Seis ou meia-dúzia?

Em entrevista à revista americana Time, publicada nesta quarta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, “quis a guerra” com a Rússia, que ocorre desde fevereiro em solo ucraniano e já deixou milhares de mortos. O petista, pré-candidato à reeleição, estampa a capa da publicação com a data de 23 de maio, que traz escrito: “O segundo ato de Lula”. LINK


ESSA é a alternativa ao Bolsonaro? Desfavor da Semana.

SALLY

O tema da semana não é a bosta que o Lula falou à revista Times, é a completa incapacidade do brasileiro de perceber que está agarrado a uma tábua de salvação furada, repensar seu posicionamento e mudar de ideia.

O que Lula disse sobre o Presidente da Ucrânia, entre aspas, exatamente como foi dito:

“Esse cara (Zelensky) é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado. O Saddam Hussein era tão culpado quanto o Bush. Porque o Saddam Hussein poderia ter dito: ‘Pode vir aqui visitar e eu vou provar que eu não tenho armas (…) “Ele quis a guerra. Se ele não quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais.”

Ele comparou um ditador (Saddam Hussein) com um Presidente democraticamente eleito. Ele comparou um pedido de vistoria para ver armas com demandas de abrir mão de soberania nacional e de territórios que viabilizam a existência da Ucrânia economicamente. Ele diz que em todas as guerras têm dois culpados, ou seja, ele diz que todas as nações do mundo que apanharam e foram vítimas de covardia tinham culpa.

Eu já tinha motivos para traçar esta linha antes, mas agora eu oficializo: quem defende o Lula cai no meu cesto de pessoas sem caráter. Quem relativiza o que o Lula fala também. Não tem qualquer condição de passar pano para essa atrocidade. Não tem como um sujeito falar uma bosta dessas e depois posar de politicamente correto.

E, vejam bem, nem os próprios petistas estão passando pano. Há uma enorme crise interna, estilo dedo no cu e gritaria, por causa das bostas que o Lula anda falando. Eles mesmos estão putos. Caiu marqueteiro, caiu assessoria, tem muita gente pulando desse barco ou sendo jogada para fora por não concordar com Lula. Até quem está dentro está desesperado e em desacordo.

Mas o eleitor brasileiro parece que encasquetou que Lula é a única solução: se como está, está ruim, vamos correr para o lado “oposto”. Adivinha? O lado oposto também pode ser ruim. Eu não sei de onde se criou essa excrescência estratégica de achar que tem que votar nos dois mais votados no primeiro turno, isso não faz o menor sentido. Eu não sei de onde se criou esse devaneio de achar que se o Lula ganhar volta a bonança de 2010. E, mais importante, eu não sei por qual motivo acham que o segundo turno já está definido.

Não está. A campanha eleitoral ainda não começou. Muita coisa pode mudar. Só vamos ter uma visão mais clara lá para agosto, setembro. Tem muita água para rolar debaixo dessa ponte antes das pessoas se conformarem que terão que decidir entre um e outro. O que sim está definido é a terceira via, não dá mais tempo de lançar outros nomes. Mas o segundo turno? Muita coisa pode acontecer.

O que me revolta é que o Brasil tem números suficientes para não eleger nenhum dos dois. Se você juntar quem acha Bolsonaro uma bosta com quem acha Lula uma bosta e canalizar essas pessoas para uma terceira via, um desses estercos fica de fora no segundo turno. Mas o brasileiro está tão conformado que tem que ser um dos dois que parece não querer olhar para as outras opções.

Em parte, deve ter um componente de preguiça aí: ter que escolher entre o “bom” e o “mau” tem suas vantagens. É fácil, é seguro e é simples se você polarizar, colocando um como danação do país e outro como salvador da pátria. Não tem que pensar muito, não tem que ler as propostas dos candidatos, só tem que bater no peito e dizer que você está do lado do “bem”.

Não importa o que o Lula fale, as pessoas vão continuar repetindo que ele é “menos pior do que Bolsonaro”, como se não houvesse outro candidato. “Ain mas os outros estão com poucos votos”. É uma eleição, não uma banca de apostas! Você não tem que apostar no cavalo que vai vencer, tem que escolher quem você acha que tem o melhor projeto para governar o seu país!

