Unidos contra você.

As bancadas do PT e do PL terão de unir esforços até o fim deste ano na Câmara dos Deputados. Arthur Lira instituiu um acordo que entrega, em 2024, a chefia da comissão mais importante da Casa para o partido de Jair Bolsonaro. O PT concordou com os termos apresentados por Lira. A sigla de Lula julgou que era necessário presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no primeiro ano do mandato do petista. LINK


O gado muge e a caravana passa. Desfavor da Semana.

SALLY

É inacreditável como ele está fazendo a mesma coisa, novamente: um discurso contundente para um lado e atitudes totalmente contraditórias para o outro. É inacreditável como o brasileiro não evoluiu nada em 20 anos: engole qualquer coisa dita com convicção e autoridade, ainda que os atos contradigam o discurso.

Durante toda a campanha e durante todo o seu mandato Lula insiste no “nós x eles”, em ser contraponto do bolsonarismo, em se colocar como o mocinho enquanto os outros são vilões, em falar que ainda não erradicaram o “fascismo” do Brasil e tantas outras coisas do tipo. A todo momento ele faz questão de deixar claro como desgosta e acha inaceitável Bolsonaro, todos ligados a ele, como pensam e o que fazem.

Se você acha um grupo de pessoas tão reprovável, o mínimo que se espera é que não queira colaborar com eles de nenhuma forma, muito pelo contrário, o desejo deve ser o de manter distância. Só que Lula não coloca isso em prática. No discurso, na hora de pegar no microfone, ele faz questão de se distanciar dessas pessoas e do modus operandi delas, mas na prática, está se aliando e agindo exatamente como eles.

E está ficando impune. O brasileiro médio não entende o mecanismo de divisão de poderes e a função de cada agente estatal, ele deposita toda a projeção de poder no Presidente da República: o Presidente cria a lei que quiser, o Presidente paga o salário que quiser e, se fizer muito calor, o Presidente pode mandar apagar o sol.

Sabemos que não é assim. Pelo sistema brasileiro, o Presidente tem autonomia para fazer pouquíssimas coisas sozinho. Ele depende da aprovação do Congresso (que é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal). Em uma simplificação muito grosseira, os representantes do Congresso devem decidir, através de voto, se algo deve ser implementado ou não, se algo é bom ou não para o país.

Quando o Congresso aprova, o Presidente da República vai lá, assina e manda que se aplique o que quer que tenha sido decidido. Ele é o carteiro que entrega a carta, quem redige a carta é o Congresso. E, no Brasil, como modo de funcionar, o Congresso não vota de acordo com suas convicções (o que acha bom ou não para o país) e sim de acordo com seus interesses particulares, trocas de favores ou mediante pagamento.

Então, se o Lula quer ser o contraponto de tudo de ruim (que acabou personificado no Bolsonaro), ele 1) não deve se aliar a essas pessoas, os “fascistas” (ou “ista” que se escolha chamar: “golpista”, “nazista”, etc.) e 2) não pode operar da mesma forma que eles operavam, uma vez que dia sim, dia também, ele os critica por isso.

Só que o que estamos vendo, é justamente o contrário. O PT e o partido do Bolsonaro (PL) estão se aliando. Para citar apenas um exemplo, o PT permitiu que os “fascistas” assumam a comissão mais importante da Câmara a partir do ano que vem. Não adianta discursar contra e dar poder, autoridade e protagonismo para os “fascistas”.

No microfone, Lula continua fazendo seu discurso populista-demagogo contra os “fascistas” (fascista é o novo comunista, a ameaça da vez). E o povo parece acreditar, pois o povo não tem a menor ideia do que acontece no Congresso, do processo de tramitação de uma lei, nem de porra nenhuma. Se bobear, o povo nem sabe explicar o que é o Congresso.

Quer fazer alianças? Tudo certo, se é esse o estilo de governar, faz parte do jogo. Temer governou assim. Mas não pega no microfone para esculachar as pessoas com as quais você está se aliando. É de uma cara de pau, de uma falta de vergonha na cara, de uma canalhice impressionante.

