Baboseira Quântica.

Parecia uma boa notícia quando o interesse por Física Quântica começou a aumentar nos últimos anos, parecia… até a gente descobrir o que estava causando isso: autoajuda barata. Já virou até piada colocar “quântico” junto com qualquer coisa para denotar que é papo furado de coach. O que eu acho uma tremenda injustiça com a Física Quântica.

Basicamente todo papo de autoajuda quântico é baseado na ideia de que você tem poderes mágicos. Usam como exemplo o experimento da fenda dupla, que assustadoramente apresentam resultados diferentes de acordo com a observação. O que, não se enganem, é uma conclusão válida sobre o experimento, mas que precisa ser colocada num contexto bem diferente do que as baboseiras do tipo “O Segredo”, onde se diz que basta mentalizar uma coisa para ela acontecer.

Existe sim na Física um problema de mensuração. Um elétron, que deveria ser uma partícula, age feito luz (uma onda) de acordo com a forma que você tenta fazer a medição. Certeza do porquê isso acontece ninguém tem ainda. Existem teorias mais aceitas, como a Intepretação de Copenhague, que em termos bem simples, diz que a realidade existe como uma série de probabilidades. As partículas podem estar em qualquer lugar até você interagir com ela de alguma forma.

Por isso que o experimento da Fenda Dupla é tão insano para a mente humana: se você tenta observar o caminho do elétron, ele age feito uma partícula, indo na direção que uma “bolinha” iria. Se você tenta observar apenas o resultado, ele termina numa posição diferente, como se fossem ondas numa lagoa. Isso não faz sentido nenhum.

A não ser, é claro, que você considere que o ato de observar define a realidade naquele momento. Se você olha para o elétron enquanto ele faz o caminho, você “decidiu” que ele é uma partícula, se você deixa ele quieto até chegar no detector, ele vai agir como onda até o momento de “bater”. Se nem as maiores mentes da Física da nossa história bateram o martelo sobre o que está acontecendo, não vou ser eu que vou.

No começo do século passado, quando esses experimentos começaram a ser feitos de forma mais consistente, até mesmo os pais da Física moderna começaram a considerar se “pensar” nas coisas mexia com elas. Não era nada místico no sentido de querer manipular a realidade, era a dúvida sobre o que diabos estava acontecendo e porque o simples fato de querer saber onde estava aquele elétron mexia com seu comportamento.

Só que mesmo as mentes mais brilhantes sofrem com dificuldade de comunicação: fora da bolha dos cientistas, qualquer declaração pode ser mal-entendida. Os cientistas não estavam considerando que podiam mexer diretamente com o elétron com suas consciências, e sim que a gente não pode se retirar do mundo para observar uma coisa.

Explico: existem elétrons na gente também. Nosso pensamento é baseado em reações químicas que transformam energia. Como todo o universo é quântico, você nunca pode se considerar um observador independente. Você está dentro de qualquer experimento, porque você está dentro desse universo. Quando você liga uma lâmpada para enxergar as coisas que estão num quarto, você está espancando cada átomo do local com incontáveis fótons, e só consegue formar uma imagem mental porque alguns deles batem nos objetos e acertam seus olhos. E seu cérebro só forma uma imagem coerente porque existem receptores nos seus olhos que transformam esses fótons em sinais que o cérebro transforma em imagem.

Quando os físicos falam do papel da consciência, é algo bem mais banal do que qualquer discurso místico: você está dentro do sistema. Você é parte do experimento. O elétron bateu na placa receptora, mas a placa teve que mandar um sinal para o computador, o computador teve que emitir fótons, os fótons precisaram ser transformados em imagem pelo seu cérebro.

A pergunta divertida que eles se fizeram é: quando a realidade vira realidade para um ser consciente? O experimento não termina até colapsar como realidade na mente de alguém. É uma lógica parecida com a árvore que cai na floresta, alguém tem que ouvir para o fato ser registrado. Segundo a interpretação de Copenhague da Física, é a medição que cria as características de uma coisa. O elétron não sabe que você quer medir sua posição, o elétron só passa a existir numa posição definida quando é medido.

