Para mulher ver.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) participou neste domingo (28/08) do primeiro debate entre os candidatos à Presidência com maior intenção de votos nas pesquisas eleitorais. No segundo bloco do evento realizado pela Band, o chefe do Executivo se alterou com a jornalista Vera Magalhães, que fez uma pergunta para Ciro Gomes (PDT) e o presidente. LINK


O debate foi um festival de baixarias, escolhemos essa porque tem o tema “mulher” e a forma vazia como ele é tratado pelos candidatos. Desfavor da Semana.

SALLY

Já esperávamos que o debate dos candidatos à presidência fosse tema hoje, o que não imaginávamos é que seria um desfavor coletivo como foi, mais uma vez, caindo na armadilha montada pelo Bolsonaro.

Só para variar, Bolsonaro foi grosseiro, desnecessário e agressivo com a apresentadora do debate. Pronto, o debate virou um grande desfile de virtudes sobre como tratar mulher, contando com a opinião do machista notório Ciro Gomes e do mau caráter do Lula, que botou a culpa de tudo na esposa morta para se safar.

Em vez de partir para cima do Bolsonaro com as inúmeras provas de corrupção, genocídio e o que mais queiram alegar, os bonitões resolveram mostrar virtude e as bonitonas resolveram lacrar no Girl Power.

Lamentável e ineficiente: 1) quem vota no Bolsonaro não acha demérito a forma como ele trata os “inimigos”, sejam eles homem ou mulher e 2) o Brasil tem um estupro a cada dez minutos, um feminicídio a cada sete horas, metade das mulheres caga na vala por não ter esgoto e o debate vira sobre desfile de virtudes?

Não se engane, ninguém ali está remotamente interessado em defender direitos das mulheres, nem mesmo as mulheres que são candidatas. Apenas viram o que julgavam ser um telhado de vidro do Bolsonaro e começaram a jogar pedras, uma tática bastante idiota por sinal, já que o brasileiro médio, aquele que faz peso na urna, vê liderança em pessoas grosseiras e mal-educadas.

O tratamento que damos a todas as pessoas ou a um grupo X ou Y é importante sim, mas não deveria ser o assunto principal de um debate ou de um pós-debate, muito menos argumento para desmerecer o Bolsonaro, uma vez que ele fez coisas muito mais graves.

Quando você mira no argumento “ele foi rude” fica parecendo que isso é o que ele tem de pior, e sabemos que ele é muito, mas muito pior do que isso. Para Bolsonaro, ficar com fama de bronco machista que trata mal mulher é lucro. Coisas piores tem virar foco.

Os números alarmantes sobre violência contra a mulher não são uma novidade do governo Bolsonaro. O PT teve quase 20 anos no poder e não melhorou em nada essa realidade, então, não sei com que moral Lula abre a boca com tom de superioridade. Por sinal, o próprio Lula que já falou uma pá de bosta sobre o assunto, inclusive poucos dias antes.

“Quer bater em mulher? Vai bater em outro lugar”. Oi? Quer bater em mulher? Não bata, não vamos permitir, vai ser preso… qualquer coisa era melhor do que esse “bate discretamente, bate escondido” do Lula. Também teve a maravilhosa fala de que o homem “tem que ajudar” no “serviço da mulher na cozinha”. Serviço da mulher??? Ajudar??? Se fosse alguém de direita falando isso seria um escândalo… Mas nesse caso, ninguém deu um pio.

O Brasil não é primeiro mundo. Tem gente passando fome. Tem criança sem vacina básica. Tem gente morrendo na fila do SUS por falta de atendimento ou medicamento. Tem gente sem água potável ou esgoto. A base da Pirâmide de Maslow está capenga e, enquanto ela não for sólida, outras questões não serão compreendidas ou internalizadas. Quem não sabe se vai ter o que comer na próxima refeição não vai se preocupar com o tratamento que se dá a mulheres.

