Política política.

As eleições estão chegando, e com elas a probabilidade de algum fanático político te alugar aumenta exponencialmente. Sally e Somir não gostam de conversar com gente descontrolada, mas acreditam em táticas diferentes para lidar com elas, pelo menos no campo ideológico. Os impopulares esticam a discussão, se quiserem.

Tema de hoje: qual a melhor forma de lidar com descontrolados mentais em período eleitoral?

SOMIR

Perguntar, perguntar… perguntar. Existem vários resultados interessantes nessa estratégia, e na minha opinião, é uma das únicas formas de tirar algo divertido ou mesmo construtivo desse tipo de interação.

Sou o primeiro a admitir que interesse no ser humano não é meu ponto forte. Isso é, pelo menos da forma como isso costuma acontecer com a maioria das pessoas. Sally pode confirmar: mesmo com tanto tempo de contato, eu não tenho informações básicas sobre a vida dela, por nunca perguntar. Mas ao mesmo tempo, eu sei prever boa parte do sistema de pensamento dela. Eu sei o tipo de conclusão que ela costuma tirar da maioria das informações e quase sempre quais são as referências mentais para essas conclusões.

Posso dizer isso de basicamente todas as pessoas próximas da minha vida. Eu não sei datas de aniversário, não sei o que está acontecendo no dia a dia, não sei com quem se relaciona ou não, mas sei como essas pessoas funcionam mentalmente na maioria absoluta dos casos. Isso é resultado de um interesse natural pela forma como o outro pensa. Eu gosto de discutir ideias e ver como a pessoa lida com elas, qual informação encaixa, qual é ignorada, quais são as bases de suas convicções…

Eu digo isso porque a minha estratégia para lidar com fanáticos políticos é resultado de uma experiência aprofundada em lidar com o fascinante mundo das ideias alheias. Se você quer um guia mais prático de interação social, a sugestão da Sally pode até ser mais útil, mas se você quer ver o caos na mente alheia e tirar algum proveito da situação, basta fazer perguntas.

E considerando que você lendo este texto provavelmente tem mais habilidade de ler expressões e compreender interações sociais básicas do que eu, talvez você consiga aplicar isso ainda melhor do que eu consigo. A minha tática nasceu de pura curiosidade sobre o que o outro pensa, mas eu me senti reforçado conceitualmente quando fiz terapia: a maior arma do terapeuta é a pergunta. Porque a pergunta força o outro a criar uma resposta, a pessoa precisa pegar toda a sua bagunça mental e tentar entregar algo para você.

A imensa maioria das pessoas não tem defesas contra perguntas. É claro, você tem que saber fazer a pergunta sem usar um tom provocativo, o que eu tenho facilidade pelo interesse genuíno, mas que talvez exija um pouco mais de esforço para você. Fazer uma pergunta honesta abaixa o escudo da maioria das pessoas, inclusive as fanáticas por política.

Se a pessoa diz que o Brasil precisa do Lula ou do Bolsonaro, só pergunte “mas por que só ele funcionaria?”. Não interrompa, não ria, não chore, não faça cara de bravo, só escute. A pessoa, dependendo do seu grau de articulação, vai falar alguma coisa na qual você pode continuar a sequência: “entendi, então você acha que o pior problema do Brasil é *insira gays, nazismo ou o que ela tenha dito* ?”

Deixa a pessoa se afundar sozinha. É altíssima a probabilidade de uma resposta totalmente sem nexo considerando o que vemos do brasileiro médio nas redes sociais, quanto mais você continuar perguntando, mais a pessoa vai ser obrigada a chafurdar na própria visão de mundo. Se você tiver uma veia sádica, pode continuar por muito tempo, pedindo explicações sobre duas visões contraditórias que a pessoa defende. Não é questão de se, mas de quando ela vai se contradizer.

Argumentar é difícil, o cidadão médio bota muita energia na raiva aleatória inicial, mas vai ficando sem gás lá pela segunda pergunta. Se eu, que penso dez vezes antes de falar, fatalmente me contradigo se ficar falando mais que 5 minutos, imagine só o brasileiro médio? Na segunda frase já vai ter contradição. A pessoa te dá de bandeja a maluquice dela, você só serve de volta pedindo esclarecimento.

