Crise pós-crise.

IPCA é maior para mês de setembro desde 1994 e chega a 10,25% no acumulado de 12 meses, ficando em dois dígitos pela primeira vez em cinco anos. Alta é puxada pela pandemia, habitação e energia, além da crise política. O Brasil voltou a registrar inflação na casa dos dois dígitos, com o maior índice para o mês de setembro observado desde os primórdios do Plano Real, em 1994. LINK


A vacina provavelmente vai evitar que avisemos sobre o perigo iminente da piora da pandemia. Mas a conta da má gestão durante ela… essa só está começando a chegar. Desfavor da Semana.

SALLY

Vocês estão sabendo que o Brasil está entrando em uma crise econômica, né? Pergunto isso pois mesmo com inflação de dois dígitos ainda tem gente em negação. Bem, se você compra sua própria comida, se você vai ao mercado, se você paga suas próprias contas, você deve estar percebendo o que está acontecendo. Este é o ponto de partida para o texto de hoje.

Além de entrar em uma crise que ainda não sabemos o tamanho, é preciso deixar bem claro que não se está fazendo nada para sair dela. O Governo parece alternar uma esquizofrenia explicativa, ora dizendo que a culpa da crise é do lockdown/quarentena, hora dizendo que ela não existe ou que ela é mundial e que todos os países estão passando pelo mesmo.

Importante reforçar que tudo que esse Governo fala, inclusive isso, é mentira. Você anotou as promessas desse Governo como a gente pediu, assim que o Bolsonaro foi eleito? Se você anotou, vai lá dar uma lida na sua lista e você vai ver que, na melhor das hipóteses são incompetentes, e na pior, mentirosos. Não fizeram nada do que foi prometido. Os atos do Governo foram voltados para salvar os filhos do Presidente da prisão ou salvar o Presidente do impeachment.

Desonerar o serviço público e colocar técnicos em cargos técnicos? O cabidão de empregos só aumentou e só foram nomeados ignóbeis como moeda de troca. Até os gastos no cartão corporativo conseguem ser muito superiores aos do PT, aqueles favelados que adoravam ostentar no poder. Sobre não ter corrupção no Governo, acho que eu nem preciso falar nada: quando encontram uma pessoa com dinheiro enfiado no cu, sujo de merda, isso dispensa comentários.

É claro, declarado e expresso que o Governo tentou “salvar a economia” fazendo com que a população não fique em casa durante a pandemia. Também é numericamente comprovado que não deu certo: perderam-se muitas vidas e a economia está colapsando. E não dá para meter essa de que “mas em todo lugar foi assim”, por mais que a pandemia tenha impactado o mundo todo, alguns países, curiosamente os que fizeram lockdown, tem uma previsão boa de crescimento, como é o caso da Itália.

Então, era perfeitamente possível passar pela pandemia, fazer lockdown e ainda assim ter crescimento. Por sinal, os países que mais se foderam foram o que não souberam gerir de forma decente a pandemia. Não adianta continuar bravateando em deboche “fecha tudo a economia a gente vê depois”, pois não foi isso o que cagou as finanças do país. Muito pelo contrário. Como falamos em um texto do ano passado, pessoas assustadas não consomem, pessoas inseguras não consomem, pessoas enlutadas não consomem.

É muito importante que isso fique claro: a crise econômica que está brotando apareceria de qualquer forma, com ou sem pandemia e, com a pandemia, só piorou graças à gestão vergonhosa de deixar morrer gente, de estimular pessoas a irem para as ruas. Foi isso, não o lockdown, que gerou um desastre econômico. Não é a nossa opinião, é o que diz o Fundo Monetário Internacional.

E, por mais que doa arrancar pessoas de sua bolha “o Brasil não é melhor nem pior, acontece em todo o mundo”, existem dezenas de países que este ano terão crescimento econômico, pois fizeram o certo: fecharam quando tinham que fechar. Quem acertou esse timing, está economicamente bem e crescendo. Lockdown ajuda a economia, quando bem-feito, quando conjugado com outras medidas como vacinação eficiente, uso máscara e fiscalização para cumprimento de normas sanitárias.

