacinas que as pessoas tomam com naturalidade.

Dá para dizer que no quesito segurança, as vacinas são um sucesso, tanto é que nem os haters de vacina tem coragem de continuar com aquele discurso mentiroso de que “foram vacinas feitas rápido demais, às pressas, e por isso podem ser perigosas”.

É altamente improvável que mais de três bilhões de pessoas vacinadas que passam muito bem, obrigada, subitamente tenham algum efeito grave com o passar dos anos. Na história das vacinas, o que se vê é que os efeitos aparecem rapidamente, geralmente antes dos dois meses de aplicação. É impossível de acontecer? Não, para tudo existe uma primeira vez, entretanto, todos os sinais do que sabemos, conhecemos e estamos vendo apontam para a convicção de que essas vacinas não causarão maiores problemas no futuro.

Eu tenho absoluta confiança nessas vacinas – e eu sou uma pessoa desconfiada por natureza. Minha confiança não é apenas discurso, eu estudei bastante e, no ano passado, me voluntariei para testes de Fase 3 (de eficácia) de uma vacina. Jamais faria isso se não tivesse absoluta convicção de que era totalmente seguro (o que é testado em Fase 2).

O único efeito colateral que vacinas deixam a longo prazo é cabelos brancos e rugas. Se chama “envelhecer”.


Proxalutamida faz efeito?

Vou repetir o que sempre respondo quando perguntam sobre algum remédio para covid: todos os países do mundo estão disputando esse medicamento no tapa? Todos os países do mundo estão comprando grandes quantidades desse medicamento? Se a resposta for “não”, você pode ter certeza de que é mais um caso de “feijões mágicos”, um remédio que não funciona.

O fato de ser defendido pelo Bolsonaro, que só deu bola fora em matéria de tratamento de covid, já deveria bastar para saber que essa merda não adianta de nada. Mas, vamos lá…

A Proxalutamida é um bloqueador de andrógenos (hormônios masculinos como testosterona) ainda sob testes e apontado como droga experimental contra câncer de próstata. Ganhou fama quando saiu um “estudo” das profundezas do esgoto dizendo que pacientes com covid tratados com esse remédio morriam menos e eram menos hospitalizados, porém, não era um estudo sério, era um “pré-print” (ou seja, não foi revisado por outros cientistas, a pessoa escreveu o que quis e ninguém conferiu para saber se era verdade).

Quando a porcaria do “estudo” foi submetido a publicações científicas sérias, como The New England Journal of Medicine e The Lancet, foi rejeitado pois, entre outras coisas, foram constatadas fraudes nos números, conflito de interesse com a fabricante do medicamento e discrepâncias entre a metodologia anunciada e o que de fato foi feito durante o estudo. Isso significa, em bom português que: mentiram, não foram imparciais e fizeram todo o estudo de forma errada.

Mas, enfim, quem virar as costas para a ciência e resolver tomar um bloqueador hormonal talvez esteja fazendo um favor evolutivo: se ficarem broxas ao menos não passam adiante esses genes lamentáveis.


A taxa de ocupação de leitos de UTI de onde eu moro (São Paulo) caiu muito. É por causa das vacinas?

Não. Duplamente não. Não é por causa das vacinas e ela não caiu.

Ter 15% da população de um país vacinada com duas doses não causa um impacto desse tamanho, para ver algo assim seria preciso pelo menos 60% da população vacinada com duas doses.

E a taxa de ocupação de leitos de UTI caiu se você torturar os números, tirá-los do contexto e fizer uma grande ginástica argumentativa, que é o que o Poder Público vem fazendo com o brasileiro desde o primeiro dia da pandemia. O que vamos falar não vale só para São Paulo, vale para todo o país.

O que foi divulgado: “O Estado de São Paulo alcançou a menor taxa de ocupação de leitos de UTI de todo o ano: 61%”

Só que o Brasil não fez um isolamento social decente, não adota de forma decente medidas preventivas (até hoje as pessoas não conseguem usar uma porra duma máscara direito), não testou o suficiente, não fez rastreio de contatos, não fez nada do que deveria ter feito. A gestão de covid foi: ir aumentando os leitos de UTI à medida que os doentes pipocavam.

