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Sua Fake News mata.

Sua Fake News mata.

| Sally | | 18 comentários em Sua Fake News mata.

Talvez em algum momento desta semana alguns leitores tenham se perguntado por qual motivo não falamos mais do conflito na faixa de Gaza, já que é o assunto do momento e todo mundo está sedento por informações sobre isso. A resposta, as circunstâncias se encarregaram de dar: é melhor não falar nada do que falar bosta.

No dia do ataque ao hospital, todos os grandes portais de notícia informaram que um bombardeio de Israel atingiu um hospital e gerou mais de 500 mortos. Óbvio que a gente tinha muita coisa a dizer sobre isso, mas respiramos fundo, prendemos o fôlego e tentamos manter a racionalidade. Mas infelizmente fomos a exceção.

É isso, vivemos em um momento no qual mídia com uma equipe enorme de jornalistas e até correspondentes no local, como O Globo, Folha de São Paulo, IG, Terra, UOL, Veja e tantos outros divulgam notícia errada e o Desfavor não.

E não estamos dizendo isso para contar vantagem, estamos tocando no assunto para te mostrar da importância de respirar fundo antes de falar.

Quando o acontecimento converge para nossos desejos, narrativas ou simpatias, fica bem mais difícil. Se eu leio que Rafael Pilha fez um teste e descobriu que é superdotado com inteligência muito acima da média a mão chega a tremer para postar e comentar. Mas eu não o faço, pois sou uma pessoa racional.

Óbvio que enganos acontecem e às vezes todo mundo acaba postando informações falsas, distorcidas ou mentirosas. Em algumas situações não é possível prever, mesmo o melhor dos julgamentos acaba enganado apesar das checagens. Mas não era este o caso.

Foi dado como certo um ataque de Israel usando como fonte uma declaração de um grupo terrorista, que fez um vídeo onde falavam por cima de corpos empilhados.

Se você tem um país soberano dizendo “eu não fiz isso” e um grupo terrorista dizendo “eles fizeram isso”, no mínimo, tem que pairar uma dúvida. Se não paira, é sinal de que seu discernimento está contaminado pela sua ideologia ou de que você não tem a maturidade de olhar para uma situação e admitir que não sabe, que não tem a resposta, que não é possível entender (ainda) o que está acontecendo. E essa, infelizmente, é a realidade da maior parte dos brasileiros.

Inclusive da mídia. Eu realmente não acho que esse tsunami de manchete errada tenha sido por ideologia pro-Hamas, esquerdista ou o que for. Inclusive seria “menos pior” se fosse: pessoas com discernimento manipulando uma narrativa. Mas não parece ser, parece ser burrice mesmo. É o vício no corta-cola. É o hábito de “se está em um portal de notícias, é verdade, alguém deve ter checado, vou copiar”.

Provavelmente o primeiro imbecil que postou “Ataque de Israel atinge hospital” era sim um demente pro-Hamas (ou anti-Israel) que ficou tão feliz com aquela narrativa e com o viés de confirmação que ela trazia, que não se aguentou e apostou que era verdadeira. Mas os outros 500 platelmintos que reproduziram essa bosta certamente o fizeram por burrice, por seres péssimos profissionais, por serem incompetentes e preguiçosos.

Duas pessoas que trabalham o dia inteiro, tem deveres paralelos além dos seus trabalhos, não possuem formação em jornalismo nem em nada remotamente relacionado a conflitos internacionais souberam calar enquanto profissional e especialista falava merda. O que isso pode te ensinar? Três coisas.

Primeiro que a coisa vai muito além do “a mídia mente”. Está mais para “a mídia só vê o que converge para sua narrativa”. Mentira é quando você conhece a verdade, mas decide não contá-la. É ainda pior: parecem ser pessoas incapazes de ver a verdade ou de ver que não é possível acessar a verdade naquele momento.

A segunda coisa que isso pode te ensinar é que quando uma bosta dessas acontece, o estrago está feito. Mesmo que uma versão oposta venha à tona dias depois, quem queria se agarrar a aquela narrativa e nunca chegará sequer a ver o desmentido. Dentro da bolha na qual a pessoa vive em suas redes sociais, é possível que esse desmentido nem seja mostrado, pois não é compatível com o que ela gosta de ver. Sim, o algoritmo sabe.

