Vendendo peido.

A americana Sephanie Matto ficou famosa na internet quando divulgou seu lucrativo negócio de vender peidos engarrafados. Segundo apuração do jornal Extra, ganhou mais de 800.000 reais com isso. Teve que parar por problemas de saúde. Boa empreendedora, ela logo achou uma nova solução: vender o suor dos seus seios. E segundo ela, a demanda continua em alta. O que me leva a perguntar o seguinte: o homem tem que acabar?

E eu isolo meus companheiros de gênero nessa porque até onde eu sei, não existe um mercado de vender dejetos corporais para mulheres. Nunca diga nunca, mas por enquanto, a minha arma está apontada na direção dos homens. E antes que você pense que estou fazendo generalização de fato único, a minha surpresa com a notícia não foi que tinha um público querendo comprar peidos engarrafados ou suor de seios, e sim que o mercado estava tão maduro ao ponto de virar notícia em sites “normais”.

Gostando ou não, eu sou um veterano dos horrores da internet, desde os tempos em que usar internet impedia o uso do telefone. Desde o tempo que as pessoas usavam telefone… como o acesso constante à rede mundial de computadores bateu com minha adolescência, eu fiz o processo de ver as coisas mais terríveis possíveis através de um monitor, talvez na expectativa de que isso me deixasse mais forte.

Por um lado, deu certo: eu tenho que fingir que me escandalizo com os papos sobre bizarrice de outras pessoas, só para não parecer muito estranho. Na verdade, eu já não me incomodo com nenhuma nojeira vista através de uma tela. Ao vivo são outros quinhentos; perder a sensibilidade da imagem nojenta não faz nada pelo nariz. Fica o aviso para outros profissionais de internet bizarra: o olfato tem que ser treinado à parte. Não consigo nem entrar em banheiro químico sem sentir ânsia. A ilusão de insensibilidade não se sustenta quando a coisa está na sua frente mesmo.

Voltando dessa tangente: eu não vou dizer que me custa muito caro sair fuçando nos cantos mais obscuros dos fetiches humanos pela internet. Não estraga minha próxima refeição, não me gera mais do que um “por quê?” na mente. E por essa resiliência virtual, eu acabo me perdendo em caminhos cada vez mais bizarros de curiosidade sobre os limites humanos. A fase de ver por ver já passou, a segurança que eu aguento ver até gente vomitando uma na outra como fetiche está estabelecida.

Mas com o tempo, surge outro interesse antropológico: primeiro como algo leve, inocente até. Histórias de homens que se humilham por mulheres da internet. Existem várias, especialmente com o aumento exponencial de garotas que ganham a vida produzindo conteúdo em redes sociais. Algumas seguem seus interesses e calham de ser atraentes, outras sabem muito bem o que estão fazendo e contam com homens desesperados por atenção feminina como seu grande público. Podem mostrar o útero ou apenas um decote, seja como for, estão explorando um público muito parecido.

Uma curiosidade mórbida com a falta de noção de cidadãos que acham que a mulher na webcam aparecendo para qualquer um que quiser tem alguma forma de relacionamento com eles. A internet até já criou nome para eles: “simps” (é gíria, não tem definição exata de onde vem a palavra). Homens que ficam orbitando mulheres com alguma presença online profissional, fingindo que tem alguma relação com elas, mesmo que essas mulheres mal saibam que eles existam. O simp está dentro do grupo de “mendigos de buceta” sobre os quais a Sally já escreveu, mas é um grau avançado de problema mental: o simp muitas vezes sabe que nunca vai encostar num fio de cabelo da mulher, só quer atenção mesmo. E pode ser a migalha da migalha. Um agradecimento depois de uma doação financeira já faz com que muitos desses homens dediquem parte das suas vidas (e dos seus recursos) para aquela mulher na tela do seu computador ou celular.

O mendigo de buceta médio pelo menos está tentando fazer sexo. Ele quer colocar as mãos na mulher. Escolheu uma tática patética para fazer isso, só atrai mulher com problemas sérios de autoestima, mas existe uma conexão física no futuro esperado dele. Uma pessoa de verdade. Uma buceta de verdade, por mais limitada que seja essa expectativa. Eu acredito que essa pessoa tenha um problema, mas um problema que está suficientemente perto da realidade para ser corrigido.

