Anônimos?
Sally e Somir não tem vontade de se revelarem além dos textos que escrevem, mas ao pensar no que aconteceria se deixássemos de ser anônimos, discordam sobre as consequências para o material produzido aqui e a comunidade que se formou. Os impopulares especulam.
Tema de hoje: seria bom para os leitores se Sally e Somir revelassem sua identidade?
SOMIR
Não. Existem formas diferentes de ser anônimo: a que o cidadão médio trata como medo de aparecer ou forma de esconder crimes; e a que eu costumo achar uma das coisas mais interessantes da internet, a capacidade de explorar apenas suas ideias sem a poluição de complicados rituais de socialização.
Por isso que eu gostava dos fóruns de antigamente, do começo das redes sociais com os “fakes” e ultimamente até mesmo os chans: é o ser humano sem aquelas convenções sociais todas. Desde pequeno eu notei que as pessoas eram diferentes quando lidavam só com você ou quando tinham uma plateia. Geralmente eu gostava mais das pessoas quando elas estavam sozinhas.
As conversas eram melhores, menos pose, menos competitividade aleatória… pessoas eram muito menos cansativas quando não estavam se importando com sua imagem diante de um público. E com o passar do tempo, fui percebendo que gostava mais dessas “pessoas isoladas” porque elas eram mais únicas nesse contexto.
Parece que quando estamos sendo vistos por várias pessoas, temos um instinto de nos moldar ao ambiente, uma espécie de menor denominador comum de humanidade. Quanto mais pessoas num grupo, mais genéricas elas se tornam. E prestando atenção, eu percebi que tinha essa tendência também. Não era necessariamente vontade da pessoa, mas um mecanismo evolutivo: faça parte do grupo.
Pode ter diversas funções úteis na vida em sociedade, mas cá entre nós: pessoas genéricas são mais chatas e previsíveis. E meu foco de atenção não é lá essas coisas. Por isso, a internet teve um efeito poderoso em mim, quando as pessoas se expressam sem a máscara social, elas tendem a ser muito mais interessantes e únicas.
Sem uma “pessoa real” cuja imagem você precisa manter, as ideias correm soltas. Para o bem e para o mal, é claro. Anonimato faz com que muita gente coloque pra fora as coisas mais horríveis que tem dentro de si. Eu entendo quando as pessoas se preocupam com o anonimato na internet, mas acho que é o preço que se paga, assim como liberdade de expressão: para ouvir coisas boas, você precisa ouvir as ruins também.
Tudo isso para explicar por que ainda acho importante sermos anônimos no Desfavor: é mais a ideia e a separação entre ser ideológico e social do que propriamente preocupação com privacidade. Tem algo inconsciente e incontrolável que faz com que pessoas anônimas deem aquele passo a mais nas próprias ideias do que quem está exposto. É uma versão daquela conversa entre duas pessoas sem plateia, a que eu sempre achei mais interessante.
Não precisa querer fazer pose ou ter vergonha de se expressar, o simples fato de você ser uma pessoa ao invés de uma ideia flutuante na internet mexe com a forma como você pensa. E eu acredito que muito do que o Desfavor é tem essa raiz… internet raiz… onde as pessoas ainda não viviam de aparências virtuais. Se você for mais novo, talvez nem tenha pegado uma internet que não era obcecadas por selfies cheias de filtros.
Onde as pessoas conversavam e se xingavam obrigatoriamente pelas ideias expressadas, não pelo o que se pareciam. Menos bandeiras e mais humanidade, por incrível que pareça. É como se toda interação fosse entre duas pessoas certas de que não teriam repercussão negativa, então elas iam muito mais longe, e com muito mais honestidade.
As pessoas ainda eram umas antas em média, mas não era o concurso de Miss das redes sociais modernas, onde a maioria das pessoas só interage de acordo com o que acham que vai gerar aceitação. Até os escrotos modernos são carentes desesperados por aprovação. Tinha algo de especial de vir para internet falar merda e a vida fora dela continuar como se nada.