Acho que quase dez anos trabalhando no funcionalismo público brasileiro me avalizam para dar uma modesta opinião. Isso costuma ser feito por três motivos: 1) incompetência em conter o vírus; 2) motivo para fazer compras sem licitação, em esquema de urgência, com valor muito superfaturado e 3) evitar fechamentos, uma vez que se recomenda fechar tudo quando se alcança um determinado percentual de lotação de leitos, logo, para não fechar, se acrescentam leitos para tentar manter esse percentual abaixo do indicado para quarentena ou lockdown.

Pronto, minha opinião acabou. Voltemos aos fatos. Sim, a informação está tecnicamente certa: 61% de taxa de ocupação de leitos de UTI é o menor número do ano. O que esqueceram de dizer é que 61% dos leitos de UTI de São Paulo no ano passado equivaliam a 4815 internados e 61% dos leitos de UTI de São Paulo, atualmente, equivalem a 7194 internados, pois colocaram mais leitos de UTI durante a pandemia.

Então, o índice é o mesmo, mas, na realidade, tem quase o dobro do número de internados. Com isso quero dizer que dá para mentir falando verdades e que não, não passou, está longe de passar e o Brasil não está tão bem como fazem parecer. O grande problema é tem muita gente acreditando que com 15% da população imunizada está tudo melhorando e já dá para sair sem risco.

Muito cuidado ao formar opiniões com base em números, estatísticas ou percentuais. Se você for uma pessoa raçuda, corra atrás de avaliar como se chegou nesse número, se não, apenas desacredite.


Tá, a Delta entrou e ficou. Já sabemos. Dá para prever o que vai acontecer?

Não, pois não sou vidente. Mas posso te dar os dados que temos até aqui e você me diz o que você acha que vai acontecer…

Nada como olhar para o lado para ter uma ideia do que pode acontecer. Vamos fazer um tour rápido por onde a Delta passou e está passando para entender seu efeito?

Na Ásia, onde ela passou gerou problemas, inclusive em países que haviam controlado muito bem a pandemia. Um dado rápido para que vocês tenham uma noção do quão mais transmissível é esta variante: o Vietnã teve, em um único dia, mais casos do que em todo o primeiro ano de covid.

Mesmo em países mais estruturados, como Israel, que estava com a maioria da população vacinada e abolindo máscaras, voltou humildemente a usá-las. O mesmo vale para os EUA, que tinham abolido máscaras para quem tinha as duas doses de vacina e agora estão retrocedendo também, após dizer publicamente que o país “está na direção errada” (palavras do Fauci).

O pouco que se sabe é: estamos lidando com um vírus mais transmissível. O que isso significa: ele consegue encontrar e se ligar melhor às nossas células, escapar melhor dos nossos anticorpos e produzir mais vírus uma vez que entra no nosso corpo.

Na covid raiz, o pico de infecção de vírus no corpo acontece no quinto dia após a infecção e geralmente os sintomas aparecem no sexto ou sétimo dia (ou seja, a pessoa passa, em média, dois dias infectando os demais sem desconfiar que está doente). No caso da Variante Delta, é um pouco diferente.

Como ela é mais eficiente em entrar, se alojar e se multiplicar no nosso corpo, esse pico de vírus acontece antes, no terceiro dia após o contágio. Isso significa que a pessoa passa, em média, 4 dias infectando os demais, sem desconfiar que está doente, e joga muito mais vírus no ambiente, aumentando ainda mais o risco de contágio.

E não é um pouquinho mais não, um contaminado com a Variante Delta manifesta o vírus no corpo em quantidades cerca de mil vezes maiores que o covid raiz. Mil vezes mais vírus na gotícula de saliva. Mil vezes mais vírus no ar. Mil vezes mais vírus no entorno dos infectados.

Na Holanda, por exemplo, onde quase metade da população está imunizada, acharam que dava para retomar alguma normalidade e decidiram fazer um show em um local aberto com 20 mil participantes, com exigência de comprovante de vacinação para entrar no evento. O resultado? De cara, mais de mil pessoas testando positivo para covid. Variante Delta, baby. Ainda não dá para abrir.

Na Alemanha, o Instituto Robert Kock (uma espécie de Fiocruz de lá) estimou que, para alcançar uma imunidade coletiva protetora por vacinas é indispensável que, pelo menos 85% das pessoas entre 12 e 59 anos sejam vacinas e 90% das pessoas com mais de 60 anos sejam vacinadas. Menos do que isso é máscara e isolamento social, caso contrário a coisa vai sair do controle. Quando o Brasil atingir ISSO, aí sim pode reabrir, pode sair sem medo, pode começar a retomar antigos hábitos. Antes disso, é burrice.

