Chefe empregado.

Os últimos dados sobre emprego no Brasil demonstram que estamos com um número altíssimo de pessoas trabalhando por conta própria. Por si só, essa informação não quer dizer que as pessoas estão melhores ou piores, mas faz com que Sally e Somir discutam os prós e os contras de cada modalidade. E é claro, sem concordar. Os impopulares empreendem suas opiniões… ou não.

Tema de hoje: ganhando o mesmo salário e com garantias de trabalho com dignidade, você preferiria ser chefe ou empregado?

SOMIR

Em condições parecidas, eu escolho ser chefe. Em condições um pouco desfavoráveis financeiramente, eu escolho ser chefe. Em condições bem desfavoráveis financeiramente, eu ainda fico tentado a ser chefe. Que fique claro que estamos comparando situações de trabalho com dignidade, ou seja, ser empregado não implica em lidar com um chefe que te maltrata.

Mesmo com um chefe bacana e uma empresa organizada, eu ainda não consigo achar graça em ser empregado dos outros. Tem um pouco de arrogância aí? Tem sim. Tantos anos de Brasil me fizeram ficar muito desconfiado sobre a capacidade intelectual de pessoas aleatórias. Me incomoda bastante estar sob o controle de uma pessoa menos inteligente. E eu acredito que essa probabilidade seria muito alta.

Infelizmente eu já descobri que isso não é exatamente resultado de uma mente extremamente brilhante, e sim do baixo nível do cidadão médio. Eu preferia o tempo que eu me achava a última bolacha do pacote, porque o prospecto para o futuro era menos assustador. É uma questão de pouco incentivo de uso do cérebro mesmo, já lidei com muita gente que parecia ter vácuo dentro do crânio nos primeiros contatos, mas que com um pouco de estímulo demonstrou ter capacidade mais do que suficiente de me acompanhar.

Resumindo o argumento: eu já percebi que boa parte das pessoas tem todo o equipamento para pensar e conversar num nível muito mais alto, mas que vivemos numa sociedade que não incentiva isso. Eu tive a sorte de continuar exercitando o “músculo do cérebro” todos os dias, inclusive muito por causa do Desfavor, mas fica bem claro que esse não é o caso do brasileiro médio.

Por isso, eu acredito que é quase inevitável que eu caia na mão de uma pessoa que eu vá considerar intelectualmente inferior caso aceite ser empregado. E isso me incomoda profundamente. O chefe ou a chefe podem ser muito bacanas, corretos e organizados, mas assim que eu tiver que lidar com um pensamento limitado ou perceber uma falha na lógica ou planejamento da empresa, isso vai me consumir. Seja a pessoa gente boa ou não, ela é chefe, ela precisa exercer seu poder. E eu sei que preciso obedecer.

Sim, obedecer. Se for para ser empregado, faça direito. Eu me sentiria um babaca de assinar um contrato onde me proponho a seguir as ordens de um chefe e ficar enchendo o saco depois por discordar. Pode perguntar para a Sally, mesmo com todo esse papo de superioridade intelectual, quando eu delego decisões para companheiros de trabalho, eu não faço cara feia, não encho o saco, só vou lá e faço o que me foi passado. O pior que acontece é incompetência da minha parte, porque erros acontecem e às vezes precisamos aprender mais antes de fazer direito. Delegar sem respeitar a decisão alheia é esquizofrenia. E aceitar um trabalho na posição de empregado é delegar decisões, oras.

Como eu me comprometo a obedecer, me incomoda muito a ideia de ter que fazer o que eu julgo errado. Eu gosto de entender por que estou fazendo uma coisa para poder achar jeitos de fazer melhor. Mesmo trabalhando por conta com clientes eu faço isso: cumpro o contrato, mas cliente que pede coisa idiota seguidas vezes entra num timer de substituição na hora. É um saco trabalhar quando você acha que não faz sentido o seu esforço.

Então, por mais que eu entenda que existem vantagens em ser empregado, minha saúde mental depende de eu estar fazendo algo que eu julgo fazer sentido. O chefe ser correto não impede ele de tomar decisões que me parecem estúpidas. E não sei quanto a vocês, mas trabalhar é um esforço para mim, eu prefiro me esforçar com algo construtivo.

O que me leva ao segundo ponto fundamental da escolha por ser chefe: você está construindo algo. O empregado depende de reconhecimento e vontade dos superiores de dividir o bolo para construir algo seu. O chefe lida com todos os problemas de um negócio, mas quando ele acerta, recebe os louros do sucesso. Um chefe superlegal e muito honesto não tem obrigação nenhuma de dividir a empresa com você se você fizer um trabalho muito bom. Ele nem deixa de ser um chefe bom se te mantiver como empregado para sempre. O acordo nunca foi sobre participação na empresa, então é honestidade sim te manter como empregado que pode ser demitido a qualquer momento. O combinado não é caro.

