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Nivelando por baixo.

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| Desfavor | | 31 comentários em Nivelando por baixo.

Uma publicação no Twitter com a foto de cinco potes de sorvetes da marca Bacio di Latte viralizou nas redes sociais nesta semana e gerou um debate na internet sobre classes sociais. O post de Catharina Lima, 40 anos, era para ser uma brincadeira com o pai, que fez a compra, mas virou uma polêmica sobre desigualdade social e riqueza. Isso porque as embalagens de 400 gramas custam em média R$ 40. LINK


Tudo vira briga. Tudo precisa virar briga? Quem se beneficia com tanta briga? Desfavor da Semana.

SALLY

Uma moça passou por uma cirurgia. O médico a orientou a comer apenas alimentos gelados nos dias que se seguiram à cirurgia, para ajudar na recuperação (algo frequentemente indicado por médicos e dentistas após alguns procedimentos). A moça contou a seu pai que só poderia ingerir alimentos gelados nos próximos dias. O pai foi até uma loja e comprou cinco potes de sorvete para ela.

Essa cena não me causa estranhamento. Certamente é algo que meu pai faria por mim (inclusive dessa marca, se eu morasse no Brasil). Não vejo o menor problema em nada do que aconteceu. No entanto, a moça e seu pai foram alvo de ataques, acusações e até xingamentos em redes sociais.

As críticas? Basicamente, gastar tanto dinheiro em sorvete. Mas a coisa escalou rápido e logo virou uma questão social inexplicável. Vimos pérolas como “Aqui percebemos a riqueza implícita na sociedade burguesa. Um pai que desembolsa R$ 300 em sorvete para a filha é, provavelmente, quem açoitou meu bisavô no passado”.

Sim, um pai comprar sorvete para a filha (por motivos de saúde) virou açoite de antepassados. E nem está certo o preço, o valor dos potes é bem inferior ao citado. Mas isso não vem ao caso. O ponto é: essa escalada não é um caso isolado. Ela sempre aconteceu e está acontecendo cada vez mais agora.

A menina está lá, se recuperando de uma cirurgia, tudo que aconteceu foi ela ganhar sorvete de presente e, em questão de horas, ela e o pai viram alvo de uma avalanche de bosta, de uma tsunami de merda, como se não tivesse coisa muito mais grave acontecendo no país. Jura que é para isso que a militância escolheu olhar? Jura que essas são as pessoas que compõe a sociedade brasileira?

Ao que tudo indica, o brasileiro basicamente tem que escolher em qual dos extremos do inferno quer viver. Como bem define o humorista Leo Lins, tem o Esquerdisticamente Correto e o Direitisticamente Correto, ambos lados muito errados de uma moeda. Cada lado tem uma cartilha do que considera “certo” e “errado” e quem não segue essa cartilha é visto como inimigo, como pessoa que merece ser atacada, escrotizada, humilhada e neutralizada.

Não importa o lado, é doentio lidar assim com as diferenças de opinião. E esse é só o começo do dano. A sociedade brasileira parece ter estabelecido que esse “nós x eles” é seu novo mecanismo de funcionamento. Quem está chegando, os jovens que recém começam a entrar na adolescência e perceber o funcionamento da vida adulta, estão sendo apresentados a esse modelo social: escolhe que de lado você está.

E muitos podem não ter o discernimento de perceber que esses dois lados não são a única opção, que não é preciso aderir a uma ideologia rígida, que não é necessário ser um militante para ser uma boa pessoa e tentar fazer bem ao mundo. Muitos vão cair automaticamente no lado com o qual tenham mais afinidade e serão ensinados (e ensinarão a seus filhos) que esse é o caminho natural: defender um dos lados e odiar o outro, tratando-o como inimigo.

Enquanto isso, enquanto o povo briga, os políticos fazem o que querem. Dividir para conquistar. Percebam que a única coisa que os polos da vez, Lula e Bolsonaro, têm em comum é isso: alimentar essa divisão. Isso convém a ambos. Um povo desunido incomoda menos, fiscaliza menos, cobra menos. Não importa quem esteja sentado na cadeira presidencial, será muito conveniente estimular briga entre o povo que governa.

Dá para ser contra um sem que isso te faça a favor do outro. Dá para ver pontos positivos em ambos. Dá para fazer um milhão de caminhos do meio, sem precisar aderira uma das cartilhas prontas. Mas, para quem só conhece o martelo, tudo é prego. O Brasil está criando pessoas recalcadas, invejosas, raivosas, mal resolvidas, escrotas e assim de tudo chatas pra caralho.

Então, basicamente, o brasileiro tem que escolher entre os seguintes combos de discurso de ódio (sim, são todos discursos de ódio).

