A pandemia deveria ser tempo da humanidade se unir em causa própria, mas é claro que isso não aconteceu. O ativismo continuou dividido, e Sally e Somir escolhem qual deles mais passou vergonha. Os impopulares protestam.

Tema de hoje: qual é o militante mais patético durante a pandemia?

SOMIR

A briga é boa, muita gente luta pela medalha de maior sofredor hoje em dia. Dessa vez eu vou com as feministas, mas com menções (des)honrosas para diversas outras classes do ativismo moderno. A questão toda é que dada uma situação terrível para todo mundo, não existe muita lógica em ficar disputando para ver quem está sofrendo mais. Essas comparações têm alguma função em tempos normais, mas são péssimas durante uma crise.

E aqui, eu já começo arriscando perder metade da base de leitores do Desfavor: as feministas ganharam minha indicação porque não dá nem para colocar isso na conta do desespero causado pela pandemia. O modus operandi das que falam sem parar como as mulheres são as que mais sofrem com a crise é basicamente o mesmo que quase todo homem conhece de uma DR.

A mulher reclama, mas não está pensando na resolução do problema. Nesse ponto, os gêneros têm uma diferença considerável. Homens reclamam quando não conseguem pensar numa solução ou quando não tem a capacidade de colocá-la em prática; mulheres reclamam por essas mesmas condições e além disso, reclamam por pura necessidade de externar seus sentimentos. O que é bem mais raro entre eles.

Eu poderia até argumentar que boa parte do problema do feminismo moderno é essa tendência natural delas: a reclamação sem a expectativa de uma solução. Homem detesta DR não porque não quer resolver o que quer que esteja incomodando sua mulher, homem detesta DR porque quase sempre é só reclamação mesmo. Mulher detesta quando homem começa a sugerir soluções para os problemas delas enquanto estão reclamando, e homem não consegue funcionar de forma diferente.

Quer deixar uma mulher puta da vida no meio de uma DR? Pergunta pra ela o que ela quer para resolver o problema. Elas te atacam na hora. Dizem que você não entendeu nada e que não adianta fazer coisa A ou coisa B, que a questão é mais profunda e você não está ouvindo o que elas estão dizendo. Em defesa delas, o homem realmente não entendeu nada: a missão dele era escutar a reclamação na íntegra e dar suporte emocional. Essa coisa de achar solução raramente é o ponto de uma DR.

Já que eu estou com um pé enfiado na jaca, por que não enfiar outro? Dá até para abusar disso e manter um relacionamento bem desigual (para ela) se souber navegar as reclamações femininas do jeito certo. Algo me diz que mulher só confia em homem pra abrir vidro de azeitona e bater em outros homens, o resto elas preferem tocar sozinhas. Elas não querem as nossas soluções, especialmente quando estão dando vazão aos seus sentimentos.

Toda essa escrotice é para estabelecer um ponto: muito do ativismo vitimista feminino durante a pandemia parece só uma DR. Mulheres se dizem mais afetadas (o que eu até considero um ponto válido), mas ai de quem tentar sugerir uma solução. Imagino que seja muito complicado lidar com um marido violento durante a quarentena, mas infelizmente, a solução é ou bater com mais força nele (covarde é covarde) ou separar. Como a primeira opção não é muito prática para a maioria das mulheres, precisamos considerar a segunda.

Mas aí, o problema é que muitas não tem condições financeiras ou segurança suficiente para isso. O que é a mais pura verdade. A parte da condição financeira é mais discutível, mas para algumas não é questão de baixar o nível de vida, é passar fome mesmo. A da segurança é óbvia, especialmente no Brasil. Boa sorte escapando de um abusador quando a polícia não consegue nem impedir bandido de fuzil andando na rua.

Eu não estou dizendo que não entendo o problema, estou dizendo que ele existia antes da pandemia e que só ficou mais difícil de resolver depois dela. Quando as ativistas falam de como as mulheres estão sofrendo mais com as restrições impostas, perguntamos “então o que temos que fazer?”, e a resposta, como costuma ser na DR, é “nascer de novo”. Precisamos mudar a mentalidade tóxica masculina, mulheres precisam de mais condições para se tornarem independentes, etc.

Todas coisas que não podem ser resolvidas no meio de uma pandemia. Mesmo sem ela, ainda seria coisa de gerações. Posso compreender a questão de sofrer mais, mas a não ser que exista uma solução rápida e simples, é mais do mesmo. Mais do mesmo enquanto as pessoas precisam lutar contra uma doença espalhada pelo mundo todo. Numa DR até existe uma função em ficar tocado com o sofrimento maior dela, mas em políticas públicas, é só reclamação jogada ao vento.

