A apresentação feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) aos embaixadores estrangeiros, nesta segunda-feira, em Brasília, tinha um erro de ortografia no primeiro slide. Projetada em um telão, a comunicação trazia a palavra “briefing” escrita de maneira errada. LINK


O presidente faz uma palestra pra cuspir teoria de conspiração para embaixadores do mundo todo e a gente está preocupado com o erro de inglês? Sim. Desfavor da Semana.

SALLY

A reunião de Bolsonaro com embaixadores no começo desta semana foi apenas mais um dos muitos vexames protagonizados por ele e seu governo. Então, por qual motivo escolhemos esse tema como Desfavor da Semana? Por ser um belíssimo espelho no qual a maioria ainda insiste em não se olhar.

Você vai achar muita gente criticando Bolsonaro, seja pelo erro grotesco de grafia (que vocês podem ver na imagem desta postagem), seja pelo discurso de quem desconhece totalmente as normas, seja pela incoerência ou despreparo. Mas… será que quem o critica de fato age de forma diferente no seu cotidiano?

Vamos começar com o elefante branco na sala: o painel da apresentação exibiu a palavra “brieNfing” (quando o correto é “briefing”). Uma apresentação que foi marcada com bastante antecedência, na qual trabalharam uma equipe grande e na qual se gastou verba pública paga com os seus impostos, apresentou um erro grotesco que rodou o mundo e virou motivo de piada. Nenhum dos envolvidos percebeu, o que significa ou muita incompetência ou muita burrice, ambos preocupantes.

Uma vergonha? Uma vergonha. Mas… será que o brasileiro, no seu trabalho, faz diferente? Será que ele se prepara para reuniões, apresentações ou o que quer que seja? Até onde eu me lembro, no Brasil havia uma forte tradição de fazer tudo em cima da hora, que nasce com as apresentações de colégio e se estende por toda a vida.

Dias antes (ou no dia antes) a pessoa corta-cola algumas coisas, enfeita e apresenta. Quantas pessoas realmente preparam com zelo e antecedência algo relacionado ao trabalho? Se você não desempenha seu trabalho com excelência, é bastante hipócrita dar pedrada em quem, assim como você, não o faz.

Vamos ao conteúdo. Bolsonaro parece não entender como funciona a distribuição dos Três Poderes, a Constituição brasileira e o Estado Democrático de Direito. Não é de hoje que ele faz declarações que mostram falta de conhecimento, falta de estudo e a arrogância de achar que o que o bom-senso dele endossa é (ou deveria ser) o correto.

Uma vergonha? Uma vergonha. Mas… será que o brasileiro faz diferente? Sempre vejo pessoas afirmando o que querem sobre lei, sobre vacina, sobre ciência, sobre os mais diversos assuntos, inclusive muitos deles técnicos, que não são passíveis de opinião. O brasileiro, meus queridos, escolhe a lei que acha que vale a pena cumprir. Cansei de ver gente que, se não concorda com uma lei, simplesmente a ignora.

Acho complicado que quem nega eficácia de vacina ou quem afirma que pessoas de gênero biológico diferente podem competir em esportes em igualdade critique Bolsonaro nesse ponto. Na real? O brasileiro costuma ser tão torpe, mal-informado e obtuso, só que, ao contrário do Bolsonaro, não tem microfone na boca o dia todo.

Vamos à coerência. Bolsonaro deve ser o único líder mundial que afirma que a eleição que ele venceu foi fraudada. Eu nem sou grande defensora de urna eletrônica (se o Japão vota em papel, não deve ser tão fácil fazer eleições seguras de forma eletrônica), mas, porra, reclamar que teve fraude numa eleição que você venceu? Dizer que houve fraude pois você venceu no primeiro turno e desconsiderar que, se fosse fraude, não teria vencido no segundo turno é patético. Não faz o menor sentido.

