STF e o Aborto.
Este não é um texto sobre aborto. Este não é um texto para discutir se somos contra ou a favor do aborto. Este não é um texto que vá tratar do mérito da questão. Este é um texto sobre a forma, para simplificar a discussão que tomou conta do país na semana passada, com o julgamento do STF sobre o tema. Ok, no final eu vou te contar o que eu penso, mas esse não é o foco.
Aborto é considerado crime no Brasil, a menos que se enquadre em um dos três casos seguintes: 1) quando representar risco de vida para a gestante; 2) quando for fruto de estupro e 3) quando o feto for anencefálico, ou seja, não tiver cérebro. Os dois primeiros estão previstos em lei, o terceiro foi fruto de uma decisão do STF (se você permite desligar os aparelhos de quem teve morte encefálica, admite que não há vida viável com cérebro morto, portanto, não há vida em quem nem cérebro tem).
A Constituição brasileira faz uma divisão clara de poderes e competências, que já explicamos com muita calma em outro texto, razão pela qual vamos falar de forma superficial: o Legislativo (congresso e cia) basicamente cria as leis que todos vocês devem seguir, o Executivo (Presidente da República e cia) executa estas leis e o Judiciário (tribunais e cia) faz cumprir as leis, avaliando quais delas são compatíveis com o ordenamento jurídico existente e quais não são.
O Código Penal brasileiro é de 1940, portanto, é de se esperar que, com o decurso do tempo e as mudanças que acontecem na sociedade, algumas de suas normas fiquem desatualizadas, desnecessárias ou até injustas. Além disso, existe uma hierarquia no sistema legal brasileiro: em primeiro lugar está a Constituição e, abaixo dela, as leis como o Código Penal. E a Constituição é de 1988, posterior ao Código Penal.
Isso quer dizer que, se, em qualquer momento o Código Penal atritar com a Constituição, as regras da Constituição devem prevalecer (e as regras que atritarem com ela perderão validade, pois serão consideradas inconstitucionais).
E isso, meus amigos, é pau para toda obra no Brasil. Quando qualquer pessoa de qualquer ideologia não gosta de uma lei, basta sentar e procurar brechas na Constituição Federal para dizer que essa lei a contraria. É uma forma indireta de retirar a validade de qualquer lei. Como a Constituição é extensa e cheio de conceitos abertos (o que é dignidade?), basicamente quase tudo pode ser contestado alegando inconstitucionalidade.
O problema é: quando convém, as pessoas aplaudem uma norma ser declarada inconstitucional, quando não convém, é uma gritaria. E é justamente o que estamos vendo agora: aplauso e gritaria, sem nem ao menos entender bem o que está acontecendo.
No Brasil, aborto é proibido por lei e é crime há mais de 80 anos. Caso se desejasse mudar a lei, o caminho tecnicamente correto seria que aqueles que tem a atribuição de criar leis (o Legislativo) o façam. Seria desejável que seja assim. Seria saudável.
E de fato existem muitos projetos de lei vindos do Legislativo que pretendem alterar a situação do aborto no Brasil, são quase 200 no total: poucos para legalizá-lo, a maioria dos projetos é sobre tornar a lei ainda mais rigorosa, ou seja, não permitir aborto em nenhuma situação ou punir a mulher que faz aborto com uma pena mais rigorosa.
O STF, como parte do Judiciário, jamais poderia apresentar um projeto de lei ou tentar alterar uma lei, pois sua função não é legislar, é julgar. Não é isso o que está acontecendo. O STF não está “criando lei”.
Então, o que está acontecendo?
O que o STF está fazendo é julgar uma ação que foi apresentada pelo Psol e o Instituto de Bioética (Anis), onde se alega que em alguns casos, criminalizar o aborto conflita com a Constituição Federal, pois viola diversos princípios assegurados pela Constituição, como dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, não discriminação.
“Mas Sally, e o direito à vida, a Constituição não garante?”. Garante, mas o direito à vida é um direito relativo, não absoluto, isto é, em situações excepcionais, ele pode ser violado. O exemplo mais comum é a pensa de morte para o caso de crimes de guerra, mas existem muitos outros.
