Cagando no tabuleiro.
Não sei de onde veio essa analogia, mas eu gostei muito dela: algumas discussões são como jogar xadrez contra um pombo. É irrelevante o que você faz ou deixa de fazer, o bicho vai andar no tabuleiro, derrubar as peças e provavelmente cagar por todos os lados.
Ontem, ao ver uma parte da sabatina ao futuro ministro do STF, Flávio Dino, me chamou a atenção o que falavam os senadores da oposição. Um papo furado sobre comunismo, aborto e similares que não ia para lugar nenhum. Discursos inflamados, mas vazios. Eu fiquei imaginando como responderia aquelas asneiras, até que me caiu a ficha: seria jogar xadrez com o pombo.
O político profissional que vai para o Supremo Tribunal Federal usou sua retórica, desviou de qualquer discussão sobre moral religiosa e até usou passagens bíblicas para não dar munição para seus detratores. A oposição estava lá para cagar no tabuleiro, então ele cagou também. Todos chegaram no seu acordão tradicional e ele foi aprovado como previsto.
E aí a gente pode chegar à conclusão que faz mais sentido na vida acompanhar o pombo ao invés de tentar jogar. A minha experiência diz que muitas vezes você tem que reconhecer quando está diante de uma situação dessas e agir de acordo, mas não deixa de ser um fracasso para a humanidade. Quanta coisa não está parada na nossa evolução social por causa desses pombos empoleirados em tudo quanto é tipo de tabuleiro ideológico?
Aqui, acho bom fazer um esclarecimento: a analogia vai muito mais longe que discutir com alguém burro, se você parar para pensar, é mais sobre uma diferença irreconciliável de interesses naquela situação. Não tem nada no pombo que o faça capaz de participar do jogo, e não adianta esperar nada além de comportamentos padrões do bicho.
Discutir política com um lacrador de direita ou esquerda é propor uma tarefa que a pessoa não tem interesse ou capacidade de fazer. Argumentar com uma pessoa narcisista não vai a fazer perceber o seu lado. Existem vários casos nessa vida onde precisamos confrontar uma pessoa que simplesmente não vai jogar o mesmo jogo que a gente. E eu estou falando de muito mais que conversas sobre política, religião, futebol…
Sally compartilhou comigo uma pérola de sabedoria que eu tento levar para a vida: sentimento não se discute. Pode achar o sentimento certo ou errado, pode se achar injustiçado e tudo mais, mas você não vai conseguir mexer num sentimento com fatos, argumentos e qualquer outro elemento puramente racional. Você pode ajudar o sentimento a ficar mais leve ou pode esperar (de perto ou de longe) ele mudar, mas ele é algo que está fora do controle racional.
Digo isso porque muitas discussões emocionais, sejam elas entre um casal, parentes ou amigos, viram jogos de xadrez contra pombos. A única coisa que você ganha é um tabuleiro cagado. Tira ele dali, o tabuleiro ou o pombo, mas não espere soluções mágicas. Você precisa identificar quando está numa situação dessas e agir de acordo.
Se é uma conversa importante, você pode se esforçar mais para não assustar o pombo e causar mais confusão; se não é, simplesmente saia de perto. Não tem o que fazer. É normal não ter o que fazer, você já deve ter sido o pombo de alguém algumas vezes na vida, todo mundo passa por situações do tipo e entender a hora de parar é vantajoso para todo mundo.
E como reconhecer o pombo?
Meu sistema é baseado em entender que tipo de conversa você está tendo e como ela pode evoluir. O primeiro caso para se tomar cuidado é quando a outra pessoa começa a atacar você por algo que obviamente não foi você que fez. Isso é comum no mundo moderno da politização radical: alguém começa a te chamar de comunista ou fascista por uma fala ou ação inofensiva, dizendo que o mundo está perdido e que você é o problema com a sociedade… qualquer pessoa que faz isso é o pombo.
Se você sabe reconhecer o pombo, toda a merda no tabuleiro passa a ser culpa sua se você continuar movendo suas peças. É garantido que a discussão só escala se você continuar mexendo nisso, a pessoa está claramente querendo fazer bagunça ou descontar alguma frustração interna. Lacrador começou a falar sobre como tem ódio de esquerda ou direita, que precisamos acabar com o outro lado, etc., pode marcar como pombo e tirar seu tabuleiro da mesa. Troféu Joinha para a pessoa e siga sua vida.