Esse método de “ativismo DR” – onde a pessoa reclama e fica puta da vida quando você sugere soluções – parece ter virado o padrão da lacrosfera. Mulheres reclamam disso, mas todos os outros grupos considerados minoritários começam a se bandear para esse jeito de reclamar. O homem branco hetero sugerindo uma solução? Afronta! Como ousam não validar o sofrimento alheio?

Tem algo nessa necessidade de expressar o sentimento que está além da minha compreensão, admito. Nem estou dizendo que isso torna as mulheres piores, estou apenas dizendo que quando precisamos de soluções práticas para um problema muito bem definido como uma pandemia, não é hora de colocar isso em destaque. É hora de pensamento técnico e admissão das incapacidades: o que podemos fazer para resolver? Se você não tiver essa resposta, senta, pensa e volta com algo melhor.

O Estado e a sociedade que emana dele não são seus namorados. Vai desabafar com uma amiga, porque para falar com o mundo em geral, precisa ter um objetivo claro. Sinto muito que você sofre mais, e ao mesmo tempo, caguei que você sofre mais. Se o único plano é uma mudança de mentalidade generalizada, tem que saber trabalhar aos poucos e não ter pressa. Se tem outro plano, diga, somos todos ouvidos!

Também acho os ativistas escolhidos pela Sally terríveis, mas a causa deles é problema de primeiro mundo. Causar mais animosidade contra o que defendem não piora as coisas para a humanidade, mas no caso que eu estou escolhendo, piora e muito. Imagina estar numa cama de hospital doente e sua mulher vem querer começar uma DR? Depois ficam confusas com a reação cada vez mais negativa contra o feminismo…

Para me chamar de porco machista, para dizer que você é diferente, ou mesmo para dizer que o pior ativista é o antivacina: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é o militante mais patético durante a pandemia?

Todos são, ficar militando por uma causa que abarca um grupinho enquanto uma pandemia dizima vidas pelo mundo é patético, mas, na minha opinião, os mais patéticos são os da causa animal. Estão morrendo pessoas, caralho.

E, que fique claro: não discordo do Somir. É patético querer que o mundo pare, em meio a uma pilha de mortos, para focar suas prioridades quais roupas uma mulher pode usar, em quais palavras as ofendem, etc. Patético, sem dúvidas, mas ao menos esses patéticos estão focados em humanos. E os meus, que nem em gente estão pensando?

“Ain, mas é grave, tem mulher sendo vítima de violência…”. Sim, é grave, mas, cá entre nós, ninguém tem que bater em ninguém, ninguém tem que matar ninguém, ninguém tem que escrotizar ninguém, independente da pessoa ter um pênis ou uma vagina. Mas isso é assunto pro Somir, vamos aos meus patéticos.

Sou totalmente contra maus-tratos a animais e acho sim uma causa válida, o que questiono aqui é a prioridade. Eu sou contra deixar a casa suja, mas, se minha casa estiver pegando fogo, eu não sou débil mental de começar a varrer a sala pois estão caindo cinzas no chão. Todos os meus esforços serão para apagar o incêndio e minimizar os danos. Uma vez controlado o fogo, aí sim eu posso pensar em me preocupar com limpeza.

Dizer que uma causa não deve ser a prioridade no momento não quer dizer que ela não seja válida, quer dizer apenas que existem outras coisas mais urgentes, como por exemplo, mais de 4 milhões de mortos. Tadinho do cachorrinho caramelo que foi chutado, mas porra, se os humanos morrerem, nenhum cachorrinho e nenhum gatinho do mundo receberão cuidados. Todas as vaquinhas e porquinhos que estão confinadas vão passar ainda mais perrengue, pois além de todos os maus tratos, vão passar fome.

Vou falar uma frase que não sai mais da minha boca faz tempo, por causa da reação de retardo mental que gera nas pessoas: bicho é bicho, bicho não é gente. Se para você vida de qualquer bicho (não do seu, de qualquer bicho) vale tanto quanto (ou mais) do que a vida de um humano, vai lá e bota na prática teu discurso: não usa mais remédio, não usa mais produto de higiene e beleza, não toma vacina, pois todos são testados em animais. Para mim, vida de um humano ainda é diferente e mais valiosa do que a de um animal qualquer.

