
Congresso brasileiro.
| Desfavor | Desfavor da Semana | 12 comentários em Congresso brasileiro.
O “novo” Legislativo brasileiro foi eleito. Esse é o Desfavor da Semana.
SALLY
Vocês estão cientes de que, depois destas eleições, teremos o Congresso mais conservador, mais religioso, mais ruralista e mais despreparado dos últimos tempos, né? Pouco importa quem seja o Presidente, mais uma vez o brasileiro defecou na urna e não entendeu a consequência dos seus atos.
Só posso supor que não entendeu, pelo tanto de gente que está emocionada, brigando e se estressando pela eleição presidencial. O Congresso já está definido, o STF já está definido, vocês só estão votando para o palhaço que vai bater continência para esses dois e fazer o que eles mandarem. Tanto faz quem seja. Consigo entender que a alegoria que o Bolsonaro veste seja revoltante, mas… menos, gente. Muito menos.
Hoje li que a Damares quer disputar a presidência do Senado. Uma mulher que divulgou o nome de uma criança grávida por um estupro para que as pessoas a persigam e tentem impedir que ela faça um aborto, quando a gestação, muito além do crime e do trauma, colocava em risco a vida da menina. Essa pessoa pode ser Presidente do Senado.
Além disso, se você leu meu texto da última quinta-feira, viu que uma quantidade assustadora de pessoas hediondas, bizarras e criminosas se elegeram. A situação é grave. As leis que todos vocês serão obrigados a cumprir serão criadas por um Congresso medonho, que, entre corrupção e despreparo, desbanca todos os anteriores.
O recado foi dado, de forma clara e, ainda assim, pessoas que se dizem ou se acham inteligentes não entenderam: metade do país se identifica com o Bolsonaro, sendo ele eleito ou não. Isso não vai acabar matando o Bolsonaro, não elegendo o Bolsonaro ou sumindo com o Bolsonaro. Ele não tornou essas pessoas o que elas são hoje, é justamente o inverso: essas pessoas sempre foram assim, por isso o seguiram.
Metade das pessoas do país se identifica com o Bolsonaro. Ficar chamando o Bolsonaro de burro, de escroto ou do que você quiser não vai fazer com que essas pessoas desgostem do Bolsonaro, vai fazer com que essas pessoas desgostem de você e corram na direção oposta, pois tudo que você diz sobre o Bolsonaro, você diz sobre elas. Elas se sentirão atacadas e ficarão reativas.
“Mas são burros mesmo”. Beleza, pense assim se quiser, mas essas pessoas votam. Essas pessoas definem o futuro do país onde você vive, então, não sei se você reparou, você está nas mãos delas. E, deixa eu te contar um spoiler: os burros, geralmente, são a maioria. Então, no caso, enquanto houver democracia, não é inteligente ofender essas pessoas, antagonizar, escrotizar. E, na real, desculpe, mas burro mesmo é quem faz isso.
Eu, que nem moro mais no Brasil, estou tentando não fazer isso. Muito mais deveriam estar vocês. Mas parece que ainda não houve essa percepção – ou então demonstrar virtude apontando a burrice alheia é mais atraente.
Periga dos supostos “inteligentes” comemorarem de montão quando o Lula ganhar, achando que tudo de “ruim” que o Bolsonaro é vai se extinguir. Não vai. Na essência, o brasileiro continuará o mesmo. O sistema pelo qual o país será gerido continuará o mesmo. O que pode ser que mude é a alegoria, o discurso, a persona. Mas no país? Com esse Congresso? Desculpa te contar, mas o Bolsonaro já ganhou. E o principal cabo eleitoral dele foi a esquerda.
Isso que vocês tanto “combatem” dando ataque de pelanca, gritando “GENOCIDA” e simulares, transcende a pessoa do Bolsonaro. Eu não sei de onde saiu essa conclusão burra de que tirando o Bolsonaro se resolve o problema. Cai no mesmo erro de personificar algo nocivo, que citamos no texto sobre a morte da rainha Elizabeth II.
