Divisão nas tarefas.

Cuidar de uma casa demanda tempo e esforço. Quando se mora junto com outra pessoa, presume-se que essas tarefas serão divididas. Nisso Sally e Somir concordam, mas como dividir? Isso dá confusão. Os impopulares trabalham (se quiserem).

Tema de hoje: qual é a melhor dinâmica para pessoas que moram na mesma casa: divisão de tarefas por tema ou por demanda?

SALLY

Explicando melhor: dividir por temas seria distribuir tarefas fixas com base no que a pessoa mais gosta de fazer (lavar louca, cozinhar, etc.). Por demanda seria distribuir tarefas conforme as necessidades vão aparecendo. Basicamente tarefas fixas x tarefas diariamente redesignáveis.

Eu prefiro tare fixas, quero saber exatamente o que vou ter que fazer no mês inteiro para me programar para isso. Essa coisa de cair tarefa no colo no dia ferra meu cronograma. Sem contar que acho uma enorme perda de tempo gastar saliva diariamente para definir quem vai fazer o quê. Quanto menos decisões eu der para o meu cérebro, melhor ele funciona naquilo que realmente é importante.

Todo mundo tem predileções de tarefas domésticas. Bem, talvez predileções seja muito forte, todo mundo tem algo que odeia menos, já que qualquer coisa que você faça todo santo dia eventualmente vai te encher o saco. Minha predileção é cozinhar, meu pavor extremo é limpar banheiro.

Percebam que para limpar o banheiro, é só pegar os produtos de limpeza que você tem na casa e limpar. Para cozinhar, é preciso comprar os ingredientes que você quer (já que a maioria é perecível e não dá para comprar uma vez por mês), lavá-los, descascá-los, temperá-los, e só depois prepará-los. Se for definido no dia que é minha vez de cozinhar, minha manhã fica indisponibilizada nesse processo de comprar e preparar ingredientes.

Porém, se eu sei que sou eu quem cozinha de forma fixa, já deixo tudo mais ou menos preparado, principalmente nos dias em que eu sei que serão mais movimentados. Ter tarefas fixas me permite otimizar meu tempo e deixar as coisas “pré-prontas” quando o tempo estiver curto.

Sem contar que me poupa da negociação diária sobre o que cada um tem que fazer. Nem me refiro a brigas ou embates, mas a gastar uma tomada de decisão com algo que é irrelevante. Ter que pensar “tem isso e isso para ser feito, o que eu prefiro? O que se adapta melhor ao meu dia?”. Poucas coisas me irritam mais do que ter uma demanda surpresa no dia. Minha vida é planejada, se não, não cabe tudo que eu faço dentro dela.

Além disso, cada um faz as coisas de um jeito. Se você sempre lava a roupa, você provavelmente vai ficar bom nisso, por repetição. Se você cozinha todo dia, a mesma coisa. Mas, se pulverizamos tarefas salpicadas entre os membros da casa, ninguém fica bom em nada e cada dia as pessoas têm que lidar com um tempero diferente, com um estilo de arrumação diferente… acho confuso.

Tem ainda a questão do tempo. Não é justo distribuir tarefas sem levar em consideração o tempo: uma pessoa cozinha (e se cozinhar comida de verdade, gasta, em média, duas horas) e a outra tira o lixo da casa (papo de 30 segundos). Não dá, né? O certo é calcular quanto tempo uma tarefa fura em média e distribuí-las de modo a que todos tenham mais ou menos o mesmo tempo de ocupação. Agora imagina fazer esse cálculo todo santo dia, de acordo com as pendências…

Ainda tem o fato de que existem pendências diárias. Todos os dias temos que comer. Todos os dias temos que lavar a louça. Todos os dias temos que jogar o lixo fora. Por qual motivo vai se pensar diariamente quem vai fazer uma tarefa que já se sabia ser diária? Se todos os dias aquilo será necessário, é melhor deixar alguém encarregado daquilo.

E eu sinceramente não acredito que pessoas tenham “vontades” diferentes de acordo com o dia. Eu jamais, nunca, em tempo algum vou acordar com vontade de lavar o banheiro. Na real, tarefa de casa ninguém nunca tem vontade de fazer, a gente faz porque tem que fazer, porque é muito caro pagar para que alguém faça pela gente ou porque a bagunça é ainda pior do que a tarefa em si. São obrigações. Não é uma série, que você escolhe de acordo com seu ânimo do dia.

Ainda tem a questão subjetiva de quando é necessário executar uma tarefa. Se a pessoa responsável por trocar os lençóis e toalhas achar que não estão sujos ela não vai trocar? Se a pessoa responsável por limpar o banheiro achar que ele está limpo ela não vai limpar? Não é assim. Tem que trocar lençol e toalha no mínimo uma vez por semana. Tarefas de casa precisam ser fixas, com periodicidade estabelecida, se não todo mundo protela e não faz.

