
Benefício do voto.
| Desfavor | Ele disse, Ela disse | 4 comentários em Benefício do voto.
Além das diversas polêmicas sobre a existência de um auxílio governamental para a parcela mais pobre da população, ainda tem algo que é raramente mencionado: esses beneficiados votam, e isso gera conflito de interesses óbvio. Tem como resolver? Sally e Somir vão por caminhos bem diferentes, e os impopulares escolhem qual é o melhor.
Tema de hoje: quem recebe auxílio governamental deveria ter direito a voto?
SOMIR
Sim. Até porque dependendo de onde você traça a linha de auxílio do governo, talvez ninguém pudesse votar. Bolsa Família é a primeira coisa que vem em mente quando falamos do tema, mas o Estado financia muitas coisas que usamos no cotidiano. Desde o sistema de saúde até as ruas nas quais você trafega, é o governo que paga. Conta como auxílio?
Se você disser que paga por esses serviços com seus impostos, não tiro a sua razão. Existe uma diferença entre o que o Estado provém como mera distribuição dos valores cobrados dos cidadãos e os que são mais… deficitários. O brasileiro paga muito imposto em troca de serviços. A pessoa que recebe auxílios como o Bolsa Família dificilmente está contribuindo algo minimamente condizente com o que recebe.
Então sim, eu concedo esse ponto. Mas não o ponto que você necessariamente paga exatamente o que recebe em troca se não for de uma família pobre o suficiente para receber esse auxílio. Pagamos muitos impostos, mas é uma minoria que realmente paga imposto suficiente para empatar ou dar lucro no processo.
Talvez apenas grandes empresas e bilionários realmente paguem mais impostos do que utilizam serviços do Estado na prática. Para a maioria de nós, é uma questão de volume. Explico: você não paga impostos suficientes para alguém asfaltar a rua da sua casa, mas todo mundo que mora ou usa essa rua, se somados, sim.
Se você pensar na comparação do que paga e do que recebe, não pode fazer uma conta simples. A ideia do Estado é unificar o investimento de toda uma população em metas comuns. Você sozinho não vale um milésimo da estrutura da qual se beneficia todos os dias. O Brasil pode ser um país mal administrado e incompetente, mas quase sempre quem mais reclama de imposto é quem tem uma estrutura completa na sua casa. Estrutura de água, energia, transporte, segurança… coisas que você nunca pagaria sozinho.
É de novo um daqueles textos onde eu tento explicar que as coisas não acontecem porque alguém “cismou” de fazer assim. E que a dura verdade é que se tivesse qualquer botão para apertar e melhorar o funcionamento da sociedade, ele já teria sido apertado! A gente definiu que o voto é universal e precisa acontecer algo muito sério para tirar o direito da pessoa… ser criminoso condenado é um motivo, ser intelectualmente incapaz é outro, mas ser pobre não é. Não pode ser. Quebra toda a lógica do que a gente está fazendo.
Todo mundo junta recursos para o Estado distribuir, e a coisa só funciona, minimamente que seja, quando você soma a contribuição de todo mundo e oferece o que ninguém pode pagar sozinho. Você provavelmente é deficitário sozinho. Você acha que alguém vai gastar milhões em equipamentos, mão de obra e planejamento para recompensar os mil reais que você paga de imposto de renda?
Não existe “eu” em sistemas públicos assim. O beneficiário do Bolsa Família é parte de um projeto de uso de recursos públicos diferentes dos que você usa, mas a lógica é a mesma: pegar dinheiro e redistribuir para a sociedade. A autoridade usa o dinheiro do coletivo para fazer o trabalho, e se o trabalho for bem feito ela ganha vantagens na eleição. Enquanto existirem impostos e eleições, somos todos público-alvo de compra de votos. Somos todos beneficiários do dinheiro público administrado por pessoas eleitas.
Por que traçar a linha no programa de distribuição de renda? Porque eles são menos “lucrativos” para o Estado? Você também é meio inútil sozinho, viu? E não podemos esquecer que o trabalho das pessoas eleitas é literalmente pegar o dinheiro arrecadado e dar vantagens para quem votou nelas. O sistema corrupto e o sistema honesto usam a mesma lógica, a diferença é que o sistema corrupto como o brasileiro desvia esse dinheiro antes de virar vantagem para o cidadão.
