FAQ Desfavor – LayV

Na semana passada, cientistas anunciaram a descoberta de um novo vírus com potencial para infectar seres humanos. Eu sei que vocês estão de saco cheio de falar de vírus (e nós também estamos), mas achamos importante fazer um apanhado do que se trata para que, quem quiser saber mais, possa tirar quinze minutos do seu dia e ler tudo que precisa, em vez de ficar lendo cada matéria que sai a respeito. Vamos lá.

O que é?

É um novo vírus do gênero Henipavírus, um grupo que já causou surtos de infecções altamente letais em humanos – justamente por isso, o alarde. A criança vem de uma família de assassinos. O vírus recebeu o nome de Langya henipavirus, ou LayV, para os íntimos. Mas nada indica que este vírus siga a mesma linha letal dos parentes, muito pelo contrário.


Quando surgiu?

Sua existência não é uma novidade tão recente. Existem relatos de infecções por este vírus desde 2018, mas, ao que tudo indica, apenas agora se reuniram as evidências necessárias para comprovar que é um vírus novo e que é ele quem está causando todos os casos que vêm sendo estudados. Então, até aqui, a melhor informação que se tem é a de que ele surgiu em 2018. É mais velho que o SarsCov2, o covidão, portanto, é meio forçado dizer que é um “vírus novo”. Nasceu faz tempo, só que foi batizado agora, com atraso.


Como ocorre o contágio?

O que se sabe até aqui, 10 de agosto de 2022, é que o contágio não parece acontecer de pessoa para pessoa, é muito mais provável que aconteça de animal (selvagem) para pessoa. Por sinal, é algo que vem sendo avisado na comunidade científica faz décadas: estamos nos aproximando demais dos animais selvagens, invadindo seu habitat, convivendo mais de perto do que deveríamos. Fatalmente diversos vírus vão conseguir “pular” desses animais para humanos. Não é o primeiro, não será o último.

Dois fatores corroboram para a hipótese de que ele é um vírus que se transmite apenas de animais para humanos: 1) entre as pessoas que pegaram, predominam agricultores ou pessoas que, de outras formas, tiveram contato com animais selvagens e 2) as pessoas próximas às pessoas que pegaram não foram contaminadas.

Entre os animais que podem passar o vírus para o ser humano, o que parece ser o principal transmissor é o musaranho, um animal que, independentemente deste vírus, ninguém vai querer se aproximar: é um ratinho mínimo (o menor mamífero do mundo) mas extremamente briguento e venenoso. Ele pode ser encontrado da América do Norte, Europa, norte da África e oeste da Ásia.

Também foram encontrados alguns cães e cabras que tinham anticorpos para o vírus, mas, até aqui, a possibilidade mais provável é que eles também tenham sido contaminados por musaranhos. Não se sabe ao certo se estes animais intermediários (no caso, cães e cabras) podem contaminar o ser humano. De qualquer forma, as chances do seu cão tretar um musaranho devem ser bem próximas de zero.

Porém, mais uma vez, vale a ressalva que é um vírus recém-estudado, portanto, novas formas de transmissão ou novos animais fontes de transmissão podem ser descobertos.

Sem contar que, como bem sabemos, vírus mutam e podem começar a ser transmitidos de pessoa para pessoa. Por uma questão de bom-senso, fiquem longe de bichos selvagens se não forem biólogos ou veterinários, pois o que mais tem é vírus que a qualquer momento pode pular para seres humanos.


Quais são os sintomas da doença e as sequelas?

Foram analisados menos de 30 casos pela revista científica The New England Journal of Medicine. Isso quer dizer que é um número muito baixo de pessoas para ter uma resposta sólida, porém, dos casos analisados até aqui, não parece nada tão grave: 100% dos pacientes tiveram febre, 54% fadiga, 50% tosse, 50% anorexia, 46% mialgia (dor muscular), 38% náusea, 35% dor de cabeça, 35% vômito, 35% tiveram anormalidades no funcionamento do fígado e 8% no funcionamento dos rins.

Não há informações sobre eventuais mortes, apesar de parte da mídia chamar o vírus de “vírus letal”, ele ainda não matou ninguém. E olha que teve tempo para isso… Sobre sequelas, é muito cedo para dizer qualquer coisa, infelizmente é o tipo de informação que faz necessário esperar que muita gente pegue e muito tempo passe.


Se sabem tão pouco, por qual motivo a mídia está falando nisso e divulgando?

Pela família à qual o vírus pertence. Se foge uma minhoca de um zoológico a reação não é a mesma que se foge um tigre. Pode até ser que o tigre que fugiu seja inofensivo, mas, como há histórico de tigres matando seres humanos, se fugir um tigre, é bom que todo mundo esteja devidamente avisado.

Estamos falando de um vírus do gênero Henipavírus, outros coleguinhas desse grupo já causaram surtos e infecções graves. Talvez você não esteja familiarizado por uma questão geográfica, já que os maiores estragos foram na Ásia e na Oceania.

Os mais problemáticos foram o Hendra henipavirus (HeV) e Nipah henipavirus (NiV), com taxa de mortalidade, respectivamente, em torno de 57% e em torno de 55%, segundo o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. E ambos podem deixar problemas respiratórios e neurológicos que não são nada legais.

