Preparados para ter filhos?

Quero falar sobre uma obviedade que, em tese, nem precisaria ser dita, mas, como vejo muita gente inteligente caindo nessa furada, sinto que o assunto tem sua função sendo pauta de um texto: o fato do seu parceiro(a) ser um bom parceiro(a) e uma boa pessoa não necessariamente significam que ele tem condições de ser um bom pai/mãe.

Antes de começar o texto, vamos estabelecer uma coisa: vou usar os termos todos no masculino, para evitar essas barras chatas: parceiro/a, pai/mãe, etc. O que não quer dizer que valha apenas para homens, ok? É apenas uma forma de ter que escrever tudo em duplicidade para abarcar ambos os gêneros. Vale para qualquer ser humano.

Parece que a muitas pessoas falta a compreensão de que as características que fizeram com que você se apaixone pelo seu parceiro não farão dele necessariamente um bom pai. Também falta a compreensão de que ser uma boa pessoa não quer dizer que será um bom pai nem que tem condições de sê-lo.

Existem algumas características específicas que tornam mais provável que uma pessoa seja um bom pai, e nenhuma delas tem a ver com simpatia, com ser um bom marido ou com as características que em média se procuram em um parceiro.

Na minha bolha, é enorme número de pessoas que já comeram ou que estão comendo o pão que o diabo amassou por não terem percebido a premissa a tempo: o fato de amar a pessoa não quer dizer que será um bom pai. O fato de a pessoa ser bom-caráter não quer dizer que será um bom pai. O fato de a pessoa ser um bom marido não quer dizer que será um bom pai.

Os atributos para criar uma criança são completamente diferentes – e seria bom que as pessoas comecem a ter isso em vista antes de reproduzir, se não, suas vidas podem virar um verdadeiro inferno. Não é o tipo de situação “quem perde é ele”, todos perdem: a criança, que acaba tendo um pai bosta e a pessoa que é obrigada a conviver com um parceiro que não ajuda (e muitas vezes atrapalha) o resto da vida.

O primeiro ponto dos atributos necessários para criar um lar saudável para uma criança é: querer ter um filho. Parece óbvio, mas eu arrisco dizer que a maior parte das pessoas que vivem neste mundo hoje tiveram filho por pressão (geralmente da mulher) ou por “acidente” (provocado ou não).

A pessoa que tem filhos pelos motivos errados (para o parceiro parar de encher o saco, para o parceiro não ir embora, etc.) em algum momento cobra essa conta. E é justamente quando mais se precisa dela presente. Só deve ter filhos o casal que tem absoluta certeza de que ambos querem muito ter filhos.

“Mas Sally, eu conheço o primo de uma amiga minha que não queria, mas quando a criança nasceu se encantou e hoje é o melhor pai do mundo”. Duas considerações: 1) será que é? Pega bem ser bom pai, as pessoas adoram ostentar isso em redes sociais, mas, na real, nem sempre são e 2) Se aconteceu, foi uma exceção. É uma burrice conduzir a sua vida achando que a exceção vai acontecer com você. Sempre conte com a regra geral, pois ela é a mais provável.

Então, se a pessoa tem dúvidas sobre querer ter um filho, é melhor não ter um filho com essa pessoa, ao menos até que ela tenha certeza. Seu tempo está acabando? Mata no peito e encara o desafio que é terminar e encontrar alguém que seja compatível com você e queira ter filhos. Forçar a barra só para não ter que passar por um término e essa busca é um motivo muito errado para trazer uma criança ao mundo.

Querer ter um filho é apenas um bom começo. É preciso avaliar se a pessoa tem o que é preciso para criar uma criança. Obviamente, os requisitos gerais para um relacionamento contam: respeito, cumplicidade, bom caráter etc. Mas, além deles, outros são necessários. Para fins didáticos, vamos tentar resumir tudo em duas categorias: requisitos objetivos e requisitos subjetivos.

Objetivos: Tempo + Dinheiro. Tem tempo suficiente para dar atenção, educar e passar tempo e qualidade nas diversas fases com diferentes demandas da vida de um filho? Tem condições financeiras de prover uma existência digna, suprindo as necessidades dessa criança?