Eu não sou contra mudar a forma como as coisas funcionam, mas nunca quando é mexer arbitrariamente num sistema. Se tem uma lógica por trás desse sistema, você segue ou tenta mudar. Tirar voto de beneficiário do Bolsa Família é meio como colocar lombadas numa pista de corrida porque os corredores são ruins de volante. Ok, abaixa a velocidade, mas… o que diabos tem a ver com a lógica da coisa? Por que você quer andar devagar na pista de corrida? Por que esses barbeiros estão numa pista de corrida?
Aí o Brasil vai virando esse país de lombadas, com leis de país democrático moderno e invenções malucas que vão contra a ideia original porque o povo está puto com alguma coisa pontual. Lógico que não funciona desse jeito. A gente existe como país seguindo a ideia de que tirar o voto de uma pessoa é a última coisa que se faz. E sim, que chato, inclusive gente que você não gosta e acha incompetente para votar.
Burrice não existe definida em lei porque é conceito variável. Do ponto de vista de quem ganha Bolsa Família, burro é quem não quer um governo que ofereça distribuição de renda. E querer distribuição de renda é totalmente compatível com o conceito de Estado no qual vivemos. Querer saúde universal, educação decente, segurança… a diferença entre quem ganha Bolsa Família e quem não ganha é pequena. E de novo, sinto muito dizer, inclusive intelectualmente.
O brasileiro médio que passa da fase do Lula entra na fase do Bolsonaro. Se queria tirar voto de gente imbecil, qualquer outro fator aleatório daria quase que no mesmo. Se proibir negro de votar, não muda, se proibir branco de votar não muda, se proibir mulher de votar não muda… o povo é analfabeto funcional em quase todas as classes sociais.
Simplesmente não existe solução de curto prazo num país assim. Chega de lombada, são mais de 500 anos fazendo lombada, não deu certo! Os países com altos níveis de IDH tiveram que esperar até a média aprender a dirigir na pista sem se estabacar depois de cada curva. É chato, é desanimador, mas é o único jeito que funciona. Tempo. Consistência. Democracia. Direitos Humanos.
Quer fazer de outro jeito? Azar seu, vai dar errado.
Para dizer que é contra voto em geral, para dizer que você dá lucro para o Estado (deve ser bom ser muito rico), ou mesmo para dizer que no mínimo queria ver o que daria (o Bolsonaro ganharia para sempre, se você acha que isso resolve alguma coisa…): comente.
SALLY
Quem recebe auxílio do Governo deveria ter direito a voto?
Não, pois não é uma pessoa apta para exercer sua cidadania como tem que ser: de forma imparcial e pensando no bem-estar coletivo.
“AIN ABSURDO ELA É HITLEI ELA É ANTI-DEMOCRATICA FASCISTAS NÃO PASSARÃO”. Sossega o cu e lê o texto até o final. Eu sei que a ideia pura, crua, direta cai mal mesmo, pois o direito a voto foi muito romantizado, mas, se você escutar meus argumentos, talvez perceba que não é um cerceamento de direito individual e sim um resguardar de direito coletivo.
Voto é um direito, e como todo direito, pressupõe deveres. Quem não honra esses deveres deve perder seu direito a voto, até que se porte de acordo. Não, não é uma teoria minha, é a lei brasileira.
A premissa de que todo mundo tem que ter direito a voto é essencial em uma democracia, mas isso nunca significou que não existam exceções. E elas já existem. Sim, existe um grande grupo de pessoas impedidas de votar e isso está em total conformidade com a lei.
É o que se chama ter os “direitos políticos suspensos”. Por exemplo, presos condenados de forma definitiva não podem votar. Pessoas condenadas por improbidade administrativa não podem votar. Pessoas com incapacidade civil absoluta não podem votar. Aqueles que estão prestando serviço militar não podem votar. E tem vários outros casos, que não vou detalhar aqui, pois seria tedioso.