E isso não serve só para quem é um sádico intelectual como eu, que gosta de ver gente se retorcendo para defender um ponto que já percebeu que está errado, isso serve até mesmo para ajudar o próximo! Sério, eu não falei sobre terapia à toa: o terapeuta só funciona quando o paciente se comunica, e quando ele se comunica, ele se escuta dizendo aquilo. Nada é mais eficiente para fazer uma pessoa lidar com suas ideias do que ter que expressá-las em detalhes.

Não estou dizendo que você vai fazer a pessoa sair do seu “culto político” numa pancada só, só estou dizendo que você não precisa dar nenhum argumento para convencer o outro. Eu faço isso direto: ao invés de explicar para as pessoas o que acho que elas estão fazendo errado, eu sempre tento perguntar para elas como elas chegaram na conclusão que eu acredito ser errada. Na maioria dos casos, minha surpresa é positiva: a pessoa percebe sozinha, e melhor ainda, quem percebe sozinho tende a não errar a mesma coisa de novo.

Ou seja: se você perguntar, pode ver uma pessoa fanática tentando explicar suas ideias incoerentes; ou pode ver alguém tendo um estalo mental sobre a besteira que está falando. Quase ninguém assume que teve esse estalo, mas se você continuar tranquilo, a conversa melhora e a pessoa começa a procurar pontos comuns por conta própria.

Ignorar é prático? Sim, mas ignorar ainda é visto como uma ação negativa pelo outro. Com tanto maluco armado por aí, talvez seja um risco também. Perguntar honestamente faz a pessoa se sentir importante, ou na pior das hipóteses, ela fica incomodada com a conversa sem poder apontar o dedo pra você e sai sozinha da sua frente. O ser humano gosta de interesse alheio, mas desde que a “luz esteja boa”. Um fanático político sabe inconscientemente que jogar luz nas suas opiniões não é uma boa ideia.

Ninguém que pensa profundamente sobre um tema termina como fanático. A resposta que define um especialista começa com “depende”. Tem um texto inteiro sobre isso aqui. Se você quer uma forma limpa e relativamente calma de se livrar de gente maluca com política, perguntas são uma excelente estratégia.

Para dizer que não estaria no Desfavor se fosse melhor com interações sociais, para dizer que a melhor alternativa é mudar de país, ou mesmo para dizer que seu fanatismo é diferente: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a melhor forma de lidar com o descontrole mental das pessoas em período eleitoral?

Ignorar, ignorar e ignorar. Não precisa ser uma mente brilhante para perceber que quando a situação chega em um ponto de falta de racionalidade e fanatismo no qual simplesmente não há possibilidade de diálogo. Ignore, nem que para isso você tenha que deixar a pessoa falando sozinha. Seu tempo vale mais.

Percebam que eu não estou sugerindo que ninguém se recuse terminantemente a conversar sobre política. Eu acredito na presunção de inocência: a gente tenta. Mas, se apesar das tentativas, as pessoas se comportam de uma forma totalmente desconectada da realidade em uma postura que não é de troca de ideias e sim de batalha, não vejo razão para perder tempo com essa pessoa.

Ao contrário do Somir, que tem um estranho fascínio por idiotas (vide alguns de seus amigos), e os trata praticamente como cobaias de laboratório, observando fascinado seu modo de pensar, eu acredito que essas pessoas sejam desinteressantes e não mereçam um segundo da nossa atenção.

É muito legal conversar com as pessoas e escutar pontos de vista diferentes, e refletir sobre eles, mas… ouvir doutrinação, informações que colidem frontalmente com realidades que são públicas e notórias e puxar cabo de guerra para ver quem tem razão? Não recomendo. Não acrescenta nada. A mim, não interessa.

A pessoa quer convencer de que o Lula não é ladrão, de que o Bolsonaro não é um inepto ou de que o Ciro Gomes não é um descontrolado? Amigão, um abraço, você está fora do alcance da minha mão, nossa conversa acaba aqui. E ponto final. A pessoa vai continuar falando? Certamente. Mas vai falar sozinha.