Subjetivos: Maturidade emocional + Senso de sacrifício. Tem maturidade emocional para proporcionar um lar estável, sereno, sem brigas, sem gritos, sem violência e sem desequilíbrio para seu filho? Senso de sacrifício: tem a capacidade de se colocar em segundo plano e fazer sacrifícios de tempo, vida pessoa, financeiros, bem-estar e tudo mais que seja necessário em prol da criança?

Todo mundo acha que tem. Todo mundo acha que o parceiro tem. Mesmo quem não acha que o parceiro tem, acha que pode dar um jeito, que ele pode se esforçar, que ele vai mudar, que ele vai passar a ter, que o amor que sentirá pela criança vai se encarregar disso. Não vai. Vou repetir novamente, mais alto, para que todo mundo escute: NÃO VAI.

Pessoas em privação de sono, com uma casa fora da rotina, com menos tempo para si mesmas, afloram o que há de pior nelas. Se você está esperando que um filho mude as coisas para melhor, lamento te informar, mas não vai acontecer. Também não vai mudar para pior, ele apenas vai trazer à tona a verdade do que estava acontecendo, só que antes havia energia, tempo e disposição para camuflar.

Vamos dar uma passadinha rápida por esses quatro atributos para que vocês vejam como é mais comum do que a gente imagina que as pessoas se enganem a respeito deles.

Tempo. Quem se engana diz que tem pouco tempo para criança, mas o tempo que passará com ela será “de qualidade”. Pouco tempo e filho não combinam. Pouco tempo e filho = danos emocionais irreversíveis para a criança. É delegar a criação a terceiros (avós, babá, creche ou opções ainda piores). Criança demanda tempo. Pouco tempo de qualidade não basta. Ver a criança no café da manhã e no jantar não basta. É preciso escolher: abre mão de várias coisas na sua vida para ter mais tempo para filho ou, se não quiser abrir mão de várias coisas, não o tem. E vai ter quem diga aqui que não precisa disso não. Deixa os filhos dessa pessoa chegarem na adolescência e a gente conversa: tudo que você negligencia na infância volta em dobro na adolescência.

Dinheiro. Aqui as pessoas adoram usar a falácia do “reductio ad absurdum” para desacreditar uma verdade que dói: “quer dizer que só rico pode ter filho?”. Não, não quer dizer isso não. Quer dizer que se você não consegue suprir as exigências mínimas para uma existência digna para a criança, deve primeiro se estruturar financeiramente e só depois ter filho. E se nunca conseguir se estruturar financeiramente, francamente, não sei em que mundo você acha que pode suprir as necessidades de outro ser humano.

Maturidade emocional. O mínimo que se espera é ter uma relação bem estruturada e harmônica com o parceiro, um lar calmo, tranquilo, sem grandes desavenças e a habilidade para lidar de forma serena e equilibrada com conflitos, problemas e imprevistos. Isso inclui respeito, empatia, compaixão, coerência, responsabilidade, integridade e inteligência emocional. Pergunta para a Luana Piovani como é ter filhos com uma pessoa gente boa, mas quem não tem maturidade emocional. Nem precisa, ela mesma conta nas redes sociais.

Quer uma forma simples de avaliar a maturidade emocional? Faça o seguinte exercício mental: como seria minha relação com esta pessoa se a gente se separasse? Como esta pessoa arcaria com todas as responsabilidades relacionadas ao meu filho se eu não estivesse por perto ajudando e lembrando? Se a pessoa seria educada, justa e respeitosa após a separação e se cumpriria com todas as obrigações com o mesmo zelo e cuidado, ela tem maturidade emocional para ter um filho. Se não… não.

Senso de sacrifício. Por mais que o mundo insista em pintar tudo como um grande prazer, como um mar de rosas e felicidade, ter filhos envolve infinitos sacrifícios diários, de diferentes tamanhos e intensidades. Quem tem filhos, por mais eficiente que seja, vai ter que abrir mão de muito: tempo que usava para si mesmo, seus prazeres, trabalho, amigos e muito mais. Não é para abdicar por completo de tudo (talvez nos primeiros anos), mas as restrições serão enormes.

