Histórias de Vida – Parte 4

Lubiana Barrigueira, candidato (derrotado) a deputado estadual no Espírito Santo.

Mário nasceu na pequena Nova Venécia, no interior do Espírito Santo. Como tantos na região, cresceu numa das várias fazendas rodeando as minas de granito locais. Diferentemente da maioria, seu sobrenome de origem ucraniana saltou aos olhos e ouvidos da cidade de descendentes de italianos. Lubiana virou apelido jocoso na infância, talvez pela sugestão de ser um nome feminino, mas com o passar dos anos, transformou-se na forma como a maioria das pessoas se referia a ele, já sem qualquer conotação negativa.

Viveu uma vida sem grandes acontecimentos até o final da adolescência, mais um rapaz considerando se ficaria na sua acanhada cidade local ou se buscaria mais oportunidades na capital. Decidiu-se pela primeira opção por causa de um genuíno apreço ao negócio da família: criação de cavalos. Nada de garanhões milionários ou éguas premiadas, apenas uma honesta e eficiente manada de equinos que serviam às fazendas da zona rural.

O gosto pelos animais se transformou numa grande capacidade de gerir o negócio. Logo no começo da vida adulta já tinha a confiança da família para ser o responsável pela manutenção dos animais e tomar decisões estratégicas como escolher os melhores exemplares para reprodução. Um dos cavalos se destacava aos seus olhos: Furacão. O nome surgiu naturalmente com a propensão do bicho a girar sobre o próprio eixo em momentos de grande emoção.

Hábito que com muito esforço, Lubiana conseguiu conter enquanto o animal chegava à idade ideal de reprodução. Furacão era um cavalo forte, rápido e na imensa maioria das vezes, muito dócil. Sem o DNA premiado que fazia alguns de seus pares valerem milhares, às vezes milhões de reais, ainda sim gerava uma renda considerável para a fazenda. Os potros gerados por Furacão compartilhavam da maioria das características positivas do pai.

Mas a história que geraria notoriedade para Lubiana começa com o desaparecimento de Furacão.

O sol mal havia surgido no horizonte quando Lubiana chegou ao estábulo. Seus animais já acordados, quase sempre irrequietos na expectativa da primeira refeição do dia, relinchavam e se debatiam em suas baias. Sem medo de demonstrar favoritismo, ele se dirige até o local onde Furacão passava a noite para, como de costume, liberar seu preferido primeiro. Para sua surpresa, Furacão não estava lá.

Lubiana berra pelo nome do cavalo e começa a correr em volta do estábulo, procurando por sinais de Furacão. A procura demora mais de duas horas, terminando com o avistamento do animal num dos cantos mais remotos da propriedade. Furacão estava pastando tranquilamente, e como de costume, veio com seu dono pacificamente de volta à companhia do resto dos animais.

A bronca nos funcionários da fazenda foi enorme. Furacão gerava quase metade da renda que pagava o salário de todos ali. Ninguém se acusou, na verdade, todos juravam de pés juntos que Furacão fora deixado na sua baia antes do anoitecer como se fazia todos os dias. Lubiana não acreditou na história.

Ao cair da noite, fez questão de guiar seu cavalo predileto até o local de descanso noturno. Fechou a porta e deu boa noite para o animal. Faria isso todos os dias se fosse necessário. Voltou para a sede e ficou até tarde fazendo tarefas administrativas.

Na manhã seguinte, acorda com o pai batendo na porta do quarto, dizendo que os funcionários não estavam achando o Furacão de novo. Descabelado e com a cara amassada, Lubiana corre para o estábulo. Jeremias, o funcionário mais antigo da fazenda, dizia que chegou mais cedo para garantir que estava tudo bem e não encontrou Furacão onde ele deveria estar. O pino que fechava a porta estava preso ainda.

Dessa vez, Lubiana pegou outro cavalo rápido e foi direto para o local onde encontrara Furacão da última vez. O alívio veio imediatamente ao avistar o animal tranquilo naquele mesmo canto afastado próximo da cerca divisória. Lubiana desconfiava de algum dos funcionários pregando peças, era a única explicação possível. Antes da tarde chegar já havia um rapaz da capital instalando câmeras no estábulo. Ele não ia economizar na proteção do seu animal mais valioso.

