Cecê… de novo.

Na terça-feira passada falamos sobre as informações técnicas que julgamos relevantes sobre cecê, aquele cheiro hediondo que axilas suadas exalam. Hoje é dia de texto opinativo e eu, depois de morar mais de 40 anos no Rio de Janeiro, tenho muito a opinar sobre o assunto.

Antes de começar pelo cecê propriamente dito, eu gostaria de pincelar um assunto correlato: o que se passa na cabeça de um homem que vai a lugares usando uma regata, com o sovaco de fora?

Praia, piscina, trilha na natureza e afins, ok. Regata é para isso, para ambientes informais, ao ar livre. Mas, se existe um teto por cima da sua cabeça, não há qualquer condição de regata. E nem falo pelo lado fashion, pois o Rio de Janeiro é uma causa perdida: calça de moletom com chinelo, chinelo com meia, bota com short e barriga de fora e outros. Falo por higiene mesmo.

Sentar nos lugares e molhá-los com seu sovaco, pingar suor e outras consequências desagradáveis são coisas que devem ser evitadas. A linha civilizatória é clara: deixar qualquer fluído corporal seu em um local onde outras pessoas terão acesso é inaceitável. Inclusive por questões de saúde: existem muitas doenças que se contaminam por fluidos corporais.

Claro que a questão estética também conta. Regata é para os homens o que “roupa de barriga de fora” é para as mulheres: pouquíssimas pessoas têm corpo para usar, só fica bonito até uma certa idade e nem pensar de usar isso em ambientes que não sejam extremamente informais. Mesmo assim, o carioca tem uma tara por regata. E alguns ainda mais sem noção desfiam um sovacão cabeludo, para piorar a situação.

Isso, em um calor de mais de 50° é a visão do inferno. Não basta atentar contra um dos sentidos (o olfato) com cecê, é preciso ferir também a visão alheia. Ver aqueles pelos ensopados colados pingando. Ver o bracinho de boneco da Michelin, ver mamilos marcados pelo tecido vagabundo da regata… Horror. Horror completo. Um horror que você vê em ambiente de trabalho, no banco, no cinema e até no teatro. Um horror que às vezes vem em cores fortes, fluorescentes ou exóticas. HORROR.

A regada é um plus para a questão do cecê, deixa o que já era ruim ainda pior. Sabe aquele cecê impregnado em um ambiente, que não sai? Ele costuma ser fruto da regata. Quando se usa uma roupa de gente, o suor é retido pela roupa e isso reduz seu impacto no ambiente. Porém, quando transpira diretamente em estofados e superfícies porosas, o cheiro impregna com muito mais força. Carros, por exemplo, são ambientes perfeitos para isso. Tem inclusive um episódio de Seinfield (“The Smelly Car” – Temporada 4, Episódio 20) retratando muito bem essa situação.

Chega a ser curioso falar de cecê com brasileiros. Eu sei que cecê é um trauma estrutural no Brasil. Todos vocês devem saber a tríade social que obriga certos grupos: todo burro tem a obrigação de ser esforçado, todo gordo tem a obrigação de ser simpático e todo pobre tem a obrigação de ser limpinho. O brasileiro, em sua maioria, tem pavor de feder – e, curiosamente, a maioria fede.

Talvez por ter crescido no Hell de Janeiro, um dos lugares mais quentes do país, desde a mais tenra idade eu pude observar o efeito social devastador que o cecê provoca: no colégio, o top dos medos de todo mundo era feder. Você podia se mijar nas calças, mas não podia feder. Ser fedido era talvez um dos maiores estigmas. Nos encontros, nas festas, em quase todas as ocasiões, quem fedia virava o pária. No entanto, muita gente continuava a feder. Isso deu um nó na minha cabeça.

A incompetência me surpreendia. Se você se coloca uma meta de vida tão baixa como “não feder”, o mínimo que pode fazer é cumpri-la. Não estou falando de virar presidente de uma grande empresa, não estou falando de conquistar seu primeiro milhão, não estou falando de descobrir a cura do câncer, é algo bem simples: não feder. E, pasmem, ainda assim, as pessoas fediam. Durante anos me perguntei como isso era possível.