Não tenta fazer parecer que o seu governo é o contrapondo de algo, quando ele é exatamente igual, inclusive com os mesmos personagens. Não bate com uma mão e faz acordo com a outra. Mas Lula faz tudo isso, e sai impune. Ele já deve saber que o brasileiro não entende porra nenhuma (mesmo os que tem mais instrução, dificilmente compreendem o mecanismo de separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário).

E assim, Lula caminha para a mesma tática do começo dos anos 2000: tudo que for bom, será obra dele, tudo que for ruim, será obra dos “fascistas”, da oposição ou do Congresso malvado. E o povo não vai ter condição de discernir. Basta olhar para a composição do Congresso, para os acordos que estão sendo costurados, para as alianças que estão sendo fechadas para perceber duas coisas: quem manda no Brasil são sempre os mesmos e nunca foram nem Lula, nem Bolsonaro.

Lula só corta e distribuí o bolo, como um garçom, sem escolher que fatia vai para quem. Obviamente é muito hábil, por isso consegue fazer acordos para pegar fatias grandes ou até roubar algumas, mas ser a maior voz de poder do Brasil? Não é. Assim como não era o Bolsonaro, apesar de que, nele grudaram todos os erros e crimes cometidos nos últimos quatro anos.

No discurso, Lula é contra “tudo isso que tá aí”. Na prática, executa tudo que diz ser contra. E cola. E vai continuar colando. Primeiro pela ignorância das pessoas e pelo sistema complexo e truncado de divisão de poderes do país, segundo por ninguém querer ver, afinal, o brasileiro precisa de um Painho, de um Salvador da Pátria, de um líder para ter esperança.

Pela milésima vez: quem manda no Brasil é o STF e o Congresso. O Presidente acena, manda beijinhos e coordena as propinas. Então, quando Lula pegar no microfone, suado e oleoso, para berrar e soltar perdigotos dizendo que é contra os “fascistas” e que o brasileiro vai ser feliz novamente, saibam que quando as câmeras se apagam, ele se alia aos que chama de “fascistas” e todos eles juntos roubam e sacaneiam vocês.

Que Lula é um filho da puta, ladrão e hipócrita não é novidade, a novidade (e o grande desfavor) é que o brasileiro continue acreditando. Mesmo aqueles com boa escolaridade, mesmo aqueles que acham ter senso crítico. Acreditam no Lula e ainda sacaneiam bolsonarista, chamando de “gado”. Vocês contam ou eu conto? Os espertões são tão gado quanto qualquer evangélico que acredita na mamadeira de piroca, mas se acham intelectualmente superiores.

O brasileiro adora uma encenação de baixa qualidade, né? Sejam as risíveis novelas da Globo, seja o ridículo BBB coreografado, seja esse estrume atarracado berrando que fascistas não passarão. Deprimente.

Para dizer que quer saber mais sobre a denúncia de Marcos do Val (eu também), para dizer que pontuou no Bolão com a morte da Gloria Maria ou ainda para dizer que o se o brasileiro não gostasse de atuação de quinta categoria não faria esses filmes bostas no cinema nacional: sally@desfavor.com

SOMIR

Arthur Lira ganhou a eleição para presidente da Câmara dos Deputados com uma votação estrondosa. Direita, esquerda e centrão sorriram enquanto o reconduziam para uma das posições de maior poder no Brasil por mais dois anos. Uma coalizão que uniu PT e PL! Não é todo dia que um país tão polarizado concorda numa coisa. Poxa, ele deve ter feito um excelente trabalho, não?

Bom, se você voltar um pouco no tempo e olhar para a campanha presidencial, poderia ficar tentado a discordar. Lula e Bolsonaro, cada um de sua forma, bateram em Lira. O candidato petista falou sobre o orçamento secreto, ferramenta preferida de Lira (que defende até hoje), cacetou a reação terrível do governo na pandemia (que só foi possível porque Lira blindou Bolsonaro); e nem mesmo Bolsonaro foi lá muito amigo, disse que os deputados não estavam sob seu controle.