Pacote Esquerdísticamente Correto: achar que todo rico é filho da puta, opressor e só ficou rico por sacanear alguém, achar que tem que fingir que uma pessoa é como ela se sente, ainda que biologicamente ela não seja, achar que homem hetero é tudo macho escroto tóxico, achar que os EUA são os grandes vilões do mundo e todo mundo é feliz em Cuba, achar que brancos são todos filhos da puta opressores sem lugar de fala e não tem que abrir a boca, achar que um homem que trabalhou a vida toda não pode comprar 5 potes de sorvete para a filha sem ser um inimigo e um símbolo do açoite que o bisavô sofreu.

Pacote Direitisticamente Correto: negar a ciência, achar que homossexualidade é doença e deve ser combatida na porrada, achar que as coisas se resolvem na bala e comprar uma arma, achar que pobre é pobre por ser tudo vagabundo que não quer trabalhar, achar que os EUA são o grande paraíso do mundo, achar que homem pode tudo e que mulher tem que ser bem-comportada e do lar, achar que o país estava melhor na época da ditadura militar, achar que tortura eventualmente se justifica, achar que direitos humanos são para humanos direitos, comer jogando farofa no chão e passar leite condensado no pão.

Sabe quando uma pessoa em sã consciência vai aderir a um desses lados? Nunca. Quão medíocre é isso? Quão medíocres virão as próximas gerações se apenas se amoldarem a um destes dois pacotes tenebrosos de imbecilidade humana. Tem que surgir alguma voz dissidente, sensata e carismática para dizer “Ei, você não precisa aderir a nada, forme você mesmo suas opiniões sobre cada assunto, com base nos seus valores, nas suas convicções, na sua ética”.

Mas é mais fácil aderir, né? Não tem que pensar. Não tem que peitar o resto (no caso, os dois lados ficam contra você se você não aderir). Aderir cria uma sensação de pertinência e você leva de brinde uma gangue virtual que te defende. Alguém aqui tem dúvidas de que a grande maioria vai apenas aderir a algum lado? E com isso, vai se criando uma sociedade mais dividida, mais tensa, mais imbecil… e deixando os políticos livres para fazer o que quiserem enquanto o povo se mata.

O discurso da vez, que está ganhando uma força assustadoramente crescente, é o Esquerdisticamente Correto, como o desse medíocre, ressentido e vira-lata que acha conexão entre tudo e o açoite do avô, até mesmo um pai comprando sorvete para a filha. E, se vocês querem minha opinião sincera, eu ainda não me recuperei dos 15 anos desse discurso e de seus militantes. Estou muito triste de ver essa pá de merda voltando, ainda mais potente, ainda mais burra, ainda mais ressentida.

Talvez você não tenha sentido. Nós sentimos. Desfavor cresceu na era PT e só nós sabemos o patamar de ameaças, de acusações, de perseguição que alguém que ousa discordar do Esquedisticamente Correto sofre. Acreditem, é mil vezes pior do que o dos rivais. Os rivais só latem alto, a militância Esquerdisticamente Correta, ao contrário de tudo que prega, é violentíssima, ditatorial e baixa, muito baixa, subterrânea.

Aqui nada muda. Vamos continuar metendo o cacete em quem achamos que mereça e comentários que julgamos imbecis não serão aprovados. Se você circula por aqui há algum tempo, sabe que o que não falta é comentário discordando ou até xingando a gente. Ok, podemos lidar com isso. Se houver uma discordância bem fundamentada ou até uma ofensa pertinente, será aprovado sem problemas. Mas imbecilidade não, gente. Imbecilidade, por favor, não.

Mas, fica o aviso: se preparem, os Esquerdisticamente Corretos voltaram com tudo, com sede de vingança, ainda mais ressentidos e vira-latas. Amanhã o alvo pode ser você.

Para dizer que, mais uma vez, quiseram queimar uma marca e a promoveram, para dizer que não se pode esperar muito de homossexuais que usam uma camiseta com a cara de um sujeito que fuzilava homossexuais ou ainda para dizer que esse povo voltar significa Make Desfavor Great Again: sally@desfavor.com

SOMIR

Se você perguntar para o gado dos dois lados do pasto, o fazendeiro é muito poderoso e está prestes a mandá-los para o abate. Só eles percebem isso. O gado do outro lado ou é ignorante ou é aliado do fazendeiro. E é por isso que é tão difícil enfrentar o fazendeiro… se não fosse o gado do outro lado… eles teriam uma chance.

Pode ser uma metáfora para a sociedade atual, mas não é exclusiva deste momento histórico. Em praticamente qualquer era da humanidade, dá para encontrar paralelos: um grupo culpa o outro pelos seus problemas, esquecendo até que na maioria dos casos, ambos os grupos vivem os mesmos problemas. Seja você bolsonarista ou lulista roxo, a gasolina continua pela hora da morte.

Então, talvez seja melhor analisar o tema de hoje pelos pontos em comum. Realmente é um sorvete caro. Realmente é dolorido que boa parte da população brasileira nem possa sonhar em consumir esse produto. Eu nem discuto o incômodo que isso pode gerar em algumas pessoas. É um problema mesmo, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Que a situação não está boa para a maioria das pessoas é algo que esquerda e direita podem concordar, não?