Esse simp online é a ponta de um iceberg terrível de comportamentos masculinos. E como eu sou atraído por esses icebergs, comecei a descobrir coisas cada vez mais impressionantes. A moça vendendo peidos está atacando um mercado completamente diferente da moça vendendo calcinhas usadas (e isso acontece desde antes da internet). Boa parte das produtoras de conteúdo adulto tem esse negócio paralelo de calcinhas usadas, mercado muito explorável (lembradores lembrarão) e consideravelmente “normal” dada a forma como a sexualidade humana funciona em média.

O corpo humano produz diversos cheiros, a maioria desagradável a não ser que você tenha uma relação próxima com ele. Todo mundo vai concordar que o cheiro do próprio peido é menos pior que o de outra pessoa, isso tem explicação científica: o seu cérebro acostumou com o cheiro médio e não liga os mesmos alarmes que ligaria com cheiros diferentes. Se você estiver podre de verdade, o nariz avisa para o cérebro que alguma coisa mudou do padrão e você se incomoda muito mais.

Além disso, alguns cheiros têm conexão com a ideia de intimidade e desejo sexual. Especialmente os naturais vindos das genitálias de ambos os sexos. Nunca fui mulher para saber como funciona para elas, mas sei que para homem funciona com força. Existem explicações lógicas para um homem gostar dos cheiros de uma mulher pela qual se sente sexualmente atraído. Comprar a calcinha usada de uma mulher e receber pelo correio estica muito essa corda da lógica, mas não o suficiente para quebrá-la.

Ainda tem algo ali primitivamente sexual, por assim dizer. É um cheiro (considerando que a vendedora é honesta – duvido que a maioria seja) condizente com a experiência sexual tradicional. É um cheiro que indica grande intimidade. E como o cérebro é uma máquina fantástica de criar realidades, mesmo se a mulher esfregar um bacalhau numa calcinha recém-comprada e mandar, o cérebro do homem é capaz de completar as lacunas e acreditar que é algo real. Não duvidem do poder da autossugestão.

Agora, como explicar o peido engarrafado? Como essa é uma semana nojenta, nós vamos às últimas consequências aqui: o peido é inerentemente sexual? Não. Tem gente que tem esse fetiche de cheirar, ouvir ou mesmo soltar peidos num contexto sexual, mas é um fetiche. Algo que expande o conceito de sexualidade para um grupo determinado de pessoas. Que fique claro que eu não tenho nenhuma intenção de ser fiscal de tara alheia: não estou aqui para dizer que está certo ou errado sentir prazer com peidos. Na verdade, estou até considerando rever meu incômodo mental com alguém que sente tesão nisso.

Porque o que dois adultos fazem na vida privada sem quebrar nenhuma lei não deveria ser preocupação alheia. E se você parar para pensar, um cidadão que gosta de cheirar peidos encontrar uma mulher que topa fazer isso para ele na cama é um homem que está feliz. E uma pessoa feliz e realizada, mesmo que seja por ser alvo de gases intestinais, é uma pessoa que tende a melhorar o mundo ao seu redor. Você pode achar horrível alguém cheirar peido até descobrir que seu chefe chegou feliz no trabalho porque a mulher dele comeu muito repolho no dia anterior.

De uma forma maluca, eu estou dizendo que quando duas pessoas com fetiches compatíveis se encontram, a tendência é mais positiva do que negativa. O ser humano é instintivamente atraído por relações com outros seres humanos, a mecânica dessa relação pode variar, pode até ter elementos que nos parecem muito estranhos, mas eu entendo que pessoas possam encontrar pontos comuns e serem felizes na sua intimidade.

Era importante fazer essa ressalva porque o motivo pelo qual eu escrevo este texto é que esse lance de comprar peido engarrafado pode não ser exatamente o fetiche por flatos. E sim o fetiche base da maioria desses baseados em cheiros, secreções e dejetos humanos: o fetiche por intimidade. E por tabela, você começa a perceber por que esse mercado existe com um público essencialmente masculino.

