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Colunas

Uso extremado.

A Polícia Federal foi acionada para investigar usuários que acessaram o X após o bloqueio, determinado no último dia 30 de agosto. Essa apuração visa identificar aqueles que fizeram “uso extremado” da plataforma durante o período de bloqueio. O monitoramento decorre de uma decisão de Moraes, proferida após pedido da PGR. LINK


E por “uso extremado” eles podem definir o que bem entenderem. Democracias não deveriam funcionar assim. Desfavor da Semana.

SALLY

A palhaçada continua. Por sinal, a palhaçada tá até difícil de acompanhar.

Esta semana o Twitter voltou para o ar como se nada, com muita gente afirmando que agora seria impossível de derrubar. Depois saiu do ar como se nada, com muita gente dizendo que seria impossível que retornasse. Em pouco tempo, pequenas bolhas de boatos se espalharam por muitos lados, todo mundo cheio de certezas, todo mundo nervoso ao extremo.

Alexandre de Moraes, entre outras coisas, determinou que a Polícia Federal monitore o uso do Twitter e passe um “pente fino” para detectar o “uso excessivo” da rede social. E reforçou que a multa de 50 mil reais por dia por acessar a rede com VPN ou qualquer outro meio que burle a proibição está valendo.

Lá vamos nós… Segundo o Ministro os “casos extremos de uso do X” devem ser “monitorados” e podem ser punidos. Novamente os conceitos abertos, usados para vigiar e punir. O que é um caso extremo? Basicamente aquilo que Alexandre de Moraes e o STF entendem que é um caso extremo.

Pelo sistema jurídico brasileiro, a aplicação desse tipo de norma dependeria de uma lei que complemente a definição, exemplificando ponto a ponto o que se considera “extremo”, sem deixar qualquer margem, brecha ou dúvida para interpretação. Mas, quem se importa? Mais uma decisão que ataca completamente o sistema jurídico brasileiro. Virou rotina.

Quando falamos que não é só sobre o Twitter, não é nada metafórico ou poético. Não é mesmo. Molharam os pés para ver se dava para fazer e, agora que viram que dá, estão mergulhando de cabeça. Por exemplo, o STF avalia ordenar ao Google a quebra do sigilo nas buscas realizadas no site por usuários do Brasi. Isso mesmo, eles querem saber quem está procurando o quê, de acordo com a vontade/necessidade deles. On demand. Vigiar e punir, gostoso demais.

Então, já deu desse discurso de “eu não uso o Twitter, não me diz respeito”. Não é mais sobre o Twitter. Não é sobre Elon Musk. Muito menos sobre a lei. Já deixou de ser sobre uma plataforma, sobre um tribunal ou sobre qualquer coisa externa. É sim obrigação cívica de todo mundo se informar e se posicionar de forma clara sobre o que está acontecendo.

Tenho a impressão de que, pelo percurso acidentado, todo esse imbróglio virou um amontoado de problemas empilhados que se uniram em um Megazord de danação social. Quem acompanhou desde o começo e tinha um pingo de cognição, até tem uma vaga ideia de onde está pisando, mas quem perdeu esse trem… acho que não recupera mais. E isso é um perigo.

Não entender como funcionam as leis, os direitos e os deveres está fazendo o povo colapsar. Pessoas confundindo canetada de juiz com lei e repetindo vergonhosamente que “a lei tem que ser cumprida”, pessoas sem entender abuso de poder e como se proteger dele e pessoas pegando trechos esparsos e fora de contexto de leis e citando como se fosse com pertinência.

Esse é um problema antigo do brasileiro: desconhecimento mínimo da lei, da estrutura de poder e do funcionamento do Estado Democrático de Direito. E arrogância de achar que algo que demanda mais de cinco anos de faculdade para aprender pode ser compreendido, interpretado e aplicado por um leigo com base em algumas linhas de leitura.

Mas agora, esse problema antigo combou com outro da mesma natureza: o desconhecimento digital. A falta de compreensão não apenas de como as leis do país regem o mundo online, mas de como ele funciona fisicamente. E quando a ignorância amontoa, empilha, aglomera, as consequências são sempre deprimentes: medo e certezas se alternam em um frenesi de dar pena.

Gente que não entende regras e dinâmica online opinando sobre o que vai acontecer no que diz respeito a regras e dinâmica online. Gente que fala do Twitter como se fosse uma chave de luz, que você clica em um interruptor e desliga. Gente que fala da fiscalização da Polícia Federal por uso de VPN como se ela pudesse fazer um download de uma lista pronta em dez minutos.

E essa segunda falta de compreensão afeta os tribunais brasileiros. Gente que está decidindo o futuro do país sem compreender como funciona a dinâmica online. Decisões grotescas, inexequíveis e até contraproducentes por total falta de compreensão dos que decidem.

