Após uma reunião de urgência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou o surto do vírus de Marburg na Guiné Equatorial, obrigando o país africano a declarar estado de alerta sanitário. O microrganismo é considerado um dos mais perigosos do mundo. Isso porque ele pertence à mesma família do Ebola e tem uma taxa média de mortalidade de 50% – podendo chegar a 88%, a depender da variante do vírus. LINK


Vamos todos morrer? Sim. Mas não necessariamente disso. O que nos preocupa é o descaso com essas doenças no “pós-pandemia”. Desfavor da Semana.

SALLY

Esta semana, a Organização Mundial da Saúde confirmou que existe um surto do vírus Maburg em algumas regiões da África. O assunto deveria ter recebido muito mais destaque do que recebeu, mas, pelo visto, o brasileiro não aprendeu nada com a pandemia de covid-19.

Antes que alguém se assuste: calma, as chances do vírus chegar ao Brasil são muito pequenas. Quando dizemos que deveria ter recebido mais destaque, estamos falando da importância da informação quando o assunto é saúde pública. Ao que tudo indica, o Governo está mais preocupado em falar sobre o Bolsonaro e o povo, por sua vez, em pular carnaval.

Então, vamos fazer o nosso papel. O vírus se chama “Vírus de Marburg” pois foi detectado pela primeira vez na cidade alemã de Marburg, entretanto, surgiu na África e foi levado para a Europa por pessoas contaminadas. É um vírus extremamente contagioso e com uma letalidade muito alta (pode chegar a 88% de letalidade). É um vírus de morcegos que, adivinhem, saltou para seres humanos.

Ele é transmitido de humano para humano através do contato direto com os fluídos corporais de pessoas (saliva e sêmen incluídos), superfícies e materiais infectados. Seus sintomas são febre, dor de cabeça, dores musculares, fadiga, vômito e diarreia e hemorragia (sangue saindo por todos os seus buracos). Não existe vacina ou tratamento para este vírus, tudo que a pessoa pode fazer é tentar minimizar os sintomas.

O período de incubação de 2 a 21 dias, ou seja, uma pessoa infectada pode demorar entre 2 a 21 dias para ter os primeiros sintomas. Normalmente ele mata muito e mata rápido e seus sintomas são muito intensos. Como são sintomas relativamente comuns, não raro a pessoa acha que é alguma outra coisa inofensiva e não procura ajuda.

“Mas Sally, tudo isso que você narrou parece muito perigoso, será que é mesmo improvável que isso se espalhe?”. Sim, pois os sintomas que esse vírus causa são bastante expressivos, dificilmente uma pessoa vai conseguir viajar. MAS, também não dá para ligar o foda-se e não se informar.

Vou transcrever a orientação da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI): “É preciso ficar alerta em relação à amplitude do surto, se haverá casos exportados para outros países. Até o momento, a SBI recomenda que as autoridades de saúde do Brasil façam uma vigilância em concordância com a OMS e com a OPAS”.

Agora eu te pergunto: você tem 100% de certeza de que o Brasil está monitorando quem entra e quem sai e vigiando estes sintomas? Você tem 100% de certeza que um eventual infectado será imediatamente isolado, bem como todos os que entraram em contato com ele? Se você tem, feche este texto e vá curtir seu carnaval.

Mas, se você não tem, informe-se a respeita deste troço, pois, por mais que as chances sejam remotas, você pode acabar exposto a isso, principalmente no carnaval, uma época do ano em que vem gente do mundo todo ao Brasil. E, mais do que isso, informe-se sobre a crescente de novos vírus que estão surgindo e o que podemos fazer para evitá-los ou controla-los, pois este não é o primeiro nem será o último.

“Mas Sally, isso aqui não é um FAQ”. Não, não é. Mas eu achei importante passar ao menos esta base para vocês. Vamos aos meus comentários sobre o Desfavor da Semana…

Atualmente, o país parece viver em um grande lamaçal de ignorância, no qual a maioria dos brasileiros chafurda, cada qual revestido de uma alegoria diferente. Tem quem pense que vírus nem existe e é parte de uma mentira conspiratória, tem quem pense que existe, mas nunca vai chegar na pessoa, tem que pense que vamos todos morrer e entre diariamente no medo e muito mais. Tem equívocos para todos os gostos.

Normalmente, animais aprendem por repetição. Um hamster que leva um choque sabe que não tem que meter o focinho ali novamente. Mas o brasileiro parece estar um degrau abaixo de um hamster quando falamos de intelecto: não aprendeu absolutamente nada com a covid-19, foi apenas sofrimento em vão.

O que se espera é que uma pandemia de um vírus que saltou de morcego para pessoas que causou quase um milhão de mortes no país ensine algo, nem que esse ensinamento seja o básico do básico, que é: sim, isso é possível. Mas, ao que tudo indica, um milhão de mortes depois, o brasileiro ainda não se convenceu de que isso é possível, será necessário mais dor.