Por exemplo, no caso de gêmeas siamesas que precisam ser separadas para ter uma chance de sobreviver: é possível que, pela anatomia, na hora da separação apenas uma delas sobreviva e os médicos tenham que, conscientemente, escolher uma para viver e uma para morrer, sem que sejam acusados de homicídio por isso.
Existem muitos outros exemplos que, em direito, costumam ser chamados de “escolhas trágicas”, aquela escolha que pode acarretar na morte de um ser humano, porém, apesar disso, é considerada a “menos pior”. O tempo todo a lei tenta balancear, criar a melhor proporcionalidade possível, escolher qual será o mal menor. Nem sempre consegue, mas tenta.
Voltando… com esta ação judicial o que se diz é: “Olá STF, eu vi aqui que a Constituição garante dignidade e liberdade e é indigno que uma mulher tenha um filho sem que ela queira. Sabemos que não existe método contraceptivo 100% eficaz e o Brasil é um país arrombado que não faz laqueadura em quem pede, então, obrigar uma gestante a levar uma gestação indesejada a até o fim é obrigar uma pessoa a ter sua dignidade violada e cerceamento de sua liberdade”
“Mas e o bebê? Ele não tem direitos?”. Vou me ater ao que diz a lei, se você, sua religião ou sua ideologia concordam ou não, é outra história. O país é regido pela lei. Não me odeie, não fui eu a fazer a lei, eu teria feito bem melhor.
A discussão desta ação judicial é para aborto até 12 semanas de gestação, então, “bebê” não é o termo correto segundo a lei, e sim “feto”. E, concorde você ou não, segundo a ciência e lei brasileira, antes das 12 semanas o feto não tem um sistema nervoso desenvolvido o bastante para ser considerado um ser humano com cérebro formado, apto para viver.
“Mas Sally, a lei não garante direitos ao nascituro?”. Sim, a lei garante direitos ao nascituro, ou seja, ao ser humano que está em formação durante a gestação. Inclusive seu direito à vida. Se um nascituro precisar de tratamento médico e o Estado não quiser dar, a lei está aí para obrigar que todos os cuidados sejam prestados.
Mas isso não quer dizer que o direito à vida do nascituro se sobreponha a qualquer outro, tanto é que quando a vida da mãe corre risco, o procedimento considerado correto tanto pela lei como pela medicina é sacrificar a criança e salvar a mãe.
Como dissemos, eventualmente em direito existem as “escolhas trágicas” e é justamente isso que está sendo julgado: para assegurar os direitos ao nascituro vale violar direitos primordiais da mãe como dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, não discriminação?
“Mas Sally, quem disse que engravidar e ter um filho viola a dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e a não discriminação?” Os autores da ação. E o STF está julgando se isso procede ou não. E não interessa o que você acha ou o que eu acho, nosso achismo não é fundamento para decisões legais. Os critérios que serão levados em conta são outros. E não estou dizendo que seja justo ou injusto, estou dizendo que é assim que as coisas são.
Outro argumento é: “se você, STF, permite sem qualquer problema aborto de quem não tem cérebro (anencefalia), não teria qualquer problema permitir aborto de quem ainda não tem cérebro formado”. Novamente, não me interessa o que você acha e pensa, estamos falando de critérios objetivos aqui. Não tenho a arrogância de afirmar quando a vida começa e, na real, acho que ninguém pode fazê-lo, mas é preciso estabelecer um critério, um limite legal.
A lei, apesar de assegurar os direitos do nascituro, diz que a vida começa quando um bebê nasce e respira. Se não respirar, nunca viveu. Existe inclusive um exame do pulmão do bebê específico para isso, que determina se houve respiração ou não. Esta é a razão pela qual o direito tende a tomar sempre o lado da mãe quando os interesses do nascituro colidem com os dela: uma vida já existente, já formada, já viável costuma prevalecer. Entendo quem não concorda, mas essa é a lei.