De forma alguma se está afirmando que o irmão caçula terá as mesmas consequências, ele, na verdade, parece bem inofensivo. Mas, sem dúvida, é algo para ficar de olho. Dentro da nossa metáfora, digamos, que a gente acredita que um filhote de gato tenha fugido do zoológico. E, cá entre nós, rende cliques uma manchete que diz “Novo vírus letal é encontrado na China”.


Vai ter mais uma pandemia?

Pelo que se sabe até agora, não há nenhum indício de que isso vire uma pandemia. Provavelmente você nunca vai cruzar com esse vírus no seu caminho. Na real, o vírus nem sequer parece estar em circulação nesse momento, os estudos são de casos colhidos entre os anos de 2018 e 2022.

Vamos comparar com o nosso amigo SarsCov2, causador da Covid-19. Ele foi detectado pela primeira vez entre novembro/dezembro de 2019. Em poucos meses ele havia rodado o mundo. O LayV tá aí desde 2018 e não causou grandes estragos nem infectou um grupo grande de pessoas (35, pelo que se sabe), portanto, tudo aponta para a direção contrária a uma pandemia.

Além disso, as pessoas que adoeceram não estavam em pontos distintos do mundo, ao que tudo indica, o contágio ficou concentrado em duas províncias chineses: Shandong e Henan. Se o vírus estivesse bem adaptado ao ser humano (e ele teve tempo para isso), se fosse algo realmente contagioso, já tínhamos escutado falar dele antes e já teríamos, no mínimo, mais países com pessoas infectadas.

MAS, como já dissemos, vírus sofrem mutações e, o que antes era tranquilo, com muito azar, pode acabar extremamente contagioso. É a regra? Não, é a exceção. Mas temos que ter todas as informações, não é mesmo? O que está acontecendo e o que pode acontecer. Por hora, não há com que se preocupar.


Se não mata, se o risco de pegar é mínimo e se não deve ter pandemia, por qual motivo gastou um texto falando sobre isso?

Para que vocês não caiam em mentiras, alarmismos ou notícias falsas. Tem mídia noticiando coisas como “vírus letal contamina dezenas de pessoas na China”. Primeiro que, até agora, esse vírus nunca matou ninguém. Segundo que o registro é de 35 contágios entre 2018 e 2022, deve ter mais criança morrendo engasgada com batata-frita no mundo do que gente com LeyV nesse período.

E, das notícias falsas, surgem as especulações falsas. É a Fake News ao quadrado! Já tem gente botando culpa no Bill Gates novamente, já tem gente falando dos planos da China Malvada de contaminar e matar a humanidade: como não deu certo com covid, eles teriam liberado voluntariamente um novo vírus letal. Como é incompetente a China, não? Além de tentar adoecer ou matar seus consumidores, tenta exterminar a humanidade jogando um vírus que, em 4 anos, mata 35 pessoas!

Mais um motivo para esta coluna é que, quando falamos em vírus, informação é poder/proteção. E sabemos que no Brasil, especialmente em ano de eleição, não dá para contar com o Poder Público. Conforme convenha, maximizam ou minimizam problemas e a última coisa em que pensam é o interesse do povo. É o que a gente sempre repete: não esperem que governo algum cuide de vocês. Cuidem vocês de vocês mesmos e dos seus.

E, o motivo mais importante de todos: que o leitor do Desfavor saiba que tem curadores de conteúdo que estão atentos e vão escrever sobre o assunto se houver uma mudança de cenário e você precisar fazer algo para se proteger, assim não precisam ficar lendo uma pá de bosta e corta-cola até filtrarem entenderem o que está acontecendo. Deixa com a gente, que a gente lê todas as bostas que serão publicadas sobre o assunto e faz um filtro para vocês.

É isso, até segunda ordem, não pegue um avião e não se atraque com um musaranho e tudo vai ficar bem. Qualquer atualização relevante, a gente grita.

Para perguntar que porra de ano é esse que tem FAQ de 3 vírus, para dizer que texto que não prevê catástrofe não dá ibope ou ainda para tentar, de alguma forma, culpar o malvado Bill Gates: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Tem mais de centenas de vírus novos sendo estudados, especialmente na Amazonia. Sugiro ler sobre o Mayaro e o Oropuche, que são as apostas de alguns virologistas.

    • Vou ler! Não quer fazer um Desfavor Convidado, e aí eu leio de uma fonte na qual eu realmente confio? (mendigando postagem)
      Já vi vários especialistas dizendo que não é uma questão de SE, é uma questão de QUANDO, pois é algo que fatalmente vai acontecer.

  • “Para perguntar que porra de ano é esse que tem FAQ de 3 vírus”

    Tenho que admitir, 2022 está sendo uma sequência e tanto de 2020…

  • Alguém poderia me explicar o por quê de tanta implicância com o Bill Gates? O cara não é só um bilionário dono de empresa de informática que faz um monte de doações pra caridade? O que afinal ele poderia ter a ver com doenças e vacinas?

  • Então temos um felino pequeno que fugiu do zoológico. Como ninguém conseguiu vê-lo direito, pode ser um gato doméstico adulto (danos mínimos e/ou breves), uma jaguatirica com menos de 1 ano (pode ser letal a crianças e idosos) ou um tigre bebê (a cobra vai fumar). Ok, entendido.

    Pior é que vírus tem dessas e deixam a gente doido.

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