Cinco minutos após a imprensa dizer que Lula estava eleito, Lira foi correndo saudar o novo presidente, descartando seu antigo grande aliado como uma fralda velha. A minha impressão é que foi um grande alívio, afinal, quanto mais o tempo passasse com Bolsonaro no poder, maior a chance das pessoas perceberem quem estava tocando o país de verdade.

Praticamente tudo o que as pessoas reclamavam do Bolsonaro poderia ter sido combatido por Lira, a qualquer momento. O STF fez o grosso do trabalho de oposição (porque o PT claramente queria ver o circo pegar fogo), e o presidente da Câmara sentou em cima de processos de impeachment, garantindo a manutenção do governo, não importasse o escândalo da vez.

Ficou evidente que Lira estendeu a mão para Lula e disse que faria o mesmo trabalho de blindagem, por mais que o presidente atual soubesse do poder do deputado, poderia ter feito um esforço para lutar contra ele. Não fez. O cidadão que permitiu quase todas as maluquices do governo anterior está reeleito, provavelmente para fazer o mesmo.

E o que acontece ao redor desse acordão explícito? O povo e até mesmo a mídia continuam correndo atrás da polêmica da vez, discutindo o plano tabajara de golpe de Estado dos bolsonaristas. Lula e Lira devem amar o Bolsonaro, ele é um imã de atenção negativa, podem fazer a merda que quiserem e tudo continua caindo nas costas do ex-presidente. E se receberem críticas, é só dizer que são os fanáticos golpistas.

Se um dia Bolsonaro acabar no tribunal internacional, Lira deveria estar junto. Ele sabia o que estava acontecendo, e por interesses próprios, protegeu o presidente até sugar o último centavo dele. E se é para levar a coisa a sério mesmo: o Legislativo tem por prerrogativa fiscalizar e colocar limites no Executivo. Toda a corja que reelegeu o Lira agora deveria ser julgada junto, porque são todos cúmplices dos crimes cometidos na pandemia e até mesmo os recentemente revelados contra os yanomami.

Lula é cúmplice, porque aceitou jogar o jogo. A maioria da oposição que deixou as coisas chegarem onde chegaram é cúmplice, porque sabiam o que estava acontecendo e acharam mais cômodo deixar o Bolsonaro se afundar para fazer o próximo presidente.

Se você está brigando na internet por um lado ou pelo outro, pare de desperdiçar seu tempo. A reeleição de Lira é a prova que não existem dois lados na política, eles são uma ilusão de rede social. E não adianta fechar o Congresso ou o STF, nenhuma ditadura vai fazer essa gente desaparecer. Regimes autoritários ainda precisam de muita gente comprada para manter o país funcionando minimamente, quem assumiria os cargos de poder seria um subgrupo desse esquemão.

Eu lembro de prever corretamente que Bolsonaro seria engolido vivo pelo sistema, mas de errar a previsão de quanto estrago ele realmente poderia fazer. Evidente que errei: estava contando que o resto dos poderes sentaria na cabeça dele, mas não que perceberia a vantagem de ter um bode expiatório para tudo, protegendo o presidente enquanto ele acumulava todas as críticas sobre o país que ajudavam a guiar.

A eleição de Lira mostra como deu certo fazer do ex-presidente um boneco de vodu de tudo o que deu errado nos últimos quatro anos. O povão comprou a briga contra e a favor de Bolsonaro, e agora o Legislativo está brindando feliz por ter saído ileso de tudo isso. Lula já começou a distribuir cargos e verbas para tentar um segundo round de dominação do país, todos estão felizes.

Menos, é claro, nós. Nós que enxergamos por trás dessa cortina de fumaça que é o Bolsonaro e os brasileiros que continuam brigando por causa de política, como se direita ou esquerda fizessem alguma diferença na conjuntura atual. O PL, que querem chamar de extrema direita, e o PT, que para muita gente é indiferenciável de comunismo… juntos na coalização que elegeu Lira.