Não é como se fosse algo inevitável, é fruto de arrogância mesmo. Nenhum juiz do mundo tem capacidade para decidir sobre todos os assuntos. É por isso que quando qualquer processo envolve questões técnicas que escapam à compreensão de pessoas sem formação específica se nomeiam peritos nessas questões para que eles assessorem os juízes nas suas decisões.

Mas, se a pessoa acha que sabe tudo ou se a pessoa quer calar a boca dos outros “custe o que custar”, não se recorre a um perito ou, se recorre, o ignora. Quando a meta não é justiça, e sim encontrar uma forma de proibir isso, encontrar uma forma de silenciar aquilo, pouco importa a parte técnica. As decisões são tomadas de trás para frente: a que conclusão eu tenho que chegar para que seja plausível esta proibição? A decisão está tomada, o perito só cata informações que possam embasá-la.

E se nem os excrementíssimos entendem, imagina o povo como está. O povo perdeu a noção do que está acontecendo e do que pode acontecer. Tem gente achando que pode ser presa, tem gente achando que o Brasil vai acabar, tem gente achando que nada vai mudar. E estão todos errados e sem parâmetros.

A falta de compreensão de tudo gerou tantas camadas que o ruído envolvendo o evento ficou insuportável e com ele, veio o medo.

Medo puro, pela incompreensão. Medo plantado por pessoas medíocres que se sentem poderosas quando percebem serem capazes de despertar essa reação nos outros. Medo autoimposto, de pessoas que têm um ganho secundário enorme em se sentirem vítimas, mártires ou perseguidos. Todo tipo de medo.

O que vi essa semana foi o melhor exemplo de “efeito manada” online. Pessoas perdendo completamente qualquer resquício de cognição, discernimento e dignidade. Pessoas sem saber o que está acontecendo e assustadas demais para se acalmar e absorver uma explicação. O brasileiro nunca entendeu muito bem as coisas, mas agora… está de parabéns.

É a ignorância empilhando por cima da ignorância, gerando o medo empilhado por cima do medo. Isso, meus queridos, transcendeu o Twitter. Este caos cognitivo e emocional generalizado me parece um novo sentimento que está aparecendo no Divertidamente versão Brasileiro Médio. E vai ter consequências. Façam suas apostas.

Ao leitor, tudo o que pedimos é calma, serenidade e discernimento. Aos poucos vamos entender essa nova realidade juntos.

Para dizer que não tem nada acontecendo (tem sim), para dizer que tá tudo acontecendo (não tá não) ou ainda para dizer que na sua bolha tá tudo normal (já já vai chegar em você): comente.

SOMIR

A democracia é irritante. Não tem como dar a volta nesse ponto: todo sistema que precisa acomodar a vontade de muitas pessoas diferentes ao mesmo tempo vai gerar atritos. Vamos ficar incomodados com o outro. Todo mundo tem seu “ditador interno” que quer que as pessoas parem logo de encher a paciência e façam o que sabemos que é a coisa certa.

Depois de milênios de cicatrizes de sistemas autoritários, uma boa parte do mundo aceitou aguentar a democracia para evitar coisas piores ainda. Vivemos numa dessas partes. Estado Democrático de Direito, ou seja, tem hierarquia e regras, mas elas são baseadas na vontade da maioria do povo. Não é meu objetivo aqui dizer que tem soluções mágicas para agradar todo mundo e que o sistema pode existir sem fricção, mas existem jeitos melhores de lidar com a democracia.

E jeitos piores. Os pedidos explícitos por ditadura de uma boa parte da direita bolsonarista nos últimos anos criaram em Alexandre de Moraes um vilão e um herói da democracia, ao mesmo tempo. O resto do STF tem culpa no cartório por referendar decisões bem estranhas do ministro, mas a coisa personalizou em Moraes de tal forma que muitas vezes se discute a luta dele contra outra pessoa, como foi contra Bolsonaro e como é contra Elon Musk. Como se ele não fosse um funcionário público com obrigações e limites bem definidos.

Se você acredita nessa mentira que ele é algo mais do que um servidor, começa a perder a noção dos abusos cometidos por ele. Alexandre de Moraes não foi eleito pelo povo para mudar nada no Brasil. Nem mesmo presidentes, que são eleitos baseados nessa ideia, podem mudar tanta coisa assim. Existem regras, existem limites.

Se ele quiser lutar contra Elon Musk, marque uma disputa no boxe. O trabalho dele não é esse. Esse monstro criado pelas circunstâncias de milhares, talvez milhões de brasileiros imbecis pedindo para ter menos direitos, agora corre solto por Brasília, tomando decisões mais antidemocráticas com o passar do tempo.

É importante lembrar que a fagulha que começou o incêndio foi a decisão horrenda de mandar derrubar perfis de pessoas para que não se comuniquem mais. Censura prévia. O Brasil tem leis para punir pessoas querendo derrubar a democracia, e não acredito que essas pessoas devam ser anistiadas de forma alguma. Foi lá tentar dar golpe de Estado, mesmo sendo burro o suficiente para não entender o que estava fazendo? Senta e chora, porque tem lei prevendo punição.