Então, se, para aquela gestação existir, se violam direitos fundamentais da mãe, como dignidade, liberdade, saúde, igualdade e não discriminação, a tendência é que esses direitos se sobreponham aos direitos do nascituro. Por favor, não venha palestrar nos comentários. Repito: eu não fiz a lei, eu teria feito muito melhor do que isso.
Outro argumento da ação é: “Olha, STF, na real, já existe aborto no Brasil e ele é amplamente praticado por quem tem dinheiro, então, essa proibição do Código Penal caiu em desuso, aborto é uma realidade, a proibição não cumpre sua função, que é coibir o crime e ela só afeta quem não tem dinheiro, gerando uma desigualdade e discriminação. Mulher que pode pagar um aborto, aborta. Mulher que não pode pagar, é obrigada a ter filho ou fazer um aborto de forma caseira, colocando em risco a sua vida”.
Tem outros argumentos, mas é uma ação muito extensa, acho que com esses vocês podem ter uma noção mínima do que está sendo discutido.
Agora vem o mais importante: a ação não está pedindo a legalização do aborto, isto é, que o aborto deixe de ser crime no Brasil. Não estão pedindo que se diga “Ok, tá liberado, a partir de agora quem quiser abortar, pode abortar”.
É quase isso. Mas não é isso. O que estão pedindo é “Tá bom, aborto não pode, nós entendemos, mas quando for com menos de 12 semanas de gestação, será que tem como pelo menos não punir a mulher criminalmente? Ninguém ganha nada colocando mulher que fez aborto em prisão, não é assim que se resolve”.
Então, não é abrir a porteira, como fizeram muitos países, é pedir apenas que a mulher que faz isso, aborto com menos de 12 semanas, não responda por um crime, que na real, nem responderia, pois a pena é muito pequena, ela teria direito a uma série de benefícios e cumprimento de uma pena alternativa, ou seja, pura perda de tempo.
“Mas Sally, é a mesma coisa!”. Não, não é. Uma coisa é remover o aborto do rol de crimes e obrigar o SUS a fazer a torto e a direito, pois, se não está proibido, é obrigação do Estado arcar com o procedimento. Outra coisa é apenas não punir criminalmente quem o faz.
Por exemplo, uma mulher que faz um aborto sem o consentimento do pai do filho pode responder civilmente, isto é, pode ser obrigada a indenizar a pessoa. Mas sem cadeia. É o fator cadeia o que se quer eliminar, que na verdade nem cadeia é, é processo criminal com pena alternativa.
“Mas Sally, se a mulher não vai ser presa precisa mesmo ficar brigando para não ser crime?”. Precisa, pois responder a um processo criminal, ainda que não acabe em cadeia, gera muito transtorno para a vida da pessoa. Além de correr o risco de ver algo privado se tornar público, a pessoa pode perder seu réu primário e ser impedida, por exemplo, de fazer concurso. Além disso, multas ou penas alternativas podem implicar em uma despesa que a pessoa não tem como arcar.
“Mas Sally, os Ministros do STF não têm formação técnica nem conhecimento científico para tomar essa decisão”. Justamente por isso a questão passou por audiência pública de instituições e especialistas no tema. Foram ouvidas instituições sérias, como por exemplo, a Fiocruz, que se posicionou dizendo que desconsiderar o desejo de interrupção da gravidez de forma segura é equivalente a “condenar muitas mulheres a piores condições de saúde, que são desproporcionalmente mais elevadas entre aquelas em baixas condições socioeconômicas”.
Esta ação não é de agora, ela foi ajuizada em 2017, ou seja, há mais de cinco anos. E como essa, tem muitas outras, então, cedo ou tarde, essa questão teria que ser abordada. No momento, o julgamento está paralisado e sem data para ser retomado. Não parece provável que a questão seja decidida com muita rapidez.
“Mas Sally, o povo deveria ser ouvido, o STF não pode decidir contra os interesses do povo”. Depende de como você encare a questão. Se ela for tratada como uma questão de saúde pública, o povo não tem que ser ouvido, pois o povo não tem o conhecimento técnico para escolher nada em matéria de saúde pública. Ninguém consulta o povo para saber qual é o melhor procedimento cirúrgico ou o melhor remédio.