“Mas eu uso produtos não testados em animais”. Não, não usa. Já expliquei em um FAQ, mas resumo aqui novamente: TODO produto de higiene, beleza ou medicamento TEM QUE ser testado em animais antes. Não existe outra forma de conseguir passar para a etapa seguinte e testar em humanos que não seja antes testar em animais.

“Mas na embalagem do produto que eu compro diz que não é testado em animais”. Sabe o que isso quer dizer? Que essa empresa comprou o insumo (a matéria prima para preparo do produto) em outro lugar, onde sim foi testada em animais, e quando chegou nas mãos deles, eles apenas misturaram o insumo com corante e aromatizante. ELES não testaram em animais, mas, para que esse produto chegue às prateleiras, ele foi testado pra caralho em animais.

Então, quer defender a causa animal e acha que o bem-estar deles vale tanto quanto o humano? Walk the talk, prove, dê o exemplo. Não use mais shampoo, condicionador, desodorante, aspirina, insulina, maquiagem, perfume, cremes… e não tome vacina.

E não consuma nenhum produto que estimula a crueldade animal, como a Coca-Cola, que patrocina rodeios. E não coma carne. Não use sapato de couro. Ser contra a crueldade animal consumindo produtos/alimentos que a aplicam é ser um babaca, alienado ou hipócrita. Estamos no meio de uma pandemia (ainda que vocês, no Brasil, não sintam assim), não dá para perder tempo com hipócritas.

Basicamente, ou você vira Amish, toma banho esfregando bicarbonato de sódio no cabelo e só come grãos, ou você está, de alguma forma, fomentando a crueldade animal. Em vez de viver uma mentira atacando algo que você fomenta, use seu tempo e sua energia para tentar ajudar de alguma forma a humanidade em meio a uma pandemia.

Mas não, em vez de focar nas pessoas que estão morrendo o povo da causa animal ainda ataca a vacina, pois ela foi testada em animais e diz que vai esperar por uma vacina vegana. Sabe quando vai surgir uma vacina vegana? Sabe quando vão deixar testar algo diretamente em humanos sem ser testado em animais antes?

Não contentes em não ajudar em uma tragédia mundial, os bonitos ainda atrapalham. Eu sei que quem fica fazendo escândalo por assediarem a Magalu é demente, mas ao menos essas pessoas não deixam de tomar vacina por causa disso e não estimulam que ninguém o faça. Não incutem culpa em quem toma vacina.

Novamente, acho errado chutar o vira-lata caramelo, manter a galinha confinada em um cubículo, enfiar funil na goela do ganso. Mas é isso de um lado da balança e 200 milhões de pessoas doentes e mais de 4 milhões de pessoas mortas, em sua maioria, em intenso sofrimento. Não pode ser que sua balança não pese absurdamente para o lado dos humanos.

“Mas eu não gosto de gente”. Nem eu, meu anjo. Mas quando tem uma pandemia, as poucas pessoas que você gosta podem adoecer, sofrer muito, morrer ou ficar com sequelas horríveis. Então, mesmo que o foco seja proteger as pessoas que você ama, vale o esforço, vale usar os recursos que você tem para fazer algo que ajude a frear essa situação.

Não existe outra causa possível quando há um vírus que pode custar a sua vida ou a vida das pessoas que você ama. Quem arruma tempo para outra causa não entendeu quão séria é a situação. Eu sei que vocês aí no Brasil estão levando uma vida praticamente normal, mas isso não quer dizer que a pandemia tenha acabado.

O direito a usar roupa tal pode esperar, o vira lata caramelo pode esperar, a linguagem neutra pode esperar, as cotas podem esperar, qualquer coisa que não seja voltada para a sua sobrevivência ou a sobrevivência das pessoas que você ama, pode esperar.

Para dizer que não pega nada não e que o vírus já está indo embora, para dizer que doa dinheiro para uma ONG animal então pode tomar sua coquinha em paz ou para dizer que só come carne de vacas que morreram de velhice: sally@desfavor.com

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Comments (28)

  • Sigo o meu mantra de >muié sempre. Ecochatos são uma merda, veganos são uma merda, as Luisa Mell da vida são uma merda, mas meua migo, as feministas sempre se garantem com a união dos poderes “EU EU EU” e vitimismo. E não basta a >muié só querer reclamar da própria situação em vez de fazer alguma coisa pra resolver o suposto problema, mas a >muié nem precisa de um problema: se ela não tem problema, ela arranja um por procuração. Pode viver como uma princesa, mas vai reclamar que a outra >muié ou grupo de >muié não tem acesso a um privilégio aleatório. A pergunta do um milhão de Bolívares é sempre “como eu posso trazer o foco desse problema pra mim?”