Não se iluda, você não vai dar um jeito, vai ter que fazer um monte de sacrifícios e sua vida, como você a conhecer hoje, vai deixar de existir. Você terá um filho para sempre, que, por no mínimo 18 anos demandará cuidados, despesas, tempo e disponibilidade emocional. Seu dinheiro não vai mais para seus prazeres, seu tempo não vai mais para você mesmo, seu sono será deficiente por muito tempo.

Está na moda passar pano para falta de senso de sacrifício dizendo “eu não posso me anular por ter um filho, eu tenho que fazer as minhas coisas”. Esse foi o argumento do ator global que, esta semana, largou a mulher com um bebê de 4 meses de idade. O infeliz disse frases medonhas para justificar meter o pé de casa como “Não lembro a última vez que fiquei sozinho pra refletir, que li um livro” e que ele se separou pois “não tive escolha, meu espírito sucumbiu”.

É uma pessoa sem senso de sacrifício. Diante de um ser humano que ele optou por colocar no mundo e que deveria ser sua prioridade máxima, diante de um ser que precisa dele para suprir todas as suas necessidades pelos próximos anos, o papai está desnorteado por não ter tempo para ler um livro, ficar sozinho e refletir. Já pensou? Ser largada sozinha com um bebê em uma fase altamente demandante pois o maridão não conseguia ler um livro?

Eu sei que dói perceber que o parceiro não está apto para ter filhos. Eu sei que dá medo ter que terminar e começar uma busca por alguém que seja um bom parceiro e um bom pai. Mas, acreditem, nada dói mais do que ter filho com uma pessoa que não tem o que precisa para ser um bom pai (lembrando sempre que vale para mãe também!), pois nesse caso, o dano não é só em você, é no seu filho também. Causar dano a um inocente que, supostamente é a pessoa que você mais ama no mundo por uma escolha bosta sua deve ser muito sofrido.

Um ponto que precisa ficar claro: salvo raras exceções, uma pessoa que não está pronta para ter filhos pode trabalhar para mudar isso e conseguir. Na maior parte das vezes, tudo pode ser trabalhado e melhorado para tornar a pessoa apta a criar filhos de forma minimamente decente, desde, é claro, que a própria pessoa queira, o que quase nunca é o caso.

O que se vê na maior parte das vezes é parceiro fazendo pressão para que a pessoa mude isso ou aqui, seja isso ou aquilo, queira isso ou aquilo. E a pessoa pressionada, por comodismo, ilusão ou sei lá qual motivo, acaba entrando nesse barco e dizendo que vai mudar. Spoiler: se a pessoa não quiser isso realmente, se não partir dela, a mudança não vem. Por isso não é sábio pressionar. Você pode mudar de pessoa, mas não pode mudar a pessoa. Só a pessoa pode mudar a pessoa.

Mas, vamos supor que estejamos falando de pessoas sem qualquer sociopatia ou psicopatia. Estas sim são pessoas que podem mudar seu comportamento, sua visão de mundo e suas prioridades se quiserem. Porém, dificilmente sozinhas. Maioria esmagadora dos casos a pessoa precisa de ajuda profissional (eu disse PROFISSIONAL, não coaching, não religião, não livro de autoajuda). Se a pessoa não topa procurar um profissional, consciente ou inconscientemente, ela não quer mudar.

Então, se você está com uma pessoa “ótima”, mas que tem questões importantes pendentes para ter o equilíbrio/maturidade emocional, senso de sacrifício, tempo livre e dinheiro, é preciso perguntar a ela se ela quer mudar (a pessoa tem o sagrado direito de não querer). Eu disse PERGUNTAR, não pedir que a pessoa mude. É patético pedir que uma pessoa mude para que ela se encaixe no seu sonho.

Se a pessoa QUER mudar, voluntariamente, sem nenhuma pressão sua, é preciso avaliar o que a pessoa pretende fazer para mudar. O simples querer não muda nada. Se a pessoa quer, por livre e espontânea vontade, e procura um profissional apto para ajudá-la, estipule um tempo na sua cabeça e observe se houve mudança. Sim, há pessoas que fazem terapia mas não querem mudar, vão ao terapeuta e mentem, se distraem, não trabalham o que tem que ser trabalhado, apenas fingem que fazem terapia. Por isso, esteja atento: se, depois de um tempo razoável, não houver progressos, sai fora. Ou a pessoa não quer ou simplesmente não consegue mudar.