Porém, se você entender que não se trata de uma questão de saúde pública, aí sim poderia ser pertinente escutar o povo. Os legisladores já estão se movimentando para tentar aprovar um plebiscito sobre a questão, para que o povo decida e, se de fato acontecer, podem ter certeza de que o aborto continuará sendo crime no Brasil.
O Senado já conseguiu o número de assinaturas necessárias para dar início ao procedimento. Agora, a proposta de plebiscito deve ser analisada pelo plenário da Câmara de Deputados e do Senado e deve conseguir maioria absoluta em ambos para que a coisa avance.
Se de fato isso for adiante, os brasileiros podem ser convocados para votar se querem ou não a descriminalização do aborto, no mesmo esquema de qualquer eleição comum, só que agora não se vota em pessoas, se vota em “sim” ou “não”.
“Mas Sally, qual é a sua posição?”. Já fiz muito texto com trocentos argumentos e ponderações sobre o assunto, em uma época em que eu ainda me importava e ainda me dava ao trabalho. Devem estar aqui, em algum lugar destes 15 anos de Desfavor. Hoje, meu posicionamento é mais simples e prático. Desconsidero todo o resto e apenas me atenho a uma frase: a favor, por motivos de quanto menos brasileiro no mundo, melhor. Sei que existem argumentos melhores, mas eu simplesmente não me importo mais.
Porém o objetivo do texto não é dar a minha opinião que, francamente, é bem irrelevante. O objetivo do texto vem agora, nestes últimos parágrafos.
Você tem mastigadinho tudo que está acontecendo, tem todos os elementos para se posicionar e decidir e eu posso respeitar quem é a favor e quem é contra, desde que exista coerência. Infelizmente, coerência parece estar em falta no país.
“Direito à vida é sagrado, uma pessoa não pode decidir quem vai viver”. Beleza, entendo e respeito. Mas aí não pode ficar repetindo que “bandido bom é bandido morto”, não pode aplaudir quando lincham e matam uma pessoa por furto de um celular, não podem tentar matar o vizinho por ele ter votado em político que você não gosta. Comporte-se, em todos os momentos da sua vida, de acordo com o que você prega de forma tão convicta.
“Não gosta de aborto? Não faça, mas permita que quem quer faça”. Beleza, entendo e respeito. Mas aí a premissa tem que valer para tudo. Não gosta do Leo Lins? Não vá ao show. Não gosta de armas? Não compre armas. Não gosta de algo? Não imponha limitações a esse algo, apenas não consuma. Comporte-se, em todos os momentos da sua vida, de acordo com o que você prega de forma tão convicta.
Só isso que a gente pede: coerência. Cada um pense como quiser, mas se mantenha coerente com isso.
Não vai acontecer, pois o brasileiro médio é, antes de tudo, um arrogante que quer impor sua vontade e suas opiniões ao resto. Por mais que ninguém goste de admitir, o Brasil é um país de cultura autoritária, no qual as pessoas tratam quem pensa diferente como inimigo, no qual todo mundo quer benefícios para si e ferrar o outro, no qual poder nunca é para o bem coletivo e sim para benefícios pessoais.
Então, esperem muita discussão baixo nível, muita incoerência e muita hostilidade. Mantenham-se na sanidade. Mantenham-se acima disso. Por favor, vamos passar por esse debate, que promete ser longo e acalorado, com um mínimo de graça, dignidade e coerência.
Para dizer que se for a plebiscito não vai poder fazer aborto nem em caso de estupro, para dizer que deveria ter bolsa-aborto que pague um salário-mínimo por cada aborto realizado ou ainda para apontar simplificações didáticas propositadamente aplicadas como se fossem erros jurídicos: sally@desfavor.com
Anônimo
O código penal é de 1940 e não de 1948.
Sally
Verdade, erro de digitação. Muito obrigada!
Suellen
Não li a ação, nem sei se aplicaria ao que pretende os autores, mas apenas um paralelismo grosseiro veio à mente: embora oriundo de outras situações, se o perdão judicial é admitido quando a infração atinge o próprio agente de forma grave, por que não ser aplicado ao aborto? Afinal, impelir uma mulher a ter (mais) um filho (de novo) para não ter ficha suja não seria atingi-la de forma grave?