E quem já viu muita coisa maluca na internet sabe: peido é brincadeira perto do que acontece dentro de quatro paredes mundo afora. A americana vende gases, mas existem muitas outras mulheres por todos os cantos do planeta que vendem urina e fezes da mesma forma. Sim, tem cidadão que compra caixa de cocô de mulher. Tem mulher que faz bolinhos com sua merda na receita e vende. Tem mulher que vende live dela indo ao banheiro. E sabe o que é mais curioso? Não foram ideias delas, foram homens pedindo por esse conteúdo. Se uma mulher começa a vender qualquer tipo de nudez na internet, começa a receber pedidos do tipo. Tem as que aceitam e alardeiam, tem as que aceitam e pedem segredo e eu tenho a leve desconfiança que só uma minoria nega.

Existe esse mercado. Um mercado de delivery de cheiros, corrimentos e dejetos para homens ao redor do mundo. E isso não é só gente “bizarra” que come cocô. O simp que fica pedindo atenção da streamer no Twitch e o cidadão que compra peido engarrafado estão buscando algo que o sexo pode oferecer, mas que não é necessariamente sexual. Sim, transar com uma pessoa te coloca numa posição de muita proximidade, e pessoas que já fizeram sexo tendem a se sentir muito mais à vontade uma com a outra. Existe intimidade no sexo, existe conexão emocional no sexo, mas não é o único lugar onde isso acontece.

Quer dizer, não é o único lugar que acontece, mas talvez muito homem nesse mundo não saiba disso. Tem a ver com a forma como o homem é criado na nossa sociedade: para não mostrar fraqueza. Mulheres provavelmente não entendem como o homem médio é faminto por conexão emocional e intimidade em geral, e nem acho justo exigir delas, afinal, sempre viram o mundo por outro prisma. Mas a verdade é que homens se colocam na posição de não se permitirem demonstrar fragilidade ou mesmo vulnerabilidade emocional, e todo mundo está tão acostumado com isso que muita mulher acha que homens vivem de boa sem isso.

O cidadão não sabe pedir, ninguém sabe que ele precisa. Papo de homem tem um certo limite de intimidade e profundidade emocional. Não é que ignoramos completamente o sentimento do outro, mas todo mundo tem uma linha que não costuma cruzar. E quando alguém cruza e começa a chorar, vira missão dos amigos puxar ele de volta, não é sobre explorar aquele sentimento, é sobre resolver o problema dele ter deixado vazar.

E por mais que os preconceitos estejam diminuindo com o passar das décadas, ainda não é como se a rede de proteção emocional do homem fosse parecida com a da mulher. Homem se consola, mulher se escuta. E isso tem tudo a ver com comprar peido engarrafado! Esse homem com falta crônica de intimidade consegue receber muitas das suas “necessidades nutricionais” pelo sexo. Sexo é uma fonte de intimidade e proximidade emocional, e isso pode funcionar até mesmo quando a mulher não está realmente jogando junto. Como eu disse antes, o poder da autossugestão resolve muito problema.

O fetiche pela intimidade, seja ele na atenção de uma mulher na webcam ou no recebimento de fezes pelo correio, surge como substituto do sexo, que aquele homem muitas vezes já desistiu de conseguir com aquela mulher, ou, em casos mais graves, com qualquer mulher. Esse homem tem o buraco fundamental da falta de intimidade, a única forma que ele aprendeu que isso pode ser preenchido é com sexo, e quando o mundo se virtualiza ao ponto de oferecer substitutos de sexo pelo computador, é claro que os fetiches de intimidade seriam tornados em produtos.

O meu argumento é que tem essa natureza sexual e que o comprador dessas coisas bizarras é quase sempre homem por causa de uma tempestade perfeita de necessidade de intimidade com a ilusão de que o sexo é a única forma de conquistá-la. É nesse contexto que peido engarrafado e calcinha usada habitam o mesmo universo. Intimidade e sexualidade viram um borrão na cabeça do homem médio, e quando ele fica sem o suporte (emocional) de fazer sexo de verdade com alguém que quer estar com ele, o borrão toma conta de tudo. O cara vai comprar suor de peito para ter algo de uma mulher que só alguém íntimo teria.