A sanha de ver um contraponto ao Bolsonaro está fazendo com que as pessoas apostem tudo em um Lula idealizado, que o Lula real faz questão de desmentir toda semana. Talvez o Lula de 2010 em 2010 fosse menos pior do que o Bolsonaro, mas o Lula de 2022 em 2022? É esse o que o povo está avaliando? Ou está vivendo de passado?

O brasileiro nem ao menos sabe como se informar sobre cada candidato para votar. Não deve saber nem onde encontrar as propostas de cada um deles. “Mas Sally, não adianta, eles não cumprem nada mesmo”. Cobre, pressione, infernize para que cumpram. Esse é seu papel. E outra: não é só sobre o que se quer ver colocado em prática, é sobre o que não se quer também. Ou você quer regulação da mídia e de redes sociais?

E, cá entre nós, Lula nem está se esforçando. Essa estratégia de falar uma pá de bosta cai muito bem no Bolsonaro, que é isso aí, se elegeu com essa plataforma: falar merda. Mas, quando você está do lado da turma do lacre, falar uma pá de bosta pode não ser uma opção. Lula está com um excesso de confiança perigoso, achando que já ganhou e pode não ser bem assim.

A moral da história é: você não precisa ser bom político nem bom estrategista para ser eleito no Brasil. Basta que o brasileiro decida se iludir com você e pronto, está criada uma imagem de salvador da pátria que não será abalada por nada, absolutamente nada que você diga ou faça, pois o brasileiro não gosta de votar bem, ele gosta de ter razão, de estar do “lado certo”.

É sério que vocês vão votar num sujeito que diz que um país que se recusou a deixar que seu vizinho tome seu território é culpado por uma guerra que está matando milhões de inocentes? Uma pessoa que relativiza bombardeio a hospital, criança sendo morta a tiro, mulher estuprada, enquanto também diz que um filho da puta que mata um pai de família para roubar um celular é vítima da sociedade?

Mais uma fala de Lula: “Você fica estimulando o cara (Zelensky), e ele fica se achando o máximo. Ele fica se achando o rei da cocada, quando na verdade deveriam ter tido conversa mais séria com ele: ‘Ô, cara, você é um bom artista, você é um bom comediante, mas não vamos fazer uma guerra para você aparecer’. Projeção, que chama, né? Quão merda, egóico, insensível e escroto tem que ser alguém para falar uma merda dessas diante da tragédia humanitária que a Ucrânia está passando?

“Ain mas Bolsonaro também passa pano para Putin”. Sim, mas Bolsonaro nunca escondeu que é um asno, truculento, a favor de arma, de tiro, de militar, de tortura. Um bosta, porém um bosta coerente.

Sugiro um exercício: se você está convicto que um dos dois lados, Lula ou Bolsonaro, é o bem e o outro é o mal, pega todas as frases do seu favorito e coloca na boca do seu opositor. Se fosse o opositor falando, você criticaria? Se a resposta for sim, não é sobre o que se fala, é sobre quem fala. Faça um favor a todos e não vote, você não tem discernimento nem para votar em eleição de síndico.

Para se sentir ofendido, para interpretar que este texto é a favor de alguém (é contra todos) ou ainda para reclamar que a covid tá voltando e não tem FAQ: sally@desfavor.com

SOMIR

Se eu não tivesse vivido mais de uma década sob a presidência do Lula (direta ou indireta), eu até poderia estar discutindo uma visão política do candidato com essa afirmação. Por mais que ache aberrante culpar uma nação que foi invadida violentamente por ser invadida, existem nuances sim na forma de se posicionar diante das potências mundiais.

Eu poderia estar criticando o Lula por passar pano para um ditador matando gente num país que não o provocou de forma alguma, mas poderia, ao mesmo tempo, entender que o plano de longo prazo dele era se posicionar em conjunto com os BRICS contra as potências ocidentais. Poderia até achar uma péssima ideia tomar partido na polarização EUA x China para o futuro do Brasil, mas no mínimo entenderia como uma ideia para o futuro do Brasil.

Só que a postura de Lula não condiz com esse tipo de planejamento de longo prazo. Que repito, discordaria mesmo que fosse verdade, mas que no mínimo respeitaria como opinião divergente. Pelo histórico, o candidato do PT está só fazendo aquela pose imbecil de “contra os EUA” que sua base fanática adora. Na hora do vamos ver, essa suposta independência diplomática brasileira era puramente um jogo de ego: os líderes mundiais que puxavam o saco dele eram amigos da nação, os líderes mundiais que cagavam para ele eram ignorados.