Só que a restrição do Twitter/X em derrubar os perfis tem lógica na legislação brasileira: ninguém pode ser impedido de se expressar, porque não existe crime teórico. Ou a pessoa fez e é culpabilizada, ou não fez e é inocente. Cabe a Elon Musk decidir que ordem judicial brasileira seguir ou não? Não. Mas é aqui que vemos as fundações instáveis desse arranha-céus de insanidade jurídica.

Começou errado, não tinha como continuar direito. Trocadilho intencional. O que vemos agora é o Judiciário brasileiro dobrando a aposta em exigências menos e menos democráticas para não ter que lidar com a falha fundamental na sua lógica. Já vimos toda a bizarrice de cobrar de uma empresa com sócios diferentes as multas de outra. Agora vemos Alexandre de Moraes e o STF avançando para cima do povo.

Democracias só funcionam porque as regras são as mesmas para todo mundo. E regras que valem para todo mundo tem que, por definição, serem baseadas em fatos sólidos, visíveis e compreensíveis para o cidadão médio. Por isso não existe crime de ser babaca ou escroto, porque nem todo mundo vai enxergar as coisas do mesmo jeito. Matar e roubar são crimes que geram fatos, falar merda na internet não.

Sim, eu também sou contra essa gente que espalha notícia falsa e fica pedindo por ditadura no Brasil, eu quero que elas calem a boca e parem de atrapalhar, mas grandes coisas lutar contra elas abrindo todas as brechas para uma… ditadura. Melhor bagunça democrática que ordem repressiva. Quem define o que é ordem pode tomar decisões ruins, e você não tem como escapar dessas decisões ruins numa ditadura.

O jeito mais simples de boicotar a democracia é criar mecanismos de controle baseados em conceitos abertos. O pecado original de tolerar censura prévia contra o inimigo da vez foi se desenrolando até chegar no ponto onde o Judiciário e a Polícia Federal ganharam o poder de punir cidadãos baseados em “uso extremado” de rede social. Algo que não está definido em lei nenhuma. Se não é baseado numa lei, se não tem materialidade técnica definida… é ditadura. Não importa sua intenção.

Precisamos controlar nossos instintos de controle sobre o outro, essa parte da democracia é irritante mesmo. Vai sempre ter gente que a gente detesta fazendo coisas que não queríamos que eles fizessem. E se para pegar essas pessoas aceitarmos entregar nossas liberdades, a porta está aberta para um novo líder usar a mesma brecha para pegar outras pessoas que ele não gosta. Eu não quero dar esse poder para Alexandre de Moraes nem por causa dele especificamente, eu não quero dar esse poder para ninguém… e o mais difícil: nem para mim. Esse é o sacrifício da democracia.

Eu abro mão de um poder totalitário futuro para que ninguém mais tenha. É isso que define um defensor da democracia, não quem ele tolera ou não tolera. Em última instância, todas as regras são inventadas e seguimos porque queremos. Parece de novo aquela imbecilidade de muito religioso que não entende por que o ateu não vive cometendo todos os pecados possíveis e imaginários: o problema está em quem não entende o valor de ser uma boa pessoa fora de uma “obrigação cósmica” vinda de fora.

O brasileiro não entende por que a democracia é a melhor solução, só é obrigado a seguir as regras dela. Assim como o religioso que comete todos os crimes se achar que seu deus não vai punir, o democrata que não entende por que as coisas são assim vai aceitar todo tipo de comportamento autocrático se não achar que vai ser punido diretamente por isso. Sim, não ter regras é mais fácil para o indivíduo, mas é burrice considerando que vivemos em sociedade.

Essa decisão de correr atrás de quem fez “uso extremado” da rede social é uma porta escancarada para comportamentos ditatoriais. A única coisa impedindo injustiças enormes é a vontade de um juiz. O sistema democrático falhou se isso aconteceu. Democracia é sobre você ceder o seu poder para o coletivo, jamais sobre concentrar na mão de uma pessoa a decisão sobre o que é ou não é democrático.

Mas como eu já disse, impossível tirar algo de bom de um processo que começa com censura prévia. Esse é o resultado daquela decisão. Se o Legislativo não fosse tão egoísta e ganancioso, Alexandre de Moraes já estaria enfrentando um processo de impeachment. Pode ter a melhor intenção do mundo, mas está agindo de forma criminosa contra a Constituição que prometeu defender. Ele e os ministros que referendam suas decisões por interesses próprios.

A única certeza nesse processo é que a democracia não é prioridade para ninguém, porque essa gente toda morre antes de aceitar o sacrifício necessário para a manutenção de uma.

Para me chamar de bolsonarista, para dizer que precisamos de ditadura para defender a democracia, ou mesmo para dizer que eles vão só perseguir os mesmos de sempre: comente.

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censura, democracia, política, redes sociais, stf

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