Se eu tivesse que escolher um único grande erro em relacionamentos seria esse: o tempo que se espera para que o outro “mude”. É muito fácil deixar passar meses, até anos, esperando uma mudança, com base apenas na ilusão de uma promessa. As pessoas podem ser muito convincentes na hora de fazer promessas – e enganar até a elas mesmas. Se você não estipular um prazo, você vai jogar fora a sua vida. Quando a pessoa promete uma mudança ou uma melhora, estipule um prazo que ache razoável (mentalmente, sem compartilhar com a pessoa) e se nesse prazo ela não mudar, sai fora.

E, é claro, existem os casos extremos, onde não há nada que você possa fazer, não há amor ou profissionais no mundo suficiente para promover uma mudança, não há medicamentos que surtam efeito, não há macumba que dê jeito.

Existe uma minoria de casos onde sim, é possível generalizar e dizer que é melhor não ter filhos, pois, independente do esforço da pessoa, ela não tem o que precisa. Psicopatas, por exemplo. Só no seriado Dexter um psicopata coloca um filho em primeiro lugar. Psicopatas não são capazes de sentir empatia, culpa ou compaixão, portanto, zero condições de criar um filho de uma forma saudável.

O mesmo vale para pessoas com transtorno narcisista. Os maiores estragos emocionais que eu já vi em seres humanos foram feitos por mães narcisistas. É uma doença, então, não adianta promessa, não adianta esforço, não adianta tratamento, não adianta reza braba, a pessoa sempre será desta forma patológica e sua patologia implica em causar severos danos emocionais a uma criança, que ela arrastará para sua vida adulta. Curiosamente os narcisistas sempre querem ter filhos. Pega bem ter filhos, botar fotinho na mesa de trabalho, dizer que tem uma família.

Para terminar, vale lembrar que esses poucos requisitos que eu coloquei como sendo essenciais para dar um lar feliz e estruturado a uma criança são o básico, do básico, do básico. É muito justo que você acrescente outros que acha importante além desses.

“Mas Sally, se for levar tudo isso em conta, é muito difícil ter filhos”. Justamente. Ter filhos de uma forma que seja saudável e funcional para pais e filhos é realmente muito difícil. Encontrar um parceiro que, além de ser bom marido, seja um bom pai, é muito difícil. Sendo bem sincera aqui, nunca na minha vida me relacionei com alguém que eu achasse que tinha os atributos mínimos para ser um bom pai.

“Mas é meu sonho ter filhos”. Maravilha. Primeiro se torne você uma pessoa apta a ter filhos dentro do balizador mínimo que citamos aqui. Depois, e só depois, encontre um parceiro nas mesmas condições. Ter filhos de qualquer jeito, só por querer ter filhos, custa tão caro, gera tanta frustração e infelicidade que eu me senti na obrigação de vir aqui avisar.

E avalie bem se você quer de fato ter filhos. Ter filhos é enfiado na cabeça das pessoas como caminho para a felicidade e realização, mas nem de longe é o caminho mais seguro nem o único caminho. Não existem sonhos imutáveis, condições sine qua non que, se não atendidas, nos impedem de sermos felizes. Há muitos caminhos para a felicidade, se você não ficar obcecando com uma ideia. Ter filhos não é para todo mundo e passou da hora da sociedade ter essa conversa.

Para dizer que eu não sei o que é felicidade por não ter filhos, para dizer que amor supera tudo ou ainda para dizer que o grande problema é que pessoas com maturidade emocional geralmente querem outras pessoas com maturidade emocional para se relacionarem: sally@desfavor.com

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Comments (42)

  • Trabalhei para o governo há pouco tempo e tive de andar por lugares bem pobres. Meu coração apertava todas as vezes que via uma mulher com 5, 6 filhos e descobria que ela era mais nova que eu (tinha 24 anos) e a única da renda casa era um auxílio que não chegava a 100 por cabeça. Eu sinto muita pena das crianças que nascem em famílias assim. E ao menos na região em que eu estava, as áreas mais miseráveis eram as únicas em que a taxa de natalidade crescia.
    Não consigo deixar de julgar como irresponsável quem decide ter filhos sem condições de dar o mínimo. E o mínimo, neste contexto, custa caro tanto em matéria de dinheiro quanto de tempo, sono e desgaste mental.