A pessoa vai ficar com raiva de falar sozinha e vai provocar? Certamente. Vai dizer que está “fugindo da discussão” pois “não tem argumentos” e essas coisas que gente que quer te puxar para as trevas do fundo do poço fala. Amigão, um abraço, não estou mais na quinta série, não ligo a mínima para a visão que você tem de mim ou das minhas atitudes.

Então, sugiro que vocês não percam o seu tempo fazendo perguntas e escutando respostas de pessoas que não lhes interessam e que não tem nada a acrescentar. Eu me guio por essas premissas, e suponho que é um sagrado direito meu, não é mesmo? Escolher com quem eu quero gastar meu tempo.

Obviamente, jamais vou tomar qualquer atitude para impedir que essas pessoas expressem suas opiniões, como ir denunciar perfil da pessoa para a rede social excluí-la, por exemplo. Pode falar o que quiser da porta da minha casa para fora, mas comigo não. Vai falar com outra pessoa, eu não sou palco para groupie de político.

E eu sugiro fortemente que vocês façam o mesmo. Seu tempo é sagrado, por mais que você seja um milionário que olha para o teto o dia inteiro e não sofra com falta de tempo. Ainda assim, seu tempo é sagrado. O tempo que você passa discutindo com uma pessoa que não quer conversar, e sim convencer, doutrinar, “ganhar a discussão” é tempo que poderia ser mais bem utilizado: leia um livro, veja um seriado, beije alguém, tome um sorvete. Qualquer coisa te acrescenta mais do que debater com fanáticos.

E, que fique claro, não quero menosprezar ninguém. Quase todo mundo deposita sua religião em algo, quase todo mundo tem ídolos: comida, relacionamento, filhos, dinheiro, trabalho, bens materiais, status, bebida ou o que for. Quase todo mundo trata algo externo a si com idolatria, com devoção religiosa. Quem o faz com política está apenas usando outra alegoria, mas é exatamente igual ao workaholic.

O ponto é: ninguém que trate qualquer assunto como religião, com essa devoção, fanatismo e certezas me interessa. Ninguém que tenha ídolos me interessa, mesmo que os ídolos não sejam os tradicionais. Idolatria fecha portas comigo. E sugiro que feche para você também, pois não há troca, diálogo ou possibilidade de aprendizado quando alguém fala desde esse lugar. Convenhamos, neste momento, quem defende qualquer político no Brasil, fatalmente é uma pessoa muito desinteressante.

Faça o seu, siga sua vida, foque nas coisas importantes. O resto vem naturalmente. Não gaste tempo, energia nem saliva com pessoas que não te acrescentam nada. Não permita que os outros joguem seus lixos no seu quintal, despejando chorume de discurso defendendo político. Elas que lidem com seu lixo sozinhas. Não bata palma para maluco dançar, pois o que essas pessoas gostam e precisam é atenção, então, mesmo que você discorde e argumente, você está dando a elas o que elas querem.

Faça o seu, viva sua vida e foque nas coisas que são importantes para você. Antes de entrar em qualquer conversa, debate ou discussão, se pergunte mentalmente “o que isso me acrescenta?”. Se não te acrescentar nada, gaste seu tempo de uma forma melhor. E isso vale para tudo: desde rebater insanidades até comentar postagens em redes sociais. Sempre se pergunte: “O que isso me acrescenta?”;

Tá todo mundo tão preocupado em salvar o Brasil e tão pouco preocupado em salvar seu bem-estar… Insano, não? No país onde mais se consome tarja-preta do mundo, as pessoas continuam por esse caminho tortuoso. É muito triste de se ver o gosto com o qual as pessoas focam em coisas fora delas, para não ter que olhar para o que está dentro. Chega a dar dó a inocência dessas pobres almas que falam em “Salvar o Brasil”.

Filtrem pessoas, filtrem conversas, prezem e respeitem pelo seu tempo. Só dediquem foco, atenção e energia a coisas que acrescentem, a pessoas “nutritivas”. E esse é um conselho para a vida, não apenas para este momento. Não seja o altar onde maluco vai adorar seu ídolo, você merece mais.