E mesmo que veja, como existe uma informação mais agradável vinda de várias fontes renomadas, a pessoa terá como refutar mentalmente. Tinha gente dizendo que pelo barulho do míssil sabia que era de Israel, imagina a certeza que não terão depois de ler confirmação de mais de dez grandes portais de notícia dizendo “Israel bombardeia…”. Essas pessoas nunca mais vão abandonar essa narrativa. Esse bombardeio passou a ser de Israel, como pós-verdade, não importa o quanto eventualmente se prove que não foi.

O que nos leva a um desdobramento deste ponto: não adianta querer convencer ninguém. Não importa a quantidade de provas que você apresente para um idiota, ele nunca mudará de ideia. Essa dissonância cognitiva não é corrigível pelo diálogo. Quem tinha discernimento estava calado, como Somir e eu, dando F5 na tela a tarde inteira, acompanhando as notícias, para ver se dava para fazer plantão ou tinha que aumentar o DEFCON.

Não vale seu tempo tentar dialogar com quem trata uma guerra como um Fla x Flu, quem se preocupa mais com os autores do míssil do que com as vítimas, com quem caça notícias buscando estar certo. Negadores negarão, e eles têm o sagrado direito de negar. É uma merda, pois essas pessoas votam, mas é um direito que elas têm. Portanto, sugiro que não percam tempo, energia e saúde mental tentando mudar a cabeça de alguém.

Obviamente o grosso da mídia não se retratou: foram apagando ou editando as manchetes durante o dia, o que é igualmente tenebroso. Você acusa alguém de matar 500 pessoas em um hospital e, quando aparece uma dúvida, pede licença para cagar e sai de fininho? Isso não é comportamento de profissional. Começou com “Bombardeio de Israel deixa mais de 500 vítimas em hospital”, foi mudando, foi mudando e terminou com “Suposto bombardeio pode ter atingido estacionamento de hospital”.

O mínimo de decência é se retratar, se não para dizer que errou, para dizer que se precipitou e a autoria ainda está sendo confirmada. Não é uma regra jornalística, é uma regra da vida: se você acusa uma pessoa e percebe que aquilo pode não ser verdade, tem que se retratar com a mesma publicidade, ênfase e destaque com o qual fez a acusação.

No momento, no Brasil, isso não é necessário, pois o erro beneficiou o lado que o Governo aplaude. Inclusive membros do Governo também divulgaram esta notícia de “Israel bombardeia” e depois ficaram caladinhos, no máximo apagaram a postagem. Com este exemplo, vai ser realmente difícil que o resto da população faça a coisa certa.

Eu vi gente dizendo que “eu não tenho culpa se divulgaram informações erradas”. Não, você não tem culpa disso. Mas tem responsabilidade de fazer uma checagem mínima (com uma rápida consulta você veria que a fonte era uma afirmação do Hamas) ou, se não quer pesquisar de onde vem a informação, simplesmente não compartilha.

“Não acreditei quando Israel negou, pois Israel tem um histórico de mentiras”. Já o Hamas, este grupo democrático, centrado e sensato, tem um histórico de verdades, sinceridade e retidão, não é mesmo? Olha só, ninguém é obrigado a conhecer sobre conflito internacional a ponto de saber discernir mentiras, mas se não tem esse conhecimento, saibam calar.

Curioso que todas aquelas agências de checagem de notícias que berravam o dia inteiro no Governo Bolsonaro sumiram, né? Bolsonaro peidava uma vez e já apareciam esclarecimentos: “É FALSO que Bolsonaro tenha peidado uma vez, ele peidou duas vezes e depois se cagou”. Fiscalizavam tudo, desde o preço do leite condensado até se ema recebeu cloroquina, mas agora parecem estar de férias – o ano todo.

O pessoal do “sua piada mata” também está bastante quietinho. Se o dano social causado por uma piada é preocupante a ponto de gerar tanto escândalo, comoção e gritaria, o dano de atribuir sem provas a morte de 500 pessoas hospitalizadas, no mínimo, mereceria a mesma atenção. Se um humorista fazendo piada com minoria é preocupante a ponto de gerar tanto escândalo, um grupo que os assassina, os tortura e os repudia, no mínimo, merecia repúdio também.