Não é fetiche por suor de peito. É fetiche por intimidade. Inclusive quando o comprador é um homem casado, acima de qualquer suspeita. Sim, tem mais um degrau pra descer: não é só o incel escondido num porão que compra essas coisas, as vendedoras dizem que muito homem em relacionamento é cliente também. Será que esses homens estão em relacionamentos que lidam com sua necessidade de intimidade? Se eles só entendem intimidade nesse contexto, qualquer relação com pouco sexo ou sexo “burocrático” tende a colocar o homem nessa posição faminta por intimidade. Ele não sabe fazer de outro jeito, a mulher pode nem perceber que ele tem essa necessidade. E é claro, várias percebem, mas não tem interesse ou capacidade de quebrar as barreiras necessárias.

Muito se engana que mulher não é público-alvo de peido engarrafado por não ter fetiches ou ser menos sem-noção que homem, é porque elas conseguem intimidade de mil outros jeitos diferentes, seja com amigas, parentes ou mesmo quando arrastam seu homem para uma DR só para serem ouvidas às vezes. Mulher sabe “coletar” intimidade do mundo sem precisar de sexo, homem já é muito mais dependente do contexto sexual.

E é aí que o fetiche sai de controle. O vídeo nojento do sexo com cocô entre duas pessoas que consentem é muito mais saudável mentalmente do que o jarro de peido. Carência mal resolvida é uma coisa muito mais fedida. O homem não tem que acabar, o homem tem que aprender a viver num mundo que não vai mais pegar uma mulher e colocá-la ao seu dispor para lidar com suas dificuldades de ter intimidade. Durante muito tempo, mulheres viveram em função de cuidar de carências masculinas (e a maioria nem sabia fazer isso direito), mas essa não é mais a realidade.

Aliás, agora muitas dessas mulheres, liberadas, tornaram-se predadoras. Eu não tiro responsabilidade das que exploram isso, mas enquanto não ensinarmos os homens a terem mais habilidade emocional para lidar com sua carência, cada vez mais e mais deles vão começar a comprar peidos engarrafados e normalizar de vez o comportamento. Você está rindo do cara que compra peido, assim como eu ri anos atrás quando soube que tinha homem comprando calcinha com freada.

Eu não estou rindo mais.

Para dizer que foi uma viagem nojenta, para dizer que não vê esses vídeos para não pensar nisso, ou mesmo para dizer que é mulher e agradece as ideias de negócio: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • O que mais impressiona nas vendas do post nem é quem vende – afinal um bom vendedor vende até geladeira pra esquimó – difícil mesmo é acreditar que tem quem compra peido e todo o restante das nossas porquices que procuramos discretamente fazer na intimidade.
    As vezes bate um desânimo… sinto que nasci no tempo errado.

  • “ou mesmo para dizer que é mulher e agradece as ideias de negócio”
    1% de mulheres brancas de classe média de primeiro mundo, que em teoria nem precisariam se submeter a esse tipo de coisa pra sobreviver, conseguem viver disso. O resto está nas ruas se prostituindo e prostituindo as filhas em troca de saco de arroz ou galão de água potável, sem falar do tráfico humano que já são outros 500.

    Se vender e se sexualizar só é empoderamento pra mulheres fúteis de classe média.

    • “O resto está nas ruas se prostituindo e prostituindo as filhas em troca de saco de arroz ou galão de água potável”

      Sim, é justamente assim que as mulheres que não vendem peido engarrafado ganham suas vidas.

      • E quem está falando isso? É tão difícil seu cerebrozinho perceber o quanto é prejudicial a normalização da prostituição que patricinhas ocidentais tanto defendem?

        • Nossa, você deve ter referências muito atípicas de mulher, e ainda acredita que essa é a realidade. Ande com pessoas melhores, as pessoas com as quais você anda, o conteúdo que você consome, a realidade que você vê, é um reflexo do que tem no seu interior. Imagino como deve ser sua mãe para você achar que mulheres ocidentais normalizam prostituição. Força, guerreiro.

    • Acho que ela quis dizer que esse tipo de conteúdo é parte do problema da prostituição, tráfico de pessoas e tudo que decorre deles. Só é “romântica” essa sexualização escatológica porque aparentemente essa ínfima parcela de mulheres desse meio está em um local seguro, onde o risco de por a integridade física é nula. Para todas as outras trabalhadoras do sexo, não há esse glamour, apenas as mazelas que o ofício as expõe. Acho que foi isso que ela quis dizer e não que única forma que uma mulher tem de ganhar dinheiro é se prostituindo. Claramente que não.

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