Outro pombo comum é o furioso: a pessoa que fecha a cara e começa a falar ou agir de forma agressiva por algo como uma trombada, uma fechada no trânsito ou um olhar para o lugar errado… quase sempre são homens, mas já vi mulher com esse tipo de comportamento também. São pombos cagadores. Gente com a cabeça no lugar precisa de muito para ficar agressiva. Não é normal perder as estribeiras e começar a gritar ou fazer gestos de agressão física. É pombo. Sem contar que muita gente morre de bobeira no Brasil e no mundo por ficar mexendo nas peças contra esse tipo de pessoa.
Não existe isso de “sou estourado”, não é normal, precisa de tratamento, com terapia no mínimo. No Brasil se premia demais pessoas assim por serem corajosas ou não levarem desaforo para casa. Coisa de país de pombos. É um comportamento perigoso para você e para todo mundo ao seu redor, gente que pensa antes de agir e não explode à toa não é passada para trás como se costuma dizer para passar pano para descompensado mental. Gente que pensa toma decisões melhores e tende a ter uma vida mais próspera e segura que gente maluca. Pombos acabam mortos ou abandonados por todo mundo na maioria das vezes.
No campo das discussões de relacionamento, muita mulher desenvolve uma personalidade ao redor de ser o pombo da relação. Muito se fala como mulheres são mais eficientes para discutir sentimentos e relações, mas isso é muito inflacionado pelo comportamento errático de mulher sem controle dos sentimentos. Ela não precisa ameaçar de morte o parceiro, basta ignorar o jogo e ser um pombo descompensado a discussão toda. Se ouve um argumento que invalida sua opinião, começa a cagar no tabuleiro com choro, chantagem emocional ou lembrança de outras coisas que o homem fez errado anteriormente.
Mulher “invencível em DR”, você não é esperta por fazer isso, você é um pombo num tabuleiro de xadrez, não ganhou nada além de um homem com menos paciência para falar sobre seus sentimentos no futuro. E isso acumula até sufocar esses sentimentos e/ou virar chifre.
E pessoa que fica estressada quando se fala de dinheiro? Gente que sempre acha que está sendo passada para trás, que acha que tem que ganhar mais que todo mundo, que o trabalho dos outros não tem valor… todos pombos. Não sei se serve para você, mas para mim sempre serviu: gente que coloca dinheiro na frente de relações tem que ficar longe. Gente que se altera demais por causa de finanças sempre vira pombo: deixa de pensar na função do dinheiro para alcançar objetivos e fica focada em números. É gente que economiza onde não deve, que desperdiça por status, que acha normal brigar por causa disso.
Dá para perceber uma linha guia aqui, né? Quando você está lidando com uma pessoa que não quer jogar o mesmo jogo que você, você que vai se dar mal tentar acompanhar. O jogo dela não existe, é um animal errático que não entende o que você está fazendo, por não conseguir entender ou por não querer entender. Em qualquer conflito da vida, é muito importante saber o que você está tentando conseguir e o que tem a ver com esse objetivo.
Quer negociar um preço? A conversa tem que ser sobre o valor daquilo. Quer falar sobre um sentimento que te faz mal? Fale sobre o que sente. Quer resolver uma disputa com outra pessoa? Fale sobre o que está sendo disputado. Quem se perde vira o pombo e atrapalha a vida de todo mundo. Dica para a vida: toda vez que um conflito surgir com outra pessoa, pense se você está sendo o pombo. Se você estiver discutindo coisas que nada tem a ver com o assunto original e se sentindo mal (furioso ou triste) com o tema, é bem provável que você esteja cagando no tabuleiro. Tire um tempo para acalmar, repense o que está discutindo, comece a escutar o outro, nem que seja para seu cérebro ter tempo hábil de te recolocar no jogo.