Nas pesquisas mais otimistas, Bolsonaro não perdeu um voto após o debate. Nas mais pessimistas, ele até ganhou votos. O mundo não é a sua bolha, o mundo não é o Projac, o mundo real brasileiro é feio e precário, mas ignorá-lo não vai fazer com que ele desapareça. Olha para ele e tentar melhorá-lo sim. Então, na hora de militar, de priorizar, de agir, tem que deixar de lado o ego, as causas pessoais e a vaidade e mudar a base dessa pirâmide antes de mais nada.

E isso inclui o voto. Votar em quem vai maquiar uma país capenga em vez de solucionar problemas de base é um desfavor. Votar em quem já esteve lá e não solucionou também é um desfavor, é ser burro, bem burro, repetindo um erro. E bem egoísta também, de não perceber a realidade, o entorno, as prioridades de um país que pede socorro, escolhendo as causas que agradam o seu umbigo.

Eu sou mulher. Eu sofri na pele por 40 anos todas as mazelas de ser mulher no Brasil e, olha, é muito difícil. Mas passar fome é mais. Cagar na vala é mais. Morrer ou ver morrer um ente querido por falta de assistência é mais. Não tem como pegar uma pessoa que não tem o que comer e palestrar sobre a melhor terminologia para tratar uma mulher, é esquizofrênico, é ofensivo, é fora da realidade.

Achar que a sua causa é mais importante pois é sua, te afeta e te incomoda é uma forma bem burra de egoísmo. Enquanto não estivermos todos bem, ninguém estará bem, e tem pessoas que, neste momento, estão vendo seus filhos morrerem por falta de comida, de medicamento ou de higiene. Acredite, sua causa pode esperar. Priorize quem não pode esperar. Foque nos mais vulneráveis, para que estes melhorem e possam se juntar a você na sua causa.

E, todo mundo esperto: assim como a maluca argentina forjou um atentado patético contra si mesma (cheio de erros e contradições), algum candidato pode tentar fazer o mesmo aí no Brasil. Não caiam.

Para dizer que está pouco se fodendo para os outros e só quer melhorar a sua vida, para dizer que com o Ciro o Bolsonaro não se mete a falar desaforo ou ainda para dizer que este ano não tem nem ao menos um candidato bizarro à Presidência que possa ser seu voto de protesto: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu devo ser masoquista, porque assisti o debate sem ninguém me obrigar. Eu já sabia que não teria proposta de verdade, mas pelo menos estava curioso sobre a dinâmica entre Lula, Bolsonaro e cia. Tivemos algumas deselegâncias, mas mesmo nesse aspecto não foi grandes coisas.

O que me saltou aos ouvidos durante todo o debate foi a quantidade de perguntas e temas relacionados à mulher. Se você não conhecesse o Brasil, acharia que as pessoas se preocupam muito com a metade feminina da população. Mulher pra cá, mulher pra lá, representatividade, etc.

Francamente, chegou um ponto onde eu já estava sem paciência para escutar o que os candidatos achavam ou não achavam sobre mulher. Sim, é metade da população como disse antes, não é algo que deva ficar em segundo plano, mas era um papo tão furado… é como se o Brasil só precisasse da cereja do bolo: mais políticos de saia.

Num país onde gente passa fome e não tem saneamento básico. Para esse tipo de platitude como “precisamos de mais representatividade”, até um macaco treinado em linguagem de sinais dá conta do recado. A gente vive num país onde mulheres são obrigadas a manter uma gravidez indesejada porque tem gente que acredita que o seu amigo imaginário vai ficar bravo! O problema é mais estrutural do que conversa mole sobre o “valor da mulher na sociedade”.

Nós temos um problema de valor do ser humano na sociedade. Não tem como pular etapas. Ou o ser humano tem seus direitos atendidos, ou a maioria vai continuar sofrendo, independentemente do que tem entre as pernas.

Quando falamos de países com alta representatividade de mulheres em cargos de poder, falamos também de países com altos índices de qualidade de vida em geral. Por algum motivo cretino, cismaram que a ordem dos fatores é a inversa: primeiro coloca mulher no poder, depois mulheres vão ter qualidade de vida. É só olhar para a história da humanidade para perceber a falha na lógica.

Cada avanço na direção de direitos humanos básicos acontece em sequência direta da melhora das condições básicas dos cidadãos. Tem casa, comida e segurança básicas? O ser humano começa a se preocupar mais com justiça e menos com Lei da Selva. Não tem? Então pode ter um governo 100% de mulheres que não resolve.