Pensar que se o Bolsonaro não se eleger o problema some ou diminuí é como pensar que tirando o termômetro do braço, a febre vai embora. O que vocês tanto abominam no Bolsonaro está dentro de pelo menos metade dos brasileiros. Se não for o Bolsonaro, será outro similar a representá-los.
Bolsonaro não é causa, é consequência. É o espelho do que é o brasileiro. Já tivemos essa conversa sobre não adiantar chutar o espelho quando não se gosta do que se vê refletido, não é mesmo? Nem tenho mais forças para repetir.
Esta eleição? Esqueça. Está perdida. O boneco que vai subir a rampa e acenar para o povo (e fazer absolutamente nada decisório) pouco importa e pouco vai afetar o país. Só pelo fato da alegoria dele te desagradar menos não significa que as coisas vão melhorar, significa que seu ego está afagado. Na prática? O Congresso é conservador, o STF é conservador, o Bolsonaro Way Of Life já está instaurado.
Os próximos 4 anos do Brasil estão selados com o Congresso e o STF, com maiorias terrivelmente conservadoras, terrivelmente religiosas, terrivelmente brasileiro-médias. Mas o brazuca insiste em depositar todo seu imaginário de poder na figura do Presidente da República. Será que algum dia vão compreender como funciona o sistema de governos do próprio país?
“Quer dizer que você fez um texto só para dizer como todo mundo tá fodido?”. Não, eu fiz um texto para dizer que se alguém quer mudar isso, não vai ser elegendo o Lula.
Parem de focar toda sua energia e esperança nisso. Eleger o Lula só serve de celebração para o ego, de “o MEU lado venceu”. Não muda nada – e isso é tão duro de engolir que muita gente não consegue lidar e apenas o nega.
Eu sei que a realidade é uma bosta e bostas são duras de aceitar, eu entendo o escapismo de depositar no Lula uma esperança de vitória, como símbolo de uma mudança, com fim do Bolsonaro. Mas não é. Não espere isso, você vai se decepcionar e, acima de tudo, perder tempo e energia. Isso te impede de ver e fazer o que realmente é necessário para tentar começar a reverter esse fundo do poço no qual o país está.
Sabe o que se pode fazer para realmente tentar reverter esse quadro, pouco a pouco? Em vez de desfilar virtude, superioridade e inteligência em redes sociais, pode, só para variar, parar de escrotizar essas pessoas. As sombras existem para nos mostrar para onde temos que olhar e onde tem questão a resolver: essas pessoas gritando suas barbaridades existem para nos fazer olhar o que precisa ser mudado e melhorado no Brasil. E bater nelas não muda a realidade.
Eu sei que dá raiva perceber que pelo menos metade da população do lugar onde você vive é assim, mas tem que transcender essa raiva em vez de personalizá-la no Bolsonaro ou no bolsonarista e trabalhar para que as pessoas parem de se ver como inimigas, parem de ficar na defensiva e possam deixar a luz começar a entrar na escuridão. Gente assustada, gente puta, gente com raiva não abre a janela e não permite que a luz entre.
E também seria um exercício bastante saudável que os “guerreiros da luz” anti-bolsonaristas entendam que, em alguns quesitos eles tem o que ensinar/ajudar aos bolsonaristas, mas em muitos, MUITOS, eles precisam ser ajudados, pois são tão trevosos quanto, tão involuídos quanto, tão escrotos quanto, só que preferem não olhar para si mesmos e colocar todo o holofote no defeito alheio. Pelo simples fato de você achar que a podridão do outro fede mais, não quer dizer que a sua não exista e não feda tanto quanto.
Meus queridos, o destino do país já está decidido. É como se você fosse casar com uma mulher serial killer, em vez de se preocupar com isso, estivesse brigando com todo mundo pare decidir se o vestido que ela vai usar será vermelho ou azul. Tomem jeito, entendam de uma vez como o país funciona: foda-se quem vai ser o Presidente. A mudança vem por outro lado. Faça a sua parte.