Sally
No caso dessa ação não, pois é uma ADPF, uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental. O argumento principal é que enquanto mulheres gestantes de até 12 semanas forem proibidas de abortar se fere a Constituição.
Mas em processo criminal que julga o crime de aborto em si, poderia ser um caminho. O problema é que nem sempre quem julga um crime de aborto vai ter a sensibilidade de perceber que a mulher está sofrendo com isso. Muita gente acha que é uma vadia que saiu dando, escolheu não se cuidar e agora quer fugir às suas responsabilidades para continuar dando.
Anônimo
O que mais me preocupa é o famigerado EFEITO REBOTE, com o Congresso querendo se contrapor a um posicionamento fundamentado pelo STF, como já ocorreu no caso da discussão quanto a descriminalização da maconha.
Só que as implicações nesse caso são ainda piores, porque podem implicar em vedação do aborto mesmo em casos em que ele se faz necessário.
Sally
O Congresso pode tentar mas não pode fazer nada. Não importa qual lei ele crie, o STF tem o poder de declarar ela inconstitucional e remover ela do ordenamento jurídico. Quem manda no Brasil é o STF.
Anônimo
Tem um novo round possível.
Denunciar o Brasil por conta das constantes infrações a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (incluindo, mas não se limitando a questão do aborto).
Claro que isso não vai fazer com que a situação volte aos trilhos, mas pode queimar (e muito) a imagem do Brasil no exterior.
Sally
Não, não pode. O Brasil já recebeu tanta denúncia, mas tanta denúncia, que não faz absolutamente nenhuma diferença mais uma.
Anônimo
Nunca entendi por que tanta resistência dos médicos em fazer a esterilização. Tem alguma possibilidade de algum arrependido processar o médico?
Sally
O que eles sempre me disseram é que se tratava de uma questão de “consciência” ou que ia contra a religião deles. Todos tinham a certeza de que eu iria me arrepender e por isso sentiam que estavam me fazendo um mal.
Anônimo
Discussão entre os pretensos “pró-vida” e “pró-escolha” em uma única imagem.
Ana
Pra quem é cristão: cristãos também não deveriam ser favoráveis a pena de morte assim como não são ao aborto, pois se Jesus salva, o que o impede de salvar um criminoso e fazê-lo mudar de vida? Isso não só vai contra os princípios do Novo Testamento como também coloca em xeque a capacidade de Cristo de fazer o que veio fazer, nos salvar. Inclusive, o próprio Cristo foi morto pelo Estado por ser considerado um criminoso. Certeza que esse é um poder que deve ficar na mão do Estado? Ou é aquilo de sempre, depois que nasce, pode matar? Então, você não é pró-vida, só é pró-nascimento mesmo e Deus vai cobrar de você, pode anotar.
Além do mais, mesmo que o criminoso nunca se arrependa, isso é entre ele e Deus. Não caberia ao homem decidir o que fazer sobre a vida de outra pessoa. “ah, mas o Velho Testamento” cristãos seguem o Novo, que diz que a vingança é do Senhor e que temos de dar a outra face. “Ah mas Romanos 13” essa mesma passagem diz para sermos submissos ao Estado, logo, se o Estado diz que aborto tá liberado ou não, temos de seguir.
Pra quem é pró-vida, mesmo não sendo cristão: Ser pró-vida apenas com feto e depois toca o foda-se, é um tiro no próprio pé. Se essa pessoa não crescer em uma sociedade sadia e não tiver oportunidades na vida, seja por iniciativa pública ou privada, esse lindo fetinho vai nascer mais perto de se tornar o criminoso que vão querer matar depois do que em um milionário salva-pátrias. “ah mas isso é com a pessoa, não tenho nada a ver com isso, só não quero que aborte”, então, por essa lógica, não milite contra o que for lacrador, pois, se influenciar ou não por “esquerdismo”, bandidagem ou promiscuidade também é com a pessoa e você não tem nada a ver com isso, depois se ela “votar errado”, dar pra qualquer um e ter mais filhos, ou ser o cara batendo sua carteira, não reclame.