Putin é do tempo da puxação de saco internacional, do tempo de voo de galinha da economia brasileira, Lula se lembra disso. O que Zelensky fez até aqui para agradar o ego do Lula? Nada. Então, faz parte do pacote de “independência diplomática brasileira”. Nesse ponto, ele e o Bolsonaro são muito parecidos: donos do Brasil, e tratam nossas relações internacionais de acordo com os elogios e críticas pessoais que recebem. Lula tinha meia grama mais de pose do que ficar chamando a mulher dos outros de baranga pelo Facebook, mas a alma é a mesma.

O que a gente fala muito aqui sobre o problema da polarização não é nem a parte de ter visões distintas sobre como o país deve ser governado, isso é normal e saudável para uma democracia. Escolher entre um governo que quer ser amigo dos EUA e um que quer ser amigo da China/Rússia é uma decisão razoável. Se fosse isso, a gente estaria argumentando aqui sobre um ponto ou outro, mas não é sobre isso. Até porque os dois candidatos que mais representam a polarização estão do lado do Putin pelos mesmos motivos: ego. Bolsonaro se sentiu menos pária internacional quando foi recebido pelo governo russo, Lula ainda se lembra da forma cordial como o ditador local o tratava.

É sobre o ego deles, não é sobre o Brasil. Esse é o ponto que acabamos batendo mais do que tudo nessa disputa pelo poder brasileiro. De alguma forma, os dois conseguiram personalizar o poder e enterrar discussões técnicas sobre a forma como o país deve ser governado. O brasileiro entendeu o jogo: ou você é amigo de um, ou é amigo de outro. Os dois vão pisar na sua cabeça sem dó nem pena para manter o próprio poder e status, mas de alguma forma, o povo parece achar divertido ver o seu “amigo” pisar um pouco mais na cabeça do adversário.

O resultado disso? Lula e Bolsonaro ficam mais poderosos, a gasolina fica mais cara. Transformar o país no ego de dois idosos sedentos por aprovação dá nisso que estamos vendo, crise atrás de crise e a percepção tardia que nunca tiveram um plano. Bolsonaro quer ficar no poder para ter as benesses pessoais do poder, Lula quer de volta a sensação de ser o salvador da pátria e ter o saco puxado por líderes internacionais.

Foda-se você. Lula esteve à frente de um dos momentos de maior crescimento econômico e mobilidade social da história porque pegou uma casa arrumada pelos governos do FHC, algo que nenhum líder brasileiro tinha pegado até então. Não que FHC fosse um mágico nem nada, tanto que ficou estagnado depois de alguns anos e deu margem para o crescimento de uma oposição. Claro, o boom das commodities – vulgo a China comprando tudo o que não estava pregado no chão do Brasil – ajudou muito no governo de Lula, e talvez até tivesse salvado o PSDB caso o brasileiro tivesse mantido o partido no poder.

O ponto aqui é que as coisas não acontecem no vácuo: depois de um governo de Bolsonaro decepcionante até mesmo para os aceleracionistas (afinal, ele entregou o país para o Centrão para poder andar de jet-ski com dinheiro público), agora temos uma situação muito diferente de 2023 para frente: um país com as contas longe de estarem em dia num mundo muito menos ávido por comprar as coisas que vendemos.

Não era hora de fazer concurso de popularidade, mas Bolsonaro e Lula conseguiram manter boa parte do povo focados nisso. Precisávamos de um plano de longo prazo para transformar um pouco do potencial brasileiro em algo concreto, não dois ególatras que agem por instinto na busca de popularidade e elogios. No mundo de 2022, é difícil conseguir algum consenso, ou você apela para uma parcela radical, ou apela para a outra. Governantes pessoalmente inseguros e egoístas como Lula e Bolsonaro tendem a levar o país para a mesma direção: a da confusão. A vida do cidadão médio fica subordinada ao que alimenta a autoestima de um ou de outro no curtíssimo prazo.

Quando sugerimos não dar votos nem para um nem para outro, não estamos dizendo que Ciro, Dória ou seja lá quem estiver tentando o segundo turno também sejam flores que se cheirem, estamos dizendo que pelo menos é uma tentativa de parar essa marcha rumo à egolatria institucional. Dado tempo suficiente eu acho que a maioria dos políticos brasileiros entram nessa mentalidade doentia, é por isso que é saudável trocar de presidente de tempos em tempos. Lula acha que é o Brasil, Bolsonaro também.