Uma vergonha? Uma vergonha. Mas… será que o brasileiro faz diferente? Na maior parte das vezes, não. Vale qualquer ginástica argumentativa para provar seu ponto: dizer, desdizer, dizer novamente, se desdizer novamente. Para estar certo, o brasileiro fala qualquer merda, justifica qualquer bosta e tira dados do cu. Acredita nas notícias falsas mais bizarras, desde Tedros de shortinho até chip cerebral na vacina e monta as mais risíveis teorias da conspiração para justificá-las. Então, falar mal do Bolsonaro é fácil, difícil é ser diferente dele.

Por fim, minha parte favorita: a total desconsideração pela assessoria técnica dos profissionais contratados. Os publicitários responsáveis pela campanha de Bolsonaro jogaram a toalha após essa reunião, pois ele fez o exato oposto do que eles pediram. Contratar um profissional que estudou para isso, que tem formação nisso, que sabe sobre isso melhor do que você para ignorá-lo? Quão imbecil, arrogante e atrasado é isso?

Uma vergonha? Uma vergonha. Mas… será que o brasileiro faz diferente? E aqui eu posso te afirmar: não faz. Faz exatamente a mesma merda. Contrata um profissional e depois fica se metendo no seu trabalho, não aceita o que o profissional diz, “discorda” (sem o menor fundamento para fazê-lo) e ainda faz o oposto do que o profissional orientou. E se der merda, adivinha? A culpa ainda vai recair contra o profissional.

O brasileiro, do alto da sua ignorância/arrogância, desconsidera até o que médico fala, por exemplo, parando de tomar antibiótico quando os sintomas passam pois ele tem a certeza leiga de que não precisa mais (e assim criam superbactérias resistentes que prejudicam o mundo todo). O brasileiro só faz o que quer, o que ele, em sua imensa sabedoria acha que é o melhor.

Mesmo nos meus tempos de advogada tinha cliente que queria estabelecer sua linha de defesa (e alegar leis que nem existem). É um verdadeiro inferno trabalhar para brasileiro, brasileiro só quer fazer o que ele acha. O profissional SABE, pois estudou para isso, mas o brasileiro ignora e faz o que ele acha, afinal, ele é referência universal de bom-senso, bom-gosto e estratégia.

E se der merda, ainda vai reclamar com o profissional, que inúmeras vezes o orientou diferente daquilo. Por isso eu digo: tudo, TUDO, TU-DO que vocês acordarem com clientes tem que ser formalizado por e-mail (mesmo que tenha sido definido em reunião), com aceite do cliente, se for caso, destacando no e-mail que sua orientação de profissional é uma e o que você desaconselha que o cliente faça de outro jeito.

Por menor que seja a questão, façam sempre isso, pois quando os símios fizerem merda, pode ter certeza de que vão reclamar com você ou até tentar te processar. Filho feio não tem pai, quando dá merda o cliente não mata no peito e diz “olha só, você tinha razão, eu fiz uma escolha errada”. Ele vai dizer “VOCÊ me orientou a agir assim”. E-mail. Sempre. Para tudo. Tudo fica registrado em e-mail com resposta do cliente aceitando.

Então, antes de achar graça que o Bolsonaro não obedeça a seus publicitários (spoiler: Lula também é assim, só faz merda), o brasileiro deveria olhar um pouco para os seus hábitos: segue o que o médico recomenda? Segue o que a agência de publicidade recomenda para a sua empresa? Segue o que a bula do remédio indica? Segue as instruções de um xampu? “Não precisa lavar duas vezes, é um truque das grandes empresas para me fazer gastar mais shampoo”. Vai lá, porco do caralho, ignorante, arrogante, falha até mesmo na higiene pessoal por achar que sabe tudo!