O fato é que restringir temporariamente os direitos políticos de alguns grupos é uma prática não apenas autorizada como também encorajada por lei. E tem um fundamento muito forte: algumas pessoas passam por um comprometimento moral ou intelectual que as torna incapazes de escolher com consciência e imparcialidade quem é o melhor candidato para representar a coletividade.
E, na minha opinião, quem recebe auxílio governamental não tem capacidade ou imparcialidade para votar. Por mais que na mentalidade pequena e egoísta do brasileiro seja muito normal votar “em quem eu quero, em quem me beneficia”, não é essa a intenção da lei e não é essa a intenção da democracia. Se vota em quem vai fazer o melhor pela coletividade. E, para tomar essa decisão, a pessoa não pode estar comprometida, imparcial.
Justamente por isso não se permite suborno, compra de voto ou sequer “presentes” de candidatos para possíveis eleitores. É crime. Então, por qual motivo se permitiria que pessoas que recebem dinheiro desse governo todos os meses possam votar? Qual é a diferença do governo depositando na sua conta e do candidato desse governo indo na sua cidade e te entregando o dinheiro na mão? Nenhuma. A diferença é que o Brasil normalizou auxílio governamental, só isso.
Não estou dizendo que uma pessoa que recebe auxílio do governo nunca mais pode votar. Enquanto estiver recebendo auxílio, não vota. Se um dia deixar de receber o auxílio, aí pode voltar a votar. Ninguém pode ser privado de seu direito de voto, desde que conserve requisitos mínimos que a lei exige – e um deles é não receber benefícios materiais do candidato.
Ninguém é obrigado a receber auxílio governamental, mas, se receber, obviamente isso comprometerá a imparcialidade da sua escolha, seu voto está comprado, e, como dissemos, a lei proíbe. Assim como há punição para compra direta de votos, deveria haver para compra indireta.
“Não pode ter nenhuma restrição ao direit…”. Meu anjo, já tem. Um monte, por sinal. Tem mais de um milhão de brasileiros impedidos de votar. E é perfeitamente legal. Escolhe outro caminho, que por esse não dá.
“Mas a pessoa tem que ter o direito de votar em quem ela quiser mesmo que tenha seu discernimento ou imparcialidade comprometidos”. Então tem que mudar a lei, e a dúzia de motivos para a suspensão dos direitos políticos, pois hoje, pessoas com esse tipo de comprometimento são impedidas de votar. Escolhe outro caminho que por esse também não dá.
Vamos pelo caminho do realismo em vez do caminho romântico do que é certo em tese? Me responda algo… Tem dado certo para o Brasil deixar beneficiário de auxílio do governo votar? Me responde. Tem dado certo? Ou votam sempre nas mesmas merdas, nos estrumes que lhes pagam compra de voto parcelada em 12 meses?
Auxílio governamental é uma medida emergencial para tentar garantir uma existência digna enquanto o Poder Público trabalha para assegurar igualdade de condições e oportunidades para todos. Sabemos que no Brasil virou uma medida permanente, uma moeda de troca, uma forma de manter o povo sob domínio. Alguém tem alguma ideia de como se sai disso?
Pode fazer como o Milei e sair cortando, e aí o índice de pobreza vai aumentar, pois são três gerações Nem Nem que não tem qualquer qualificação para entrar no mercado de trabalho pois sempre preferiram receber dinheiro do governo. É o jeito hard de se fazer. E fica o brasileiro choramingando AI MIMLEI AUMENTOU A POBREZA. Suponho que desse jeito vocês não queriam.
Pois bem, tem o jeito gradual de se fazer, que é justamente esse: suspender os direitos políticos dos beneficiários de auxílio governamental.
Se suspender os direitos políticos dos beneficiários, o governo perde o interesse em sair distribuindo auxílio (pago com o dinheiro do contribuinte, sempre bom lembrar) a torto e a direito para consolidar um curral eleitoral. Garanto que passariam um belo pente-fino e só dariam para quem realmente precisa. Sem esse recurso, precisariam fazer algo mais pelo povo para tentar conquistar votos, talvez, com sorte, quem sabe, escolas e hospitais.