Mas é aí que já começamos a ver as primeiras divisões: a parcela mais radical de cada lado já vai pegando caminhos distintos. A parte mais revolucionária acredita que ninguém pode ter mais que o outro, a parte mais conservadora acredita que merecimento individual passa por cima até mesmo da sobrevivência humana. Ultra-comunistas e ultra-libertários que não enxergam nuance alguma nos seus pontos de vista.

Gente que prega abolição da posse ou lei da selva total são malucos, certo? A maioria das pessoas deve perceber isso, acreditamos. Bom, é aí que eu volto para a metáfora do gado na fazenda. Já parou para pensar em como o fazendeiro não parece se preocupar muito com o gado rebelde? Se alguém estivesse falando algo realmente perigoso, faria sentido tentarem reprimir com muito mais força. O fazendeiro não se importa de perder sua posição de poder?

Oras, claro que não. Enquanto o gado estiver dividido entre os dois lados do pasto, nunca vai ter força o suficiente para ameaçar seu controle. Melhor ainda, cada lado vai enfraquecer o outro a cada tentativa de revolução. A batalha que cada um dos lados enfrenta é contra o fazendeiro e o gado do lado oposto. Quanto mais gado de cada lado, mais confortável é a posição do fazendeiro.

Então, gado… discuta. Brigue. Odeie. É tudo culpa do gado do outro lado do pasto. A moça mostrando o sorvete que ganhou do pai é descendente de quem oprimiu seu antepassado. Ela merece ser punida. Ela é sua inimiga. E inimigos não merecem ter coisas boas. Não. Inimigos tem que sofrer. Sofrer tanto quanto você, no mínimo. Ninguém quer ver o inimigo vivendo melhor que você, não? Derrube ela. Faça ela sofrer. E jamais pense o pensamento mais subversivo de todos: que ao invés de puxar o outro pra baixo, temos que subir juntos. O fazendeiro agradece.

O fazendeiro, ao contrário do que os dois lados do pasto gostam de pensar, não é uma entidade estática. Não é o judeu, não é o burguês, não é o globalista ou o capitalista. O fazendeiro é quem está na posição de poder. Não se enganem, a posição de poder não é estável, muita gente quer ser o fazendeiro, e quem estiver nesse lugar tem que ficar muito atento, o tempo todo. Quem sabe se num misto de esforço e sorte você não vira um fazendeiro? Nem todos nascem em berços dourados. E fica mais complexo do que isso: o fazendeiro é a parte visível. Por trás dele existe uma grande estrutura, uma que se beneficia da estabilidade do fazendeiro, funcionários que fazem o gado render o máximo possível, e que também precisam se proteger de quem quer tomar o lugar deles.

Quando os gados mais malucos começam a criar divisões entre o rebanho, eles não são vistos como um problema, e sim um bem-vindo alívio para quem preenche as posições de poder. Enquanto a foto de potes de sorvete na internet for suficiente para fazer tanta gente se odiar, o fazendeiro e toda sua equipe podem se concentrar em aumentar a produção e manter a estrutura toda mais segura. Quando o gado não está dividido, ele começa a prestar atenção na fazenda, ele começa a olhar para o fazendeiro e se perguntar se precisa mesmo viver dentro dessas cercas.

E eu não estou dizendo que eu não sou gado. Eu sou. Tenho mais vantagens que a maioria, mas ainda sim sou controlado pelo fazendeiro da vez. A diferença é que eu não estou disposto a ficar pressionado contra as cercas da direita ou da esquerda deste grande pasto. Eu estou ouvindo o fazendeiro e aqueles que disputam o cargo dizerem que eu tenho que ir para um dos cantos, mas não estou vendo vantagem nenhuma. Você está?

Como a Sally bem disse, parece que o gado mais novo está nascendo de um lado ou de outro, sem ter a chance de perceber que tem muito mais coisa além do seu canto. E isso é um perigo. Não para o fazendeiro, é claro, porque o fazendeiro é uma posição de poder, não uma pessoa específica. Deixa o gado se odiar, deixa o gado fazer o que puder para arrastar pra baixo quem quer que tente sair dessa situação. Sobra mais para o fazendeiro.

O brasileiro e boa parte dos povos desse mundo está caindo na armadilha de se nivelar por baixo, seja em recursos, seja em intelecto. Um lado puxando o outro pra baixo, morrendo de medo de que o inimigo viva melhor que ele. Os fanáticos de esquerda querem todos pobres, os fanáticos de direita querem todos cegos. E os discursos deles ressoam entre todos nós, livres e desimpedidos justamente porque ao contrário do que pregam, não estão enfrentando o fazendeiro, estão só garantindo que ele continue são e salvo onde está.

Para dizer que cansou desses temas, para dizer que não é gado (é fazendeiro ou funcionário da fazenda?), ou mesmo para dizer que só quer ver outros se fodendo mesmo: somir@desfavor.com


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