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Muito barulho por nada.

Muito barulho por nada.

| Desfavor | | 18 comentários em Muito barulho por nada.

Nessa semana, Sally e Somir pensaram em dois temas distintos, a abertura das Olimpíadas teimando em fingir normalidade onde a normalidade não é mais possível, e Bolsonaro e seus asseclas teimando em forçar voto impresso como se isso fosse resolver a zona que é o sistema eleitoral brasileiro. Os dois foram escolhidos por dividirem a mesma falta de noção sobre a realidade. Desfavores da Semana.

SALLY

Quando uma situação cagada aparece, quem não gosta de ficar na merda toma a atitude necessária para resolver o problema. Muitas vezes não são atitudes fáceis, mas, se você não tira algum ganho secundário de ficar na merda, qualquer coisa, qualquer esforço, qualquer mudança é melhor do que se manter na merda.

O problema é que, no geral, as pessoas tiram ganhos secundários por ficar na merda: negação (não ter que lidar com a realidade como ela é), acomodação (não precisar fazer esforços ou sacrifícios) e até vitimização (todo mundo faz um agrado e dá um desconto para quem está sofrendo) são o bastante para que muita gente sente no meio da merda e passe a maior parte da sua vida ali. Nada contra, se a pessoa for honesta, bater no peito e disser “eu escolho ficar na merda”.

Tudo contra se a pessoa for hipócrita, ficar reclamando, ficar alardeando que está tentando sair da merda e não fizer o que é necessário. E esse é o tema de hoje. Por mais que os textos tenham diferentes enfoques, o fio condutor é o mesmo: dispender tempo, esforço e recursos para algo que não vai te tirar da merda é um tremendo desfavor. Ou aceita viver na merda e fica nela em berço esplêndido ou faz o que tem que fazer e sai dela. Espernear na merda é uma das maiores humilhações que alguém pode passar.

Vamos começar pelas Olimpíadas. Mais precisamente pela cerimônia de abertura dos jogos olímpicos. Ela sempre se caracterizou pelo público, pela entrada das delegações de atletas, pelo calor humano, por um formato totalmente incompatível com a atual pandemia. Havia duas opções: cancelar a porra toda e esperar as condições certas para fazer esse tipo de evento ou criar uma coisa completamente nova, mais de acordo com a atual realidade, sem gente, só com tecnologia.

O que fizeram? Nem um, nem outro. Tentaram manter um formato incompatível com a atual realidade com resultado deprimente e que nem ao menos é eficiente para combater o coronavírus. Nem cá, nem lá. Parabéns aos envolvidos.

Fazer entrar delegação com duas, três pessoas? Melhor não entrar ninguém. Porra, não são os reis da tecnologia? Faz todo mundo entrar por holograma, faz uma coisa completamente nova e inédita. Ou então, bate no peito e assume que fazer essa merda é mais importante que a vida das pessoas e bota todo mundo para desfilar e foda-se a vida.

Mas não. Vamos arriscar contágios por pouca merda! Criaram um meio termo que ficou horroroso onde não conseguiram reproduzir uma cerimônia de abertura decente nem conseguiram evitar uma eventual contaminação por covid. É um lose/lose como faz tempo a gente não via. E, obviamente, nessa grande derrota, a delegação brasileira fez sua participação especial.

A roupa da delegação brasileira, como sempre, toda trabalhada em um look Agostinho Carrara. Mas, dessa vez foi complementado por havaianas nos pés. Mesmo com um número reduzido de atletas o Brasil conseguiu botar o Blanka que existe em todo brasileiro para fora: uma atleta chamada Ketleyn desfilou com o uniforme digno de bicheiro e sambando de chinelo. Depois se ofendem quando o Presidente da Argentina diz que vieram da selva. Compara o layout da delegação argentina e perdoa o Alberto pelo excesso de sinceridade.

Impressionante. Eram apenas dois atletas e ainda assim ficou tenebroso. É uma proeza. Eu pensava que era o efeito do bando, mas não. Se botar meio brasileiro ele dá vexame. Se for a parte de baixo periga fazer um quadradinho ou empinar a bunda, se for a parte de cima periga cantar “eu sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor”. Mas, o lose/lose brasileiro não parou por aí.