Se você vive em uma casa na qual só se lava roupa quando não tem mais roupa limpa para vestir, que só se troca toalha quando ela tem cheiro de cachorro molhado e que só se varre o chão quando sente que está pisando em sujeira, talvez esse esquema por demanda sirva para você, pois você espera a demanda chegar. Na minha concepção de administração de um lar, a ideia é fazer uma manutenção justamente para que a demanda não chegue.

Quando a pessoa tem tarefas fixas, as chances de que ela possa cumpri-las é muito maior. Uma pessoa sabe que tem que limpar banheiro, varrer a casa e lavar louça. Se essa pessoa sabe que os próximos dias serão muito atarefados, ela pode varrer a casa na noite anterior, ela pode lavar o banheiro no final de semana, antes da semana começar. Se as tarefas só são distribuídas quando surge a demanda, pode ser que a pessoa não consiga conciliar a obrigação com a sua agenda.

E, por fim, o fator humano. Todos nós temos dias ruins, todos nós temos dias de péssimo humor, todos nós temos dias nos quais nos sentimos sobrecarregados e injustiçados. Distribuir tarefa por demanda é pedir para dar merda: quanto menos combinados, negociações e acordos precisarem ser feitos, melhor para qualquer convivência. Define de uma vez o que cada um vai fazer de forma fixa e segue a vida, é muito melhor. E, caso algum dos envolvidos queira rever a distribuição de tarefas, os envolvidos sentam e conversam.

Descompliquem a própria vida, tudo que pode ser definido uma única vez é mais fácil.

Para dizer que prefere que os outros façam, para dizer que não é caro contratar quem o faça (fora do Brasil é sim) ou ainda para dizer que casou justamente para ter quem cuide da casa sem remuneração: comente.

SOMIR

Meu coração me diz que a divisão certa é a mulher fazer. Mas aí eu lembro que eu não ganho o suficiente para sustentar uma mulher confortavelmente, então meu lado machista sossega. Ridículo esperar isso de mulher que precisa trazer dinheiro para casa. Em condições normais de finanças e pressão, eu acredito muito mais divisão por demanda. Faz o que precisa fazer sem ficar cagando regra.

Presume-se que sejam dois (ou mais) adultos vivendo juntos. Criança faz só o que é mandada fazer e idoso (num mundo ideal) faz só o que tiver energia e paciência para fazer. Adultos tem que pensar na manutenção da casa constantemente, são a última linha de defesa na funcionalidade da casa.

Por isso eu vivo nesse padrão de produção por demanda e acho totalmente válido se a pessoa que vive comigo pensa do mesmo jeito. A casa vai estar tão arrumada quanto as pessoas que vivem nela conseguem fazer. Não que querem fazer, mas que conseguem fazer. Infelizmente a opção de ter alguém fixo em casa cuidando das coisas desapareceu na maioria das famílias, então está todo mundo pressionado pelo trabalho.

Se você está vivendo com uma pessoa que precisa ser mandada arrumar as coisas e manter higiene na casa com regras rígidas, você está com um problema bem maior que uma cozinha suja. Pessoas que não tem noções mínimas de organização e manutenção da casa normalmente estão com a vida muito cagada em outros pontos. Muitas vezes é saúde mental deficitária mesmo.

Eu acho até positivo deixar a coisa rolar sem regras para ver como as pessoas estão de verdade. Eu já tive fases bem ruins e isso se refletiu diretamente na minha capacidade de manter as minhas coisas funcionando. Bagunça é um dos meus avisos para revisar o que acontece na vida. Uma casa com pessoas funcionando bem mentalmente normalmente fica mais bem organizada naturalmente.

E aí, caso as coisas estejam bem, eu acredito de verdade que o resto funciona. Você fica incomodado e se mexe quando algo está sujo ou bagunçado. Se você deixar rolar, as pessoas começam a fazer o que funciona melhor com a cabeça e a rotina delas.

Planejamento é algo saudável, claro, mas existem algumas sutilezas no processo: como pessoa que vive fazendo planejamentos, eu percebo que basta você colocar as ideias em ordem que a maioria das pessoas topa. Não porque acham melhor, mas porque por algum motivo isso é muito cansativo mentalmente para a maioria. E depois de toparem, o risco de não fazerem direito continua sendo alto.

Se você me chamar para planejar alguma coisa, em cinco minutos você sai com uma série de passos para a paz mundial, e vai parecer super lógico. Mas o meu ponto forte é ser persuasivo nesse tipo de argumento. Com o tempo eu percebi que só dar o planejamento não é o ideal para que as pessoas consigam fazer. É fácil concordar com o plano racional, mas fazer é que são elas.

Por isso, comecei a acreditar mais em ver como as pessoas reagem diante das situações e adaptar planos ao redor disso. Sally é ponto fora da curva nesse ponto: ela não aceita o seu planejamento automaticamente, mas depois que aceita, periga dela morrer tentando realizar. Com ela pode funcionar bem esse sistema de planejamento prévio, porque ela vai fazer. Mas não acho que seja a média.