Lembram quando o Paulo Guedes disse que o dólar só subiria de 5 reais de ele fizesse muita bobagem? Pois é, não somos nós a dizer que o Governo fez muita bobagem, o próprio Paulo Guedes o disse. O atual governo não tem a menor ideia do que está fazendo. Spoiler: não só não estão ajudando, como ainda estão piorando a situação. Alta do petróleo? Vai a anta do Bolsonaro e me fala em privatizar a Petrobrás. Só rindo. Não há nenhum indício que o Brasil vai se safar de uma piora na crise.

Meu ponto é: estamos vendo brotar uma crise e nada está sendo feito para contê-la – muito pelo contrário. Tomara que ela não avance muito, mas não dá para descartar essa hipótese. Então, já que é uma possibilidade real, acho que é hora do povo olhar para isso e, se possível, se preparar para isso.

Para começo de conversa, não é hora de perder tempo com problemas de primeiro mundo: o saruê albino que vai ser extinto, pedir para que pessoas digam “todxs” em vez de “todos” ou pleitear banheiro para transgênero. Vamos colocar o pezinho no chão e entender que boa parte das pessoas está passando fome, comendo carcaça, catando comida no lixo. Os esforços devem ser voltados para a base da Pirâmide de Maslow. Qualquer coisa diferente disso é completa falta de noção da realidade.

Depois, também é preciso ter consciência das projeções para o próximo ano: vai ser um ano de crise energética, é provável que o preço dos combustíveis aumente ainda mais, encarecendo tudo, já que quase tudo é transportado via rodovia no Brasil. É como uma tsunami se formando: ainda dá tempo de reagir. Você não pode salvar o país, mas pode tentar fazer algo por você, individualmente.

Então, se ainda tem alguém achando que tudo vai “voltar ao normal” (já avisamos que o antigo normal não volta mais) “depois da pandemia” (já avisamos que a pandemia não acabou), estamos dando aquele último aceno: ainda dá tempo de pegar o retorno e reprogramar a sua rota. Não é por ter parado de morrer gente adoidado que as coisas se reacomodam sozinhas. O país está bagunçado e, se não arrumar a bagunça, vai piorar.

E não é que “a pandemia está cobrando seu preço”. É a MÁ ADMINISTRAÇÃO da pandemia que está cobrando seu preço, quem fez as coisas certas está muito bem, obrigada. Vou repetir até cansar: a culpa não é da pandemia, não adianta tentar jogar a culpa nela, não cola.

Eu realmente espero que não aconteça, mas podemos nos deparar com uma crise energética fodida, alta no petróleo e escassez de mais coisas do que gostaríamos de imaginar. A intenção não é te botar medo, é te convidar para refletir sobre suas despesas, sobre seus planos para o próximo ano e sobre o quanto sai do Brasil é uma prioridade para você. Toda decisão financeira que você tomar, de hoje em diante, tenha em mente um possível prognóstico desfavorável.

Se eu fosse o Lula, sinceramente, desistiria de concorrer às próximas eleições. Ninguém merece pegar o abacaxi que vai ser o Brasil.

Para dizer que o lado bom de não ter dinheiro é que você não perdeu nada com essa crise, para dizer que o Governo prometeu que não teria crise energética ou dizer que a única escassez que te preocupa é a de chip de iphone: sally@desfavor.com

SOMIR

De uma certa forma, eu concordo que economia deve ser a prioridade de um país. Faz tempo que eu digo que sem recursos básicos, as pessoas não conseguem evoluir em basicamente nenhum aspecto. Gente que tem necessidades básicas cobertas é gente que consegue se preocupar com justiça social, meio ambiente e inovação. Essa é a história humana: quanto mais gente escapa do desespero pela sobrevivência imediata, mais a sociedade avança.

Mas, é claro, o foco não é o dinheiro pelo dinheiro, e sim a capacidade das pessoas de fazerem uso dele. Pouco resolve estar numa sociedade muito desigual, onde uma minoria tem recursos demais e a maioria é miserável. Eu nem considero um posicionamento político pensar assim, é senso básico de realidade mesmo: quem está passando fome não está preocupado com mais nada. Quem tem medo de não ter um teto precisa colocar todas suas energias em manter um.