Depois que foi divulgado o “Israel bombardeia”, explodiram protestos e atos violento pelo mundo como resposta a isso. Destruíram uma sinagoga na Tunísia, atacaram pessoas nos EUA e em outros países. Na França só faltou derrubar a Torre Eiffel. Se “sua piada mata”, “sua notícia sem confirmação” também. E provavelmente muito mais do que uma piada.

Temos ainda o pessoal que, quando Putin explode hospital, orfanato, maternidade, asilo, escola e igreja na Ucrânia joga um “é complexo”. Mas quando acham que alguém que não converge para sua ideologia faz o mesmo, detonam sem qualquer prova do que estão falando. Direitos humanos relativos parece ser a especialidade da casa.

Ou ninguém pode bombardear hospital e nos indignamos cada vez que alguém bombardeia hospital ou todo mundo pode bombardear hospital e não reclamamos quando alguém o faz. Não importa em qual país o hospital esteja, acho que todos concordamos que está cheio de civis inocentes, certo?

Errado. Para esse grupo de pessoas, se os civis são de determinada nacionalidade, eles não são inocentes, eles merecem morrer ou, no mínimo, a morte deles é justificada pela causa maior que está sendo perseguida. Sabe quem pensava assim, né? Aquele tio austríaco do bigodinho.

No entanto, os que se propuseram a combatrer nazismo, fascismo e outros “ismos” são os que menos condenam grupo terrorista que abertamente declara seu desejo de aniquilar civis. Sério, isso me provoca náuseas, desconforto físico mesmo. O melhor a fazer é não manter gente assim perto de você.

“Quer dizer que eu não tenho o direito a discordar de você, pois você não tolera opinião contrária?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não quer dizer isso não. Uma coisa é discordar de uma disputa territorial, outra é acreditar justificável a morte de civis inocentes, arrancar cartaz de criança sequestrada, tolerar violações a direitos humanos quando se criticava o Bolsonaro e seus quadrúpedes por ridicularizá-los. E sim, você pode fazer tudo isso, eu não vou te impedir. Só não quero você perto de mim. Aqui não. Aqui você não terá voz.

Não demorou muito para que a gente veja que os grandes defensores dos direitos humanos são tão opressores, violentos e criminosos quanto os antecessores, não é mesmo? Quer dizer, a gente sempre avisou, mas agora acho que já está bem recheado de provas. Já dá para parar de gritar “Falsa simetria!” ou precisa de algo mais?

“Vocês dizem isso porque defendem judeus”. Sim, já apareceu nos comentários. Eu sempre fico na dúvida se é gente que não lê o Desfavor ou se é gente que lê e não entende. Ao longo destes 15 anos escrevemos muitos textos criticando o que achávamos que precisava ser criticado. Inclusive mexendo em assuntos extremamente delicados, como Holocausto. Desde os primórdios do Desfavor.

Só para citar um exemplo, em 2009 eu fiz um texto afirmando que um grupo não pode se apropriar dos horrores do Holocausto se colocando como únicas ou principais vítimas, contando os grupos e etnias que também foram mortos, alguns inclusive em maior número. Então, não, aquilo não é fã clube de ninguém, aqui não se milita nem se levanta bandeiras. Defenderíamos qualquer população civil que fosse escrotizada dessa forma e inclusive defendemos a população civil palestina também.

“Mas Sally, você disse que tínhamos três coisas para aprender, falta a terceira…”. A terceira: você pode confiar no Desfavor. Não que sejamos imunes a erro, ninguém é. Mas apesar de termos vidas, trabalho paralelo e diversas obrigações, a gente tenta checar antes de falar – e se não conseguirmos, não falamos. Preferimos qualidade a novidade. E, pelo visto, conseguimos errar menos do que quem é profissional e conta com uma equipe com centenas de pessoas.

Parabéns, aos envolvidos. Agora o estrago está feito: para sempre Israel será o país que bombardeou um hospital e matou 500 pessoas.

Para dizer que está puto pela guerra ter ofuscado a taxação das suas comprinhas, para dizer que é tudo mentira e o míssil partiu de Israel ou ainda para dizer que nós somos judeus (quem dera): sally@desfavor.com


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