    • “As áreas mais miseráveis eram as únicas em que a taxa de natalidade crescia”. Dá mesmo muita tristeza ver esse tipo de coisa acontecendo, Paula. Às vezes as iniciativas de combate à pobreza, tanto públicas quanto privadas, parecem ser apenas enxugar gelo. Porque a quantidade de miseráveis cresce exponencialmente devido a entre outras coisas, gente que põe filhos no mundo sem conseguir prover nem pra si próprio e fica humanamente impossível ajudar a todos.

  • Presumo que a maioria dos comentários seja sobre o filho biológico.

    E o filho adotivo? Digo isso porque vejo muitos pais que adotam criança (às vezes solo) mesmo sem ter os quatro requisitos passados aqui. E por vezes de forma muito tardia, o que me levaria a um quinto requisito objetivo: idade.

    Por exemplo, a pessoa (quase) sexagenária adotando um filho e tendo (quase ou mais de) oitenta no ápice da atenção que esse filho demandará da pessoa (um amigo reclamou, do alto dos 75 anos, do cansaço que dá ir buscar a filha adotada nas baladas e da volta de excursões).

    E, alguns deles, adotam por meio de esquemas violentos. Um conhecido tinha o irmão na região Norte, que arranjou um esquema de pegar uma criança de uma gravidez aparentemente indesejada e registrar a criança como deles em poucos dias. Tão ou mais fácil do que adquirir um pet talvez.

    Depois do que aconteceu com aquele caso da estudante de medicina que rapou a conta da formatura dos colegas (adotada e vizinha de bairro), a questão de adotar uma criança, de forma (i)legal, pode eventualmente trazer problemas de saúde e de comportamento dos quais os pais não têm a menor ideia. Mesmo com os quatro requisitos.

    Sem falar do inevitável direito da criança querer saber de onde veio e, localizando, querer ter uma convivência regular com sua família biológica, onde quer que morem, em detrimento da sua rotina e de seus recursos.

    • Suellen,

      Sou da região Norte e posso te falar que isso é muito comum por aqui ainda nos dias de hoje, usa-se até as expressões “vou pegar uma criança pra mim (no caso criar)” e “fulana me deu a criança”: bizarro!
      E sobre o fator idade, vou contar o caso que aconteceu bem próximo a mim. Um colega de trabalho, que já tinha um filho de 14 anos do primeiro casamento, casou de novo e a segunda esposa não tinha filhos biológicos e encasquetou que eles deveriam ter “um fruto do amor” (rsrs) deles. Só que devido a idade, ambos na faixa dos 40, ela não conseguiu segurar a gestação, sofrendo dois abortos espontâneos sucessivos.
      E qual foi a brilhante solução encontrada por ela (o cara já não estava tão empolgado assim)? ADOTAR!
      Pra encurtar a narrativa, eles acharam uma menina aleatória que queria dar a criança, pegaram-na recém nascida e com o passar do tempo, nas consultas de rotina, foram descobrindo em que haviam se metido. O menininho tem atipicidade neural (autismo grau severo) e um problema cardíaco congênito.
      Muito triste toda a situação porque estavam lá de boa e foram arranjar sarna pra se coçar, desconfio que a velhice deles não deverá ser nem um pouco tranquila com todos esse desafios a lidar.

      • Pois é, uma grande amiga é adotada e vive fazendo exames todo ano com medo de ter algum problema genêtico ou predisposição ao câncer.

        Mas esse cenário que você passou é horrível. Um verdadeiro presente de grego. Que não dá para devolver para a loja nem deixar abandonado numa caixa de papel.

        E que colocou uma responsabilidade nas costas do filho biológico de ser o derradeiro cuidador ainda por cima. Muita crueldade.