E por mais que eu tenha feito muitas bobagens como chefe até hoje, eu prefiro apostar em mim do que torcer para outra pessoa me reconhecer e dividir o sucesso comigo. Não acho graça em ter um bom emprego e me aposentar sem construir algo próprio. Tem gente que acha, ainda bem, senão o mundo não funcionaria.

É muito importante se conhecer, algumas pessoas podem ser como a Sally e se virarem em ambos os contextos, algumas pessoas podem ser como eu e não funcionar bem com outras pessoas mandando. Não tem nada de fundamentalmente errado em nenhuma dessas escolhas, é algo pessoal. Eu gosto de ter controle sobre o meu trabalho, não passaria fome se precisasse ser empregado, é claro, mas se é para escolher em condições parecidas (ou até mesmo piores), eu ainda prefiro ser chefe.

É onde eu me sinto mais confiante e recompensado. No final das contas é sobre como sua cabeça vai funcionar melhor e te dar resultados melhores. Mesmo que eles não sejam… financeiros. Dinheiro é bom, mas liberdade é melhor.

Para dizer que teria horror de ter eu como funcionário (você adoraria), para dizer que tem mais o que fazer da sua vida (justo), ou mesmo para dizer que se arrogância fosse crime eu pegaria perpétua: somir@desfavor.com

SALLY

Ganhando o mesmo salário e com garantias de trabalho com dignidade, você preferiria ser chefe ou empregado?

Empregado. Nada como não sofrer o risco do negócio, ter benefícios trabalhistas e se aborrecer menos.

Eu sei que todo mundo aqui (principalmente quem é empregado) está com duzentos argumentos na ponta da língua para me provar como é melhor ser chefe, mas, antes que vocês comecem, devo lembrá-los que o enunciado pressupõe “garantias de trabalho com dignidade”, portanto, isso excluirá a maior parte dos argumentos.

Chefe burro que dá ordens escrotas, chefe abusivo ou qualquer outra coisa nesse sentido não configura um trabalho com dignidade. Em um trabalho com dignidade você é respeitado, valorizado e reconhecido. E, sendo assim, eu prefiro ter férias, FGT, 13°, não correr o risco financeiro do negócio e não ter que me preocupar com toda a parte de organização e planejamento. Sento, faço meu trabalho na minha carga horária, e vou para casa.

O grande problema de hoje, a meu ver, é que o brasileiro estabeleceu a chibata como forma de trabalhar, então, pouquíssimas pessoas sabem de fato o que é um trabalho com dignidade. As pessoas pressupõem que é normal trabalho com abuso, desrespeito, burrice do chefe, falta de planejamento e todo o resto do combo hediondo do mercado de trabalho. Mas isso não é o normal. Pode ser o comum, mas está longe de ser normal.

“Mas eu não gosto que me digam o que fazer”. Então… tem uma solução muito boa para isso: faça seu trabalho direitinho, saiba se autogerir, se auto planejar, entregue bem, com qualidade e no prazo que eu te garanto que ninguém vai te dizer o que fazer nem como fazer, se estiver dentro de um contexto de condições dignas de trabalho.

Essa coisa de mandar em empregado como se manda em criança de cinco anos é sem dúvida indigna e bastante recorrente no Brasil. E é uma via de mão dupla: culpa do patrão, por ser um babaca arrogante que abusa da autoridade que tem e culpa do empregado, por, na maior parte das vezes, não saber se capacitar, se gerir e se planejar, trabalhando sem compromisso com excelência.

“Não gosto que mandem em mim”. Pois adivinha só, isso não é negociável. No país do “cliente tem sempre razão”, alguém vai mandar em você. Pode ser um patrão, com garantias de trabalho digno, portanto, uma pessoa honesta, sensata e razoável, ou um monte de clientes diferentes, cada um com sua vontade, seu gosto, seu temperamento. Quem já teve que refazer um trabalho bom para algo horrível, pois essa era a vontade do cliente, sabe do que eu estou falando.

Ser empregador tem muito mais ônus do que ser empregado, muito mais responsabilidades, muito mais estresse. Só se justifica quando você consegue ganhar muito mais do que ganharia trabalhando como empregado, pois a remuneração maior em tese compensa mais responsabilidades assumidas. Neste caso, a remuneração é a mesma, portanto, me parece mais inteligente abraçar o posto que tem menos responsabilidades e estresse. Se querem mais do meu tempo, se vão me causar mais estresse e me dar mais responsabilidades, me paguem mais.