O sistema de câmeras dava direto no seu computador pessoal, que ficou observando até o começo da madrugada. Tudo em paz, Furacão manso como de costume. Esgotado, acabou dormindo sentado na cadeira, cabeça apoiada na escrivaninha. A manhã chegou com o despertador e o reflexo de abrir o sinal da câmera novamente. A baia de Furacão estava vazia novamente. Ele chama seu Jeremias e indica exatamente onde buscar o animal, imaginando que o padrão dos últimos dias se repetiria.

Ainda confuso sobre o novo sistema de câmeras, passa um bom tempo tentando acessar a gravação da noite anterior. Um pouco antes de finalmente conseguir ver a filmagem, ouve que Furacão havia sido encontrado novamente naquele canto distante da fazenda. Ao assistir a gravação, percebe que por volta das 3 horas da manhã a imagem se enche de chuviscos por alguns segundos e quando retorna ao normal, Furacão não está mais lá. Não fazia sentido. Ninguém conseguiria tirar o animal de dentro da baia e fechar a porta novamente em tão pouco tempo.

A noite seguinte é uma noite de medidas desesperadas: Furacão é amarrado num dos postes que segura a varanda da sede da fazenda, e Lubiana se coloca próximo do animal numa rede amarrada no mesmo lugar. Se precisasse dormir ao lado de Furacão, ele dormiria. A Lua já estava no seu auge, era uma noite clara e quente de verão. O despertador estava configurado para apitar de hora em hora, para evitar que dessa vez ele perdesse o animal de vista durante a madrugada.

Uma da manhã, Furacão estava lá. Duas, também. Quando o despertador apita pela terceira vez, os olhos de Lubiana sofrem para abrir, mas assim que percebem o cavalo nervoso tentando girar sobre o próprio eixo e sendo impedido pela corda, a adrenalina toma conta, fazendo-o pular da rede e ir de encontro ao animal.

Antes que pudesse tocar Furacão para acalmá-lo, vê a cena mais impressionante da vida: é como se o cavalo estivesse se transformando em fumaça, e depois em luz. Em poucos segundos, a corda amarrada ao cavalo cai no chão gramado, nó ainda feito. Furacão desaparecera diante de seus olhos incrédulos. Sem pensar, olha para cima, como se esperasse alguma explicação divina.

No lugar dela, uma luz se movimenta de forma preguiçosa sobre a casa. Parecia estar fazendo o desenho de um oito de forma bem lenta. Era difícil estimar altura e tamanho da fonte dessa luz, mas por mais que se parecesse com uma estrela, claramente não agia feito uma. Ele grita algumas vezes em direção à luz, o suficiente para chamar a atenção da sua família dentro de casa.

Assim que o pai chega com uma espingarda para saber o que estava acontecendo, a luz desaparece. O senhor só consegue ver Lubiana olhando para o alto, em direção a nada específico. Ao contar a história na mesa da cozinha, com um copo de água com açúcar em mãos, é recebido com olhares de dúvida pelos pais. Jeremias é o primeiro a chegar dos funcionários, e o mais propenso a acreditar na história de Lubiana.

Jeremias e Lubiana não voltam a dormir, os dois pegam outros cavalos e se dirigem ao local onde Furacão reaparecera nos dias anteriores. Lubiana fica sentado na grama enquanto Jeremias fuma um cigarro de palha. Os dois conversam sobre anjos, demônios e alienígenas por algumas horas. Quando o céu começava a ficar alaranjado pelo sol nascente, os dois observam a fumaça luminosa aparecer e trazer de volta Furacão. O animal está calmo, e depois de observar seus arredores por alguns momentos, começa a pastar como se nada.