Para dizer que já entrou no modo foda-se tudo, para dizer que se Painho Lula ganhar tudo vai melhorar ou ainda para dizer que Sorayão e Candidato Padre deveriam ser convidados para os debates do segundo turno também: sally@desfavor.com
SOMIR
“Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou… são trezentos picaretas com anel de doutor.” A letra da música Paralamas do Sucesso de 1995 era baseada numa fala de Lula durante a campanha para presidente de 1994. Naquele tempo, o ex-presidente ainda era um aspirante ao poder com a presunção de honestidade e espírito revolucionário. O tempo passou, e em 2022, muitos brasileiros entendem Lula como a definição da corrupção no Brasil.
Eu quero começar o texto desenterrando o passado recente da nossa democracia porque a tal “onda conservadora” que criou o Congresso que vai assumir o poder em 2023 não tem nada de surpreendente. O brasileiro, por pior que seja seu comprometimento com o voto consciente, tentou se mexer um pouco do final da ditadura até aqui.
Em 1995, quando a letra da música foi escrita, ainda pairava sobre a nação uma opção em relação ao péssimo sistema político. Ainda não tínhamos tentado governantes abertamente de esquerda. O mundo ocidental ainda estava se adaptando à recente queda da União Soviética e uma “liberação” da esquerda pelos Estados Unidos. Sem Guerra Fria, a esquerda voltava a ser uma escolha.
Demoramos mais alguns anos, mas elegemos o PT e demos a ele as chaves do cofre. O primeiro mandato de Lula foi um dos momentos de maior crescimento econômico do país em décadas. Num misto de casa arrumada pelo seu predecessor FHC e a voracidade com a qual a China comprava as matérias-primas que o Brasil tinha de sobra para vender, vivíamos uma lua-de-mel com o progressismo de esquerda.
Mas, com o passar dos mandatos, o governo petista foi acumulando escândalos de corrupção e crises econômicas. Por volta de 2013, a situação estava tão ruim que o normalmente manso brasileiro médio foi às ruas botar fogo nas coisas. Aquele momento dos protestos não foi só o resultado do fim do tempo da bonança financiado pelo mercado global das commodities, foi também o fim da inocência: tínhamos gastado a opção da esquerda progressista e no final das contas, os picaretas ainda estavam lá.
Essa decepção final com a política fermentou até terminar com a eleição de Bolsonaro, alguém que nunca seria considerado seriamente alguns anos antes. E com Bolsonaro veio uma renovação recorde nas casas do Legislativo. Congresso e Senado virados de ponta cabeça, com inclinações muito mais à direita, o país ainda esperançoso com o movimento gerado pela operação Lava-Jato e seus heróis. Lula, aquele que exemplificava a voz de uma nação contra os políticos corruptos… estava preso por corrupção.
O PT não inventou a corrupção e nem tem o monopólio dela, mas foi o fim da esperança do brasileiro na política. Se você achava que o brasileiro votava mal antes de perder essa esperança, vai ficar de queixo caído com a corja eleita para 2023. Gente que teve votos só porque Bolsonaro indicou. Repetindo a frase anterior: Bolsonaro não inventou o “salvador da pátria” nem tem o monopólio do conceito (muitos lulistas estão acreditando na mesma coisa), mas é o que sobrou para esse povo.
O brasileiro está tão de saco cheio de político que votou em massa numa turma que nada tem de político. Tiririca era uma piada poucos anos atrás, agora é o “template” do eleito com a maioria dos votos. Tiririca evangélico e/ou conservador é a nova tendência. Gente que não dá nenhuma indicação de competência no seu trabalho, apenas a imagem de não ter nada a ver com política convencional.
Em 2018 o brasileiro resolveu ser do contra, em 2022 ele dobrou a aposta. Se por um lado podemos ser cínicos e dizer que bandido por bandido só mudou a cara, por outro temos que nos preocupar com o fim da “obrigação social” de ser um adulto responsável enquanto assume um cargo público. Só gente com muita vontade de se enganar acha que os bolsonaristas não são corruptos, que mudou algo de verdade nesse sentido no Congresso e no Senado.