  • Pior é ver gente com 5 filhos falando que criança não atrapalha em nada. Hahahahah
    Só se a pessoa for rica.

  • Minha bolha tbm é cheia de mulheres e um homem que estão se lascando sozinhos por não pensar nesses critérios básicos. Mesmo com bons pais, sem certa estabilidade há estrago da mesma forma. Reconheço e valorizo tudo que meus pais fizeram, mas a verdade é que eles não estavam disponíveis para mim e meus irmãos na nossa infância/adolescência. A gente meio que “se cria sozinho” nesse contexto.
    É um alívio ver relatos de pessoas que tbm não desejam filhos e que sejam realmente frutos de reflexão e não só pra “lacrar contra o patriarcado” esse é outro tema sério que a militância cega está afetando.

  • Postando no lugar certo, porque minha neurose não aguenta! Haha

    Texto extremamente necessário!
    Aliás, muitos pontos pra comentar, vamos lá:

    Concordo que tem que ter muita maturidade emoncional mesmo pra querer minimamente ter filhos e também cuidar deles. Educar, dar carinho, amor, atenção, e ainda ensinar respeito e valores éticos e morais nesse mundo estanho que a gente vive hoje é realmente uma tarefa e tanta, e exige se anular, em partes e por um bom período pra cumprir com a função à altura. Se não estiver disposto, nem tente!

    Concordo também que parece haver uma imposição da sociedade, como se quem não quisesse ter filhos tivesse que ser apedrejado e mal visto por todos. Essa visão tem que mudar e pra ontem!

    Aliás, eu tenho a impressão e hipótese de que essa história de que “ahh vou convencer o cara e ele vai aceitar, vai ser um bom pai com o tempo”, vem dos grandes romances (tá cheio de obra do Balzac com enredos do tipo), ou se não – considerando que quase ninguém hoje lê romances clássicos -, deve vir dessas novelas da Globo por aí, que grande parte do enredo são inspiradas nos grandes romances clássicos, sempre o mesmo clichê de amores impossíveis, imposições sociais e apetrechos.

    E não, por mais que tu queira fazer a pessoa mudar, se ela não quiser, ela não muda! Já vivi isso na pele, por conta própria, não adianta mover esforços se a pessoa não quiser e não fizer a parte dela. Vale pra decisão sobre ter filhos, vale pra tudo.

  • Des Qualificado

    Ótimo texto e ótimos argumentos Sally,como sempre.Passei,em parte,por algumas situações descritas no artigo mas as coisas foram se acertando e hoje minha bebê está prestes a se tornar advogada e trabalha numa multinacional.Os esforços e as renúncias ficarão como lembranças.Num mundo caótico batendo em 8 bilhões de cabeças(e contando!) é mais que necessário levantar essa bandeira.Cito ainda,por achar oportuno, Machado de Assis em seu Memórias Póstumas de Brás Cubas:”Não tive filhos,não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.”

    • As pessoas precisam entender que filho, assim como tudo no mundo, tem um ônus e bônus. Não é só bônus.

      Tenho certeza de que você, tendo uma filha, vivenciou alegrias que eu jamais vou conhecer. Mas também sofreu muitas restrições e fez sacrifícios por isso. E tá tudo bem em abrir mão dessas alegrias (e ter outras, nem melhores, nem piores, diferentes) caso a pessoa não queira fazer esses sacrifícios.

      Mas o povo quer tudo: quer o bônus das “vantagens” de ter filho sem o sacrifício. Aí não dá…

  • Tenho mãe narcisista e um pai que beira a psicopatia, já fui pra diversos psicólogos e psiquiatras. Cheguei a conclusão que: não posso ter filhos. Meu psicológico foi muito afetado pela péssima criação, somente com o básico preenchido: água, comida e moradia. As pessoas têm que ser sinceras com elas mesmas. Aí vem um imbecil e diz “ain só porque seus pais foram ruins você também vai ser?” Se você não sabe o que é viver um uma família saudável, as chances de você oferecer isso pra outro ser humano serão mínimas. Algumas coisas são difíceis de consertar, danos psicológicos principalmente. E nem importa se eu encontrasse o homem perfeito pra ser pai (já terminei namoro pq o cara queria ter filho). Fui xingada de egoísta, de burra (quem vai cuidar de mim na velhice? risos), de tudo que é nome, mas minha consciência está tranquila.