Mesmo que na vida real nem Sally nem eu sejamos muito diferentes nas posições políticas que apresentamos aqui, eu ainda acho que é uma porta que se abre uma vez e nunca mais se fecha. A pureza intelectual do anonimato não volta.
Não vejo nenhuma vantagem prática, porque nosso conteúdo tem zero dependência da nossa aparência ou estilo de vida, mas existe sim o risco de mudar algo quase que inconsciente no desenvolvimento das nossas ideias. Seja o risco alto ou baixo, para que arriscar? Se meu nariz é grande ou pequeno tanto faz quando eu falo de inteligência artificial ou de política, ainda menos se eu ofendo alguma religião, afinal… tem gente bem louca por aí.
Eu acredito que mesmo sem ser nossa intenção, pioraria a qualidade dos textos e dos leitores médios. Público que caga e anda para quem somos e se conecta com as ideias expressadas é uma raridade, e conhecendo esse público (sou parte dele), sei que ele não gosta de dividir espaço com quem tem interesses mais superficiais.
Então não. O que puder melhorar nosso conteúdo é bem-vindo, o que não tiver vantagem nesse sentido e criar elementos externos às nossas ideias na hora de lidar com os textos só tende a causar problema.
Prefiro ser anônimo pelo bem do conteúdo.
Para dizer que vai pedir desconto na mensalidade, para dizer que eu só posso ser feio, ou mesmo para dizer que nem tinha se tocado que éramos anônimos (gostei de você!): comente.
SALLY
Seria bom para os leitores e para o Desfavor que a identidade da Sally e do Somir se tornasse pública?
Sim, para o leitor seria bom, só seria péssimo para a gente mesmo.
Já temos uma relação com o leitor e um conteúdo estabelecido que não muda, independente da nossa imagem vir à tona. Depois de 15 anos, ninguém vai dar mais ou menos credibilidade ao que escrevemos pela nossa aparência. Já passamos dessa fase. O problema é que poderia ser ruim para a gente, pois stalkers e haters poderiam passar a atuar em esferas da nossa vida que não gostaríamos, como na profissional e familiar. Só isso.
Ninguém lê o Desfavor por causa dos autores, nós somos secundários, o “produto” que se oferece aqui (por mais que não seja monetizado, não deixa de ser um produto) é o conteúdo. É ele quem fala mais alto.
Justamente por ter esse caráter secundário, nossas identidades não impactam o blog. Se aparecerem, será um bônus para o leitor, que poderá ter acesso à gente fora daqui e quem sabe construir uma relação mais próxima, desfrutar do que escrevemos em outros lugares ou até encontrar pontos em comum conosco e trocar uma ideia sobre isso. Para o Desfavor? Zero impacto negativo.
Muito pelo contrário, acho até que o impacto para o Desfavor seria positivo, pois o leitor veria o quanto de verdade tem aqui.
Até entendo que poderia ser um problema de afetasse nossa credibilidade, por exemplo, se o leitor descobrisse que somos uma equipe de dez pessoas que escreve se fazendo passar por um personagem. Não é o caso, somos de fato duas pessoas que correspondem exatamente ao que está aqui. Que diferença faz nossa cor de cabelo, nosso rosto, nossa altura?
Desfavor não é nichado. Se fosse, eu também entenderia o impacto da verdadeira identidade. Por exemplo, é natural que se questione a credibilidade de quem quer te ensinar algo que não consegue colocar em prática na própria vida, como um blog de finanças cujos autores estão endividados. Não é o caso, nós não levantamos nenhuma bandeira, não vendemos curso e não nos dizemos especialistas em porra nenhuma.
Também poderia ser um problema se nossa identidade revelasse junto segredos sórdidos, como por exemplo se descobrir que Somir responde a processo por estupro ou eu por estelionato. Não é o caso novamente, ficha limpíssima, ambos. Somos tão normais, que chega a ser sem graça. Levamos uma vida tão comum que chega a ser desinteressante como entretenimento. E está certíssimo, vida pessoal não tem que ser entretenimento para ninguém.