Trocamos corruptos vermelhos por corruptos amarelos, e tiramos deles qualquer responsabilidade de agir com um mínimo de decoro. É gente que vai dar barraco o tempo todo, lutar contra inimigos ideológicos imaginários e agir sem consciência própria (afinal, tem que passar a ilusão de seguir os valores conservadores dos evangélicos neopetencostais, aqueles que cagam e andam para os valores cristãos quando não estão sendo vigiados).
O desfavor não é que o Legislativo está cheio de picaretas, isso é o padrão há muitos e muitos anos. O desfavor é que os picaretas atuais são resultado da total desistência do brasileiro da política, e começam seus mandatos com a certeza de não serem cobrados por nada além de uma vaga postura conservadora. Nesse sentido, eu estou com saudades dos picaretas de antes de 2018.
Os picaretas do Legislativo antigo ainda tinham que temer serem pegos em esquemas de corrupção ou agindo claramente em defesa dos próprios interesses, os picaretas do Legislativo atual estão protegidos por um culto antipolítico bolsonarista: podem ser pegos roubando merenda de uma criança em flagrante e pelo menos metade do país vai dizer que é mentira, que é armação da mídia comunista…
E sim, tem o resto, o resto vai se aproveitar muito disso, seja para radicalizar a esquerda lacradora, seja para esconder seus crimes e desmandos atrás da cortina de fumaça dos bolsonaristas. Não existe monopólio da podridão, os dois lados vão se ajudar a tornar a política brasileira menos política e mais identitária. Discussões raivosas sobre aborto enquanto eles roubam descaradamente e dizem que tudo é conspiração do lado oposto.
Eu estou realmente com saudades do Legislativo antes de 2018. Os picaretas continuam, mas agora estão muito mais poderosos. Se Lula for eleito os bolsonaristas vão se radicalizar para não deixar ele governar, se Bolsonaro for eleito ele vai continuar delegando o governo para os picaretas, e com maioria no Senado, vai conseguir calar o Judiciário.
O brasileiro achou um novo jeito de votar mal. Parabéns!
Para dizer que nada é tão ruim que não possa piorar, para dizer que o importante é escolher o picareta mais querido, ou mesmo para dizer que essa saudade é Síndrome de Estocolmo: somir@desfavor.com
No Brasil, as coisas só mudam se for pra pior…
Só sei que está lindo de ver o desespero dos jornalistas esquerdistas, como a Vera Magalhães, constatando que Bolsonaro dobrou a meta.
Em geral a lógica do texto está correta, mas é fundamental considerar o peso que o presidente tem no sistema brasileiro. O Executivo ainda é o executor e postulante de politicas publicas. Faz muita diferença ter um vendedor de travesseiros ou um gestor profissional na C&T, por exemplo.
Eu sei que não adianta muito só retirar o Bozo, mas o Paulo Guedes oerturbou bastante! Já chegou criando caso, inconformado em ver empregadas domésticas indo pra Disney na época do PT que o real tinha valor parecido com o dólar. Agora falou que deveriam privatizar as praias, imagina ter que pagar pedágio pra pegar um banho de mar. E durante a pandemia, já era pro povo dos Estados Unidos do Brasil ter aprendido que cada estado e cidade faz sua lei. O estado A fecha tudo, o estado B é livre etc.
Enquanto o brasileiro continuar usando a urna como privada, o país vai continuar insalvävel.
O país do jeitinho não tem jeito.
Concordo plenamente.
Pelo menos o Lula na presidência é um contraponto à estupidez reacionária, mas pelo visto a autora deseja que o país se afunde na hipocrisia do fundamentalismo cristão. Só espero que a resistência continue cada vez mais estridente, sem que a alienação pregada por aqui se espalhe além da autora e da sua bolha de bajuladores.
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
Aponte em que parte do meu texto eu mostro qualquer simpatia pelo país afundar em fundamentalismo cristão, fazendo o favor.
Olha só quem voltou :D
Ia dizer a mesma coisa…
Se o Lula ou qualquer membro do PT fossem contrapontos reais do fundamentalismo cristão, não teriam recuado na pauta do aborto para barganhar voto com evangélicos conservadores, e com certeza poderiam ter feito muito mais acerca da flexibilização da laqueadura, por exemplo.
Tiveram mais de 10 anos para trabalhar nisso.