É isso, o brasileiro está chutando o espelho. E é curioso ver que, até mesmo no que diz respeito à intensidade das críticas, quem mais critica Bolsonaro é quem mais comete essas mesmas cagadas no seu dia a dia. A diferença é que não tem repórter acompanhando e estampando primeira página de jornal com as bostas que o brasileiro médio faz, se tivesse, vocês veriam como é todo mundo muito parecido…

Para dizer que ninguém vai admitir que faz essas coisas, para dizer que é escancarado o quanto petista se identifica com Bolsonaro ou ainda para dizer que eu quero mudar a essência do brasileiro (seria bom): sally@desfavor.com

SOMIR

Eu já trabalhei para uma impopular uma vez. A pessoa (que eu não vou dizer quem é, sagrado direito de não ser vinculado ao Desfavor) queria fazer um logo para a marca que estava lançando. Ela, uma pessoa bem jovem, tinha a inexperiência óbvia de quem estava começando com sua empresa e uma certa deferência com a imagem de escroto arrogante que eu cultivei aqui por vários anos.

O que não precisaria ser uma preocupação, afinal, não só era uma cliente como uma impopular. Gosto um pouco mais de vocês do que das pessoas normais. Seja como for, eu apresentei algumas propostas de logo, ela pensou por uns dias e me respondeu: discordando de algumas coisas, concordando com outras. Muito educada, sempre.

Eu então lidei com a informação recebida. Adaptei algumas coisas que agora entendia melhor sobre o pedido dela e expliquei o que insistia em manter da minha proposta original, afinal, tinha motivo de ser daquele jeito. A resposta veio compreendendo meu ponto. Conversamos por e-mail por mais algum tempo, alinhando os detalhes finais do material.

Como era uma pessoa jovem que estava começando uma empresa, e como também tinha toda a simpatia de vir do Desfavor, resolvemos dar um descontão para ela. O que essa pessoa talvez não saiba é que o logo dela foi um dos que eu mais caprichei pra fazer nos últimos anos. Fiz uma tabela de cores para ela escolher, apresentei recombinações de todos os elementos visuais apresentados…

Coisas que eu não faço nem para grandes empresas, que pagam muito mais pelos seus logos. Mas eu não trabalhei mais com mais atenção só por simpatia. Eu trabalhei mais e com mais atenção porque eu estava conversando com uma pessoa que se importava com o material e me respeitava como profissional. Não acho que fiz logos ruins para os clientes maiores, só acho que existe uma cultura no Brasil de não participar de verdade no trabalho contratado.

Aí, das duas uma: ou você está sozinho pra se virar sem informações do cliente, ou é atropelado por alguém que acha que sabe como fazer o trabalho do outro. Um dos maiores desafios do mercado criativo é entregar bons trabalhos apesar do cliente. Por isso a impopular que me contratou para fazer o logo ficou num lugar especial da minha memória: ela participou. Ela permitiu a construção de algo por um especialista sem deixar de se interessar pelo resultado. Quando a outra pessoa participa, você consegue fazer mais. Algumas etapas do trabalho só podem acontecer se o seu cliente quiser pensar nisso.

Isso se conecta com o tema de hoje porque o erro bisonho na apresentação de Bolsonaro – que já era bisonha por definição – demonstra essa mentalidade do desinteresse do brasileiro. Bolsonaro cismou que queria fazer isso, ele e provavelmente um ou dois assessores ou filhos mais malucos, não ouviu ninguém que tentou dizer que era uma besteira. Bolsonaro, como muitos brasileiros, é Doutor em todos os assuntos do universo e tem certeza de que está sempre certo.

Ao mesmo tempo, não se interessa o suficiente pelo que faz para cobrar os outros. A piada não é um erro na apresentação, a piada é que todo mundo sabia que isso seria mostrado para embaixadores do mundo todo e a mídia estaria enlouquecida com a ideia… todo mundo erra, claro. Mas qual o grau de desinteresse envolvido no processo para deixar um erro ridículo ser filmado pela mídia toda e visto pelos representantes de dezenas de outros países do mundo?

Lendo os nossos textos, é possível que você ache que estamos falando para confiar cegamente em especialistas. Não, longe disso. Estamos falando para você fazer que nem a impopular que eu descrevi no começo do texto: participar. Participar não é impor sua opinião ou obedecer por obedecer, participar é dar importância para as coisas: ouvir um especialista, comunicar o que pensa, negociar, confrontar, revisar, se informar; fazer as coisas que são necessárias para gerar boas decisões e resultados nessa vida. Não tem atalho, precisamos colocar tempo e energia nas coisas.