E se identificar no outro o pombo, não tem o que fazer a não ser parar de sofrer. Só o pombo pode parar de ser pombo. Mesmo que você tenha poder para fazer o pombo sossegar, ele ainda não entendeu nada sobre as peças no tabuleiro, vai repetir o comportamento assim que você oferecer a oportunidade de novo.
Tem muita gente nesse mundo que simplesmente não está capacitada para jogar o jogo que você quer jogar. Pode ser temporário, pode ser permanente, a única coisa que você controla (e olhe lá) é reconhecer o pombo, seja você ou no outro.
Para dizer que estamos numa fase ruim de qualidade, para dizer que pombo é a mãe (muitas são), ou mesmo para dizer que vai rir da próxima vez que vir alguém dando um chilique imaginando o pombo cagando no tabuleiro de xadrez: somir@desfavor.com
Paula
Eu tenho preguiça de qualquer discussão que não envolva a resolução de um problema, só aceito participar se eu e a pessoa com quem estou discutindo formarmos um time contra o problema ao invés de ficarmos um contra o outro. Do contrário, evito me envolver sempre que posso.
Quando ficamos muito alterados por qualquer motivo numa discussão, às vezes é bem construtivo parar e se perguntar por que razão aquilo nos afeta tanto. Ao menos, me ajudou bastante a melhorar a maneira de comunicar as coisas, ajuda até a desarmar quem vem com intenção de agir como pombo.
W.O.J.
Melhor resolver UM problema do que arranjar DOIS, né?
Ana
Eu já fui pombo, já foram pombos para comigo. E suspeito de situações em que ambas partes foram pombos.
Uma dica que funcionou comigo é parar de se vitimizar. Não é negar que você possui seus pontos e que eles não são importantes.
É sobre não se martirizar, se achar a pior pessoa do mundo, que ninguém entende, que nada dá certo, etc.
Esse tipo de ressentimento coloca a pessoa na defensiva. Coloca fácil no modo pombo, e então se passa mais tempo pensando em se defender do que em resolver a situação.
Anônimo
Sabe qual o grande problema? Em discussões políticas e ideológicas, o jogo do pombo é bastante conveniente e pode implicar em vitórias no campo político. O pessoal que saiu com a vociferação mirando no Flávio Dino (que merece sim críticas, mas tendo em vista que os outros membros do STF são indicações políticas que tem tido um posicionamento aquém do que se espera da mais alta corte do país, não é exatamente o maior merecedor das críticas feitas nesse jogo) está mirando nele com vistas a reforçar o vínculo com o público eleitor numa jogada de marketing eleitoral permanente.
Essa turma da rodinha “bolsominion” que entoou o jogo do “pombo enxadrista” na ocasião atual pode ser horrível em termos de se articular para marcar uma posição política à sério, mas em termos de marketing eles são muito bons. Não fosse por isso, o Jair Bolsonaro não teria se tornado presidente em 2018 e o Nikolas Ferreira não seria o deputado mais votado na eleição do ano passado.
De resto, concordo com a linha mestra do texto aqui apresentado.
Torpe
Não sei vocês, mas eu sou limitado: paciência curta com burrice, trabalho porco, ignorância ativa (não quer aprender), hipocrisia, e coisas do tipo. Tenho de me controlar demais pra não acabar xingando.
Por isso prefiro evitar conversar com MUITA gente.
Anônimo
Bem que a gente gostaria de tratar de nossos problemas sem brigas, exaltações e estresse desnecessário. Mas não adianta tentar resolver as coisas na conversa com quem não pode, não sabe ou não quer ouvir. Tem horas em que o melhor a fazer é mesmo se afastar e deixar o o pombo cagando no tabuleiro sozinho.
W.O.J.
Concordo com vocês dois, Torpe e Anônimo. Já fui bem mais impaciente e intolerante, mudei um pouco com a idade, mas também ainda tenho que me segurar às vezes – até porque eu puto da cara não é algo bonito de se ver -, e, para não me estressar demais com pombos cagando no tabuleiro, acabo me afastando e convivendo com certas pessoas apenas o estritamente necessário.
Anônimo
Pombo por pombo, sou mais o Coach de Osasco.
Ao invés de fazer merda como outros pombos, ele ajuda a evitar merdas.