Se a ideia era evitar aglomeração, avisa para a delegação brasileira que não adianta nada enviar Ketleyn sambando de chinelo se depois iam fazer seu desfile próprio, extraoficial, com direito a aglomeração. Sim todo o resto dos atletas resolveu se reunir e desfilar da forma mais vexatória e macaqueante na Vila Olímpica, com zero respeito pelo distanciamento social. “Ah mas tá todo mundo testado e mimimi”. Sério? Eu não tenho mais forças para responder a isso.

Semana passada o Comitê Olímpico disse que seria impossível ocorrer um caso de covid nas Olimpíadas. Já tem mais de cem, e nem começou direito. Qual é o ponto dessas delegações reduzidas, de todas as medidas de distanciamento da cerimônia se, no fim do dia, volta todo mundo pro mesmo lugar e se um estiver contaminado, provavelmente todo o resto vai pegar? Já tem surtos de covid em diversos hotéis e pontos da vila olímpica. Adianta esse evento com menos gente para inglês ver?

Faz logo que nem os EUA e atocha de gente na delegação, nessa vibe “eu vou entrar e quero ver quem vai me impedir, lembra de Hiroshima?”. Estão errados? Muito. Mas pelo menos é mais sincero, menos hipócrita. Ou faz cerimônia de abertura sem pessoas, ou mete logo todo mundo e fodam-se os contágios, afinal, se quem está do lado de dentro se contaminar, fatalmente vai contaminar quem está do lado de fora.

Não sei se deu para perceber, mas, se mesmo antes de começar já passaram dos cem casos de covid, é sinal que todos esses “protocolos de segurança” pensados para o evento não adiantaram de porra nenhuma. Pra quê continuar mantendo algo que obviamente não está funcionando? Para mostrar que estão fazendo alguma coisa, ainda que saibam que esse “alguma coisa” é ineficiente?

Mas que merda… pior dos mundos! Pegar um porco e colocar nele duas orelhas de pelúcia não o torna um coelho. Ou assume que é um porco ou arca com o custo de mostrar um coelho de verdade. Dava para fazer uma belíssima cerimônia só com tecnologia, drones, holograma ou o que eles quisessem, reforçando a necessidade de isolamento social. Dava para ligar o foda-se, arriscar contágios e fazer algo com calor humano vibe “retomada depois da vacina”. O que eles fizeram? Contágios sem calor humano.

Não vale só para as Olimpíadas, que, em última instância, nem é algo importante. Vale para tudo. “Quero nadar na piscina, mas está muito frio para nadar, então, vou tirar toda a água e fingir que estou nadando”. Vai passar frio do mesmo jeito e não vai nadar porra nenhuma, pois não existe nado sem água. Continuem ignorando a realidade e gastando tempo, recursos e esforços essas medidas merdas, que não mudam porra nenhuma, apenas geram uma falsa sensação de segurança. A raça humana merece mesmo ir para a casa do caralho.

Para dizer que falou Pokemon, para dizer que faltou Goku ou ainda para dizer que faltou Godzilla: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu fiquei feliz com a união dos dois temas: não precisei ver a cerimônia de abertura. Como os japoneses basicamente ignoraram os videogames, nem isso teve para divertir. Sally ficou com a missão. Pra mim, sobrou o ministro da Defesa brasileiro repetindo a ameaça de Bolsonaro sobre impedir as eleições de 2022 caso o voto não seja em papel.

E pior, ao mesmo tempo que o Congresso empurra um orçamento absurdo para o fundo partidário, desperdiçando dinheiro que já estava em falta antes da pandemia, imagine só depois. Vamos imaginar, que por motivos de argumentação, Bolsonaro e cia. realmente se preocupam com a lisura do processo eleitoral brasileiro: adianta ter voto em papel num país com 400 partidos praticamente indiferenciáveis que só existem para sugar dinheiro do fundo partidário?

Adianta garantir que o voto do povo conte quando não tem muita opção pra começo de conversa? Quando você chega num segundo turno tendo que escolher entre Bolsonaro e um poste do Lula, será que a democracia está funcionando direito? E pior, quando a previsão para a próxima eleição é de novo Bolsonaro inacreditavelmente não expulso do poder e um Lula salvo da prisão por um acordão no STF… o que estamos protegendo mesmo?

Mas sabemos que as ameaças e bravatas de Bolsonaro, Braga Netto e o resto do gado contra as eleições não são baseadas na defesa da escolha da população brasileira. É preparação de terreno para tentar virar a mesa caso se vejam derrotados nas urnas. Trump fez a mesmíssima coisa. Começou a duvidar do resultado das próximas eleições antes delas acontecerem, e assim que ficou claro que perderia, tentou ativar sua base de apoiadores para um “vai que cola”. Nos EUA não deu certo.