Mas Deus no livre disso, né? Na cartilha do Esquerdilson o voto é sagrado, imutável, perpétuo, como se o Brasil fosse um país de primeiro mundo no qual as pessoas não trocam voto por uma dentadura. O brasileiro limpa a bunda com o voto. Só a esquerda cirandeira trata o voto de forma solene e intocável, e provavelmente desconhece a dúzia de restrições que ele já tem.
Quem recebe dinheiro do governo não está apto para exercer seus direitos políticos. É imoral que pessoas sustentadas pelo governo votem. “Mas Sally funcionário público vota”. Vota e trabalha, o dinheiro que ele recebe tem uma contraprestação, muito diferente de ser bancado para ficar em casa.
Não está dando certo. É burrice fazer essa manutenção de uma classe média bancando uma classe pobre com seus impostos. Gera essa desgraça do brasileiro médio votar sempre na mesma merda, essa desgraça de metade do país votando no Lula e a outra metade no Bolsonaro.
Limpe sua mente de romantismo democrático, de mentalidade de primeiro mundo, de idealizações. Olha bem para o Brasil como está hoje e me diz se uma pessoa que recebe auxílio do governo tem qualquer condição de dar um voto consciente, imparcial e pensando na coletividade.
Francamente, vocês parecem que não querem sair do buraco. É ilusório pensar que se sai de um buraco desse tamanho com medidas leves, populares e moderadas. Sejam realistas, só se sai desse buraco com medidas mais incisivas.
Para dizer que já viu preso votando (eram os que ainda não tem condenação definitiva), para dizer que nunca tinha pensado por esse lado (a histeria do voto sagrado trava questionamentos) ou ainda para dizer que voto deveria ser é desencorajado (já é, com essa multa ridícula por não votar): comente.
Eu concordo que deve haver restrições ao direito ao voto, mas acredito que nivelar por grau de alfabetização seria melhor. Sei que cerca de 75% dos brasileiros são analfabetos funcionais, e que isso impediria muitas pessoas de votar, mas qualquer pessoa que tenha boa vontade e disposição para fazer um esforço pode aprender a ler e interpretar textos corretamente. Sair da pobreza miserável que necessita de auxílio é mais complicado, especialmente para quem nasceu nela. Embora eu ache que a forma que as pessoas gastam o auxílio precise ser minimamente fiscalizada. Quem gasta com bets, drogas e bebida, por exemplo, deveria perder tanto o direito ao auxílio quanto ao voto, ao menos até se reabilitar.
No mais, acho que tirar a obrigatoriedade do voto já diminuiria muito a quantidade de eleitores mal informados e votos por razões erradas. As eleições para prefeito registraram cerca de 30% de abstenções, imagino que a maioria das pessoas nem teria interesse em votar se não fosse obrigatório.
Concordo com tudo Paula. E acho que se tudo for implementado menos de 1% da população vai votar, o que eu acho ótimo.
“voto deveria ser é desencorajado (já é, com essa multa ridícula por não votar)”
Deveria haver “até bolsa anti-voto”, e bastante? Desencorajar ainda mais de alguma forma!
“Vota e trabalha, o dinheiro que ele recebe tem uma contraprestação, muito diferente de ser bancado para ficar em casa.”
Muitíssimo diferente! Regra de nunca ter FGTS e raramente haver casos de PASEP, aliás.
“Tempo. Consistência. Democracia. Direitos Humanos.”
A “questão de sacoleirar os EUA com dois anos de atraso” está uma dos contrárias à metade destes pilares, fora mais questões “made in BMland”…
“Talvez apenas grandes empresas e bilionários realmente paguem mais impostos do que utilizam serviços do Estado na prática. Para a maioria de nós, é uma questão de volume.”
Menção hiper honrosa deste hiper tema de hoje ao meu ver, agradeço muitíssimo também a tua metade deste debate!
Eu seria contra pagar para que a pessoa não vote. Acho um absurdo usar dinheiro do contribuinte para outra coisa que não seja melhorar a vida do contribuinte.