Claro que a mídia ficou focada no choro de perdedor de Bolsonaro e sua imitação ridícula do que o Trump fez nos EUA, mas a gente aproveita essa oportunidade para explicar como alguém consegue fazer uma bobagem desse tipo, justamente para você lembrar que não está imune a isso.

Bolsonaro é um dos melhores representantes do povo brasileiro: arrogante de enfrentar todos os especialistas em marketing político ao seu redor, mas relaxado ao ponto de ter gente que deixa passar “brienfing” numa apresentação para embaixadores do mundo todo. Não existe solução mágica correndo para um lado ou para o outro: excesso de certezas e falta de vergonha na cara é um combo maldito que trava países como o Brasil. Sim, como eu sempre digo, o mundo tem muito mais lugares parecidos com o Brasil do que diferentes nesses aspectos, mas a gente fala com brasileiros.

Enquanto o povo for desse jeito, os representantes do povo vão ser desse jeito. Não precisa mudar a vida toda não, basta… participar.

Para dizer que quer me contratar para formatar seu computador (é a mesma coisa que design, pelo visto), para dizer que é uma pessoa consistente em não se importar, ou mesmo para dizer que todos seus chefes eram o Bolsonaro: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Eu não sei se consideraram essa possibilidade, mas eu acho que foi de proposito esse erro de ingles. Tipo o queijo ralado no paletó do Janio Quadros, versão digital. Chamou muita atenção e mostrou como ele é simplesão e honesto, perseguido pelas elites.

    • Seria a esperteza mais burra que eu já vi. Por esse motivo, sua teoria conspiratória foi para o campo de “não é impossível” na minha mente…

  • Mas gente, o rusband só pode mesmo fazer um brienfing…

    Sally, acho que infelizmente nem e-mail adianta. Já passei a situação absurda de ser contratada para consultoria, apontar um erro grave em um relatório, sugerir a correção – (que foi rejeitada!) – tudo com traço escrito – para depois ser criticada quando o projeto deu errado “por não ter feito direito o meu trabalho”. Isso com memorandos e e-mails escritos para todos os envolvidos – incluindo o reitor da universidade. As pessoas simplesmente ignoram o que não lhes convém. Espero nunca mais na minha vida ter de trabalhar no Brasil.

    • E-mail não impede que as pessoas reclamem, pois são loucas, desmemoriada e incompetentes. Mas permite que você responda e prove que a reclamação é sem fundamento. Quem reclamou pode não ver, mas se você levar a questão a quem está acima de quem reclamou, costuma ter um efeito muito bom.

      • Também já passei por esse tipo de situação. É um pé no saco. E eu já tô farto de trabalhar com gente que só usa a cabeça pra separar as orelhas!

        • Também já tive que passar por desmemoriados(as), inclusive era em uma universidade; mas se eu chegasse em alguém abaixo da vice-reitoria (chefia de grupo de andares) continuaria sendo tratado como culpado.

          Consegui que passasse meia década disso, porém longe de me recolocar em algum exterior “dos sonhos”.

  • “Até onde eu me lembro, no Brasil havia uma forte tradição de fazer tudo em cima da hora, que nasce com as apresentações de colégio e se estende por toda a vida”. Ainda é assim. Sempre foi e, temo, sempre vai ser.

    • Sim. Essa é uma das características mais marcantes do BM. Outras são ter certeza de que sabe tudo sobre tudo apesar de sua notória alergia a leituras e conhecimento e a Síndrome de Ursulão. Para quem não sabe, Ursulão é aquele personagem secundário da turma do Pica-Pau que, por sovinice, se recusa a contratar alguém quando algo enguiça em casa, acredita que pode fazer tudo sozinho e, todo atrapalhado, só vai causando cada vez mais estragos até que chega uma hora em que não tem outro jeito a não ser enfim chamar um profissional.

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