    • O mundo dá voltas. Talvez, essas pessoas que te xingaram de burra pelo “quem vai cuidar de você na velhice?” acabem abandonadas pelos filhos na velhice. É o que mais se vê.

  • Outras perguntas interessantes que potenciais papais e mamães não fazem:

    E se o filho sair do armário e contar que é gay? Ou que é trans? Ou que é assexual e não pretende ter sexo ou relacionamento com ninguém? Vai espancar ou expulsar de casa, levar no padre/pastor ou tentar alguma “terapia” pra consertar o filho? Se sim, volte duas casas e repense.

    E se o filho não quiser lhe dar netinhos? Vai espernear chamando ele de egoísta e ingrato? Se sim, volte duas casas e repense.

    E se o filho não fazer a faculdade que você quer, não tiver uma carreira que você considere de respeito? Não quiser ser sua futura previdência social? Vai espernear também ou viver no modo silencioso pelo resto da vida com ele? Se sim, volte duas casas e repense.

    E se o filho fosse dependente químico, fosse o terror das outras crianças na escola, ou criminoso? Vai passar pano e chamar ele de vítima, ou abandonar por aí? Se sim, volte duas casas e repense.

    E se o filho seguisse uma religião ou visão política diferente, se relacionasse com alguém que você não aprova? Vai soltar o famigerado “aí é diferente, ele é exceção, não é como os outros, loucos” ou viver tentando convencer ele da sua visão de mundo? Se sim, volte duas casas e repense.

    E se a filha engravida? Vai botar na rua? Se sim, volte duas casas e repense.

    E se o filho MORRER? Sim, MORRER. Já pensou em como seguiria com a vida se isso acontecesse? Se não, volte duas casas e repense.

    E se nascer ou adquirir alguma deficiência, como em casos de acidente? Vai fazer o quê, vai abandonar no hospital? Vai “cuidar” ressentido da criança ou jogar para terceiros a responsabilidade? Se sim, volte duas casas e repense.

    E a pessoa que quer ter filhos, por acaso também é saudável e se cuida? Ou tem alguma doença que pode zoar a genética do filho, ou que pode te matar e deixar a criança desamparada e seu parceiro sobrecarregado? Se sim, volte duas casas e repense.

    • Pois é, na prática os pais têm muito pouco controle sobre o que os filhos vão se tornar. Olha a Suzanne Richtofen, rica, família estruturada, estudava, viajava, falava vários idiomas, enfim teve tudo o que uma adolescente poderia querer e mesmo assim matou os próprios pais. Mas é uma realidade tão assustadora que a pessoa média prefere não pensar muito em todas as possibilidades. E talvez seja bom, deixa a vida um pouco mais leve.

      E só pra acrescentar na parte religiosa: assim como acontece filhos de religiosos se tornarem irreligiosos, o contrário também acontece.
      E se você for ateu, criar seu filho sem religião e um dia ele aparecer vestindo terno e com uma bíblia embaixo do braço, ou ela aparecer usando hijab e falando das maravilhas da família tradicional? Vai chamar ele de burro e alienado? Vai acusar ela de perpetuar a ignorância e a misoginia? Se não, você não é tão melhor do que o crente que fiscaliza cus.

      • Em tese, pais existem para preparar os filhos para o mundo, no sentido de orientar, não de impor. Então, um pai que prepara bem um filho para o mundo, ensinando a raciocinar, a questionar e a ter autoestima, não vai precisar se preocupar com a religião X ou Y fazer lavagem cerebral no seu filho.

    • Isso me lembrou uma conversa no trabalho. Estávamos várias mulheres almoçando, e uma falou que foi na parada gay e achou legal, divertido. E uma me solta “queria ver se vc ia achar legal se seu filho fosse gay”. Eu quase engasguei, todo mundo ficou sem graça. A mulher que falou essa merda tem três filhos e vivia pregando as maravilhas da maternidade pra mim que decidi não ter.