  • Eu querendo vacina (tá em falta no meu município para as repescagens e quando foi minha vez, estava com sintomas gripais), e FDP podendo brincar de sommelier vegan…

  • Não tenho como opinar, porque pra mim, chato na pandemia é só quem quer tolher meu direito de ainda ter um pingo de felicidade em meio a tanta merda rolando.

    • Aí depende do que se pleiteia como direito a ter felicidade. Sei que não é o seu caso, mas tem muita gente indo pro bar, pra festa, para a praia dizendo que só assim para ter um pingo de felicidade. Se, para ter felicidade se expõe a vida alheia a riscos, a pessoa tem que entender que precisa encontrar outras formas de obter felicidade.

  • “Bicho não é gente” – minha mãe precisa ouvir e internalizar isso pra ontem! Pelo amor, viu?
    Concordo com a Sally nessa, até porque tenho relatos pessoais com conhecimento de causa. Minha mãe é cachorreira, mexe com esse negócio da causa animal e tal. Acho bacana a iniciativa, nobre até. Mas é no mínimo exagerado, a meu ver, ela querer simplesmente parar o trânsito e causar um fuzuê total só por causa de um cachorrinho qualquer no meio da rua que está mal tratado ou foi atropelado etc etc.

    Nesse sentido, é um sacooo ter que viver e aturar ela! E, ela mesma diz, sobre os próprios cachorros dela, que eles são seus filhos, que cuida como gente, pipipi popopo… e que “minha vida são eles”, “onde eu for eles vão comigo” etc etc. Se ela não liga mais pros filhos, nem pra ninguém ao redor dela, se tudo o que importa são os bichos, olha… Então tem que mandar se foder, não?

    • Humanizar animais é ruim inclusive para os animais. Não é amor, é carência e outro sentimentos mal resolvidos dos humanos que eles descontam nos animais. Os bichos humanizados ficam neuróticos e são extremamente infelizes, apesar de seus tutores serem incapazes de ver isso.

      • Bahh nem fale, é nítido, mais do que nítido aqui pelo comportamento dos cachorros que eles são todos neurados, surtados, carentes e ciumentos. Ninguém pode chegar perto dela, e ainda por cima também não aguentam ficar sem ela, a ponto até de não comer quando ela está fora de casa, tem base? Pelamor! Mas mamma é cabeça dura que só, uma mula, um poste, não muda nunca sua forma de pensar e agir, então…

  • Comer grãos também não pode. Eles são plantados em áreas enormes, com o deslocamento e morte de animais silvestres muito mais fofinhos que galinha e ganso. Tem que virar coletor, já que caçador não pode também. Pesca eu fico na dúvida, por que as pessoas não tem tanta empatia por peixe. O lance é comer carniça, que é o que os nossos antepassados faziam afinal. Aos que não me conhecem, estou sendo irônico, ok?

    • Mas, comer carniça não seria retirar alimentos de outros animais como urubus? E o urubu não seria símbolo da torcida do Flamengo, configurando também racismo?

  • Bernardino Teixeira

    O que está acontecendo é uma total falta de noção de prioridade: isto se deve à educação que não pode mais corrigir, que considera o mal feito como aceitável e que premia do primeiro ao último lugar.
    Tudo precisa ser resolvido agora, no momento, a ansiedade está tomando conta de tudo (haja calmantes!).
    O mundo passando por uma pandemia e tem que gente que fica discutindo sobre “empoderamento”, “pronomes neutros”, “racismo estrutural”, entre outros “temas urgentes”.
    Nossos ancestrais que lutaram em tantas guerras para manter a nossa sobrevivência ficariam envergonhados…

    • “Nossos ancestrais que lutaram em tantas guerras para manter a nossa sobrevivência ficariam envergonhados…” Concordo 100%, Bernardino.

    • Há espaço para todos os debates sem que um, necessariamente, interfira no outro. Num mesmo dia eu consigo não matar uma velhinha no soco, não chutar cachorro (e odiar quem chuta), não lamber um corrimão pra evitar covid, usar máscara e álcool, ficar em casa sempre que puder, odiar várias questões que motivam as reivindicações genuínas de várias causas, ou odiar a própria causa. Dá pra democratizar o ódio e distribuí-lo em várias direções em favor de todos.

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