Não vejo como revelar nossas identidades pudesse ser prejudicial para o Desfavor, por um motivo simples: sempre formos coerentes. O que escrevemos sempre espelhou o que pensamos, o que queremos, o que somos. A maior prova disso é que, por caminhos variados, diversos leitores já nos encontraram e ninguém se decepcionou com o Desfavor por causa disso.
Eu tenho muita confiança no que a gente faz aqui. Apesar da maior parte das pessoas medir o sucesso de um projeto pelo seu retorno financeiro, eu considero o Desfavor um sucesso, dentro do que eu queria que ele fosse. Nunca foi sobre dinheiro. Sempre foi sobre reunir pessoas que pensem como nós, sobre criar um ambiente sem lacração e sobre aprender juntos, compartilhando conhecimento, vivências e até fracassos.
Achar que tudo isso vai ruir se um dia a minha cara se tornar pública é ter muita pouca fé no que construí. Achar que 15 anos de informação, conhecimento e opinião gratuitos vão perder seu mérito se uma foto minha for conhecida é subestimar demais tudo que fizemos.
Você pode não gostar do Desfavor, você pode não concordar com o Desfavor, você pode até desprezar o Desfavor mas eu duvido que nesses 15 anos ao menos um texto daqui não tenha o potencial de te ajudar. Serviu para uma pessoa se vacinar? Serviu para uma pessoa se sentir menos bosta? Serviu para uma pessoa dar risada? Valeu. E o benefício alcançado não se desfaz só pelo leitor conhecer meu nome e minha cara.
Desfavor continua disponível para quem quiser ler, com infinito conteúdo e inúmeras ferramentas que podem (não disse que vão, disse que podem) ajudar muita gente. E nada apaga isso. Nada apaga a quantidade de pessoas que de alguma forma já se beneficiaram do nosso conteúdo. Mesmo que amanhã o Desfavor desapareça, ainda assim, nada apagará tudo que disponibilizamos e como isso impactou cada leitor. Muito menos se nossas fotos e nomes aparecerem.
Sério, a gente é essa merda que está aqui mesmo, sem tirar nem por. Se nossas identidades vazarem, vocês só terão o plus de conhecer nome e cara. Só isso. Nada muda para vocês ou para o Desfavor. Já para a gente… pensa numa danação…
Felizmente não somos tão relevantes e ninguém tem interesse em nos encontrar. Vida que segue.
Para dizer que vai parar de ler se não for com a nossa cara, para dizer que já viu foto nossa (será que viu mesmo?) ou ainda para dizer que todo mundo caiu no conto da Sally Somir loirinha: comente.
J. M. de S.
É melhor não. Dá mais liberdade! Eu já conheci um deles pessoalmente, acho que as portas não estão fechadas a isso. Em time que está ganhando, não se mexe.
Sally
É que para muita gente não somos um time que está ganhando… hahahahahahaha
Ricardo Brambati
Obrigado pelo conteúdo. Quando leio, é como ouvir um locutor de rádio por anos desconhecendo seu rosto. O que é ótimo.
Anônimo
Prefiro que continuem anônimos. Eu gosto de vcs e do blog e fico preocupada de alguém descobrir e expor vcs e suas famílias, os riscos que isso traria. Sabe como né, nada mostra mais como uma pessoa é virtuosa e boa do que perseguir e destruir a vida de alguém.
Anônimo
Pros leitores seria só uma curiosidade revelada, mas pros autores seria bem perigoso. Metem o pau em políticos com força, essa raça é perigosa, iam querer matar vcs rapidinho. Não mete essa que o site é irrelevante porque não é. Muita gente lê aqui e comenta com mais muita gente e político filho da puta detesta isso, tanto detesta que quer regular tudo que é postado até em redes sociais.
Sally
Não acho que a gente tenha tamanho para incomodar ninguém…
Só Zé Cu faz ameaças por aqui.