Ou, numa melhor hipótese, essa pessoa vai se tornar em mais uma pessoa pra inchar o Estado exigindo assistencialismos (e então impostos, inflação, etc) ou fazendo parte do serviço público frequentemente acusado parasitar a vida do cidadão médio, daí não vai adiantar chorar no Twitter “estado naum mi dêxa isso ou aquilo, o estado tá cobrando impostos nos meus jôguinhu pra sustentar bolça familia REEEEEEE”. Todos nós sabemos que o Estado adora manadas, pois votam em troca de promessas. E não, não pense que alguma igreja vai conseguir doutrinar pra sempre todas essas pessoas, pois a maioria fodida, armada e suficientemente enfurecida é quem bate o martelo, então, eventualmente espere El Revolución.
Então, antes de vir militar “a favor da vida”, o que você está fazendo a favor dela além de ser contra aborto?
UABO
Adorei seu comentário, Ana.
Paula
Do ponto de vista que a Sally explicou, manter a criminalização ao aborto é uma aberração sem nenhum sentido. Do ponto de vista de quem diz defender a vida, manter a criminalização ao aborto também é uma aberração sem nenhum sentido. Manter o aborto criminalizado no Brasil só faz sentido na mentalidade de histeria punitiva do brasileiro médio. O engraçado é que é o mesmo povo que reclama que pobre se reproduz demais por causa de auxílios. Isso nem é mentira, mas a criatura que não tem responsabilidade pra se prevenir corretamente e depende de auxílios talvez não seja a melhor pessoa pra criar outro ser humano.
Eu defendo a vida, e justamente por isso defendo aborto e eutanásia descriminalizados. Legalizados e disponíveis, se me for permitido sonhar.
Sally
Concordo com absolutamente tudo. Mas, quando se vive em um país no qual a maioria da população tem titica de sabiá amarelo dentro da cabeça, as pessoas ficam reféns da ignorância: se isso for a plebiscito, aborto continua sendo crime.
Anônimo
“Mas aí não pode ficar repetindo que “bandido bom é bandido morto”:
Claro que pode. Está querendo comparar um criminoso que causa vários danos pra sociedade, e ainda é recompensado com cama e comida e é solto pouco tempo depois, com um feto que, por azar da probabilidade, possui uma deficiência?
Não existe nenhuma contradição em ser contra o aborto e ser a favor da pena de morte. Só é babaquice por ficar fiscalizando a vida alheia e impondo sua religião, mas ser hipócrita não é.
Contraditório é o povo que diz ser a favor dos pobres e contra o nazismo dizer que você merece ser morto por ser pobre, órfão ou deficiente, enquanto diz que criminoso psicopata que mata pai de família por causa de celular ou par de tênis, estuprador, terrorista, atirador de escola etc. merece ser tratado com carinho e receber ajuda do Estado. O que isso ensina pra população, que passa todo tipo de perrengue pra viver honestamente?
Sally
Nossa… Vamos lá
Ninguém está falando de feto com deficiência, não sei de onde você depreendeu isso.
Para bandido existe a lei. Querer agir fora da lei e, ao mesmo tempo, cobrar que se cumpra a lei em caso de aborto é aberrante.
Não existe pena de morte no Brasil para crimes comuns, portanto, defender que se mate bandido é defender um ato contrário à lei.
Paula
Senhor anônimo, descriminalizar o aborto não é o mesmo que dizer que um feto que, por infortúnio, será deficiente ou pobre, merece ser morto. É dizer que a mulher que carregou este feto e o abortou não será presa e punida por isso. Por favor, leia o texto novamente. Você argumenta como se o Estado fosse passar a obrigar mulheres a abortar fetos que serão pobres ou deficientes, o que é uma distorção extremamente desonesta do tema da DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO. Ninguém vai impor o procedimento a uma mulher que não queira abortar, mas garantir que a mulher que abortaria de qualquer maneira possa fazê-lo em segurança e sem ser punida.