E mesmo os que acreditam na existência do vírus, estão se comportando com igual ignorância. Não estamos te dizendo para ter medo, muito pelo contrário, afirmamos que as chances do vírus chegar ao Brasil são pequenas. Estamos dizendo que você deve se informar. Mas, para muita gente, só é válido se informar quando a ameaça bate na porta. E esse é o grande desfavor: o modo de funcionar vigente ser o de não se importar até uma tragédia acontecer.

E a cereja do sundae é que essas pessoas que estão nesse grande espectro de erro ainda sacaneiam e ridicularizam quem tenta fazer as coisas direito. Não que eu esperasse que quem faz a coisa certa seja reconhecido ou premiado, afinal, isso seria demais, mas, pelo menos poderia não ser escrotizado, não é mesmo? Negativo. Quem consome ou dissemina informação é hostilizado e tratado como inadequado.

A precaução, o cuidado, o zelo são coisas de perdedor no Brasil. São histeria, exagero, são prova de fraqueza. Seja por preguiça, seja por descanso, o brasileiro nunca está preparado para nada. E dá merda. E ele não liga os pontos e continuam com a mesma postura.

Cada vez mais vírus saltam de animais para humanos. Se não fizermos nada a respeito, se não pensarmos nisso, se não conversarmos sobre isso, uma hora vai dar merda tamanho GG. Não dá mais para dizer que tá de boa, que nada está acontecendo ou encobrir a realidade com teoria da conspiração negacionista.

Estamos recebendo sucessivos avisos, que deveriam servir de aprendizado e pautar a nossa conduta daqui para frente. E estamos ignorando todos eles. Qual desfecho costuma ter quem faz isso?

Pois é, meus queridos: tem surto de um vírus muito contagioso e com alta mortalidade e, ainda assim, o Desfavor da Semana continua sendo o brasileiro. Melhorem. Urgentemente. Melhorem. Não dá mais para levar a vida no “quando precisar eu vejo isso” ou “alguém deve estar cuidando disso”.

Para dizer que depois do carnaval você pensa nisso, para dizer que ficaria bem feliz de ver 88% do mundo morrendo ou ainda para dizer que periga entrar pessoa sangrando pelo nariz, olho e ouvido no país e a PF carimbar o passaporte como se nada: sally@desfavor.com

SOMIR

O corpo humano dura tanto quanto dura porque tem vários processos de regulação de substâncias danosas. Não é consciente, é mecânico mesmo: quanto maior a concentração de uma substância estranha no corpo, maior a tendência dele tentar neutralizar, nem que sejam os efeitos. Por vias transversas, é por isso que as pessoas se viciam, por exemplo. Quanto mais você consome alguma coisa, mais eficiente seu corpo é em reduzir os efeitos dela, e você acaba tendo que consumir mais e mais para ter os resultados que deseja.

Eu argumento que o mesmo conceito se aplica ao campo das ideias: quanto maior nossa exposição a uma informação, menos sensíveis a ela ficamos. Provavelmente ainda pode-se explicar isso como reações químicas, porque o cérebro é baseado nisso, mas a consequência é que mesmo no campo racional, podemos sentir essa lógica de funcionamento da natureza. Se uma ideia satura sua mente, ela começa a ficar menos impactante.

Nos últimos anos, o mundo lidou com uma pandemia de proporções gigantescas que matou milhões e causou um caos enorme no funcionamento das nossas sociedades. Decidimos coletivamente que ela acabou, embora ninguém tenha combinado com o vírus. Ele continua circulando por aí, mas menos assustador em linhas gerais pelo número de vacinados.

Sou o primeiro a concordar que o tema coronavírus já encheu a paciência. Se você se preocupou o suficiente, tem informação igualmente suficiente sobre como lidar com ele. Não tivemos nenhuma novidade muito relevante nos últimos meses, até por isso o número de FAQs caiu bastante. Se você, assim como eu a Sally, manteve-se informado, já sabe o que acontece e como reduzir as chances de ser mais uma vítima da doença e de suas consequências de longo prazo.

É natural estar saturado do tema de doenças contagiosas. É natural que seu cérebro já esteja colocando a palavra vírus num cantinho mais confortável da mente, evitando as reações assustadas do auge da pandemia. Mas isso não quer dizer que a realidade mudou ao seu redor. Estamos falando apenas de uma reação da mente, de reduzir a intensidade do sentimento relacionado a uma informação que você já recebeu muitas vezes.

Como eu já disse antes, nada disso foi informado ao vírus. Nem o da Covid, nem o de quaisquer outras doenças perigosas e contagiosas. A natureza pouco se importa com seu grau de saturação sobre o tema, os microrganismos que podem nos infectar estão tocando sua existência como sempre fizeram: uma mutação por vez, com o objetivo de continuarem vivos e se reproduzirem o máximo possível.

Por isso, muito cuidado com a ideia de que o que você acha ou não acha sobre doenças tenha qualquer relação com o que está acontecendo de verdade no mundo. É uma ilusão baseada num processo de autorregulação do corpo humano que se reflete no campo das ideias. A notícia sobre o vírus Marburg nada tem a ver com quantas notícias sobre o Coronavírus você viu ou deixou de ver. Uma informação não altera a outra.