Sem contar que, neste exemplo, além de menos responsabilidades, o retorno financeiro seria maior. Mesmo salário, mas o empregado ganharia todas as verbas trabalhistas, o que significa vale transporte, alimentação, dias remunerados em caso de doenças, um mês de férias remuneradas por ano, FGTS, 13° e tantos outros acréscimos financeiros. Então, é se aborrecer menos, trabalhar menos, ter menos responsabilidades e, no fim, ganhar mais.

Por qual motivo vou me estressar mais e deixar de ganhar verbas trabalhistas? Pelo status de ser chefe? Não, obrigada. Tenho total capacidade de me adaptar a uma empresa ou a um patrão e, se não tivesse, sofreria ainda mais para me adaptar a clientes. Dá para dialogar com um patrão (condições dignas de trabalho, lembra?) e tentar chegar a um denominador comum. Tenta fazer isso com um cliente.

Sendo bem sincera aqui, lidar com seres humanos é difícil, implica em concessões, implica em maleabilidade, implica em muita habilidade. E, o que quer que você faça como forma de ganhar dinheiro, acaba lidando com outras pessoas, direta ou indiretamente. Então, ceder, ouvir, gerenciar expectativas, fazer concessões… isso faz parte do pacote, seja como empregado, seja como empregador. A questão é: o que te oferece mais vantagens, na proposição apresentada?

Provavelmente quem é empregado vai querer virar empregador, mais pela projeção que faz do que é ser empregador. Acredite: a única coisa que compensa você ser empregador no Brasil é não ter que lidar com patrão imbecil e ganhar mais. Tirando o patrão imbecil da equação, não compensa. Muita dor de cabeça, muito aborrecimento, muita despesa, muito tempo do seu dia ocupado. Além do seu trabalho você ainda tem que ser administrador, psicólogo, empresário, contador e babá.

Fora o peso de ser o responsável por tudo, inclusive pelos empregados e seu pagamento. Um erro seu afeta a vida das outras pessoas. Um erro seu tem um peso muito maior. Esse é o tipo de responsabilidade que pesa 24 horas por dia, mesmo que a gente não sinta, não perceba ou eventualmente não se lembre dela.

Então, não se enganem nem se iludam: ambos os lados são difíceis, mas, se você assegura trabalho digno nessa equação, é muito mais conveniente ser empregado.

Na vida, como não há essa garantia, eu defendo que é melhor ser empregador, afinal, é melhor gastar mais e se aborrecer mais para ter dignidade e ganhar mais. Mas, se a dignidade estiver assegurada e o pagamento for igual, não pense duas vezes: seja empregado.

Para dizer que eu estou incentivando a ser subordinado, para dizer que bom mesmo é ganhar dinheiro sem trabalhar ou ainda para dizer que nem consegue imaginar como seria trabalhar com dignidade: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • “Provavelmente quem é empregado vai querer virar empregador, mais pela projeção que faz do que é ser empregador. Acredite: a única coisa que compensa você ser empregador no Brasil é não ter que lidar com patrão imbecil e ganhar mais. Tirando o patrão imbecil da equação, não compensa. Muita dor de cabeça, muito aborrecimento, muita despesa, muito tempo do seu dia ocupado. Além do seu trabalho você ainda tem que ser administrador, psicólogo, empresário, contador e babá”.

    Resumiu tudo o que eu penso com esse parágrafo.

    • Dentre todas essas “atribuições extras”, a pior, disparado, é a de “babá”. Nada me enche mais a porra do saco do que ter que lidar com adultinhos que são assustadoramente imaturos pra idade que têm.

  • Empregada. Não quero responsabilidade por outras pessoas, pela burocracia ou dar conta do mais grosso, e é mais simples se eu quiser simplesmente cair fora e tentar outra coisa.

    • Concordo plenamente com você Ana. Se já é foda ter que chefiar uma equipe – por cujas cagadas eu é que muitas vezes levo esporro de superiores – e me estresso pra caralho, imagina o quão pior deve ser pra quem é o dono do negócio.

  • Concordo com a Sally.
    Quanto à indignidade trabalhista, parece ser uma ponte para que você chegue num lugar/empresa melhor. A pessoa que tem emprego bom hoje, já engoliu muito sapo e fez muitas concessões, pra levar as coisas em banho maria enquanto cresce o CV, pra depois ir pruma melhor.

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