O curioso, e que sempre me chamou a atenção, é que na cabeça de quem fede, só o outro fede. Cansei de ver gente fedida reclamando do fedor do outro. E estou falando de caso que presenciei, envolvendo pessoas que tinham dinheiro de sobra para comprar os melhores produtos de higiene pessoal. E mesmo com acesso a todos os recursos, as pessoas não apenas fediam, como também criticavam sem pudores quem fedia. É um mistério que durante anos me intrigou.

Porém, escrevendo o texto da última terça-feira, com informações técnicas e científicas sobre o cecê, eu finalmente pude compreender por qual motivo a pessoa que fede se sente no direito de criticar outras pessoas que fedem: quem fede não consegue sentir que fede. E, ao que tudo indica, o povo se baseia no autoexame de odor para controlar a situação.

Como eu disse, a questão do cecê é tabu, é estigma social no Brasil. Por isso, suponho eu, que os amigos da pessoa que fede não tenham coragem de dizer a essa pessoa que ela fede. Ela não tem condições de perceber que fede e as pessoas que a cercam não tem coragem de falar por medo de ofender. Pronto, está criada a figura da pessoa fedida com zero consciência do seu fedor. Agora que eu compreendi como esse mecanismo perverso funciona, eu tenho uma meta: isso tem que acabar.

Então, vamos estabelecer uma coisa de uma vez por todas aqui? AUTOEXAME DE ODOR É INEFICIENTE. Levantar ou mover o braço “discretamente” e cheirar a região “discretamente” não te permite sentir se o cecê se instaurou. Se quiser saber o motivo, basta ler o texto da terça-feira passada. Quem tem cecê não vai perceber que tem cecê cheirando o próprio sovaco. Por favor, ensinem isso nas escolas! Quem sabe a nova geração vem um pouco menos fedida…

E, já que estamos em território perigoso, aproveito para esclarecer que, por mais rápida, discreta ou camuflada que seja a cheirada, todo mundo percebe que a pessoa está fazendo autoexame de odor. E é feio. É antiestético. Parem com isso. Apenas parem. É algo horrível que não tem qualquer utilidade, pois quem tem cecê não consegue sentir o próprio cecê e, ao fazer esse autoexame de odor se despreocupa, mesmo fedido: ao não sentir o cheiro, a pessoa continua levando o dia de boa, quando na real está fedendo.

Talvez venha alguém aqui me refutar, dizer que o brasileiro é um povo muito limpo, mostrar estatísticas de banhos tomados ou comparar com povos ainda mais porcos que o brasileiro. Desculpa, mas um povo recordista mundial de câncer no pênis (algo que se previne com água e sabão), um povo que consome desodorante que dura 72h (três dias sem tomar banho no calor é indecente), um povo onde uma a cada quatro pessoas afirma que não lava as mãos depois de ir ao banheiro, não é limpo. Tem povo mais sujo? Ô se tem, mas isso não faz do brasileiro limpo.

Se está fedido, algo falhou na higiene pessoal. É hora de que isso deixe de ser um tabu, pois afeta o resto da sociedade. A pessoa fedida impregna os lugares com seu fedor, de obriga a lavar o carro por dentro, a jogar fora seu sofá, a ter que trabalhar com os olhos lacrimejando devido ao azedume. Não é uma questão de escolha pessoal, é algo que impacta o outro na vida em sociedade.

Se a pessoa que fede não é capaz biologicamente de perceber seu cecê, então ela só vai tomar consciência quando alguém sinalizar que ela está fedendo. E, para isso, é necessário que quem recebe este feedback (“oi, você está fedendo”) agradeça, pois recebeu uma oportunidade de melhorar. Sim, pode ser que você faça tudo “certo” e ainda assim feda se, por exemplo, escolher um desodorante que não segure seu cecê. Nem sempre fedor é falta de higiene. Quem te avisa que você fede não está necessariamente te chamando de porco.