Se o ser humano não vai bem, é óbvio que a mulher não vai bem. Esse papo furado interminável de “mulher, mulher, mulher” no debate somado à estratégia política de mexer com o voto delas não tem nada a ver com reduzir os problemas brasileiros para elas, tem a ver com ganhar voto e ganhar biscoito na rede social. Rede social que nem é representativa do povo brasileiro em geral: a internet chega até o pobre, mas quase não chega no miserável. E tem muito miserável no Brasil.

O marketeiro sabe que o único número que pode controlar é o de internet, dessa bolha (grande, mas mesmo assim bolha), por isso faz até mesmo o Bolsonaro – que foi eleito para ser um macho alfa inclusive pelas mulheres em 2018 – colocar a sua mulher maluca na frente da campanha para “conversar com elas”. Se você tem algo de bom pra falar para uma mulher, não precisa de outra mulher dizendo, é só dizer!

Agora, se só é papo furado para mexer nos números de redes sociais, acontece o que estamos vendo: um bando de imbecis batendo cabeça tentando parecer que se importam com representatividade política das mulheres ao mesmo tempo que não tem soluções claras para elas terem um banheiro em casa.

E depois fica toda aquela confusão nas campanhas, todo mundo tentando descobrir por que tem pouca variação no voto feminino mesmo com toda a conversa dos debates e campanhas. Simples: ser humano pobre é muito prático, ele se importa com a próxima refeição e com não encontrar uma bala perdida até o final do dia. Bolsonaro conseguiu se eleger muito por dar a impressão que ajudaria com a segunda parte, e como a vida média do pobre brasileiro não mudou nesse sentido e a parte da comida ficou mais complicada, Lula surgiu como nome forte novamente.

Só quem está bem melhor de vida se preocupa com corrupção, crescimento econômico, sustentabilidade e até mesmo igualdade. O Brasil tem que tirar milhões de pessoas da extrema pobreza para dar mais alguns passos. Se você quer fazer isso com distribuição de renda ou com extermínio em massa, não faz diferença nesse sentido. Eu espero que você não defenda extermínio em massa, contanto.

Tem uma base de qualidade de vida e percepção de justiça na vida do povo que não permite a aplicação prática de discursinho de marketeiro. Na verdade, enquanto eu vi o debate, percebi muita gente ficando é de saco cheio dessa conversa toda sobre mulher isso, mulher aquilo. Pra atender uma parcela nem tão grande assim de gente que se importa com perfumaria política, estão irritando mais e mais gente. Tenha em vista aqui mesmo no Desfavor: quando eu falo algo minimamente crítico sobre mulheres, chove cidadão cheio de raiva xingando mulheres hipotéticas, típicas do imaginário de quem não convive com mulheres.

Trazer esse tipo de assunto de Finlândia pro Brasil é alimentar a máquina de promessas vazias, ódio infundado e lacração (de direita ou de esquerda) enquanto o brasileiro médio não tem saneamento básico. Estou de saco cheio de político falando de mulher nessa campanha não por achar que o assunto é errado, mas sim por saber que estão discutindo algo totalmente fora da realidade do país. É papo de marketeiro.

Eu sei que é. Eu pensaria nisso: influenciar voto é dificílimo, gerar bagunça na rede social é fácil fácil. Não é à toa que eles todos falam essas bobagens, tem uma equipe enorme de pessoas dependendo de repercussão na internet para justificar o que cobraram. A máquina publicitária já se adaptou.

E o que está saindo da boca dos políticos é reflexo direto disso. Mulher? Como se alguém querendo ganhar dinheiro ligasse pra isso…

Para dizer que já enjoou de falar de mulher (misógino!), para dizer que só quer ter onde cagar, ou mesmo para dizer que espera mais porrada no próximo: somir@desfavor.com

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Comments (24)

  • Sinceramente, o grau de futilidade dos movimentos sociais atuais acaba alimentando a visão de que eles são grotescos e mal intencionados. Se fosse plot de distopia, dava até pra colocar a culpa “nas zelites brancas”. Uma pena que tem gente que realmente acha que isso foi uma boa ideia.