O problema da politização da pandemia deixou sequelas: temos um grupo que cismou que doenças não são um problema ancestral da humanidade, e sim criações humanas em laboratórios. Outro cisma que é apenas uma campanha de medo das elites para aumentar seus poderes sobre o povo. E tem até os que desistem de se preocupar achando que nada podemos fazer contra as doenças, então é melhor aproveitar a vida como achar melhor e se morrer (ou matar outras pessoas por irresponsabilidade), não é um problema sério.

Nada disso tem relação com um vírus pulando de animais para humanos no meio da África. O Marburg não é novidade, assim como o Ebola ele tem seus surtos pontuais em locais com baixo acesso a informação e estruturas de saúde pública. Como a Sally bem disse, esse vírus não tem as características necessárias para se tornar uma pandemia, a altíssima taxa de mortalidade dá conta dessa parte. Não é que você tenha que entrar em pânico, mas é uma boa oportunidade para você olhar para dentro e analisar como anda sua reação a ideia de doenças contagiosas.

Será que você está com resistência a ideia de se proteger ou de proteger as pessoas ao seu redor? Será que depois de anos de notícias e informações sobre a Covid você baixou demais a guarda por estar sem disponibilidade para falar de vírus de novo? Será que a sua saturação está impactando a forma como você vai cobrar dos seus governantes ações contra algo tão prevalente como doenças contagiosas?

É natural enjoar do tema. Mas não é inteligente. Não custa lembrar que dentro do Brasil tem a maior floresta do mundo, com provavelmente a maior diversidade de formas de vida no planeta todo, e que tem muita gente enfiada lá no meio sem supervisão estatal nenhuma. O tema dos yanomamis já está ficando meio repetitivo, né? Quanto tempo até ele sumir da mídia? E por tabela, do radar do governo? Os garimpeiros vão acabar voltando, creio eu. E com eles, mais gente exposta à natureza que não repassa informação para autoridades de saúde pública.

O Brasil tem um potencial enorme para “encontrar” doenças contagiosas vindas de outros mamíferos. O que sempre foi o caso, mas que nessa ressaca da pandemia do coronavírus, pode ser ainda mais perigoso. Com politização desnecessária e baixo nível de interesse e racionalidade sobre o tema, coisas muito ruins podem acontecer por aqui.

Não custa relembrar que saco cheio de pandemia tem zero influência sobre o aparecimento e o espalhamento de novas doenças. Nada mudou no mundo real, é tudo coisa da… nossa cabeça. A baixa cobertura sobre o Marburg é baseada no pequeno risco percebido de chegar por aqui ou é o cérebro do brasileiro médio querendo reduzir a exposição a uma informação para a qual adquiriu resistência?

Se for a segunda opção, teremos problemas. Despolitizar e quebrar o ciclo de conspirações é parte integrante de se proteger disso. Será que vamos conseguir?

Para dizer que é um milagre que o Brasil não tenha criado uma nova doença até agora (vai durar quanto?), para dizer que estamos tentando te assustar (leia os textos antes de comentar, por favor), ou mesmo para dizer que o Carnaval ainda é pior que tudo isso: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • O Brasil cria uma série de doenças novas, elas só não são diagnosticadas porque são doenças de pobre. E não se espalham para os países ricos, que é o que interessa, por que somos um pária global.

    Um bom exemplo é o da angiostrongylose transmitida pelo caramujo gigante africano. Em paralelo, os médicos daqui não são educados para diagnóstico de gente pobre. Não se ensina Doença de Chagas, Leishmanioses, Hanseníase ou Malária em praticamente nenhuma faculdade de medicina do país.

  • Hoje mesmo eu precisei ir ao shopping comprar um presente e, como ainda faço, fui de máscara. Já estou acostumada a ser uma das únicas pessoas de máscara em todos os lugares que vou, então nem me incomodo mais com os olhares.

    Na loja, a vendedora olha pra mim com uma cara meio conspiratória e fala “mas me fala a verdade.. essa máscara aí é o COVID voltando ou é por alguma outra coisa?”
    Eu acho que ela estava esperando que eu falasse sobre uma doença secreta que os ovnis estão trazendo e só eu tava sabendo, mas respondi só que a covid nunca tinha ido embora pra “estar voltando”, e fui pra casa!

    Realmente, ninguém aprendeu nada mesmo…
    E eu fico muito triste!

    • Hoje li na mídia brasileira que pessoas feias tendem a negar o fim da pandemia e insistir em continuar usando máscara. Não era uma opinião, era uma reportagem.

      Alguém avisa à OMS que a pandemia chegou ao fim e que nós só usamos máscara por sermos feios…

  • Faltou lógica ao final do trecho “quanto maior a concentração de uma substância estranha no corpo, maior a tendência dele tentar neutralizar, nem que sejam os efeitos”.
    Antes de proclamar superioridade sobre os brasileiros, seria bom que tivessem a humildade de revisar os próprios textos. Mas pelo que se vê por aqui, sequer tem tolerância a críticas.

    • Ou o corpo neutraliza a substância diretamente, ou gera resistência aos efeitos dela.

      Você não entendeu isso da frase ou não concorda com a premissa da frase?

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