Se você está se sentindo otário por ter defendido um lado ou outro, está certo. Você foi otário. Mas não ache que não tem volta, todo mundo é feito de otário, todo mundo tem a capacidade de aprender com isso e fazer melhor da próxima vez. Democracia tem utilidade porque permite renovação, permite que a gente erre um pouco menos na próxima vez. O erro mais grave do brasileiro foi achar que presidente tem tanto poder assim. O voto mais importante era dos cargos do Legislativo, que foram amplamente desperdiçados, tenha em vista a notícia que escolhemos hoje.

Da próxima vez podemos fazer algo melhor. Desde, é claro, que reconheçamos o problema real: mudou o presidente, mas o esquema continuou o mesmo. Está na cara que não era sobre o presidente, não?

Para dizer que prefere ter outra pessoa para culpar, para dizer que não tem jeito, ou mesmo para dizer que os noobs foram eliminados da partida: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • DEsfavores, parabéns pelo texto!! ótimos esclarecimentos.
    Mas tá foda ver gente altamente instruída, jornalistas,amigos, etc defendendo as merdas dos presidentes, principalmente a “bola da vez” q é tão lixo qto o anterior; e continuamos aqui…nesse lixão a céu aberto recebendo mais e mais dejetos do poder público (suspiro)

  • Cleimar da Silva

    Vocês contam ou eu conto?
    Depois da constituinte e com o avanço do modelo dito “democrático”, cada vez fica mais e mais forte a tendência de que o congresso represente a interesses pessoais e paroquianos dos currais eleitorais que bem ou mal conseguem manter seus eleitos por anos a fio na linha de frente da câmara e eventualmente do senado também.
    Os recursos de orçamento são o principal foco dessa turma, sendo que o tal “orçamento secreto”, que tem o jargão interno de “emendas do relator” são um meio de garantir o amealhamento de recursos do orçamento para os pontos de interesse por parte de nossos congressistas, que usam disso ora para enriquecimento próprio, ora para beneficiar seus comparsas com obras bastante convenientes pra construir uma boa imagem política e se solidificar por mais anos a fio lá dentro do congresso.
    Discussão de questões importantes? Não interessa. Apresentar projetos sobre questões relevantes passou a ser peça de marketing eleitoral, independentemente disso muitas vezes nem sequer chegar a ser discutido no plenário por conta das famigeradas MPs, usadas convenientemente pelo Executivo para legislar, ficarem trancando a pauta.
    Mudanças na previdência que resultem em maiores dificuldades para as pessoas terem acesso a uma aposentadoria? Está tudo bem, até porque nesse toma-lá-dá-cá, o que importa é garantir mais recursos para os nossos paladinos ficarem fazendo caridade com o chapéu alheio.

  • Essa questão do discurso vs atos é algo que já foi discutido bastante aqui, e continuo achando tristemente fascinante.
    Uma ideia: não seria esse comportamento derivado da formação predominantemente católica do brasileiro? Algo que sempre me espantou no catolicismo (e que não é regra no protestantismo, até onde eu sei) é que basta você acreditar/se arrepender “no seu coração” e está tudo bem, Jesus perdoa.
    Ou seja, faz do sujo ao nojento, mas depois “se arrepende do fundo do coração” e é perdoado. Não parece haver uma ideia de reparação, uma relação entre fazer algo errado e ter de admitir o erro e consertar depois. Os atos importam menos que as palavras e as ditas “convicções”, pq essas vem “do fundo do coração” então todo o resto empalidece em comparação. Talvez por isso os políticos – especialmente os incrivelmente carismáticos – consigam agir dentro dessa dicotomia? Dessa profunda oposição entre ação e discurso? Pq o discurso inflamado, aos olhos do povo, viria do “coração” e justificaria fechar os olhos para os atos – o que eu mais ouço e leio são apoiadores do Lula justificarem TUDO e qualquer coisa que ele faça com a frase “política no Brasil é isso mesmo, mas ele é uma pessoa boa e quer o bem do povo” ou algo nessas linhas. Pego o Lula como exemplo, mas pode mudar o nome do político, o processo mental é semelhante. O que vcs acham?

  • Posso mandar o link desses textos pra umas pessoas com quem convivo, tanto lulistas quanto bolsonaristas, só pra ver a reação delas?

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