    E olha que até tinha munição para argumentar que investir nos direitos das mulheres ajuda a diminuir a pobreza extrema, estudos e tudo – sobre acesso a métodos contraceptivos e incentivos ao empreendedorismo feminino, por exemplo. Mas o brasileiro consegue estragar até isso.

  • Fico imaginando se esse modus operandi do Bolsonaro de puxar o debate para alguma coisa idiota é um plano pensado ou é uma parada estilo Mr. Magoo.

    • Não o acho capaz de pensar e planejar algo assim, acho que ele fez uma vez, deu certo e daí ele continuou fazendo…

    • Ou mulher que recebe zero investimento na campanha, está lá só para fazer número, não tem um panfleto impresso e recebe meio voto.

  • Hosmar Weber Júnior

    Ciro dominou o debate, nos próximos debates o brasileiro vai se dar conta que ele é a melhor opção e vamos extirpar o BOLSOLULISMO da política brasileira

    • Olha, eu gostaria demais que isso aconteça, mas não vai, pois o brasileiro não quer votar em uma pessoa que seja mais inteligente do que ele, quer votar em alguém com quem ele se identifica, que, no caso, seriam Lula (cachaceiro, mentiroso, hipócrita, burro e malandro) e Bolsonaro (religioso burro, mentiroso, hipócrita, incapaz de compreender a ciência e agressivo).

      • Hosmar Weber Júnior

        A probabilidade é pequena mas eu não perco a fé na política, pelo menos até o fim dessas eleições, se o brasileiro insistir em colocar personagens na presidência eu vou passar a justificar meu voto a partir de 26

  • Wellington Alves

    Se eu discorresse aqui sobre a revolução que o marco do saneamento trará nos próximos anos vocês me chamariam de bolsominiun. Então deixa pra lá. É mais fácil falar que Bolsonaro e Lula são a mesma coisa e pagar de superior lavando as mãos.

    • Resposta de uma analfabeta jurídica:
      Feminicídio abrange crimes cometidos contra uma pessoa do sexo feminino, que não aconteceriam caso a pessoa em questão fosse homem.
      Para dar alguns poucos exemplos:
      Quantos casos de homens estuprados e assassinados você já ouviu falar? Quantos casos de mulheres estupradas e assasinadas?
      Quantos casos existem de “mulheres que não aceitam o fim da relação” matando seus ex- maridos, namorados, ficantes etc? Quantos casos existem de “homens que não aceitam o fim da relação” matando suas ex?
      Percebe que existem assassinatos que só ocorrem por ser a vítima uma mulher? Por isso faz sentido falar em feminicídio.

      • Sim, é mais ou menos isso. Mas deveriam criar uma lei (ou um agravante para o crime) com base nas circunstâncias do crime, não do gênero. Por exemplo, uma mulher que abusa da intimidade doméstica para jogar óleo fervendo no ouvido do marido (não é tão raro) também está atentando contra a vida de outra pessoa em situação de vulnerabilidade. Tem muita mulher filha da puta no mundo e essas acabam recebendo penas bem menores do que os homens filhos da puta.

    • Seria um crime cometido, entre outras coisas, pelo fato da vítima ser mulher: seja pelo assassino ter ódio do gênero feminino, seja por abusar da confiança e intimidade do convívio doméstico.

      • Ótima explicação. Vou até repassar o link daqui pra algumas pessoas que eu conheço e que também tem dúvidas sobre esse assunto.

  • Mulheres são barganhavéis por uns votos a mais… Com “feminismo” como esse, quem precisa de machismo.

    E tá, vamos lá… Mesmo com mulher no poder, muda o quê? Na melhor das hipóteses, quando não é para ostentar título de minoria para vitimismo, é para cismar que personagem não sei do quê é lésbica.

    É aquilo… Você devolve ao sistema o que o sistema te dá.

  • Resumo do debate: um monte de conversa fiada de gente completamente dissociada da realidade, discursinho panfletário ensaiado, frases feitas e mimimi enquanto pontos realmente importantes nem sequer são tocados.

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