Eu imagino que se alguém conversar com um fedido e disser, com toda educação, que a pessoa está fedendo, são grandes as chances do fedido se ofender. Não deveria. Pior é passar anos ou até o resto da vida fedendo e sendo motivo de piada pelas costas. É preciso normalizar o aviso de cecê! Quando alguém avisa que a pessoa está com uma alface no dente ou que está com furo na roupa isso não é mal interpretado, por qual motivo o aviso de cecê tem que ser uma ofensa?

A ofensa está na cabeça do ofendido. Como tem toda essa questão, esse medo, esse trauma de feder, o assunto virou um tema sensível. Se você avisar numa boa, de forma educada e em particular que uma pessoa está fedendo, periga dela até negar e atacar você. Isso mostra uma insegurança sobre a própria higiene. Eu suponho que uma pessoa limpa e bem resolvida não teria motivos para se incomodar se fosse sinalizado que ela está fedendo.

Mas, a regra é a pessoa se sentir ofendida. Pior para a pessoa, pois o que poderia ser apenas uma conversa acaba escalando e fazendo com que pessoas se afastem. Já vi muitos casos de desistência de um novo encontro por esse motivo: a pessoa estava fedendo. Como falar que a pessoa está com cecê não parece ser uma opção, muita gente decide simplesmente se afastar, sem dar mais satisfações. Some. Inventa uma desculpa. E o outro fica para sempre se perguntando onde foi que errou.

Tem também quem tenha vergonha de sinalizar o cecê alheio. Seja por medo da outra pessoa ficar chateada, seja por achar constrangedor. Bem, se você se importa realmente com a outra pessoa, constrangedor é permitir que ela continue fedendo por aí e vire motivo de piada. Não vai berrar na frente de terceiros que o cheiro dela está insuportável, mas chamar em particular e falar com educação é uma ajuda, não uma ofensa.

Todo cecê pode ser evitado, falamos sobre isso no texto de terça. Se for por excesso de suor é possível fazer tratamentos para transpirar menos, se for hormonal ou sintoma de alguma doença pode ser tratado, se for por uma falha de higiene pode ser corrigido. Não existe pessoa condenada a ter cecê, portanto, você pode falar sem medo: é algo que sempre pode ser corrigido.

E você também pode perguntar sem medo. Pode ser que o fedido seja você e as pessoas à sua volta não tem coragem de dizer. Ao que tudo indica, no Brasil só tem uma instituição que se sobrepõe ao cecê: as mães. Se você não convive com a sua mãe, todo o resto do mundo pode ter receito de falar sobre o assunto com você.

Mães podem dizer a seus filhos que eles têm cecê. Mais ninguém pode. Isso mantém a situação controlada na adolescência, mas, quando os filhos crescem e vão morar sozinhos, perdem essa única pessoa que tem coragem e autorização social para levantar a questão. Então, se você está na dúvida, pergunte para pessoas de confiança que te cercam. Melhor saber e resolver o problema do que passar o resto da vida fedendo e sendo motivo de comentários pelas costas.

E, se você sabe que tem cecê, mas nunca conseguiu resolver o problema, marque uma consulta com um dermatologista. Como eu disse, todos os casos têm algum tipo de tratamento ou solução. Você não precisa viver fedendo.

Não tem coragem de abordar ninguém para falar isso, mas tem algum cecê te incomodando? Manda este texto de forma anônima para a pessoa. Ela vai entender a indireta.

Para dizer que agora está com medo de ser fedido e não saber, para dizer que o Nordeste em peso vai me odiar por causa da crítica à regata ou ainda para dizer que era mais legal quando o C.U. escolhia os temas: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Wellington Alves

    Álcool 70 é vida. Só usar desodorante é tentar perfumar cocô, o álcool 70 mata as bactérias e torna o suor inodoro. Mas isso a indústria cosmética não quer que você saiba. Pelo contrário, vão dizer que resseca as acilas, mas, se for esse o problema, é só usar hidratante.
    E para os homens, pêlo não é sinônimo de masculinidade, podem aparar sem medo!