Deixa a coisa se desenrolar um pouco para saber onde está o ponto de aperto no outro. Eu vou fazendo as tarefas que acho importantes na ordem que acho importante, e vou apenas observando o outro. Se a pessoa tiver uma noção de organização e limpeza parecida com a sua, as coisas vão rodar tranquilamente. Se a pessoa for mais exigente que você, mal não faz, dá um pouco mais de trabalho, mas a casa fica ainda mais bacana de viver.

E se a pessoa tiver um nível de exigência mais baixo, ou pior, muito mais baixo, aí faz mais sentido você calcular o quanto vale a pena conviver com ela debaixo do mesmo teto. Existem alguns padrões mínimos de arrumação e higiene, vulgo encontrar o que precisa encontrar na maioria das vezes e não ter nenhuma infestação de insetos, acima disso é basicamente acordo tácito sobre até onde vocês vão.

Não adianta ficar criando planos se o outro simplesmente não se importa com o mesmo grau de cuidado da casa que você, vai ser artificial, tipo o religioso não matando por mesmo de punição divina. Se a pessoa não entende internamente por que algo é importante, dificilmente vai mudar. Se as pessoas da casa não estão sofrendo por bagunça e sujeira, você provavelmente achou o ponto de equilíbrio. Se você ou outros estão sofrendo, não vai ser uma divisão de trabalhos que vai fazer a pessoa falhando deixar de falhar.

Planejamento é excelente, mas com a maioria das pessoas, ele é um processo continuado. Tem que ser alterado até bater com a capacidade real de entrega das pessoas envolvidas. Em tese todo mundo aceita uma divisão de tarefas considerada igualitária, mas na prática a pessoa só vai fazer de verdade aquilo que ela acredita que é importante. Até porque, novamente, a maioria de nós tem que trabalhar e colocar a manutenção da casa em segundo plano.

Vamos colocar nela a energia que temos, e para usar melhor essa energia, nada melhor do que deixar as pessoas se assentarem nas funções que mais combinam com elas. Somos adultos, podemos nos organizar, certo?

Para me dizer que eu devo ser relaxado com a casa (para a Sally sim, para você eu duvido), para dizer que libertarianismo sempre termina em estradas esburacadas, ou mesmo para perguntar quanto eu ganho para ver a viabilidade de ser dona de casa: comente.

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Comments (8)

  • Fazer de acordo com a necessidade aparente só dá certo se a pessoa tem uma rotina pré fixada com periocidade e hábito de limpeza constante.

    Em resumo, só dá certo em teoria. Na prática terão várias áreas com a higienização deficitária.

  • Aqui em casa a gente tem faxineira, mas ela só vem de vez em quando e faz o serviço mais pesado nos cômodos comuns. Prefiro limpar e arrumar as “minhas” partes da casa eu mesma, um pouquinho todos os dias, para que elas nunca fiquem sujas e eu saiba onde tudo está.
    Morando sozinha, eu gostava de planejar. Mas não planejava com muita rigidez, especialmente na época em que passava 18 horas por dia ocupada. Nesses momentos da vida, a gente faz o possível porque o bom não pode ser inimigo do ótimo. Em tempos mais normais, era coisa de tarefas pequenas uma vez por dia e tarefas maiores em algum dia do fim de semana.
    Acho que depende de você e das pessoas com quem você mora, tem gente que não consegue seguir planos a risca. E as pessoas têm tolerâncias diferentes pra bagunça. Se não sentar e chegar num acordo, a pessoa com menos tolerância acaba fazendo tudo sozinha, por isso acho que planejar é melhor.

  • Por tarefas. Eu não sou casada, nem namoro, mas convivo com parente, então, a divisão é feita pelas aptidões de cada um.

    Claro, a gente vai fazer o que precisar ser feito, mas quando quem é melhor em tarefa x, faz a tarefa x, provável que não vai demorar, não ficará faltando alguma coisa, não ficará incompleto ou “razoável” como se fosse só um quebra galho.

    A maior desvantagem, pra mim, é que você desacostuma com as tarefas que não faz com frequência.

    • Nossa, verdade. Ainda mais se a tarefa é “postergável”, como passar roupas. Eu sempre falava que elas iam desamassar no corpo e deixava pra depois, até perceber que nunca tinha aprendido a passar direito e queimar um conjunto que adorava. Fora que algumas peças são bem difíceis de lavar, algumas precisam ser limpas a seco… meu sonho é voltar a morar praticamente ao lado de uma lavanderia.
      Sempre terceirizei o cuidado com peças mais frágeis ou mais difíceis de lavar e passar, depois mudei para um lugar em que a única lavanderia fica bem longe e agora estou até evitando usar as roupas de seda e de couro hahahaha

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