Lubiana corre até seu cavalo, que o recebe pacificamente. Jeremias ainda está muito preocupado com suas rezas para acompanhar. Nenhum dos dois percebe algo que seria muito óbvio em uma situação menos estressante: Furacão está selado. A realização demora alguns momentos para chegar, mas quando chega, faz com que Lubiana observe o objeto com cuidado. Jeremias termina suas preces precocemente com a chamada do patrão.

A sela parecia normal, na verdade, até familiar. Parecia-se muito com a sela que Jeremias usava normalmente no animal, com apenas uma diferença: a barrigueira, a parte que se prende ao peito do cavalo para dar estabilidade na montaria, tinha uma placa metálica estranha anexada. Nela, diversos símbolos irreconhecíveis se destacavam num material muito reflexivo. Com alguma reticência, Lubiana toca o objeto. Ele se ilumina levemente.

“Eu venho em paz.”

Lubiana olha ao seu redor. A voz não parecia da de Jeremias, mas ele pergunta do mesmo jeito. O senhor, ainda distante pelo medo do desconhecido, revela que não disse nada.

“Sim, humano, fui eu que falei com você.”

Lubiana olha para o animal.

“Furacão?”

Sem mexer a boca, a resposta vem:

“Pode me chamar assim. Mas eu não sou a mesma entidade que você conheceu. Não se preocupe, a consciência deste animal está preservada.”

“Você é um espírito?”

“Não, eu venho de um planeta distante. Minha consciência viajou por milhões de anos para chegar até aqui.”

Jeremias observa estranhado enquanto Lubiana conversa com o cavalo. Ele pergunta se está tudo bem, Lubiana responde que sim, dizendo que Furacão está falando com ele. Jeremias diz que não ouve nada, expressão confusa.

“Eu quero apenas observar seu povo, nosso comitê de ética considerou mais aceitável tomar o corpo de um cavalo do que de um ser humano. Espero que isso não o ofenda.”

“Por que o Jeremias não te escuta?”

“Telepatia não é algo simples, humano. O animal com o qual eu compartilho o corpo agora tinha forte ligação com você, provavelmente você será o único com o qual eu serei capaz de conversar.”

No caminho de volta, Lubiana vem conversando com Furacão o tempo todo, montado na sela. Jeremias vem logo atrás guiando os dois cavalos que vierem até ali com eles, ainda tentando se adaptar à realidade do patrão conversando com um bicho. Os dois combinaram de não contar a história do animal falante para mais ninguém.

O que não deu muito certo. Em poucas semanas, o boato de que Lubiana conversava com seu cavalo pegou como fogo no mato seco nas imediações. Tentando consertar sua imagem, o homem tentou explicar sobre a barrigueira alienígena e sobre o motivo pelo qual conversava tanto com seu cavalo Furacão. Mesmo com a confirmação de Jeremias, a versão espacial da história não mudou a cabeça dos locais, que eventualmente adicionaram Barrigueira Espacial ao seu nome e o tratam como um criador de cavalos excêntrico.

Eventualmente, Lubiana parou de contar para os outros que conversava com Furacão, e mesmo quando perguntado diretamente sobre os assuntos que tinha com o cavalo, mudava de assunto imediatamente. Lubiana se tornou uma pessoa muito mais engajada com questões sociais e usou o dinheiro de um negócio cada vez mais lucrativo com animais de cada vez mais qualidade genética para se tornar uma figura popular entre os cidadãos mais pobres da sua cidade e imediações. Para onde ia, o cavalo acompanhava.

O reconhecimento, e segundo as más línguas, os conselhos do cavalo falante, o fez tentar a vaga de Deputado Estadual. Tirou o “Espacial” do nome, mas manteve a Barrigueira para ser lembrado. Não se elegeu, a fama de maluco passou por cima da imagem de empresário de sucesso. Mas, acabou como suplente. Jeremias jura que quando ouviu que o dono tinha uma chance de entrar para a política se algum deputado desistisse, Furacão pareceu especialmente animado.

Para dizer que teme pelo futuro, para dizer que eu mereço um coice, ou mesmo para dizer que vamos tomar um processo por causa dessas histórias: somir@desfavor.com

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