  • Esse texto veio pra mim! Exatamente ontem, propus a meu marido que comecemos somente a pensar em ter filhos, de forma real, sem romantizar a vida familiar. Estamos casados há 09 anos, nos mudamos recentemente pra casa própria, temos mais de 30 anos de idade e vida financeira estável (não disse confortável rsrs). Porém, por mais que ele queira e tudo nos leve a de fato aumentar a família, uma dúvida me atormenta se realmente devo realmente tomar essa decisão, e suas colocações tocaram nos pontos que eu jamais conseguiria considerar sozinha, até porque o relógio biológico faz tic tac mais alto a cada ano, e agora, sem desculpa, o medo de que o “passarinho do cuco” possa tocar em breve, pressiona e tende a condicionar que ter é melhor que não ter. Acho que se não uma resposta, te agradeço por proporcionar uma linha de pensamento.

    • O que eu posso te dar é a minha opinião, mas eu não sei se você deve pautar uma decisão de vida tão importante quanto essa na opinião de uma desconhecida: se você e o seu marido não tiverem os quatro requisitos do texto, não tenha e tire da sua cabeça esse apego por ter filho, existem muitas outras formas de ser feliz.

    • Cara anônima, estude o conceito de maternidade compulsória e fetichização da procriação, pedocracia. É bem provável que estas inquietações não venham do seu interior.

  • Concordo com você em todos os pontos, Sally. E é justamente por isso que estou tranquila com a minha não vontade de ter filhos

  • “Os maiores estragos emocionais que eu já vi em seres humanos foram feitos por mães narcisistas. ” SIM. Minha mãe conseguiu a façanha de ter entre 4 e 10 filhos, obviamente não vou dizer o número exato, e arruinar todos, todos. E nunca se supera isso completamente. Meu pai era bom, ao menos pra média brasileira, sem vícios, nem violência ou obsessão religiosa, mas na hora de confrontar a querida esposa era um completo banana. Depois os filhos é que ficam como vilões por se afastarem e não terem muito contato…

    “o fato do seu parceiro(a) ser um bom parceiro(a) e uma boa pessoa não necessariamente significam que ele tem condições de ser um bom pai/mãe.” É polêmico, mas acredito que o contrário também vale, uma pessoa pode ser boa como pai mas não ser boa como parceiro. Talvez por isso o número de pessoas solteiras adotando tenha aumentado, apesar de causar estranhamento pra quem cresceu com pai e mãe bons e não consegue se imaginar sem um deles.

  • Normalmente eu encaminharia o link deste texto para algumas pessoas que conheço, mas acho que, infelizmente, para elas já é tarde demais…

  • Sally, este é mais um daqueles seus textos em que o que mais causa impacto é o fato de que ele precisou ser escrito. Concordo 100% com tudo o que você disse, mas me espanta que tanta gente por aí não tenha a mais remota ideia acerca dessa “obviedade” que é o tema da postagem. Perdoe-me pelo vocabulário grosseiro, mas, pelo que tenho visto de pessoas próximas – e até mesmo parentes – , tem muitos por aí que procriam como quem manifesta diarréia: só fazendo merda atrás de merda. E o que não falta no mundo, infelizmente, são pessoas sem as devidas condições financeiras, mentais e emocionais para parirem e criarem outros seres humanos. Tenho para mim que tantos inaptos para ter filhos os tenham porque não conseguem sequer se perceber ai si mesmos como tal, quanto mais notar essa inaptidão também em seus respectivos parceiros.

    • Foi massificado na cabeça das pessoas que ter filhos é necessário para ter uma vida completa, principalmente de mulheres. Desde pequena mulher sofre uma lavagem cerebral para acreditar que ter filho é um grande dom, uma grande realização (até gambá procria, gente) e a maioria acaba engolindo e achando que esse é “seu sonho” sem perceber que isso foi plantado aos poucos na sua cabeça.

      E a realidade… ah, a realidade é implacável. Taí o enorme número de mamães exaustas, tomando tarja preta, sobrecarregadas e fingindo felicidade. Amar seu filho não é sinônimo de ser feliz.

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