  • Eu tive um professor de biologia que falava que era bom alternar 2 desodorantes e 2 pastas de dente de marcas diferentes pras bactérias não ficarem resistentes. A minha mãe alternava os venenos de barata, quando as monstras começavam a demorar a morrer ela logo pegava de outra marca.

    • Também já me falaram sobre isso de alternar entre duas marcas de tempos em tempos, Anônimo. E acho que faz sentido sim.

  • Cecê pega??? É possível que as bactérias que colonizam o corpo de uma pessoa que tem o cecê muito forte colonizem a pele de uma pessoa que não tem o cecê tão forte assim se elas compartilharem a mesma roupa ou lavarem a roupa no mesma máquina?
    Por que tem gente que fede muito fedido mesmo, de arrepiar os pelos do nariz.

  • Comprar desodorante de 72 hs não significa que a gente toma banho de 3 em 3 dias. Se lançar um de 200 hs eu vou preferir, é que teoricamente é mais potente, só isso.

  • Cagou regra fundada na própria futilidade estética ao tentar proibir os outros de usarem roupas que julgam confortáveis.
    Incomoda-se com o CONFORTO alheio? Problema seu, fresca.

  • O Brasil é incrível no despreparo com o próprio clima. As construções e transportes não são feitos nem pro calor nem pro frio. Aí no verão todo mundo assando dentro do ônibus porque não tem ar condicionado, e no inverno tem que vestir 3 casacos e duas calças dentro da própria casa porque não tem aquecimento. Tem fatores econômicos, é claro, mas até em lugares menos subdesenvolvidos é assim.
    Falando em roupas, dizem que antigamente as roupas eram feitas com um tipo de tecido mais fresco (linho, se não me engano), por isso não era tão sofrido usar aqueles ternos e vestidos estilo europeu no hemisfério sul. Com o passar do tempo, foram misturando outros tipos de tecido pra aumentar e baratear a produção de roupas.

    • Não sei no resto do país, mas no Rio, mesmo quando tem infraestrutura, é falha: muito ônibus com ar condicionado é uma geladeira ambulante, pois, segundo os motoristas, não tem termostato: é ligado ou desligado. Conclusão: ligado é um frio de dar dor de cabeça.

    • O despreparo com o clima se reflete na alimentação também. Agora que é inverno e tem menos sol é praticamente impossível encontrar frutas decentes no mercado. Laranja seca ou azeda, manga sem graça, maça que é o puro isopor, mamão, abacate e abacaxi que apodrecem antes de ficarem maduros. E caros, tudo muito caro.
      Eu acompanho youtuber que mora em país frio e mesmo no inverno eles tem boas frutas, porque se preparam pra isso. Aqui parece que é só o que cai do céu, o que a natureza proporciona, nenhum esforço além.

      • Hoje em dia é bem possível cultivar qualquer fruta climatizando o ambiente. Não faz o menor sentido que não existam boas frutas disponíveis em um país como o Brasil.

  • Ah sim, mais um texto do Desfavor! Quem sabe dessa vez eu consigo ler almoçando e… Deixa pra lá, nem estava com tanta fome mesmo.

    Mas isso de avisar é importante. Claro, tu não vai chegar na pessoa e “EI! VOCÊ TÁ FEDENDO, PARECE UM SACO DE BOSTA!”. Dá um toque direto “pessoa, você tem cecê”, ou usa o famoso “um amigo meu tem um cheiro desagradável e não sei como contar pra ele, sabe?” para passar indireta. Agora se a pessoa já devidamente informada não levar a sério ou achar que é ENVEJA sua, causa perdida.

    • É importante que os fedidos se conscientizem e não fiquem na defensiva. Quem avisa do cecê te abre uma porta maravilhosa: permite que a pessoa possa tomar precauções para não voltar a feder.

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