A viagem dos físicos da época era a seguinte: como tem várias etapas entre o experimento e a mente, como a gente sabe quando uma coisa realmente aconteceu? Porque mesmo que tudo ocorra na velocidade da luz, ainda não é instantâneo. Existe uma diferença de tempo e um caminho percorrido entre a informação da partícula atingindo a placa de medição e a ideia dela entrar na mente de uma pessoa. O elétron “decidiu” cair naquele ponto quando houve a interação física com a placa ou quando um ser consciente processou a informação?

E nesse caminho, será que alguma coisa mudou? Porque incontáveis processos quânticos aconteceram entre o fato e a percepção dele. É como se a realidade fosse uma lagoa e tudo o que acontece fossem pedras jogadas nela. O tempo todo as coisas estão interagindo até se tornarem em ideias. A ideia define a realidade. Mas a ideia não parece criar a realidade. Volto ao exemplo da árvore caindo na floresta: ela só é entendida como árvore caída se alguém estiver ouvindo ou vendo, e enquanto você não souber que ela existe, ela pode estar de pé ou caída.

Mas isso não quer dizer que a árvore depende de você para existir ou para fazer alguma coisa, só quer dizer que ela ainda não está na sua mente. O que os físicos queriam dizer com essa ideia é que é complicado medir qualquer coisa, porque medir é colocar essa coisa dentro da nossa realidade, é uma forma de interação com a coisa. Para essa linha de pensamento, é como se fôssemos cegos tentando definir onde estão bolinhas de gude em cima de uma mesa. Precisamos colocar a mão nelas, e ao colocar a mão nelas, elas invariavelmente vão acabar em posições diferentes.

Esse é problema da mensuração. Não é sobre você guiar elétrons com a mente, é mais ou menos sobre medir a altura da água numa banheira com você dentro. Se você quiser saber a altura da água sem nenhuma pessoa dentro, fica muito mais complicado. E até segunda ordem, no mundo da Física Quântica, estamos sempre dentro da banheira.

Lembrando que essa é apenas a ideia por trás da Interpretação de Copenhague da Física, ainda existem outras como a de Vários Mundos, onde tudo existe ao mesmo tempo, mas só estamos vendo um dos resultados possíveis… é natural e saudável achar que tem muito mais coisa para descobrir sobre a nossa realidade. A Teoria de Tudo não chegou ainda, e mesmo se chegar, não é certeza que define toda a realidade.

Super bacana se debruçar sobre o problema sobre o que diabos está acontecendo com o elétron no experimento da fenda dupla, pirar com a ideia de que nenhum experimento acontece sem a gente interferir no resultado, que tudo está absurdamente conectado.

Querem outra analogia? Azar seu, vão ter outra analogia: estudar Física Quântica é como ser um elefante dentro de uma loja de cristais. A gente é tão terrivelmente macroscópico, nossas mãos e aparelhos tão imensamente desajeitados… é como se a única forma de enxergar uma pulga fosse jogar uma bomba atômica nela. Precisamos de bilhões de neurônios e trilhões de átomos agindo para sequer trazer um elétron pra dentro da nossa realidade.

Não nego que tenhamos uma influência grande sobre a realidade que nos cerca, mas já na metade do século passado, os mesmos físicos que falavam sobre consciência na Física Quântica já tinham escrito sem sobra de dúvidas que não achavam que eles moviam elétrons com a mente. A história era completamente diferente disso. Eu respeito quem acredita no impacto do ser humano no mundo, mas não quem acha que manipulamos efeitos quânticos de forma consciente. É claro que moldamos a realidade: olha o seu tamanho em relação a um átomo! Você é o Godzilla andando sobre uma cidade! O que mais fazemos nessa interação com a realidade está totalmente em aberto, ninguém sabe e ninguém teve provas se passa disso.

Física Quântica é algo complicadíssimo, os melhores cientistas do mundo na área vão te dizer de coração leve que não entendem quase nada ainda, então não vai ser um guru de cristais quânticos ou de baboseira de autoajuda baseada em desejos mágicos que vai entender. O ser humano tem o tamanho exato para lidar com a realidade macroscópica da vida aqui na Terra, saia disso e somos formigas para o cosmo e dinossauros para o quântico.