Até então, não sabíamos o quanto a Delta seria dominante, mas agora já há estudos confirmando que a Delta ganha da Gama (a de Manaus) realizados no México. Até então, na rinha de variantes, a Gama era a grande vencedora mundial, mas agora já podemos dizer que a Delta é a mais forte e deve predominar no Brasil. Se a Gama fez aquele estrago, espera-se algo maior da Delta.

“Mas Sally, agora tem vacinas”. Uma dose de vacina pode não ser suficiente para barrar a Delta, portanto, seria possível presumir que, para fins dessa variante, o Brasil está com 75% da população desprotegida. E muito mais aberto do que quando surgiu a Gama: fazendo evento, aglomerando, flexibilizando.

Até onde se sabe, todas as vacinas que estão sendo aplicadas no Brasil protegem contra a Delta se a pessoa estiver imunizada (= 15 dias após a aplicação da segunda dose). Portanto, o que me resta pedir é que vocês se cuidem para poderem tomar a vacina. Pessoa com febre não toma vacina. Pessoa doente não toma vacina. Pessoa que tem um compromisso e não sabe priorizar não toma vacina. A prioridade de todo mundo agora tem que ser: duas doses de vacina.

Mexam nas suas vidas, nas suas agendas, no que for preciso, para tomar a porra da vacina. Ela não vai garantir uma antiga normalidade, ela não vai permitir sair sem risco, mas pode salvar a sua vida. Eu não sei o que vem por aí pois não tenho bola de cristal, mas os dados me levam a crer que não vai ser bonito.

Para dizer que hoje é mais um dia estragado pelo Desfavor, para dizer que no Brasil vai ser diferente do resto do mundo e não vai ser tão ruim ou ainda para dizer que, pelo andar da coisa, ainda vamos sentir saudades da Delta: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • “Na Alemanha, o Instituto Robert Kock (uma espécie de Fiocruz de lá) estimou que, para alcançar uma imunidade coletiva protetora por vacinas é indispensável que, pelo menos 85% das pessoas entre 12 e 59 anos sejam vacinas e 90% das pessoas com mais de 60 anos sejam vacinadas. Menos do que isso é máscara e isolamento social, caso contrário a coisa vai sair do controle. Quando o Brasil atingir ISSO, aí sim pode reabrir, pode sair sem medo, pode começar a retomar antigos hábitos. Antes disso, é burrice”.

    Este parágrafo é para anotar e ter na ponta da língua para quando alguém vier nos perguntar o que é preciso para que, enfim, esta pandemia de Covid chegue ao fim.

    • Isso na realidade alemã, onde não há tanta densidade demográfica e pessoas são educadas. No Brasil deve ser 110% da população vacinada com 5 doses cada…

  • “(…) Ou ainda para dizer que, pelo andar da coisa, ainda vamos sentir saudades da Delta. Puta merda, Sally! Infelizmente, isso pode mesmo vir a acontecer! O que me faz pensar: mas o que caralhos ainda tem que acontecer nesta bosta de país para que enfim se comece a fazer um trabalho realmente sério de combate a essa maldita pandemia de Coronavírus? E a sua resposta sobre taxa de ocupação de leitos de UTI em São Paulo nos mostra mais uma vez que não dá para confiar em absolutamente nada que venha do governo; porque os dados sempre estarão distorcidos, deturpados ou incompletos, seja por causa de interesses escusos, de calhordice ou por pura e simples incompetência.

    • Nada que aconteça vai mudar a forma de funcionar de político: vão fazer o que der mais dinheiro para eles. O que dá mais dinheiro para eles não é prevenir doença e sim ficar comprando novos leitos de UTI sem licitação e por valor superfaturado.

    • “mas o que caralhos ainda tem que acontecer nesta bosta de país para que enfim se comece a fazer um trabalho realmente sério de combate a essa maldita pandemia de Coronavírus?”

      Temo que “seleção natural” seja a resposta…

  • Quantos anos vc acha que vai demorar pro Brasil ter os 85% de vacinados? Ou nunca terá por vários motivos, inclusive da seita política anti vacina? Nos EUA os gados do Trump também não tão se vacinando.

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