Não é à toa que sociedades que conseguem expandir a classe média alcançam índices de desenvolvimento humano mais alto. É questão de números: você tem mais gente livre de uma vida de pura subsistência, e consequentemente mais gente capaz de trabalhar para o bem comum. Então, sim, eu concordo que a economia deve ser prioridade.

Mas apenas se ela contribuir para esse aumento da classe média. Porque qualquer outro resultado do foco econômico não nos acrescenta muito. No caso da pandemia, nós imediatamente apontamos a bizarrice de criar uma escolha entre olhar para a saúde e olhar para a economia: a função social básica de manter o dinheiro fluindo no mercado não funciona se as pessoas estão preocupadas com questões básicas de sobrevivência. Não há consumo ou investimento suficientes diante de perigo iminente.

São mais de 600.000 mortes aí para nos provar que a escolha do Brasil não foi pela saúde das pessoas. Muito embora o governo vá morrer jurando que não conseguiu salvar a economia porque o forçaram a focar na questão de saúde, está claro que acabamos com o pior dos dois mundos: morreu muito mais gente do que deveria se o país tivesse agido de forma mais ou menos competente, e estamos saindo da pior fase da pandemia com uma economia em frangalhos.

O Brasil é o resultado de teimar que manter bar aberto e não usar máscara para “salvar a economia”. Claro que a gente bate em Bolsonaro e sua trupe negacionista, mas a teimosia ignorante do povão foi preponderante para fazermos chegar no ponto em que chegamos. E agora, nos vemos diante da seguinte situação: todo mundo passou pelo mesmo aperto da pandemia, mas o Brasil se esforçou para deixar tudo ainda mais horrível. Isso tem um preço: o preço é que nossa economia vai patinar muito mais que outros países por causa disso.

Sim, vem uma crise energética e de insumos básicos para todo mundo, talvez o capitalismo moderno já esteja dando sinais de fadiga mesmo, mas o passado molda o presente: quem protegeu sua população e permitiu esperanças nesses anos de coronavírus vai sofrer para continuar crescendo, mas quem fez o que o Brasil fez vai sofrer e ponto. Não sabemos para onde isso pode ir ainda. A única “sorte” do país é sua economia extremamente dependente de exportações de insumos básicos, o que pelo menos nos torna competitivos com a moeda despencando em relação ao dólar.

Mas, como eu disse antes, economia que só beneficia uma parte pequena da população não gera melhorias num país. A maioria de nós trabalha vendendo coisas dentro do Brasil, e uma casta elevada de grandes empresas e políticos/fazendeiros que realmente lucram com esse mercado desigual. Se o tal do “foco na economia” era para tirar gente da classe média e concentrar renda em poucos, deu certo. E vai continuar dando certo pelos próximos meses e anos.

É por isso que vale a pena o aviso de que essa crise atual não é algo que vai ser revertido assim que “o mundo voltar” ano que vem. Muito pelo contrário: um processo de normalização vai expor o Brasil como um dos países que menos se preparou. A demanda por energia e matéria prima ano que vem deve ser absurdamente alta em comparação com 2020 e 2021, muito maior que a produção: e isso significa que quem tiver dinheiro para comprar vai inflacionar o preço de tudo.

E adivinha quem não vai ter dinheiro para comprar? Se você não vende soja ou ferro, sinto te dizer que a crise vem e vem com força. Bolsonaro não está nem aí, e Paulo Guedes parece contente com o crescimento do valor de seus investimentos fora do país. O resto do nosso sistema político parece estar feliz com essa provável fase de enriquecimento dos mais ricos que vamos ver nos próximos capítulos.

Eu acho que é hora de seguir a experiência dos nossos hermanos sulistas: os argentinos se protegem das crises comprando dólar há décadas. E por mais que não tenhamos sinais extremamente positivos vindos dos EUA, talvez seja a solução mais razoável no curto prazo. Porque mesmo que troquemos de governo, é possível que assuma o Lula e já sabemos como o PT lida com crises econômicas, fingindo que não existem até o país quase explodir. Conselho financeiro grátis não costuma valer nada, mas nesse caso eu só vou dizer o que eu estou fazendo: juntando verdinhas, por mais que o valor esteja cada vez pior na conversão de quem compra.