As possibilidades são enormes, você pode escolher inúmeros caminhos sobre o que acreditar sobre o universo, mas não ache que tem físico de respeito acreditando em criar coisas com a imaginação. O mundo real continua dependendo de ações reais. Mudança pessoal depende da pessoa. Interações não são imaginárias. Quem te disser o contrário está por conta própria, a ciência não está apoiando não.

Quer dizer que tudo baseado em Física Quântica é mentira? Não, dá pra tirar insights muito bacanas sobre a realidade dessas ideias. Só temos que lembrar que pessoas não passam décadas estudando o assunto à toa: não podemos testar todas as possibilidades, na verdade podemos testar apenas uma minoria. Quase tudo de Física Quântica tem muita matemática e é baseado em um século de estudos sérios. Se você distrair meio segundo, perde o bonde e fala uma atrocidade… eu fiz o melhor que eu podia aqui, e tenho certeza de que pelo menos alguma asneira eu devo ter escrito. Às vezes é melhor aceitar a complexidade como parte da vida e não ficar desesperado tentando controlar a realidade.

Não se guie pela Física Quântica, ela não se guia por você.

Para me mandar à merda por não explicar a fenda dupla de verdade (se alguém explicar, ganha o Nobel), para dizer que finalmente entendeu (porque me acham chato), ou mesmo para dizer que vai mentalizar uma hemorroida pra mim: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Jhonata Lima Barros

    Wooowww! Eu, um estudante de Física, lendo mais um belo texto sobre Física deste blog. Adorei.

    Ainda não cheguei a estudar Mecânica Quântica e Relatividade, estou tentando compreender diverso aspectos da Física Clássica ainda (Ou Mecânica Clássica).

    Mas há um ponto interessante que falou aí, sobre a relação entre o fato e a percepção dele, o que me fez lembrar do problema da causalidade e do indutivismo, levantado pelo filósofo e historiador escocês David Hume. Gostaria de sugerir que escrevesse a respeito.

    No mais, ótimo texto!

  • Somir, é a segunda vez que o desfavor fala bobagem sobre o experimento da fenda dupla. Não existe um observador olhando literalmente neste experimento e todas as conclusões de vocês estão completamente erradas (no texto que você linkou)

    Aqui uma física dá uma breve explicação desse engano: https://youtu.be/heJaGgh_JSw

    No canal só sobre física, ela se aprofunda bastante.

    • Ué, me manda um vídeo dizendo a mesma coisa que eu disse no texto? Eu expliquei a mesma coisa que ela, até me deu alívio ver.

      Você acha que ficou presumido no meu texto que estavam olhando “com os olhos”? Se ficou, eu corrijo aqui.

  • A Física Newtoniana, através de suas leis matemáticas imutáveis, explica fenômenos observáveis do nosso dia-a-dia em uma escala um tanto quanto restrita, se podemos colocar assim. Mas entender o que quer que esteja acima ou abaixo dessa “escala” já são outros quinhentos. Assim como a Astrofísica investiga o que se sucede no inimaginavelmente gigantesco macrocosmo das interações entre os corpos celestes pelo espaço sideral afora; a Física Quântica se ocupa daquilo que acontece no infinitesimalmente minúsculo microcosmo dos átomos e das partículas elementares fundamentais que constituem tudo o que vemos e até o que não vemos. Posso estar até falando bobagem, mas pelo que eu vejo, tanto no macro quanto no micro, as leis da Física Newtoniana – aquela que nós aprendemos na escola e decoamos para o vestibular – parecem não funcionar da mesma maneira.

    • Física Newtoniana foi substituída pela Relatividade, e a Relatividade não se bica com a Quântica. Mas ninguém precisa estar errado: para algumas coisas, a física clássica dá conta do recado, tanto que aprendemos isso na escola, pra calcular movimento, aceleração e coisas básicas daqui da Terra, ela resolve numa boa. Quando as escalas aumentam, não dá pra calcular nada direito sem a Relatividade, e quando você vai pro microcosmo e a Relatividade começa a te dar resultados bizarros, você vai pra Quântica.

      Presume-se que só exista um conjunto de leis universais, mas ainda não descobrimos qual.

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