Nenhum dos dois é. E a cada declaração bizarra de cada um deles, sem nenhum sinal de enxergar além do próprio umbigo, o brasileiro deveria perceber o problema. Não parece perceber. O máximo que está acontecendo é mais e mais gente desistindo de qualquer outra alternativa, e por tabela, desistindo do Brasil como país. No segundo turno, infelizmente tenhamos que escolher entre o que achamos menos pior, mas no primeiro turno, vale a pena arriscar tirar um dos dois do segundo turno.

Nem que seja para ter problemas diferentes nos próximos quatro anos. Porque não sei vocês, mas de ególatra eu já tive o suficiente nas últimas décadas… saudades do tempo em que ideia maluca de presidente era trazer o Fusca de volta.

Para dizer que nem vai votar, para dizer que rendição teria evitado toda guerra na história, ou mesmo para dizer que prefere ser amigo de um deles do que pensar nesse assunto: somir@desfavor.com

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Comments (22)

  • Hosmar Weber Júnior

    Nem lula nem Bolsonaro, Ciro é a melhor alternativa, uma pena que tá sendo vítima de terrorismo eleitoral

    • Melhor que Lula e Bolsonaro, até o Cabo Daciolo com o Felipe Neto de vice. O problema não é ganhar na comparação…

    • Ciro vive dando demonstrações públicas de destempero. E, sabendo que ele pega pilha fácil, tem gente que se aproxima dele só pra provocá-lo. O pior é que ele sempre cai nessa “armadilha”, como um patinho.

  • Vença quem vencer, a verdade é uma só: os grandes perdedores dessas eleições serão, como sempre foram, o país e seu povo.

  • Wellington Alves

    Compartilho da tese de que, na última hora, Lula não sairá candidato. Ele não vai querer correr o risco de encerrar a carreira política perdendo para Bolsonaro.

  • Ironicamente o maior cabo eleitoral do Bolsonaro é o Lula e vice-e-versa. Parece que os dois competem indiretamente pra ver quem faz e fala mais merda pra “facilitar” a vida do outro.

    Só vou votar no 1 turno pra tentar “tirar” qualquer um desses dois do 2 turno, mas se o 2 turno ficar entre esses dois agentes do inferno, não me dou ao trabalho nem de sair de casa.

  • Mas nessa o Luladrão tem razão! O Zelensky além de querer guerra, ainda fica atiçando outros países pra entrarem e dar uma merda mundial.

  • “O máximo que está acontecendo é mais e mais gente desistindo de qualquer outra alternativa, e por tabela, desistindo do Brasil como país.” Ué, vocês não adoram dizer que o Brasil não tem solução e que é “necessário” sair do país? Se é assim, por que são incapazes de aceitar a realidade eleitoral brasileira? Provavelmente, é só necessidade de se achar melhor que o país, claro.

    • Algo me diz que você costuma ter dificuldades de conversar com outras pessoas. As pessoas costumam ficar muito tempo em silêncio quando você fala ou tendem a evitar manter contato visual com você?

  • O Bolsonaro pode nao ser a melhor opcao, mas essa massa disforme alcoolatra de nove dedos jamais voltara a ter o meu voto.

  • Quero mostrar esses textos pra uns conhecidos que são fanáticos por um ou por outro, mas também tenho medo de trazer muito maluco pra cá….

  • Chego a ficar enjoada quando penso que é virtualmente impossível (ao menos por enquanto) que alguém que não seja um dos dois chorumes de destaque vença. Votarei no Dória, na Marina, nulo ou em um ursinho de pelúcia, qualquer coisa vai ser melhor.

  • Proíbe pessoas maiores de 50 anos de participarem de cargos políticos que muita coisa já vai melhorar. Velho não tem que ficar tomando decisões com consequências que só vão acontecer depois que ele morrer.

    • Li uma frase (não lembro onde nem como era exatamente, mas lembro da idéia) que dizia “muito se fala sobre a não empregabilidade da população idosa ao mesmo tempo em que são idoso quem tomam as decisões da nação”.

      • Eles viveram em praticamente outro mundo, mas acham que a realidade continua a mesma.

        Cresceram escrevendo cartas, viveram um período onde era possível ter casa própria aos 20 anos trabalhando como empacotador, não estudam, não se atualizam, mas querem criar leis sobre internet e salários…

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