Podem estar imaginando que no Brasil vai dar. Que o país é tão mais tosco nas suas instituições que é possível se segurar no poder mesmo perdendo no voto popular. Em tese, até tem alguma lógica. Na prática, estamos falando de pessoas tão incompetentes que é praticamente impossível imaginar um golpe de sucesso. As revelações da CPI da Covid vão mostrando o grau de amadorismo dos militares colocados em cargos chave pelo governo.

O que talvez fosse o suficiente num país totalmente arrasado por uma guerra ou uma crise humanitária, mas que dificilmente faz sentido no Brasil como está agora. Foi um esforço razoável ignorar a pandemia para deixar o país de joelhos, mas o coronavírus não é tão mortal assim. O Brasil não ficou num estado caótico suficiente para conseguir dar um golpe de Estado, qualquer pessoa com mais de dois neurônios na cabeça consegue perceber isso.

O que não é o caso de quem faz ameaças à realização das próximas eleições caso não se abandone o voto eletrônico. Falta noção básica da realidade. No máximo vão causar mais uma confusão que atrasa o país algumas décadas, mas não o suficiente para instaurar poder absoluto. Eu nem tenho medo de dizer qual seria o caminho correto, porque mesmo que alguém do governo tivesse capacidade de ler além do primeiro parágrafo, não teriam mão de obra qualificada para colocar um plano decente em operação. Era só ter feito o básico do básico na pandemia para se reeleger em 2022, mas nem isso conseguiram!

Os dois temas se misturam porque é gente teimando com o que não consegue fazer ao invés de tentar fazer direito o que tem capacidade. A cerimônia de abertura das Olimpíadas poderia ter sido um show tecnológico ao invés de uma celebração humana sem humanidade. Poderiam até mesmo ter ouvido a maioria da população japonesa e ter deixado para o ano que vem. Mas não, teimaram em fazer tudo meia boca.

Bolsonaro e seu time poderiam ter tentado usar a “disciplina militar” para tratar da pandemia e criar algum fato positivo no país durante o tempo de crise, garantindo sua manutenção no poder. Ao invés disso, estão fazendo o governo inepto e corrupto de sempre, mas com bravatas ridículas de tomar o poder ano que vem. Não tem força, não tem moral, não tem capacidade. Vira uma piada, enfraquece a base. Fazer nas coxas tem consequências…

Não tem jeitinho, nem nas Olimpíadas nem no governo brasileiro. Ou faz direito, ou não faz. Esse meio termo bizarro não agrada e não gera resultados decentes. E olha que até agora eu estava dando mais um benefício da dúvida: a ideia de que eleição em papel é mais segura que eleição eletrônica. Embora existam questões de segurança sim no processo digital, não podemos esquecer que eleições fraudadas quase sempre acontecem com voto em papel.

Poucos países do mundo seguiram o caminho brasileiro de voto eletrônico. Todos os golpes eleitorais que vemos ao redor do mundo são realizados no bom e velho papel. Adianta mudar o sistema se os dois podem ser fraudados? Depois que uma ditadura se instala, pode mentir sobre os votos à vontade, porque controla todos os pontos de apuração. Até parece que muda alguma coisa ser numa tela ou num pedaço de papel!

Se o sistema está corrompido, o voto é duvidoso, venha de onde vier. Mania de achar que é só um detalhe que está atrapalhando tudo. Já falamos várias vezes dessa mania de dar canetada para tentar resolver sintoma, ignorando a doença. A doença do sistema eleitoral brasileiro está no fundo partidário indo para toneladas de partidos indiferenciáveis, fisiologistas com orgulho. O país é corrupto. Corrupto por causa de incompetência.

Se não resolver incompetência, não resolve nada. Pode enfeitar do jeito que quiser, mas quem não consegue comprar vacina para uma pandemia porque prefere tirar um lucrinho com atravessador não vai conseguir fazer nada que preste, seja lá como foi votado para chegar ao poder.

Podia estar indo bem para ser reeleito, mas faltou capacidade. O resto é teimosia e chororô.

Para dizer que é o mesmo tema com olhos mais ou menos puxados, para dizer que ninguém se importa com ambos os temas, ou mesmo para dizer que se colar colou: somir@desfavor.com


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