Porque real mesmo, só a crise.

Para dizer que ia gastar tudo em bobagem mesmo, para dizer que vende soja ou ferro, ou mesmo para dizer que é tudo culpa da esquerda/direita: somir@desfavor.com

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Comments (20)

  • Sally, sobre as grandes festividades de final de ano, “festa dos vacinados” que estão por vir em dezembro e coisas do tipo .
    O que vc acha sobre isso neste momento ? Sempre valorizo muito sua opinião, e admiro suas analises e modo de pensar.
    Pergunto isso por que sinceramente eu não consigo mais explicar pra minha namorada o por que de ir num evento desses não é uma boa ideia. E quando propus um intervalo de 16 após a festa para nos vermos novamente ela acha que estou brincado ou fica chateada.
    Estou sendo muito dramático ou paranoico ? ?

  • 2021 e 2022 serão anos de inflação de dois digitos. Isso só não ocorreu em 2020 também porque teve uma forte queda no preço do petróleo e algumas liquidações por conta da parada das atividades.
    Minha projeção pro Dolar é R$ 5,70 no fim desse ano, R$ 6,30 em Junho e em torno de R$ 7,00 no final do ano que vem.
    E se tem idiota acreditando que com Lula vai se ter a volta dos “bons tempos”, vai ficar acreditando porque acabou a era das divisas fáceis entrando e puxando o câmbio pra baixo.

  • Eu poderia até gastar meu latim aqui discorrendo sobre o que o Brasil pode/deve fazer pra melhorar, pra mudar o curso dessa desgraceira toda. Mas seria só isso, gastar meu latim mesmo. O povo é simplesmente contra fazer os sacrifícios que trazem crescimento.

    Analisando as últimas décadas de gestão desse país, podemos notar que o Brasil e o brasileiro combateram ferrenhamente todas as políticas e iniciativas que trouxeram crescimento a outras nações. Ao mesmo tempo em que implementa e defende vícios há muito abandonados pelas nações desenvolvidas.

    O Brasil parece aquele gordo que acredita piamente que dá pra emagrecer comendo. Que dá pra entrar em forma antes do próximo verão sem sacrifícios.

    Já diz a famosa frase: “O Brasil não é pobre à toa. Isso aqui é trabalho de profissional”

    • Pelo tom, as “soluções” são aquelas que enriquecem os especuladores vagabundos do mercado financeiro e sacrificam 99% da população. Se é assim, melhor ficar quieto mesmo, para evitar que a contradição discursiva fique evidente.

    • Ah não, estagnação seria um presente. Vai piorar, e muito.
      A julgar pela maioria esmagadora dos comentários (obviamente não aprovados), o brasileiro está longe de assumir responsabilidade por algo. Estamos falando do Brasil atual e só aparece “Ain mas e a Argentina”, “Ain mas e a Dilma, Ain mas e o Lula, Ain mas e a Rússia, Ain mas e a China.

      Fico me perguntando como esses retardados mentais reagem quando recebem uma crítica do chefe. Será que em vez de refletir sobre o que é dito e tentar melhorar falam “Ain mas o Fulano da mesa ao lado fez tal coisa”. Nem na terceira série eu fazia uma vergonha dessas.

  • “Se eu fosse o Lula, sinceramente, desistiria de concorrer às próximas eleições. Ninguém merece pegar o abacaxi que vai ser o Brasil.”
    Do jeito que ele é o queridinho de alguns nichos da comunidade internacional, capaz de a eleição dele até gerar efeitos positivos. Temporários, é claro, mas tem que saber surfar a onda. O negócio é aproveitar o próximo boom de commodities, a próxima ilusão de que o país vai pra frente, e vazar daqui.

  • Com pandemia ou sem pandemia, o crédito fácil + produtos caros colocou o brasileiro num looping maldito que ele nunca vai sair se não aprender a gerenciar seu dinheiro. É um ciclo infinito, o meme da “Foto no espelho com iPhone e parede sem reboco” nunca vai morrer. Consumismo americano mas com renda e educação da Somália.

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