Anônimo
Quem usa dessa lógica de “bandido bom é bandido morto” tem um racíocinio tortuoso de “crime e castigo” e acha que com uma solução imediatista no sentido de sair praticando execuções a torto e a direito vai resolver a problemática da criminalidade.
Isso é vergonha alheia por onde quer que se olhe, sendo que os casos da Inquisição, da Ku Klux Klan, do George Floyd e da reprimenda dos direitos civis sob a Sharia NÃO me deixam mentir.
Gui
A contradição reside justamente no fato de que quem é contra o aborto se vale do argumento de que “você não pode decidir pela vida e morte de alguém”. Que é exatamente o que você faz quando sentencia alguém à pena de morte.
Abner Willian
Aborto como contraceptivo é o mesmo que laqueadura. Depois do primeiro maikon, a caboca vai pensar na possibilidade de que mais um seria bom. Vai trocar pela pílula, vai esquecer e já era. Mais cinco nem-nens. A outra vai ficar com medo do inferno e deixará vim, dando pra mãe. E assim sucessivamente.
Marketing massivo nas escolas pelo uso de DIU hormonal seria uma ideia melhor. Olha, evita filho e TPM. Combão, é pegar ou largar. Provavelmente (provavelmente) o governo não proibiria a campanha. Mas, diferente dos nazistas, as feminazistas não raciocinam.
Sally
Sem dúvida prevenir é melhor do que remediar. Sem dúvida, como tudo no Brasil, o brasileiro vai fazer um péssimo uso de aborto.
Mas se fazer mau uso das coisas fosse justificativa para proibição, o brasileiro não deveria nem poder comer com faca.
Esther
Olha, na maior parte das vezes a pessoa que faz um aborto sofre dores semelhantes às de um parto normal. Dependendo do tamanho do feto tem de fazer a expulsão dos pedaços depois da curetagem.
Isso não é a minha opinião, é resultado de estudos estatísticos.
Eu nunca fiz aborto, mas tive um filho por parto normal.
Agora darei a minha opinião: a pessoa pode até fazer o primeiro aborto “como método contraceptivo”. Depois do primeiro, a não ser que “a caboca” tenha tendências suicidas ou masoquistas num grau quase impensável, pode ter certeza de que vai aprender a usar todos os métodos contraceptivos disponíveis – provavelmente ao mesmo tempo…
Abner Willian
Quase todos, provável que sim. Mas serão quase todos aqueles com eficiência 99%? Discutível. De qualquer forma, não sou contra a descriminalização, nem a legalização. Apenas apontei a incongruência de um argumento.
Gui
Nem vou entrar no mérito de % de efetividade de um DIU, apenas ressaltar que um Estado que mal consegue administrar aulas de educação sexual para alunos adolescentes, e que mal consegue emplacar uma campanha de vacinação contra HPV, também falharia miseravelmente na distribuição de DIUs.
Sally
Vai falhar em tudo, inclusive em fornecer o procedimento de aborto a tempo para gestantes, ainda que esteja legalizado. A grávida vai esperar seis meses na fila do SUS. Deixam pessoas com câncer esperando por cirurgia, a ponto do câncer se espalhar e criar metástases, imagina se vão fazer aborto no tempo certo.
Quando trabalhei na Defensoria Pública cansei de atender a mães com os filhos no colo que vinham vinha avisar que “não precisava mais não”, depois de ações judiciais que lhe garantiam o direito de aborto em função de estupro, pois demorou tanto que o filho já tinha nascido.
Não há esperança para o Brasil.
Abner Willian
Mencionei os DIUs porque lembrei de uma reportagem onde uma escola distribuía camisinhas. Já tem quase dez anos que assisti, mas tenho 99,98% de certeza que se tratava de uma escola brasileira. Só não sei dizer se era pública ou particular.
Gui
Entendo. Já até vi casos aqui no Brasil de escolas distribuírem camisinhas como parte de ações de educação sexual. Mas são ações pontuais. Via de regra, o governo patina – e muito – no que diz respeito a implementar a distribuição de coisas que ele já deve fazer, como no caso da própria vacina do HPV.