Para dizer que é censura eu me recusar a ouvir ou discutir com alguém, para dizer que fã-clube de político não tem diálogo tem que ser na violência física mesmo ou ainda para dizer que Desfavor será um dos poucos lugares onde fã-clube de político vai apanhar feio: sally@desfavor.com

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Comments (18)

  • Vendo o Somir falar no texto dele, me faz pensar que ele seja um tipo socrático, que gosta de praticar a maieutica, que gosta de questionar seu interlocutor até chegar na sua própria verdade ou na sua contradição intenta.

    Isso também com uma veia antropológica psicológica, desses que fica fascinado com o comportamento e pensamento humanos.

    Anakisesa à parte, fico com a Sally nessa. Muito desgastante debater ou até mesmo perguntar e ouvir coisas horríveis com as quais tu não concorda. Desgaste demais isso tudo, prefiro ficar na minha e ignorar.

  • Ignorar é comportamento de quem idolatra a si mesmo e se considera melhor que o resto da humanidade. E ainda tem coragem de dizer que não menospreza ninguém.
    Pena que dizer a verdade seja proibido aqui.

  • Eu tenho ignorado desde 2018 e minha vida só melhorou. E em casos mais extremos eu corto relações também. Tem que ter uma paciência de monge pra questionar o gado sem demonstrar reação nenhuma (coisa que infelizmente não tenho).

  • Vira especialista em guerra na Europa, depois em inflação norte-americana, política ambiental, eleições presidenciais, eleições municipais, futebol e assim vai. Quando vê perdeu quase uma década de vida com “guerra cultural” na internet.

    A verdade é que tem muita gente desanimada com tudo, só não se mata por medo ou por não ter acesso a um revólver. Ocupar a cabeça com todas essas coisas acaba impedindo a criatura de pular da ponte.

  • Quando você questiona, algumas vezes a pessoa enxerga os próprios exageros. Ela percebe que não está pensando e sim sendo emotiva. Claro, ela não vai sair do fanatismo dela graças a isso, no mínimo vai saber se portar melhor na sua frente e dosar um pouco da loucura dela (seja por medo de passar vergonha ou alguma consideração por você).

    Quase sempre o fanatismo provém de uma fonte externa, ou seja, algo ou alguém plantou aquilo na pessoa, dificilmente a pessoa defende o que defende por realmente ter vivenciado sobre.

    • Uma vez questionei minha mãe (ela já tá louca, tadinha, com problemas psiquiátricos) sobre o fanatismo dela na mesma veia que o Somir postou no texto. Deu ruim, deu muito ruim já na 2a pergunta, ela não soube responder, se calou por uns segundos, e ainda ficou brava e me mandou praquele lugar… Vai vendo? Triste, viu?

  • Brasileiro não quer consertar o próprio país. Brasileiro só quer estar sempre “certo” reverberando o que ecoa ad infinitum dentro da sua bolha.

    • Eu fiquei me perguntando como que essa ideia de salvar o país de supostamente algo ruim ou do mal (o comunismo do PT? Jura?) foi implantada na cabeça do povo de maneira tão… Olha, difícil mesmo vai ser salvar o povo da ignorância, e aliás, nem sei se tem jeito.

  • Fecho com a Sally. Simplesmente não vale a pena. Além disso, quando se trata do Brasileiro Médio, perguntar é igual a antagonizar.

    • (…) “Quando se trata do Brasileiro Médio, perguntar é igual a antagonizar”. Verdade. E que merda que seja assim…

  • Fico com a Sally nessa, sem dúvida nenhuma. Já estou cheio dessa gente que não consegue administrar nem a própria vida mas tem sempre a “solução perfeita” para tudo. E não tenho mais a menor paciência com quem se aproxima de mim querendo me convencer de que o seu lado é que é o “do bem” enquanto o outro, só por ser “o outro”, é o “do mal” a ser erradicado da face da Terra. A vida é curta demais para desperdiçar nessa guerrinha estúpida e inútil entre grupos que são imbecis demais para se reconhecerem como sendo as duas faces de uma mesma e azinhavrada moeda.

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